CLASSES MARGINALIZADAS NA CONSTRUÇÃO JURÍDICA DO BRASIL

Resumo

O presente trabalho busca exemplificar a forma como o Direito no Brasil foi construído e como classes marginalizadas foram postas durante sua construção. Tais classes, compostas em sua maioria por indígenas e negros, foram excluídas de forma sistemática da construção, formulação e elaboração do Direito como um todo, assim como excluídas do acesso à justiça e afetados pela exclusão estruturada para com os mesmos. Para tal, busca-se a compreensão de toda a construção do Direito no Brasil em vários períodos — como Colônia, Império e República — observando as estruturas pensadas e realizadas, com o apoio de relatos e fontes que demonstram os mecanismos encontrados para tal exclusão, dita anteriormente, e, na concretização de estruturas que deram suporte à manutenção da dita exclusão. Por fim, busca-se também exemplificar as formas pelas quais se procura, através de amparo legal, alguma ferramenta de reparo pela marginalização histórica, tendo como resultado uma clara exemplificação e demonstração do uso dos aparatos legais para a potencialização da marginalização social dos grupos citados acima.

Artigo

CLASSES MARGINALIZADAS NA CONSTRUÇÃO JURÍDICA DO BRASIL

                                                                       Jefferson L. Silva

Resumo

O presente trabalho busca exemplificar a forma como o Direito no Brasil foi construído e como classes marginalizadas foram postas durante sua construção. Tais classes, compostas em sua maioria por indígenas e negros, foram excluídas de forma sistemática da construção, formulação e elaboração do Direito como um todo, assim como excluídas do acesso à justiça e afetados pela exclusão estruturada para com os mesmos. Para tal, busca-se a compreensão de toda a construção do Direito no Brasil em vários períodos — como Colônia, Império e República — observando as estruturas pensadas e realizadas, com o apoio de relatos e fontes que demonstram os mecanismos encontrados para tal exclusão, dita anteriormente, e, na concretização de estruturas que deram suporte à manutenção da dita exclusão. Por fim, busca-se também exemplificar as formas pelas quais se procura, através de amparo legal, alguma ferramenta de reparo pela marginalização histórica, tendo como resultado uma clara exemplificação e demonstração do uso dos aparatos legais para a potencialização da marginalização social dos grupos citados acima.

Palavras chave: História. Direito. Classes.

  1. Introdução

Pensar no apagamento dos povos indígenas e negros, tanto na construção do Direito como no acesso à justiça durante os séculos, é, no mínimo, um trabalho extenso e cansativo, no qual apenas recorrendo ao histórico do Direito brasileiro como um todo. pode-se, ao menos, elaborar pontos cruciais de definição para tal cenário, que contribuíram, e ainda contribuem, de forma sistêmica, na constante construção de um modelo exclusivo a uma elite ao centro da sociedade brasileira.

Necessário recorrer não só à História do Direito, mas também à História do Brasil de forma plena, tendo em vista que ambas coexistem e complementam-se, demonstrando-nos o contexto como um todo, ampliando, assim, uma visão de um quadro geral no qual a História se constrói.

Para a obtenção de tal quadro geral, analisam-se os históricos detalhados em artigos, legislações, imagens, relatos e todos os tipos de fontes históricas das mais diversas, tanto materiais como fontes de conteúdos textuais.

Recorre-se de início a uma contextualização do período colonial no Brasil, onde é visto de forma superficial um contexto do Brasil na história ocidental, o povoamento do Brasil, interações sociais entre indígenas e portugueses, bases econômicas à época e a constituição do escravismo colonial.

Durante a contextualização colonial, também será analisada a construção do Direito Colonial, o Direito Indígena, a influência para o Direito Colonial brasileiro de forma geral e os modelos jurídicos aplicados no Brasil, demonstrando os passos iniciais pelo histórico do Direito no Brasil e nas construções iniciais das classes não alcançadas pelo mesmo.

Após esse ponto, é necessário detalhar as particularidades ao acesso – e construção – da justiça e do Direito pelos indígenas, as primeiras estruturas do Direito construídas no Brasil Império e República e como as mesmas foram dispostas às classes organizadas à época.

