ATUALIDADES E GENERALIDADES SOBRE O MARCO CIVIL DA INTERNET

Resumo

A Lei nº 12.965, ou mais conhecida como Marco Civil da Internet é uma Lei
promulgada 24 de agosto de 2014 e surgiu da necessidade e em razão do debate pela sociedade
sobre como se impor regras, limites no ambiente virtual, de forma a não afetar princípios
Constitucionais tão caros ao ser humano como Direito à privacidade, a livre manifestação do
pensamento dentre outros que norteiam a vida em sociedade e dar mais segurança jurídica às
decisões dos Tribunais. Daí que, após o advento da Lei nº 12.965/14 que regulamentou a
utilização da internet no Brasil e que, em vias de completar 10 anos de vigência, ainda urge
por ser melhor conhecida e aplicada pelos operadores do Direito.

Artigo

ATUALIDADES E GENERALIDADES SOBRE O MARCO CIVIL DA INTERNET

 

James Crawford Prado Júnior

Resumo – A Lei nº 12.965, ou mais conhecida como Marco Civil da Internet é uma Lei promulgada 24 de agosto de 2014 e surgiu da necessidade e em razão do debate pela sociedade sobre como se impor regras, limites no ambiente virtual, de forma a não afetar princípios Constitucionais tão caros ao ser humano como Direito à privacidade, a livre manifestação do pensamento dentre outros que norteiam a vida em sociedade e dar mais segurança jurídica às decisões dos Tribunais. Daí que, após o advento da Lei nº 12.965/14 que regulamentou a utilização da internet no Brasil e que, em vias de completar 10 anos de vigência, ainda urge por ser melhor conhecida e aplicada pelos operadores do Direito.

Palavras-Chave – Marco Civil da Internet, Constituição Federal, Privacidade, Liberdade de Expressão, Processo Civil.

Sumário – Introdução. 1. Surgimento do Marco Civil da Internet. 2. Aspectos gerais sobre o Marco Civil da Internet. 3. Análise das jurisprudências sobre o Marco Civil da Internet. Conclusões. Referências.

INTRODUÇÃO

Antes de abordar o histórico da Lei nº 12.965/14, ou doravante, simplesmente referenciada por Marco Civil da Internet deve-se levar em consideração duas de suas primeiras causas: a internet em si e as mídias sociais.

O Marco Civil da Internet surgiu no ano de 2014 contudo, o fato social que a norma visou regulamentar (as relações dos usuários na internet) é mais antiga que os direitos nela consagrados, datam da década de 1990 pelo menos. E as mídias sociais são uma de maiores facetas da internet,

Importante ter em mente que, conforme definição do site Wikipedia, mídias sociais são: “tecnologias e plataformas que permitem a criação e o compartilhamento de informação e conteúdos em formatos passíveis de transmissão por canais digitais.”.

É fato que o Marco Civil da Internet veio para regulamentar a própria internet e tudo mais a ela relacionado de forma amplamente considerada, inclusive, as mídias sociais.

Assim, durante esse artigo, teremos a oportunidade de analisar como se iniciou o debate sobre uma legislação plural, democrática e compatível com o ordenamento jurídico brasileiro que culminou na Lei nº 12.965/14 e, até chegou a ser bastante modificada pela Medida Provisória

Podemos destacar que, após a edição da Lei nº 12.965/14 o debate sobre os direitos dos usuários da internet ficou mais favorecido é verdade, contudo, ainda há pontos obscuros, sobretudo, no que diz respeito ao direito à privacidade, liberdade de expressão e armazenamento de dados dos usuários pelos provedores de internet e prazos.

O artigo abordará também relevantes aspectos da parte processual do Marco Civil da Internet, que contém diversas peculiaridades que, se não forem adotadas pelo prejudicado, inclusive, extrajudicialmente, o operador corre o risco de frustrar as expectativas do seu cliente.

1.  O SURGIMENTO DO MARCO CIVIL DA INTERNET

No ano de 2011, após cerca de três anos de tramitação do projeto de Lei entre o Sanado Federal e a Câmara dos Deputados nasceu a Lei nº 12.965/14 ou o Marco Civil da Internet que foi assinada pela Presidente então em exercício.

Um dos primeiros pontos que merecem destaque é que, a comissão fez questão de ressaltar exatamente no primeiro parágrafo do Parecer do projeto de Lei do Marco Civil da Internet foi que o documento fora “construído em conjunto com a sociedade, em processo que ficou conhecido sob a denominação de Marco Civil da Internet.” E assim, vieram as discussões públicas durante o seu processo de aprovação como prevê a Constituição Federal e os Regimentos Internos do Senado e Câmara dos Deputados.

Esse debate gerou a mobilização da sociedade civil em diversos níveis pois, a mesma clamava por uma regulamentação com urgência já que, os efeitos nocivos das redes sociais já estavam sendo observados pelos usuários em geral e evoluindo negativamente diante da sensação de impunidade ou anarquia.

Assim, ficou consignado que, mesmo diante dos efeitos positivos que esses fatos traduziam (maior número de usuários conectados à grande rede mundial, a popularização chega enfim as camadas menos favorecidas com o barateamento das tecnologias, etc), merecendo destaque integral o seguinte trecho do Parecer:

  1. Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD referente ao ano de 2009 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam a existência de sessenta e oito milhões de internautas, com taxa de crescimento de mais de um milhão a cada três meses. Ao mesmo tempo em que empolgam, esses números expressam a dimensão dos diversos desafios para que a Internet realize seu potencial social. Um desses desafios é harmonizar a interação entre o Direito e a chamada cultura digital, superando uma série de obstáculos críticos, presentes tanto nas instituições estatais quanto difusos na sociedade.

Com esse destaque, já podemos antever a importância que o tema tinha perante os operadores do Direito, sobretudo, o Poder Judiciário. Como aplicador das Leis, cabe ao Judiciário apreciar todas as questões sobre o Direito do país. É sabido que o poder Judiciário interpreta e aplica as leis.

