ASPECTOS LEGAIS E SEUS ATORES NO TRANSPORTE TERRESTRE DE PRODUTOS PERIGOSOS

Resumo

A correta identificação, avaliação e interpretação da vasta legislação do transporte terrestre de produtos perigosos torna-se necessária com o principal objetivo de se proporcionar o devido conhecimento para lidarmos, da melhor maneira, com os perigos e riscos inerentes à esta atividade. Assim, o presente artigo pretende demonstrar os aspectos legais e uma série de atores reguladores do transporte terrestre de produtos perigosos que, de alguma maneira, impactam na tomada de decisões e demais ações de fabricantes, importadores, expedidores, transportadores, contratantes do transporte, destinatários e entes públicos fiscalizadores competentes.

Artigo

ASPECTOS LEGAIS E SEUS ATORES NO TRANSPORTE TERRESTRE DE PRODUTOS PERIGOSOS

Paschoal Prearo Junior[1]

Sérgio Ricardo da Silveira Barros[2]

 

Resumo

            A correta identificação, avaliação e interpretação da vasta legislação do transporte terrestre de produtos perigosos torna-se necessária com o principal objetivo de se proporcionar o devido conhecimento para lidarmos, da melhor maneira, com os perigos e riscos inerentes à esta atividade. Assim, o presente artigo pretende demonstrar os aspectos legais e uma série de atores reguladores do transporte terrestre de produtos perigosos que, de alguma maneira, impactam na tomada de decisões e demais ações de fabricantes, importadores, expedidores, transportadores, contratantes do transporte, destinatários e entes públicos fiscalizadores competentes.

Palavras-Chave: legislação; produtos perigosos; transporte terrestre.

Introdução

            O crescimento das atividades de produção, armazenamento e transporte de substâncias químicas em nível global provocou um aumento no número de seres humanos expostos aos seus riscos – trabalhadores e comunidades. Paralelamente, observa-se aumento na frequência e gravidade dos acidentes químicos nessas atividades (Freitas, Porte e Gomez, 1995). Sobre o tema emergências químicas, a Decisão da Diretoria nº 070/2016/C, de 12 de abril de 2016, que dispõe sobre o Programa de Gerenciamento de Riscos para administradores de rodovias para o transporte de produtos perigosos – PGR rodovias – no território do estado de São Paulo, determina que:

Emergências químicas apresentam elevada frequência em todo o mundo, algumas com consequências severas ao homem, ao meio ambiente e ao patrimônio. Casos emblemáticos atestam este fato, como por exemplo, o vazamento de isocianato de metila em Bhopal – Índia, em 1984, o vazamento de óleo proveniente do navio Exxon Valdez – Alasca, em 1989, o vazamento de propano proveniente do transporte rodoviário de produtos perigosos – San Carlos de la Rapita, Espanha, em 1978, o vazamento de combustível proveniente também do transporte rodoviário – Araras, SP, em 1998, entre outros.

De acordo com o Caderno Técnico de Gestão Integrada de Riscos e Desastres (GIRD+10, 2021):

Estudos indicam que os acidentes de transportes de produtos perigosos estão associados a um conjunto de fatores políticos, sociais e econômicos, que exigem um aumento expressivo dos transportes e dos volumes de produtos perigosos armazenados em todo o mundo. Esses fatores estão relacionados principalmente a dois contextos: aumento significativo das dimensões das plantas industriais em todo o planeta, como resultado do crescimento da demanda por novos materiais e produtos químicos e perfil de natureza extremamente competitiva do setor industrial e avanço tecnológico no setor.

Assim, de acordo com o INEA (2017), temos que:

Por estar ligado diretamente ao processo industrial, seja em sua fase inicial de produção (recebimento de matérias-primas ou produtos químicos), como em sua fase final (distribuição para o mercado de tais produtos ou substâncias químicas), o transporte de produtos químicos perigosos através do eixo rodoviário apresenta grandes riscos para o homem e o meio ambiente.