Analisado também as estruturas e mecanismos pelos quais o Direito se estabelece e a institucionalização da escravidão, durante os anos e períodos (colonial e imperial), ressaltando as formas e ferramentas utilizadas para a exclusão sistemática e estrutural de negros e indígenas, negando acesso à construção jurídica e acesso à mesma.

Por fim, há a necessidade de breve contextualização durante o Império, a partir de novas transformações sociais, e o início de uma construção do direito brasileiro de fato, quando, após uma separação de sua antiga Colônia, o Brasil inicia sua formação de modo independente.

O trabalho, como um todo, busca fazer uso do contexto histórico do Direito no Brasil para uma melhor compreensão de toda a estrutura que impossibilitou o alcance tanto do sistema de justiça como na formulação do Direito por pessoas negras e indígenas.

  1. História e História do Direito

A História, em sua forma mais ampla, relata-nos os vestígios dos “homens” e suas interações pelo espaço durante os anos. Narrando, analisando e demonstrando tais interações, construindo – ou destruindo – o mundo à sua volta, incluindo as relações sociais.

A História do Direito, por sua vez, estabeleceu-se como ciência para o estudo das construções e relações sociais, para compreender o ordenamento social como um todo e compreender a forma pela qual o Direito estabeleceu os pilares jurídicos no mundo, em busca de uma organização social.

A História do Direito prima pela leitura do que as fontes “dizem”, tais fontes podem ser materiais, fontes de conteúdo, fontes imateriais ou virtuais, entre outras, podendo trazer-nos respostas a perguntas ainda nem feitas.

O grande alerta para os estudiosos da História do Direito, de acordo com Hespanha e outros pensadores, dá-se sob a perspectiva de possuir uma consciência metodológica, o cuidado com os poderes periféricos, assim como compreender o Direito como produto social. Tais alertas servem justamente para a garantia da análise justa e correta dos fatos, sendo assim, o ponto de comum acordo do qual se deve partir.

Para a construção de tal estudo, teve-se a oportunidade de analisar apenas um episódio da História do Direito e, talvez limitado em uma visão micro, estabelecer definições incorretas, logo opta-se por analisar um conjunto de episódios ao longo do tempo, de forma breve, uma análise mais complexa para, assim, obter uma melhor compreensão das construções estruturadas ao longo dos anos, que acabam por fundir a História do Direito com a História do Brasil.

 

  1. O Pensamento Jurídico no Brasil Colônia

Inicialmente analisa-se o contexto da colonização da América pelos Europeus e, dito isso, é interessante ressaltar certos pontos para a compreensão da forma pela qual os portugueses inicialmente tratam os indígenas e os negros na Colônia.

Um ponto a ser ressaltado, como dito acima, seria a compreensão da estrutura social na Europa do século XV, na qual o feudalismo era vigente; logo, as relações servis eram naturalizadas. Valendo ressaltar uma certa diferenciação entre servos e escravos, em que o servo, diferentemente do escravo, não seria “propriedade de seu senhor”.

Durante a colonização da América portuguesa, pode-se notar a forma pela qual os índios foram inicialmente excluídos da construção social como um todo. Desde o planejamento econômico inicial, como pela elaboração do ordenamento jurídico das “novas terras”.

Nos relatos iniciais apresentando o “Novo Mundo” aos europeus, podemos notar a forma pela qual os indígenas eram vistos e tidos como inferiores, possivelmente legitimando, assim, a “legalidade” de sua submissão e escravidão.

“Não tem panos, nem de lã, nem de linho, nem de seda, porque não precisam deles. Nem têm bens próprios, pois todas as coisas são comuns. Vivem ao mesmo tempo sem rei e sem comando, e cada um é senhor de si mesmo…”  “Além do mais, não tem nenhum templo, não tem nenhuma lei, nem são idólatras.”    (VESPÚCIO, 1503)

Nos trechos acima pode-se notar a forma pela qual os indígenas são vistos em um contato inicial. Há alguns pontos iniciais que poderiam nos levar a uma melhor compreensão do tratamento dado a eles pelos colonizadores. Uma das teses iniciais seria a de que os indígenas desconheciam a propriedade privada, ou seja, poderia ser um dos pilares pelo qual os colonizadores reivindicaram posteriormente a nova terra para si mesmos.