E, caso inexista qualquer “norma” ou “garantia” invocável pela parte prejudicada, não podem os magistrados serem portadores das más notícias e reafirmar que o Direito inexiste, portanto, não há norma ou garantia que socorra à pretensão jurídica deduzida nos autos.

Contudo, não é novidade que a Constituição Federal trouxe uma gama de princípios que se amoldam perfeitamente para equacionar as relações dos usuários de internet com seus direitos.

E quais seriam esses direitos que poderiam ser invocados para a solução de litígios nos tempos anteriores à aprovação do Marco Civil da Internet, pois, as redes sociais datam de em geral do século XXI (anos 2000) ao passo que a nossa Constituição Federal vigora desde o século XX (05 de outubro de 1988).

Ao que consta a defesa da privacidade e sua inviolabilidade absoluta em sede de internet é latente. A pergunta é como fazer sem prejudicar o direito ‘’dos outros’’?

Tanto a imagem quanto as ideias detém especial relevância no arcabouço Constitucional, sendo que os debates sobre sua aplicação, quando ocorrem e eventuais exceções já se esgotaram por muito outros articulistas, advogados, juízes não tendo nada que se possa acrescentar ao que já foi dito e escrito.

Porém, o direito à liberdade de expressão igualmente é um desdobramento lógico deste assunto. Contudo, ele não é absoluto. A corte Suprema vem sendo frequentemente questionada sobre os limites da dita liberdade de expressão. Se é irrestrita ou restrita, se pode sofrer censura prévia ou apenas o direito à retratação pelos eventuais ofendidos, indenização, etc.

À guisa de exemplo do debate sobre os limites da liberdade de expressão e censura prévia, enquanto elaborava esse artigo foi de conhecimento público que a Rede Globo de televisão teve impedida a exibição de um dos episódios do programa Linha Direta que supostamente iria tratar do trágico homicídio do menor Henry Borel, ocorrido março de 2021.


Na ocasião, os acusados em virtude de não terem sido ainda julgados e, temendo os efeitos da opinião pública no juri que os réus irão enfrentar, um deles obteve pedido liminar de suspensão do episódio do programa Linha Direta.

Ou seja, o episódio foi retirado da grade de programação e a divulgação foi suspensa, conforme apurou o Estado de São Paulo, em matéria publicada em 17/05/2023.

Então, por decisão da MM. Sra. Juíza Elizabete Machado Louro do Tribunal do Juri do Rio de Janeiro foi deferida determinação para que a rede Globo suspendesse a exibição do episódio previsto para ir ao ar no mês de maio de 2023.

Entretanto, no dia seguinte o Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal – Gilmar Mendes – suspendeu o ato da Juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – apontada como autoridade coatora na Medida Cautelar na Reclamação nº 59.847 de 2023.

Dentre outros argumentos, é evidente que a emissora prejudicada alegou que o ato seria uma censura prévia ao conteúdo jornalístico produzido e, que, sendo fato público e notório – o homicídio do menor Henry e respectivas autorias e demais circunstâncias envolvidas no crime – não haveria que se salvaguardar os interesses dos acusados diante (princípio) da liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal no artigo 5º, IV.

O fato é que, a Medida Cautelar na Reclamação nº 59.847 de 2023 fora acolhida e a decisão efetivada a tempo de o programa ser exibido. Entretanto, merece destaque o trecho da decisão do Sr. Ministro Gilmar Mendes:

Nesse aspecto, a orientação jurisprudencial firmada partir do julgamento da ADPF 130 consagrou que a liberdade de informação e de imprensa somente podem ser integralmente preservadas se entendidas como proibitivas de qualquer tipo de censura prévia.

No caso, o ato judicial reclamado proibiu a exibição da matéria jornalística nos seguintes termos:

Não bastasse o fato de que o processo ainda pende de julgamento, tem-se a circunstância de se tratar de episódio que ganhou grande repercussão na mídia e na opinião pública em geral, o que, por si só, já demanda a adoção de medidas que visem a garantir a escorreita apuração dos fatos. Nesse sentido, a exibição do programa, em canal aberto, em horário nobre e por emissora de grande alcance do público em geral, não parece servir aos propósitos informativos que possam ser alegados, até porque o processo em si é público, estando as informações à disposição da sociedade, e, não havendo ainda resolução do mérito, qualquer dinâmica dos fatos a ser exibida no programa não passaria de mera especulação (…)

Compulsados os autos, verifico que, a pretexto de garantir a lisura do processo penal e a preservação da consciência dos futuros jurados, a autoridade reclamada afrontou a decisão vinculante proferida na ADPF proferida nos autos da ADPF 601- MC, tive a oportunidade de enfatizar que incumbe ao Poder Judiciário atuar preventivamente para impedir a prática de quaisquer atos estatais que possam ensejar a violação, ainda que indireta, do direito fundamental à liberdade de imprensa.


Aparentemente a ausência de normas objetivas de como lidar com todos os direitos, deveres e problemas que surgiram foi sempre um norte na elaboração do Marco Civil da Internet. E, obviamente, não faltou considerações sobre as dificuldades que o poder Judiciário estava tendo em lidar com todos esses imbróglios.

Assim é que, deste parecer que traçou o arcabouço e motivos da futura lei que inaugura o Marco Civil da Internet, a preocupação com a ausência de clareza quanto as normas aplicáveis, as decisões conflitantes do Judiciário e ainda preocupada com a questão dos contratos digitais e suas consequências para os consumidores foram algumas das razões jurídicas que permearam o dito documento.