                No Brasil, os desastres naturais e tecnológicos (provocados) são divididos em grupos e subgrupos, a partir da Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade). O subgrupo 4, de acidentes tecnológicos, refere-se à desastres relacionados a transporte de produtos perigosos e que contempla 6 tipos: transporte rodoviário, transporte ferroviário, transporte aéreo, transporte dutoviário, transporte marítimo e transporte aquaviário.

Figura 1 – Desastres relacionados a transporte de produtos perigosos

Fonte: Anuário brasileiro de desastres naturais: 2011

Em virtude da complexidade da atividade de transporte terrestre de produtos perigosos, podemos identificar vários atores que participam deste processo legislativo, como, por exemplo, o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN)[3], que é o órgão máximo normativo e consultivo do Sistema Nacional de Trânsito; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)[4], que é a agência responsável por regular as atividades de exploração da infraestrutura rodoviária federal e fiscaliza a execução dos contratos de concessão das rodovias federais entregues a iniciativa privada; o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)[5], que tem por objetivo implementar a política de infraestrutura do Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade e ampliação mediante construção de novas vias e terminais; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)[6], que possui, dentre as suas atribuições, a de executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente;  do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO)[7], que é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O Instituto atua como Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO), colegiado interministerial, que é o órgão normativo do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO), além do poder legislativo. Assim, estudos empíricos sobre o transporte de produtos perigosos no Brasil são essenciais para avaliação, planejamento e elaboração de novas políticas e programas que apoiem e orientem os Cenários de Risco para esse setor no país (GIRD+10, 2021).

Aspectos legais

            Sobre o transporte terrestre de produtos perigosos, o Manual de Produtos Perigosos (DER/SP) determina que:

O Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos está regulamentado com base em legislação e critérios técnicos, de acordo com as diretrizes da Organização das Nações Unidas – ONU, o que demonstra a preocupação das autoridades e órgãos governamentais em manter rígido controle, uma vez que, acidentes envolvendo o transporte de produtos perigosos, podem ocasionar impactos significativos ao meio ambiente, ao patrimônio, bem como à segurança e a saúde das pessoas.

Para Cunha (2009), a expressão produto perigoso, originária do inglês hazardous materials, cuja tradução significa materiais perigosos, tem um significado bastante amplo. Assim, apresenta-se a definição de produto perigoso, presente na resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) nº 5.947/2021 – parte 1, disposições gerais e definições:

significa produto que tenha potencial de causar dano ou apresentar risco à saúde, segurança e meio ambiente, classificado conforme os critérios estabelecidos neste Regulamento e no Manual de Ensaios e Critérios publicado pela ONU.

                A listagem apresentada na referida resolução da ANTT não é exaustiva, ou seja, conforme o sítio da internet de perguntas frequentes, da própria ANTT[8], a classificação de um produto ou artigo como perigoso para fins de transporte deve ser feita pelo seu fabricante ou expedidor, orientado pelo fabricante, ou ainda, pela autoridade competente, quando aplicável, tomando como base as características físico-químicas do produto.

A lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 dispõe, dentre outros, da reestruturação do transporte terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, e a Agência Nacional de Transportes Terrestres. Assim, dentro da esfera de atuação da ANTT, temos, conforme o artigo 22, VII, o transporte de cargas especiais e perigosas em rodovias e ferrovias. Além disso, o artigo 24, XIV, determina que cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuição geral, dentre outras, estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos às operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas. Assim, o site da ANTT informa, sobre a regulamentação brasileira no tema de transporte terrestre de produtos perigosos que:

A regulamentação brasileira sobre o transporte rodoviário de produtos perigosos baseia-se nas recomendações emanadas pelo Comitê de Peritos em Transporte de Produtos Perigosos das Nações Unidas, publicadas no Regulamento Modelo conhecido como “Orange Book”, atualizado periodicamente, bem como no Acordo Europeu para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos, conhecido como ADR.