Nesse sentido, merece destaque o parágrafo do parecer, que tratou da preocupação do papel do Judiciário nesta questão do dito direito digital:

 

  1. Para o Poder Judiciário, a ausência de definição legal específica, em face da realidade diversificada das relações virtuais, tem gerado decisões judiciais conflitantes, e mesmo contraditórias. Não raro, controvérsias simples sobre responsabilidade civil obtêm respostas que, embora direcionadas a assegurar a devida reparação de direitos individuais, podem, em razão das peculiaridades da Internet, colocar em risco as garantias constitucionais de privacidade e liberdade de expressão de toda a sociedade (…) a crescente difusão do acesso enseja novos contratos jurídicos, para os quais a definição dos limites fica a cargo dos próprios contratantes, sem a existência de balizas legais. A seguir essa lógica, a tendência do mercado é a de que os interesses dos agentes de maior poder econômico se imponham sobre as pequenas iniciativas, e que as pretensões empresariais enfraqueçam os direitos dos usuários.

 

 

Assim sendo, conclui-se pela relevância da Lei nº 12.965/14 que, traz direitos e deveres dos usuários, considerando todas as formas de acesso à internet que o ser humano foi capaz de desenvolver até hoje.

Oportuno rememorar que, o projeto de Lei nomeado de Lei das Fakes News irá interferir em um ou outro aspecto do Marco Civil da Internet, contudo, não deve revogá-la por completo, por isso, a importância de se estar atualizado sobre os mandamentos da Lei 12.965/14.

Portanto, o Marco Civil da Internet quis proteger o usuário em todos os seus aspectos: direito a privacidade, estabilidade da conexão contratada, defesa contra insultos e outros ataques em ambiente virtual, e, igualmente, fortalecer o Judiciário nessa árdua tarefa que é manter-se atualizado com o seu tempo.

2.  ASPECTOS GERAIS SOBRE O MARCO CIVIL DA INTERNET:

É preciso dizer que se essa for a primeira vez que você for pesquisar sobre a Lei nº 12.965/14 por exemplo, num site como o do Planalto, você notará que o Marco Civil da

Internet sofreu tentativa de modificação substancial pela edição da Medida Provisória nº 1.068/2021.

Contudo, a medida provisória não fora convertida em Lei.

É importante não só lidar com as ditas decisões judiciais, mas reconhecer o valor que os demais atores do Ordenamento Jurídico possuem também. Nesse sentido foi a partir de um parecer da Ordem dos Advogados do Brasil e em conjunto com o parecer da Procuradoria- Geral da República é que o Sr. Senador, dentre outros motivos, entendeu pela rejeição da Medida Provisória nº 1068/21.

Para tanto, destacou que:

CONSIDERANDO que a edição da Medida Provisória nº 1.068, de 2021, ato normativo com eficácia imediata, ao promover alterações inopinadas ao Marco Civil da Internet, com prazo exíguo para adaptação e com previsão de imediata responsabilização pela inobservância de suas disposições, gera considerável insegurança jurídica aos agentes a ela sujeitos, conforme também salientam o Parecer da Ordem dos Advogados do Brasil, encaminhado a esta Casa por meio do Ofício nº 141/2021-PCO, bem como o Parecer da Procuradoria-Geral da República proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.994/DF (…) FAZ SABER que foi encaminhada ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República a Mensagem nº 92 (CN), de 14 de setembro de 2021, que rejeita sumariamente e devolve a Medida Provisória nº 1.068, de 2021, que “Altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, e a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre o uso de redes sociais”, e declara o encerramento de sua tramitação no Congresso Nacional.

Dessa forma, para aprimorar o debate, repisemos o que acontece quando uma Medida Provisória não é convertida em lei.

A medida provisória é uma proposta legislativa que parte do Executivo, uma prerrogativa que a própria Carta Magna ofereceu aos nossos presidentes da República. Todavia, não deve ser usada, movimentada como se fosse papel de rascunho.

A matéria é disciplinada pelo artigo 62 da Constituição Federal de 1988.

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

  • 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
    • – relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  1. nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

  1. direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  2. organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)


  1. planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
    • – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
    • – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
    • – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
    • 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

 

 

No caso concreto, ainda que a medida provisória tenha sido rejeitada nos termos e prazos do § 11º do art. 62 da CF/88, ela é plenamente válida durante a vigência (mínima de sessenta dias, caso não ocorra a prorrogação de mais 60 dias, por uma só vez) não havendo como se desconsiderar a breve convivência da Medida Provisória nº 1.068 de 2021 na Lei do Marco Civil da Internet. Contudo, não surtiu grandes impactos processuais.

Em seu primeiro artigo, o Marco Civil da Internet diz que:

Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

 

 

O legislador não poupou esforços em reunir, num só artigo, tudo que ele queria dizer. Como é senso comum dizer-se entre os juristas que, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, ou, CDC é uma das normas mais completas conhecidas entre os países de tradição romana-germânica, tendo em vista sua amplitude de proteções e direitos em favor dos consumidores.

O mesmo poder-se-ia afirmar diante do Marco Civil da Internet.

Assim, ao dispor em seu primeiro artigo que a Lei tutela os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet a Lei não deixou margem para debates sobre lacunas.

Entretanto, antes de tudo deve-se lembrar a lição de Miguel Reale sobre o que são os princípios gerais e sua importância para o Direito:

“Podemos dizer que os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas (…) os princípios gerais do Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico…”.

A lei foi completa, pois ao especificar os quatro termos não deixou margem de dúvidas que, há uma garantia, uma salvaguarda de que, numa escala onde o princípio é fonte do Direito, o início, seus fundamentos da interpretação da Lei, etc passando, então, para as suas garantias (mais voltada para a sua realização), direitos e finalizando com os deveres, as obrigações dos usuários para com a internet e o ordenamento jurídico brasileiro.

Os princípios mais importantes para se conhecer o espírito da Lei, sua mens legis nas palavras do civilista Paulo Nader isto é, a vontade pura do legislador, vieram no artigo 2º do Marco Civil da Internet:

Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:

  • – o reconhecimento da escala mundial da rede;
  • – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;
  • – a pluralidade e a diversidade; IV – a abertura e a colaboração;

V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI – a finalidade social da rede.

O preclaro civilista Santiago Dantas lecionava sobre princípios que são “a própria norma, costumeira ou legal, que o juiz está aplicando, depois de submetê-la a um raciocínio indutivo que lhe permitiu distinguir os princípios que nela estavam inclusos”.

Isto é, não deixa dúvida que os princípios se classificam, entre outros, como fonte do Direito.

Por isso, vieram indicados no artigo 2º, logo no início da Lei. Interessante observar que a expressão e também um princípio constitucional a liberdade de expressão foi inscrita não só como um princípio, mas também uma garantia no artigo 3º de tão importante que é para todos.

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

  • garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
  • – proteção da privacidade;
  • – proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;
  • – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
  • – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
  • – preservação da natureza participativa da rede;
  • – liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O artigo acima transcrito é uma espécie de tratado sobre princípios e às vezes, garantias também não cabendo uma análise minuciosa de todos seus incisos visto que não é o escopo deste artigo.

Entretanto, além da garantia da liberdade de expressão, destacam-se os incisos II, III, V e VI.

A proteção da privacidade, enquanto um princípio, ou seja, um valor jurídico, uma fonte do Direito há de ser preservada, sempre que possível, no entanto, são conhecidas as exceções legais, tais como para efeitos de apuração criminal, responsabilidade civil já que a manifestação do pensamento é livre, mas é vedado o seu anonimato, etc.

A própria lei dispõe de mecanismo específico de tutela de remoção de conteúdo, ocasião na qual o direito à privacidade colide com a proibição de anonimato ou ainda, com a liberdade de expressão. Nesses casos, os dois princípios maiores poderão ser revistos, por força de decisão judicial no art. 19 do MCI.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

  • 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

A princípio, esses dois pontos – direito à privacidade e/ou liberdade de expressão nunca podem ser invocados em favor daquele que usa o anonimato e a facilidade de identidades virtuais para atacar outrem e cometer ilícitos. A Lei que regulamenta a internet no Brasil não se prestaria a isso, aliás, nem mesmo as garantias constitucionais.

Entretanto, por exemplo, se for se destinado a fazer prova de fato entre os interessados, na forma da previsão do Código de Processo Civil, que dispõe sobre o ônus da prova do fato constitutivo do direito cabe a quem alega, dessa forma, o fornecimento de imagens, prints, textos, áudios e qualquer tipo de divulgação de conversas e seu conteúdo dentro do processo é válido.

E, evidentemente, se a divulgação trouxer danos para um dos participantes das conversas é claro que terá direito à indenização visto que, a privacidade é um direito, é uma questão de respeito.

Não se pode transformar as exceções em regra, sob pena de banalização.

Por sua, vez o tratamento dispensado aos dados dos usuários e sua proteção no Marco Civil da Internet também merecem respeito e alguns esclarecimentos.

Os dados são as informações pessoais que os usuários deixam enquanto navegam no web. A privacidade embora um princípio consagrado em nossa Constituição Federal não é absoluta.

E, apenas se for possível rastrear, individualizar o acesso dos usuários de forma individualizada será possível dar-lhe alguma segurança jurídica, caso seja vítima ou pratique qualquer conduta ilícita. No entanto, os dados, que são os nossos rastros digitais guardam riquezas incontáveis para as big techs e também pelos criminosos cibernéticos.

E esse poder-dever do próprio Estado Brasileiro não pode ser deixado de lado, como se fosse de menor importância. O debate não é sobre regulamentação, mas também sobre quem é o gestor e responsável pela guarda dessas informações colidas. Esse debate ao que consta não foi tratado totalmente pela Lei do Marco Civil da Internet.

Interessante se registrar que existe uma gama imensa de tipos de dados que são trocados na web, porém, o legislador quis que apenas dois tipos deles resultassem na obrigação dos provedores em sua conservação: são os registros de conexão (art. 13) e registros ao acesso à aplicação (art. 15).

Nesse sentido, o RESp 1.885.201/SP, julgado em 23/11/2021, de relatoria da ministra Nancy Andrighi é bastante representativo. A questão é saber se todas as informações trocadas pelos usuários são passíveis de armazenamento pelos provedores de internet e a resposta do Judiciário foi pela negativa, com fulcro nos artigos 13 e 15 da Lei nº 12.965/14.

  1. No Marco Civil da Internet, há apenas duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão (art. 13) e os registros de acesso à aplicação (art. 15). A restrição dos dados a serem armazenados pelos provedores de conexão e de aplicação visa a garantir a privacidade e a proteção da vida privada dos cidadãos usuários da Internet. Não há, assim, previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail, como é o caso da recorrida, o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas.

Frise-se que em relação ao inciso V do art. 3º da Lei nº 12.965/14, os princípios da preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas

técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas é muito importante para todos nós.

E a partir deste ponto, deve-se parar de falar em “usuários” e termos em mente que somos todos consumidores dos serviços e produtos vinculados na internet. E, é claro, são raras as exceções.

Afinal, é bem sabido que a definição de consumidor não excluiu a de pessoa jurídica, basta uma interpretação literal do artigo 2º do CDC:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

 

Assim, mesmo pessoas jurídicas são consumidores nos termos do CDC, devendo ter o mesmo tratamento dispensado ao consumidor pessoa física no que tange à privacidade e sigilo dos dados transmitidos.

Percebe-se que, o Marco Civil da Internet regulamentou os serviços de internet garantindo que os mesmos adotem um padrão mínimo, um standard quanto ao seu funcionamento da rede de internet de forma eficiente e contínua.

Ainda nesse sentido, sobre se o serviço por ser gratuito não afastaria a existência da relação de consumo, tal discussão não é irrelevante. E a decisão final está a cargo dos Tribunais pois, nem o Marco Civil da Internet tampouco o Código de Defesa do Consumidor foram claros neste aspecto.