            Assim, a legislação principal da ANTT que trata sobre este tema é a resolução nº 5.947, de 1º de junho de 2021, em vigor desde 1º de julho de 2021, e que atualiza o regulamento para o transporte rodoviário de produtos perigosos e aprova as suas instruções complementares, e dá outras providências. A própria norma apresenta, em seu anexo, uma tabela com uma relação dos produtos perigosos classificados como perigosos, para fins de transporte terrestre. Entretanto, o sítio da internet da ANTT, na parte de perguntas frequentes[9], informa que:

A Relação de Produtos Perigosos do Anexo da Resolução ANTT nº 5.947/21 apresenta os produtos já classificados como perigosos para fins de transporte. Tal Relação não é exaustiva e apresenta informações para cada número ONU, como classe de risco; risco subsidiário; grupo de embalagem; instruções para embalagens, IBCs e tanques; etc.

Nos termos do item 2.0.0 do Anexo da Resolução ANTT nº 5.947/21, a classificação de um produto ou artigo como perigoso para fins de transporte deve ser feita pelo seu fabricante ou expedidor, orientado pelo fabricante, ou ainda, pela autoridade competente, quando aplicável, tomando como base as características físico-químicas do produto, alocando-o em uma das classes ou subclasses descritas nos capítulos 2.1 a 2.9 dessa Resolução.

O Manual de Ensaios e Critérios, publicação da Organização das Nações Unidas- ONU, permite, após a realização dos ensaios ali descritos, a alocação de um produto, que ainda não esteja listado na Relação de Produtos Perigosos, a uma das 9 classes e/ou subclasses de risco descritas na Resolução.

Caso o produto, após ensaios, não se enquadrar nos critérios de periculosidade definidos na regulamentação, não está sujeito a regulamentação aplicável a tal atividade.

 Assim, em resumo, caso um produto já não esteja nominalmente listado na Relação de Produtos Perigosos, é necessário consultar o seu fabricante para obter a correta classificação.

                        Um outro ponto interessante é que esta resolução determina que as substâncias, também incluindo misturas e soluções são alocados a uma das nove classes de acordo com o risco ou o mais sério dos riscos por eles apresentado:

Classe 1: Explosivos:

– Subclasse 1.1: Substâncias e artigos com risco de explosão em massa;

– Subclasse 1.2: Substâncias e artigos com risco de projeção, mas sem risco de explosão em massa;

– Subclasse 1.3: Substâncias e artigos com risco de fogo e com pequeno risco de explosão ou de projeção, ou ambos, mas sem risco de explosão em massa;

– Subclasse 1.4: Substâncias e artigos que não apresentam risco significativo;

– Subclasse 1.5: Substâncias muito insensíveis, com risco de explosão em massa;

– Subclasse 1.6: Artigos extremamente insensíveis, sem risco de explosão em massa.

Classe 2: Gases:

– Subclasse 2.1: Gases inflamáveis;

– Subclasse 2.2: Gases não-inflamáveis, não-tóxicos;

– Subclasse 2.3: Gases tóxicos.

Classe 3: Líquidos inflamáveis

Classe 4: Sólidos inflamáveis, substâncias sujeitas à combustão espontânea; e substâncias que, em contato com água, emitem gases inflamáveis:

– Subclasse 4.1: Sólidos inflamáveis, substâncias autorreagentes e explosivos sólidos

insensibilizados;

– Subclasse 4.2: Substâncias sujeitas à combustão espontânea;

– Subclasse 4.3: Substâncias que, em contato com água, emitem gases inflamáveis.

Classe 5: Substâncias oxidantes e peróxidos orgânicos:

– Subclasse 5.1: Substâncias oxidantes;

– Subclasse 5.2: Peróxidos orgânicos.

Classe 6: Substâncias tóxicas e substâncias infectantes:

– Subclasse 6.1: Substâncias tóxicas;

– Subclasse 6.2: Substâncias infectantes.

Classe 7: Material radioativo

Classe 8: Substâncias corrosivas

Classe 9: Substâncias e artigos perigosos diversos, incluindo substâncias que apresentem risco para o meio ambiente.

            Já a seção I do capítulo II contempla informações das condições para o transporte. Neste item em específico, a resolução da ANTT, em seu artigo 5º, determina que:

Para a realização do transporte rodoviário remunerado de produtos perigosos, o transportador deve estar devidamente inscrito em categoria específica do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC.

  • 1º Além do procedimento padrão para inscrição no RNTRC, os transportadores que realizam o transporte rodoviário remunerado de produtos perigosos deverão comprovar:

I – prévia inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividade Potencialmente Poluidora – CTF/APP, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, quando exigido por esse Instituto; e

II – avaliação da conformidade dos veículos e equipamentos de transporte de produtos perigosos a granel, quando aplicável, por meio de inspeção ou certificação.

Assim, neste ponto, teremos a correlação com outros atores que também regulam a matéria de transporte terrestre de produtos perigosos: O Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) está previsto na resolução da ANTT nº 5.982, de 23 de junho de 2022, que regulamenta procedimentos para inscrição e manutenção no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC), ou seja, o transportador rodoviário remunerado de cargas poderá se inscrever no RNTRC em uma das seguintes categorias, a saber: Transportador Autônomo de Cargas (TAC), Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC) e Cooperativa de Transporte Rodoviário de Cargas (CTC).

Além disso, o transportador deve comprovar também a prévia inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividade Potencialmente Poluidora (CTF/APP), do IBAMA, quando exigido por esse Instituto. Esta determinação está prevista na instrução normativa nº 13, de 23 de agosto de 2021, que regulamenta a obrigação de inscrição no cadastro técnico federal de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais. Assim, temos, no artigo 10, que:

São obrigadas à inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais as pessoas físicas e jurídicas que se dediquem, isolada ou cumulativamente:

I – a atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais, nos termos do art. 2º, inciso I;

II – à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente; e

III – à extração, produção, transporte e comercialização de produtos e subprodutos da fauna e flora.

  • 1º A inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais de pessoas físicas e jurídicas que exerçam as atividades mencionadas no caput é condição obrigatória para prestação de serviços do Ibama que dependam de declaração de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais.

                Sobre a avaliação da conformidade dos veículos e equipamentos de transporte de produtos perigosos a granel, quando aplicável, por meio de inspeção ou certificação, a própria resolução da ANTT determina, em seu artigo 11 que:

Os veículos e equipamentos de transporte de produtos perigosos a granel devem ser certificados e/ou inspecionados, conforme detalhamento a seguir:

I – os equipamentos de transporte de produtos perigosos a granel devem ser certificados por Organismos de Certificação de Produtos – OCP acreditados pelo Inmetro para a emissão do Certificado para o Transporte de Produtos Perigosos – CTPP; e

II – os veículos e os equipamentos de transporte de produtos perigosos a granel devem ser inspecionados por Organismos de Inspeção Acreditados – OIA acreditados pelo Inmetro para a emissão do Certificado de Inspeção Veicular – CIV e do Certificado de Inspeção para o Transporte de Produtos Perigosos – CIPP, respectivamente.

            Nestas situações, é o INMETRO, por meio da portaria n.º 457, de 22 de dezembro de 2008, que aprova o Regulamento Técnico da Qualidade 5 – Inspeção de Veículos Rodoviários Destinados ao Transporte de Produtos Perigoso, com a exigência do Certificado de Inspeção Veicular (CIV), documento obrigatório para todos os veículos utilizados para o transporte rodoviário de produtos perigosos a granel, e pela portaria nº 397, de 21 de agosto de 2019, que aperfeiçoa a instrução para preenchimento de registros de inspeção na área de produtos perigosos, contemplando o Certificado de Inspeção para o Transporte de Produtos Perigosos (CIPP), também para os casos de transporte rodoviário realizado de forma a granel e sendo aplicado ao equipamento rodoviário instalado sob o chassi de caminhões ou ligado diretamente ao veículo, podendo ser um tanque, caçamba, container, carroceria etc. Temos também um terceiro certificado – o CTPP. De acordo com o Manual de Procedimentos de Fiscalização do Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (ANTT, 2021), temos que:

Os equipamentos de transporte de produtos perigosos a granel devem ser certificados por Organismos de Certificação de Produtos – OCP acreditados pelo Inmetro para a emissão do Certificado para o Transporte de Produtos Perigosos – CTPP. O CTPP aplica-se exclusivamente para os tanques de carga rodoviários novos, destinados ao transporte de produtos perigosos e está regulamentado nas Portarias no Inmetro nº. 16/2016 e 38/2018.