E a dúvida foi respondida pelo Superior Tribunal de Justiça, já que, sendo a jurisprudência uma das inúmeras fontes do Direito, a força vinculante de suas decisões hão de ser consideradas.

Diz o mestre elementar da filosofia jurídica Miguel Reale sobre sua importância:

“Pela palavra “jurisprudência” (stricto sensu) devemos entender a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais. Os juízes são chamados a aplicar o Direito aos casos concretos, a dirimir conflitos que surgem entre indivíduos e grupos (…) Para que se possa falar em jurisprudência de um Tribunal, é necessário certo números de decisões que coincidam quanto à substância das questões objeto de seu pronunciamento”.

 

Portanto, fica a cargo do STJ decidir em último grau se o serviço gratuito colocado à disposição na internet forma entre os fornecedores dos produtos ou serviços e seus usuários uma relação de consumo.

Ab initio, o próprio MCI trouxe a resposta a essa indagação no art. 16:

Art. 16. Na provisão de aplicações de internet, onerosa ou gratuita, é vedada a guarda; (…)

 

Contudo, não pareceu suficiente para as empresas que se sentiram prejudicadas, pois, no entendimento delas em sendo uma relação não onerosa (gratuita) não haveria aplicação do CDC.

Porém, a resposta é positiva em favor dos consumidores e pode ser resumida pela ementa do RESp 1.316.921/RJ julgado em 26/06/12, cujo relatoria foi mais uma vez da Ministra Nancy Andrighi:

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. DESNECESSIDADE. RESTRIÇÃO DOS RESULTADOS. NÃO-CABIMENTO. CONTEÚDO PÚBLICO. DIREITO À INFORMAÇÃO.

  1. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.
  2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor (…).

 

 

Portanto, o fato de não haver remuneração direta pelo consumidor não afasta a aplicação do CDC, sendo que a remuneração indireta e, notadamente, a coleta dos dados pessoais dos utilizadores dos serviços é que interessa às empresas de tecnologia da internet.

Por sua vez, sendo a segurança dos usuários uma garantia, um mínimo de confiança a qual o consumidor não pode ser questionado a abrir mão daquela. Nem provedor de internet ou seus serviços, sejam pagos ou não podem abrir mão do dever de segurança.

Finalmente, a funcionalidade é uma questão de ordem pública. O advérbio funcionalidade deriva da palavra funcional2 isto é, aquilo que é desenvolvido ou executado para ser eficaz, para obter o máximo de próprias capacidades, para ser prático, útil; utilitário, eficaz.

Afinal, a internet e seu funcionamento não são mais uma casualidade, um serviço não essencial, ao contrário, é vital para em todos seus aspectos. Não deveria deixar de parar de funcionar por longos períodos colocando todos seus consumidores em risco.

Daí, o especial interesse do legislador em não deixar a cargo dos provedores adotarem padrões distintos de qualidade e quantidade no momento do acesso à web.

  • DICIO, Dicionário online de português, 2009, Disponível em <https://dicio.com.br/funcional/> acesso em 29 maio 2023.

3.  3. ANÁLISE DAS JURISPRUDÊNCIAS SOBRE O MARCO CIVIL DA INTERNET

Como prometido no início deste artigo, antes do encerramento compilei algumas decisões de relevância à aplicação da Lei nº 12.965/14 na prática forense. Afinal, essa era uma das intenções deste artigo.

Todavia, a fim de não alargar o enfoque jurisprudencial procurei decisões junto ao Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, já que, as chances de ter uma ação proposta junto à Justiça Estadual são maiores, em razão da competência em relação à matéria.

Relevante ainda usar a pesquisa para deparar-nos como pensam e aplicam os juízes o Marco Civil da Internet. No acórdão proferido nos autos do processo nº 0284372- 60.2018.819.0001 a seguir comentado, logo podemos notar uma colisão entre dois valores fundamentais – privacidade x honra e imagem do ofendido.

No caso em tela, prevaleceu esse último conforme entendimento da Exma. Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves da 6ª Câmara Cível, em decisão julgada em 04/12/2019:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DIGITAL. DIFAMAÇÃO EM REDE SOCIAL. PRETENSÃO DA AUTORA DE EXCLUIR O PERFIL EM QUE FORAM VEICULADAS OFENSAS A SUA PESSOA E DE IDENTIFICAR O USUÁRIO INFRATOR. MARCO CIVIL DA INTERNET (LEI Nº 12.965/2014). COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À PRIVACIDADE DO USUÁRIO E À HONRA E À IMAGEM DA VÍTIMA. PONDERAÇÃO JÁ FEITA, À PRIORI, PELO LEGISLADOR. ARTIGO 22 C/C 10, CAPUT E § 1º C/C O 7º, I, DA LEI Nº 12.965/2014. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE, NOS CASOS DE PRÁTICA DE ILÍCITO, MEDIANTE ORDEM JUDICIAL, COMPELIR O PROVEDOR A FORNECER DADOS CADASTRAIS DO USUÁRIO INFRATOR, PERMITINDO QUE A VÍTIMA O IDENTIFIQUE E BUSQUE A SUA RESPONSABILIZAÇÃO; ESCLARECENDO QUE SOMENTE OS DADOS FORNECIDOS PELO USUÁRIO INFRATOR AO PROVEDOR PODEM SER OBJETO DA MEDIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A DESPEITO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ORDEM JUDICIAL PARA OBTER AS MEDIDAS REQUERIDAS PELA AUTORA, VERIFICA-SE QUE NO CASO EM TELA HOUVE INEQUÍVOCA RESISTÊNCIA DO RÉU EM CUMPRI-LAS, CONFIGURANDO-SE A SUA SUCUMBÊNCIA. POR ESSE MOTIVO SÃO DEVIDAS AS VERBAS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA REFORMA EM PEQUENA PARTE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

 

O saber jurídico da ilustre Desembargadora pode ser percebido pela sua fundamentação, merecendo destaque o seguinte trecho do Acórdão:

O caso dos autos revela o sempre delicado conflito entre valores constitucionais alçados a garantias fundamentais. De um lado, está a garantia fundamental insculpida no art. 5º, X, da CRFB/88, consubstanciada na inviolabilidade da intimidade e da vida privada, e, de outro, a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, previstos no mesmo dispositivo legal.