                O condutor do veículo que transporta produtos perigosos também merece a atenção. Assim, a seção IV do capítulo II da resolução nº 5.947, de 1º de junho de 2021, trata do Pessoal Envolvido na Operação do Transporte. Conforme o artigo 20, temos que:

O condutor de veículo utilizado no transporte de produtos perigosos deve ter sido aprovado em curso específico, conforme regulamentado pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, salvo se disposto em contrário nas Instruções Complementares a este Regulamento.

                Quem regula esta matéria é a resolução nº 789, de 18 de junho de 2020, do CONTRAN, que consolida normas sobre o processo de formação de condutores de veículos automotores e elétricos. Assim, o art. 27 trata dos cursos especializados, a saber:

Os cursos especializados serão destinados a condutores habilitados que pretendam conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de produtos perigosos e de carga indivisível, de emergência e motocicletas e motonetas destinadas ao transporte remunerado de mercadorias (motofrete) e de passageiros (mototáxi).

                O curso para condutores de veículos de transporte de produtos perigosos possui uma carga horária inicial de 50 (cinquenta) horas-aula e contém alguns requisitos para a matrícula, como ser maior de 21 anos, estar habilitado em uma das categorias B, C, D e E, não estar cumprindo pena de suspensão do direito de dirigir, cassação da CNH, pena decorrente de crime de trânsito, bem como não estar impedido judicialmente de exercer seus direitos.

            Outro ponto de extrema importância é o cadastramento, pelo expedidor da carga, das rotas rodoviárias de produtos perigosos, realizadas em vias públicas federais e estaduais no território nacional. Esta obrigação está prevista na instrução normativa nº 11, de 9 de abril de 2021, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que estabelece aos expedidores os procedimentos e as orientações para o cadastro de informações de rotas dos fluxos de transporte de produtos perigosos ao DNIT. Assim, temos, no artigo 3º, que:

O cadastramento das rotas deve ser realizado pelo expedidor da carga, por meio do Sistema de Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos – STRPP disponibilizado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT.

  • 1º O expedidor é aquele que entrega a carga ao transportador para efetuar o serviço de transporte.
  • 2º Nos casos de redespacho, o transportador redespachante assumirá as responsabilidades atribuídas ao expedidor, tornando-se o único responsável pelo cadastramento do trajeto para o qual realizou a contratação do novo transportador.

                A mesma instrução normativa ainda determina que, anualmente, até o dia 30 de setembro do ano posterior ao de referência, o expedidor deverá preencher todos os dados solicitados pelo Sistema de Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (STRPP), disponibilizado no site oficial do DNIT[10].  O artigo 7º trata da emissão de certificado:

Após o cadastramento dos fluxos anuais, o Sistema de Transporte Rodoviário de Produto Perigosos – STRPP disponibilizará a emissão automática de um certificado, atestando que a empresa declarou as rotas do ano anterior de acordo com a legislação vigente.

            Sobre a carga e seu acondicionamento, a seção III do capítulo II da resolução ANTT nº 5.947, de 1º de junho de 2021 determina que no transporte de produtos perigosos embalados, somente podem ser utilizadas as embalagens permitidas pelas instruções complementares a este regulamento. Assim, quem regula a matéria de embalagens é a portaria nº 320, de 23 de julho de 2021, do INMETRO, que aprova os Requisitos de Avaliação da Conformidade para Embalagens, Tanques Portáteis e Contentores Intermediários para Granéis – IBC, utilizados no Transporte Terrestre de Produtos Perigosos. Assim, aplicam-se os presentes requisitos a:

I – Embalagens utilizadas no transporte terrestre de produtos perigosos; cuja massa líquida não exceda a 400 quilogramas (inclusive) ou cujo volume não exceda a 450 litros (inclusive);

II – Embalagens grandes utilizadas no transporte terrestre de produtos perigosos, cuja massa líquida exceda a 400 quilogramas (inclusive) ou cujo volume exceda a 450 litros (inclusive), mas não exceda a 3.000 litros (inclusive);

III – Contentores intermediários para granéis – IBC, utilizados no transporte terrestre de produtos perigosos, cujo volume exceda a 450 litros (inclusive) e não exceda a 3.000 litros (inclusive);

IV – Embalagens refabricadas utilizadas no transporte terrestre de produtos perigosos, cuja massa líquida não exceda a 400 quilogramas (inclusive) ou cujo volume não exceda a 450 litros (inclusive);

V – Embalagens recondicionadas utilizadas no transporte terrestre de produtos perigosos, cuja massa líquida não exceda a 400 quilogramas (inclusive) ou cujo volume não exceda a 450 litros (inclusive);

VI – Tanques portáteis utilizados no transporte terrestre de produtos perigosos, cujo volume exceda a 450 litros (inclusive); e

VII – Embalagens reutilizáveis utilizadas no mercado varejista de combustíveis automotivos, cujo volume não exceda a 200 litros (inclusive).

O transporte de produtos perigosos também possui uma relação estreita com um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, ou seja, o licenciamento ambiental. Alguns estados e municípios possuem legislação própria do tema, como o decreto estadual do Rio de Janeiro nº 46.890, de 23 de dezembro de 2019, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Licenciamento e demais Procedimentos de Controle Ambiental – SELCA. Entretanto, quando ocorrer o transporte interestadual de produtos perigosos, a instrução normativa IBAMA n° 05, de 9 de maio de 2012 trata do procedimento transitório de autorização ambiental para o exercício da atividade de transporte marítimo e interestadual, terrestre e fluvial, de produtos perigosos. Assim, conforme o artigo 5º desta instrução normativa, a empresa transportadora, seja ela matriz ou filial, constante no documento fiscal, deverá dispor para cada veículo, ou composição veicular, de cópia da Autorização Ambiental para Transporte de Produtos Perigosos, onde o prazo de validade da Autorização Ambiental é de 3 (três) meses, contado da data de sua emissão.

            A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) possui também uma vasta base normativa sobre o tema. Assim, segue abaixo uma tabela exemplificativa com as Normas Técnicas da ABNT relacionadas a transporte terrestre de produtos perigosos:

Tabela 1 – Exemplos de Normas Técnicas relacionadas com o transporte terrestre de produtos perigosos

ABNT NBR 14619:2023 Transporte terrestre de produtos perigosos – incompatibilidade química
ABNT NBR 13221:2021 Transporte terrestre de produtos perigosos – Resíduos
ABNT NBR7500:2023 Identificação para o transporte terrestre, manuseio, movimentação e armazenamento de produtos
ABNT NBR7501:2021 Transporte terrestre de produtos perigosos — Terminologia
ABNT NBR12982:2020 Transporte terrestre de produtos perigosos — Procedimentos para serviços de limpeza ou de descontaminação
ABNT NBR16173:2021 Transporte terrestre de produtos perigosos – Carregamento, descarregamento e transbordo a granel e embalados (fracionados) – Requisitos para capacitação de trabalhadores
ABNT NBR 9735:2023 Conjunto de equipamentos para emergências no transporte terrestre de produtos perigosos
ABNT NBR 15481:2021 Transporte rodoviário de produtos perigosos – Lista de verificação com requisitos operacionais referentes à saúde, segurança, meio ambiente e qualidade
ABNT NBR14064:2022 Transporte rodoviário de produtos perigosos — Diretrizes do atendimento à emergência
ABNT NBR13221:2021 Transporte terrestre de produtos perigosos – Resíduos