Como é cediço, mesmo direitos fundamentais não são absolutos, sobretudo quando diante de um possível conflito com outro direito fundamental. (…)

Doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que a colisão desses direitos deve ser resolvida por meio do juízo de ponderação, orientado pelo postulado da proporcionalidade. Nele, um dos direitos fundamentais, no caso concreto, cede frente a outro, sem que isso implique em supressão do ordenamento jurídico do direito mitigado.

 

Numa outra situação parecida, o prejudicado ao propor ação com pedido de obrigação de fazer e danos morais, onde pleiteou a retirada de supostos vídeos ofensivos a sua pessoa, o Tribunal acabou por reformar a sentença e julgar improcedente os pedidos formulados.

O Acórdão é lavra do Exmo. Dr. Desembargador Arthur Narciso de Oliveira Neto, julgado 23/07/2020 pela 26ª Câmara Cível do TJ/RJ3. Na decisão, o magistrado entendeu que, não havia indicação clara das URL’s (localizador de recurso universal) que é o endereço onde fica vinculado qualquer conteúdo na web.

Para o magistrado, o interessado tinha condições de indicar qual o URL dos responsáveis pelo conteúdo difamatório e não o fez. Já por sua vez a empresa Apelante alegou que, do modo tal como proferida a decisão:

que:

“Por seu turno, o Suplicado afirmou que o comando imposto pela decisão guerreada seria genérico, vez que teria determinado a exclusão de qualquer publicação que tivesse conteúdo relacionado aos fatos descritos em inicial, bem como a identificação de diversos usuários, sem especificação (indicação da ¿URL¿) que lhe permitisse a localização de tais postagens e usuários.”.

 

Feita essa breve consideração, o relator fez questão de registrar na referida decisão

“O Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, nos casos de publicações não autorizadas, imperiosa a notificação do provedor cujo conteúdo se pretende ver retirado, com indicação de sua URL. Precedentes: REsp. 1.698.647/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018; AgInt no AgInt no AREsp. 956.396/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017.

Com efeito, o cumprimento do dever de remoção de publicações consideradas ofensivas resta condicionado à indicação pelo denunciante do respectivo URL (localizador de recursos universal) da página em que estiver inserido o conteúdo.

Todavia, no caso em comento, verifica-se que a obrigação de indisponibilizar todo e qualquer link com o conteúdo descrito em inicial, bem como disponibilizar dados dos usuários constantes no anexo I, sem a indicação da localização (URL), permissa maxima venia, se afigura genérica, em descompasso com o disposto no art. 19, § 1º, da Lei n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). – Grifei.

 

 

 

3 0019368-59.2018.819.0066- APELAÇÃO.

Infelizmente, o referido processo corre em segredo de justiça, não sendo possível analisar-se os fundamentos contidos no voto, porém, a julgar pela ementa oficial fica claro que, cabe ao ofendido o dever de indicar os URL’s tal como se fosse uma condição da ação específica para efeitos da tutela de remoção de conteúdo com fulcro no Marco Civil da Internet.

Outra questão que o advogado deve estar preparado para enfrentar é: quando o site ou URL responsável pelo conteúdo ofensivo não for hospedada em território brasileiro, teria o judiciário pátrio poder de jurisdição?

Poderia um juiz brasileiro impor a lei brasileira, caso o provedor não tenha domicílio no Brasil, ou ainda que tenha, mesmo se o conteúdo considerado como ofensivo não está vinculado a nenhum endereço (URL) de sites brasileiros?

Esta questão é, de fato, bastante interessante, já que, a diversidade de provedores de conteúdo ou serviços na web é quase que infinita. Todavia, essa alegação não foi suficiente para afastar a responsabilidade da empresa, pelo descumprimento da ordem judicial, nos moldes do Acórdão 4 do Desembargador Dr. Juares Fernandes Folhes, da 19ª Câmara Cível, em decisão julgada em 20/03/2018.

AGRAVO E INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO AJUIZADA EM FACE DE BLOGPOST E GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DE FOTOS NO SITE DO 1º RÉU (BLOGPOST). DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU A INTIMAÇÃO DO 2º RÉU (GOOGLE) PARA QUE TRAGA INFORMAÇÕES RELATIVAS AOS RESPONSÁVEIS PELO 1º RÉU , A FIM DE QUE O MESMO SEJA LOCALIZADO PARA CITAÇÃO. INCONFORMISMO DO 2º RÉU (GOOGLE) ARGUMENTANDO QUE OS DADOS RELATIVOS AO USUÁRIO RESPONSÁVEL PELO BLOG EM QUESTÃO NÃO SÃO PASSÍVEIS DE FORNECIMENTO, UMA VEZ QUE OS REGISTROS DE ACESSO INDICAM QUE A CONEXÃO UTILIZADA É ORIUNDA DO ESPANHA. ARGUMENTA SOBRE IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DE DADOS ORIUNDOS EXCLUSIVAMENTE DE CONEXÕES ESTRANGEIRAS E A LIMITAÇÃO DA JURISDIÇÃO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. DESPROVIMENTO AO RECURSO – Grifei

 

Registre-se que o Relator fez questão de afastar logo de plano a alegação de extraterritoriedade da lei brasileira, ao argumento que:

  1. Quanto a alegação de impossibilidade técnica e jurídica do cumprimento da obrigação quando as conexões dos usuários são provenientes de outros países (ESPANHA), não tem o menor cabimento. Além do agravante não comprovar a origem estrangeira das conexões, certamente não encontrará qualquer dificuldade em cumprir a obrigação que lhe foi imposta, na medida em que atua como uma extensão das empresas globais que a constituíram, representando seus interesses em nosso país, não parecendo que seja tão impossível obter os dados cadastrais do usuário responsável pelo blog em questão. 4. Prestadora de serviços de Internet (GOOGLE) que é extensão no Brasil de empresa global, tendo a obrigação de fornecimento dos dados, ainda que provenientes do exterior. Por mais que se queira

4 0001284-14.2018.819.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO.

garantir a liberdade daqueles que navegam na rede, reconhecendo-se essa condição como indispensável à própria existência e desenvolvimento da Internet, não podemos transformá-la numa “terra de ninguém”, onde, sob o pretexto de não aniquilar as suas virtudes, se acabe por tolerar sua utilização para a prática dos mais variados abusos. (…) Diante disso, ainda que muitos busquem na web o anonimato, este não pode ser pleno e irrestrito. A existência de meios que possibilitem a identificação de cada usuário se coloca como um ônus social, a ser suportado por todos nós, em especial por aqueles que exploram economicamente a rede, objetivando preservar a sua integridade e o seu próprio destino.

 

 

E não menos importante que as demais questões acima, é a obrigação ou não da notificação prévia do provedor de conteúdo antes do ingresso judicial, como uma peculiar condição da ação com base no Marco Civil da Internet.

A questão é relevante, pois, em diversas decisões pesquisadas, a ação fora julgada improcedente (e mantida em grau recursal) por justamente ter faltado ao interessado buscar administrativamente a remoção do conteúdo junto ao site hospedeiro.

Sem essa tentativa, ao que tudo consta, não há que se falar em intervenção do Poder Judiciário nem defesa/tutela de remoção de conteúdo nos termos do Marco Civil da Internet.

Na primeira decisão5 proferida pelo Desembargador Dr. Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª Câmara Cível, julgamento em 13/09/2022, o emérito Relator entendeu que:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE PROVEDOR DE HOSPEDAGEM. VIOLAÇÃO A DIREITO AUTORAL. APURAÇÃO ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE ESPECIFICAÇÃO DOS CONTEÚDOS SUPOSTAMENTE VIOLADOS. DANOS MATERIAL E MORAL.

  • – O art. 19, § 2º, da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) disciplina a responsabilidade civil    dos    provedores    de    aplicações,    porém,    remete a responsabilidade do provedor na hipótese de infrações a direitos de autor ou a direitos conexos à previsão legal específica, em respeito à liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal. Igualmente não cuida da hipótese específica em que um determinado conteúdo ou vídeo difundido por determinado canal seja objeto de apropriação por terceiro e, a partir disso, veiculado em outro canal, tampouco disciplina a recuperação de conteúdos objeto de apropriação por terceiros.
  • – No caso dos autos, o réu/apelado disponibiliza em sua plataforma mecanismo de notificação sobre violação de direitos autorais, por meio do qual o autor do conteúdo prejudicado pode denunciar o fato ao provedor de hospedagem.
  • – As informações apresentadas pelo autor/apelante quando da formulação do pedido de remoção dos conteúdos apontados como objeto de violação ao seu direito autoral foram consideradas vagas e insuficientes para conferir embasamento ao cumprimento de plano da providência pretendida(de retirada dos conteúdos de sua autoria exibidos indevidamente por outro canal) no âmbito administrativo, o que, de rigor, é precedido de investigação pelo próprio provedor de hospedagem quanto à veracidade da denúncia de suposta violação de direitos autorais.
  • – Diante da inércia do autor apelante em atender, no prazo de sete dias, à solicitação que lhe foi encaminhada pelo réu para que especificasse os vídeos e os

5 0012877-36.2019.819.0087 – APELAÇÃO

conteúdos apontados como objeto de violação ao seu direito autoral, operou-se o encerramento do atendimento na plataforma digital, com a geração automática do email de retirada do pedido de remoção.

  • – Desse modo, não se vislumbra qualquer conduta irregular por parte do réu/apelado de molde a ensejar reparação por danos material e moral.
  • – Recurso ao qual se nega provimento.

(0012877-36.2019.8.19.0087 – APELAÇÃO. Des(a). HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES – Julgamento: 13/09/2022 – QUINTA CÂMARA CÍVEL).

E dentre as ressalvas, o mencionado artigo 19, em seu § 2º, remete a responsabilidade do provedor de aplicações na hipótese de infrações a direitos de autor ou a direitos conexos à previsão legal específica, em respeito à liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal. Deveras, a Lei do Marco Civil não cuidou da hipótese específica em que um determinado conteúdo ou vídeo difundido por determinado canal seja objeto de apropriação por terceiro e, a partir disso, veiculado em outro canal. Tampouco disciplina a recuperação de conteúdos objeto de apropriação por terceiros. De todo modo, no caso específico dos autos, o réu/apelado disponibiliza em sua plataforma mecanismo de                                 notificação      sobre                      violação     de        direitos autorais(https://support.google.com/youtube/answer/6005900?hl=ptBR), por meio do qual o autor do conteúdo prejudicado pode denunciar o fato ao provedor de hospedagem (…) Note-se que o autor não atendeu ao pedido do réu para que identificasse, no prazo de sete dias, de forma precisa, os vídeos objeto de apropriação por terceiros, o que se faz necessário para a apuração administrativa dos fatos. Repare que não houve sequer especificação quanto aos respectivos títulos, limitando-se o autor a alegar a violação ao seu direito (fls. 55 e 58 – indexadores 55 e 58) – Grifei.