Fonte: O autor, 2023

            Em junho de 2023 entra em vigor a resolução ANTT nº 5.998, de 3 de novembro de 2022, que atualiza o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos, aprova suas Instruções Complementares. Esta nova resolução irá revogar a resolução nº 5.947/2021 e visa também atualizar o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos. De acordo com o sítio da internet da ANTT[11], entre as principais mudanças estão:

a atualização da relação de produtos perigosos, com inclusão de novos produtos já contemplados na regulamentação internacional, a exclusão da necessidade de apresentação do documento “Declaração do Expedidor”, a revisão geral das infrações aplicáveis e a inclusão de novas instruções para embalagens já contempladas na regulamentação internacional.

Conclusões

            De acordo com as atribuições dos atores que regulam a disciplina do transporte terrestre de produtos perigosos, verifica-se a complexidade e abrangência do tema, o que demanda uma maior atenção das pessoas físicas, jurídicas e demais entes públicos. A identificação, análise da sua aplicabilidade e o devido atendimento destes requisitos legais por empresas que atuam com o transporte terrestre de produtos perigosos demanda tempo, pessoal capacitado e, em especial, um grande investimento financeiro das empresas. Entretanto, verifica-se que esta não é uma tarefa das mais fáceis para todos os atores que participam deste processo, em especial, os órgãos de fiscalização.

 

Referências

Agência Nacional de Transportes Terrestres. Atualiza o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos e aprova as suas Instruções Complementares, e dá outras providências. Resolução nº 5.947, de 1º de junho de 2021. Disponível em https://anttlegis.antt.gov.br/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&num_ato=00005947&sgl_tipo=RES&sgl_orgao=DG/ANTT/MI&vlr_ano=2021&seq_ato=000&cod_modulo=161&cod_menu=5408. Acesso em: 7 abr. 2023.

Agência Nacional de Transportes Terrestres. Regulamenta procedimentos para inscrição e manutenção no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC, e dá outras providências. Resolução nº 5.982, de 23 de junho de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-5.982-de-23-de-junho-de-2022-410035120. Acesso em: 7 abr. 2023.

Anuário brasileiro de desastres naturais: 2011 / Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres. – Brasília: CENAD, 2012.

BRASIL. Decreto 96.044, de 18 de maio de 1988. Aprova o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d96044.htm. Acesso em: 7 abr. 2023.

BRASIL. Lei 10.233, de 5 de junho de 2001. Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10233.htm. Acesso em: 7 abr. 2023.

CUNHA, Wallace de Castro. Análise do Transporte de Produtos Perigosos no Brasil. 2009. Tese (Doutorado no Programa de Engenharia de Transportes) UFRJ/COPPE, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Decisão de Diretoria nº 070/2016/c, de 12 de abril 2016. Dispõe sobre o Programa de Gerenciamento de Riscos para administradores de rodovias para o transporte de produtos perigosos – PGR rodovias – no território do Estado de São Paulo. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/12/DD-070-2016-P-1-1.pdf. Acesso em: 7 abr. 2023.

Departamento de Estradas de Rodagens – DER / SP. Manual de Produtos Perigosos. Aprova o regulamento para o transporte rodoviário de Produtos Perigosos. Disponível em: http://200.144.30.103/siipp/arquivos/manuais/Manual%20de%20Produtos%20Perigosos.pdf

Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Estabelece aos expedidores os procedimentos e as orientações para o cadastro de informações de rotas dos fluxos de transporte de produtos perigosos ao DNIT. Instrução Normativa nº 11/DNIT Sede, de 9 de abril de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/dnit/pt-br/central-de-conteudos/atos-normativos/tipo/instrucao-normativa/2021/in-11-2021-dpp-publ.pdf. Acesso em: 7 abr. 2023.

FREITAS, C. M.; PORTE, M. F.; GOMEZ, C. M., 1995. Acidentes químicos ampliados: um desafio para a saúde pública. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 29, n. 6, p. 503-514. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/g6x8vJ3ppDTJrQLbdCrhCvg/?lang=pt)

GIRD+10: Caderno Técnico de Gestão Integrada de Riscos e Desastres. Coordenação Samia Nascimento Sulaiman. 1. ed. Brasília, DF. Ministério do Desenvolvimento Regional/Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, 2021.

Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Aprova o Regulamento Técnico da Qualidade 5 – Inspeção de Veículos Rodoviários Destinados ao Transporte de Produtos Perigoso. Portaria nº 457, de 22 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/rtac001409.pdf. Acesso em: 7 abr. 2023.

Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Aperfeiçoa a Instrução para Preenchimento de Registros de Inspeção na Área de Produtos Perigosos. Portaria nº 397, de 21 de agosto de 2019. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC002592.pdf. Acesso em: 7 abr. 2023.

Instituto Estadual do Ambiente (RJ). Diagnóstico dos acidentes ambientais no Estado do Rio de Janeiro,1983-2016: enfoque no transporte rodoviário de produtos perigosos / Instituto Estadual do Ambiente. – Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: http://www.inea.rj.gov.br/wp-content/uploads/2019/01/Diagn%C3%B3stico-dos-Acidentes-Ambientais-no-Estado-do-Rio-de-Janeiro-1983-2016.pdf

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Regulamenta a obrigação de inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais e revoga os atos normativos consolidados, em atendimento ao Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019. Instrução Normativa nº 13, de 23 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&legislacao=138775. Acesso em: 7 abr. 2023.

Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Aprova os Requisitos de Avaliação da Conformidade para Embalagens, Tanques Portáteis e Contentores Intermediários para Granéis – IBC, utilizados no Transporte Terrestre de Produtos Perigosos – Consolidado. Portaria nº 320, de 23 de julho de 2021. Disponível em: http://sistema-sil.inmetro.gov.br/rtac/RTAC002809.pdf. Acesso em: 7 abr. 2023.

Superintendência de Fiscalização de Serviços de Transporte Rodoviário de Cargas e Passageiros – SUFIS. Manual de Procedimentos de Fiscalização do Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos – Brasília: ANTT, 2021. Disponível em: https://anexosportal.datalegis.net/arquivos/1608532.pdf

Notas:

[1]Doutorando em Sistemas de Gestão Sustentáveis (UFF); Mestre em Sistemas de Gestão (UFF); MBA em Organizações e Estratégica – Área de Concentração: Sistema de Gestão do Meio Ambiente (UFF); pós-graduado em Direito Ambiental (UCAM), pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho (UCAM) e pós-graduado em Direito Público e Privado (UNESA); Advogado; Tecnólogo em Meio Ambiente (CEFET/RJ); Técnico em Segurança do Trabalho (SENAC/RJ). Auditor e consultor técnico-jurídico nas áreas de qualidade, saúde ocupacional, meio ambiente, segurança do trabalho e responsabilidade social. E-mail: [email protected] / [email protected]

[2]Professor associado da Universidade Federal Fluminense no Departamento de Análise Geoambiental no Instituto de Geociências e do Programa de Pós-graduação em Sistemas de Gestão (UFF). Coordenador da REMADS – Rede UFF de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. E-mail: [email protected]

[3] https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transito/contran

[4] https://portal.antt.gov.br/resultado/-/asset_publisher/m2By5inRuGGs/content/id/497800

[5] https://www.gov.br/dnit/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes

[6] https://www.gov.br/ibama/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/sobre-o-ibama#atribuicoes

[7] https://www.gov.br/inmetro/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/institucional-index

[8]https://portal.antt.gov.br/pt/web/guest/perguntas-frequentes/-/categories/362298?p_r_p_resetCur=true&p_r_p_categoryId=362298

[9]https://portal.antt.gov.br/pt/web/guest/perguntas-frequentes/- /categories/362298?p_r_p_resetCur=true&p_r_p_categoryId=362298

[10] https://servicos.dnit.gov.br/cargasperigosas/

[11] https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/antt-atualiza-resolucao-sobre-transporte-rodoviario-de-produtos-perigosos

Palavras Chaves

legislação; produtos perigosos; transporte terrestre.