 

 

E, por sua vez, a Desembargadora Dra. Renata Silvares França Ridel, da 3ª Câmara Cível em julgamento6 de 18/07/2022, entendeu que:

“Entendimento do Eg. Superior Tribunal de Justiça anterior ao Marco Civil da Internet que estabelecia, como premissa para a responsabilização dos provedores de aplicação, sua notificação acerca da existência de conteúdo ofensivo, a caracterizar responsabilidade de natureza subjetiva. Inexistência de dever, dos provedores de aplicação, de controle prévio do que é publicado por terceiro. Comprovação de sua notificação, pelo ofendido, e de sua posterior inércia essenciais à caracterização da culpa e, consequentemente, do ato ilícito ensejador do dever de reparar. Ausência, in casu, de demonstração da notificação prévia. Em conclusão, no caso sob análise, ao se aplicar a jurisprudência da Corte Superior, a responsabilização do Apelante seria possível apenas se, comprovada sua notificação, com indicação da URL, acerca da existência do perfil difamatório, restasse demonstrado que não agiu para retirá-lo do ar. Todavia, compulsando os autos, não se vislumbra qualquer comprovação de tal notificação, essencial à deflagração da responsabilidade subjetiva do provedor de aplicação. Há apenas, à fl. 05 (IE nº 000002), a afirmação da Autora de que “imediatamente entrou neste perfil e utilizou-se da ferramenta de denúncia e pediu para que alguns amigos fizessem o mesmo”. A lavratura de Registro de Ocorrência (fls. 31/34 – IE nº 000018) tampouco serve para tal fim.”.

 

 

CONCLUSÃO

Assim sendo, o Marco Civil da Internet é uma legislação moderna, em vias de completar 10 anos de sua edição, sendo evidentes os esforços do legislador durante todo o

6 0098153-32.2012.819.0038 – APELAÇÃO

trabalho legislativo para chegar a um texto que fosse democrático, seguro e estivesse de acordo com o ordenamento jurídico e principalmente com as garantias e princípios da CFRB/88.

No que diz respeito à análise principiológica de suas garantias e valores resta claro que a Lei nº. 12.965/14 não utilizou palavras inúteis ao firmar em seu artigo 1º que o MCI é composto por princípios, garantias, direitos e deveres, onde buscou-se explicitar de forma breve o que cada uma dessas palavras significa para o advogado.

Em sua grande maioria, a lei já nasceu sem lacunas, entretanto, pontuou-se que a eventual Lei das Fake News deverá vir de forma a complementar os institutos, já que, o Marco Civil da Internet deixou de lado, justamente, as questões criminais que, seguramente, devem ser melhor abordadas e exploradas com a edição da Lei das Fake News.

E, finalmente, destacamos algumas questões que podem “embaralhar” a vida do advogado que venha a encarar o Marco Civil da Internet, destacando-se sempre a necessidade de prévio contato com a empresa indicada como responsável por hospedar conteúdo causador da ofensa, antes do ingresso em juízo.

Destaca-se, também, a necessidade de se indicar de forma clara as URL’s que hospedam o conteúdo dito ofensivo, impróprio ou que afetem direitos autorais. Sem a indicação das URL’s, conforme assentado nos acórdãos, o Magistrado periga ofender os princípios basilares do MCI, visto que a liberdade de expressão é a regra e o seu tolhimento a exceção.

Por último, é imperioso que não se esqueça que, sendo o réu responsável pelo produto/serviço ou fazendo parte do mesmo grupo econômico (ainda que em escala global), ou, que o URL ou site seja hospedado/sediado em outro país, basta que a empresa demandada tenha representação em território nacional e que se demonstre o liame entre o fato e o dano para que o responsável seja obrigado a retirar o conteúdo ofensivo sem que isso implique em extraterritorialidade da lei brasileira ou necessidade de cooperação internacional, o que certamente esvaziaria a eficácia e rapidez da tutela pretendida, por mero “capricho jurídico” da empresa acionada.

Todavia, a responsabilidade dos provedores em caso de descumprimento de ordem judicial, ou, ainda, em caso de inércia no atendimento das solicitações administrativas feitas pelo usuário que se julgar ofendido com postagem alheia remanesce com previsão na própria Lei do Marco Civil da Internet.

Destarte, a impressão geral do Marco Civil da Internet é boa, visto que, é uma lei bem elaborada, que atendeu razoavelmente bem as demandas não só dos consumidores (usuários, nos termos da Lei nº. 12.965/14, porém via de regra, são consumidores nos termos das decisões compiladas do STJ) mas, também dos provedores da internet e conteúdo, de forma a afastar a responsabilidade civil destes, pelos atos praticados pelos seus usuários.

REFERÊNCIAS

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          .Brasil.              Câmara              dos              Deputados.              Disponível              em

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          .Brasil. Mídias Sociais. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Midias_sociais> Acesso em 22 maio 2023.

          .Brasil.          Superior          Tribunal          de          Justiça.          Disponível           em

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          .Brasil.             Estado            de             São             Paulo.             Disponível             em https://www.estadao.com.br/emais/gente/justica-proibe-linha-direta-de-falar-sobre-o-caso- henry-borel-entenda-nprec/> Acesso em 23 maio 2023.

          .Brasil. Tribunal do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em https://www.tjrj.jus.br> Acesso em 25 maio 2023.

          .Brasil. BBC. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyeyxje7r9go Acesso em 24 maio 2023.

          .Brasil. REALE, Miguel, Lições preliminares de direito, 26ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, 305/06 p.

          .Brasil. IDEM. 167/08 p.

          .Brasil. NADER, Paulo,       Introdução ao estudo do Direito, 21ª edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro, Forense, 2001, 259 p.

          .Brasil. DANTAS, San Tiago, Programa de Direito Civil, teoria geral, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2001, 56 p.

          .Brasil. Dicio. Disponível em <https://www.dicio.com.br/funcional/> acesso em 29 maio 2023.

Palavras Chaves

Marco Civil da Internet, Constituição Federal, Privacidade, Liberdade de Expressão, Processo Civil.