Nota-se, em um momento posterior, a forma pela qual há a divisão de terras na Colônia no Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 pelo Rei Juan II representando Portugal, pela Rainha Isabel I e Rei Fernando II, representando a Espanha.

Nos trechos que seguem, é demonstrada, no tratado, a divisão entre Portugal e Espanha em relação às novas terras da América “descobertas ou a descobrir”, considerando-se o pensamento de que o que fosse descoberto seria do colonizador, desconsiderando os nativos, possivelmente com o ideal de que os mesmos desprezavam ou seriam ingênuos quanto ao conceito de propriedade privada, como levantado acima.

Um outro ponto a ser ressaltado seria, no trecho mencionado de Américo Vespúcio, a ideia de que os nativos não possuíam leis, comandos e reis. Na suposição pode-se extrair a visão de que a organização estatal e social que se via na Europa seria apenas a considerada válida – como de costume nas visões eurocêntricas. Logo, se os ordenamentos e conjunto de leis não eram praticados ou enunciados da mesma forma, então não teriam validade.

Tal ponto pode ser ressaltado através da forma pela qual os colonizadores se impõem juridicamente aos nativos em variados momentos, na época pré- e pós-colonial.

Igualmente importante analisar os meios e formas como os negros foram tratados inicialmente na Colônia – e constantemente durante toda a formação do Brasil, tanto Colônia, como Império e República – sendo subjugados e comercializados como produto, assim como a forma através da qual seu comércio foi legitimado e institucionalizado pelos meios jurídicos vigentes.

Os nativos foram subjugados inicialmente pelos colonizadores e permaneceram como força de trabalho por longos anos. Nesse ínterim, a escravidão já era presente na África, porém tratava-se de escravidão em pequena escala e não institucionalizada e em forma de projeto. Logo, o tráfico negreiro converte sua rota para suprir a demanda da Colônia portuguesa, transformando o “povoamento” inicial em “colonização” de fato.

O tráfico internacional de escravos em massa da África teve início por volta do século XVI, sendo atividade lucrativa e contava com amparo legal para tal, como, por exemplo, a Bula Dum Diversas de 1452, do Papa Nicolau V para o rei Afonso V de Portugal, autorizando e legitimando a conquista de territórios não cristãos e a escravatura como prática, demonstrando as formas iniciais como as legislações foram utilizadas como forma de tornar legal e legítimo tais atos.

Por fim, para compreender a estrutura jurídica que se forma na Colônia, vale visitar a estrutura portuguesa da época, quando o rei era o responsável pela administração da justiça, com o auxílio das Ordenações, com a reunião de todo o ordenamento jurídico vigente.

O início dessa estrutura no Brasil seria através de Martin de Souza, por volta de 1530, possuindo poderes jurídicos e dos donatários das capitanias hereditárias, sendo, assim, as figuras iniciais detentoras do poder para com a estrutura jurídica da época.

A estrutura da justiça não se limitava às figuras máximas detalhadas acima, os Ouvidores também funcionavam como extensão da justiça fora dos grandes centros, podendo ser complementados também por chanceleres, vereadores, entre outros. Valendo ressalvar a justiça nesse momento como instância única, tendo apenas a Bahia, com o Ouvidor-Geral, para recorrer em casos de desagrado das decisões dos Ouvidores de Comarca.

Com o tempo e a chegada da corte real, a estrutura da justiça torna-se mais complexa, com a aderência de juízes, formando, assim, a Casa da Justiça da Corte e, posteriormente, a criação dos primeiros Tribunais; por fim, após o passar do tempo, nota-se o fortalecimento de uma estrutura de justiça que visava apenas à manutenção do poder e domínio português.

 

  1. O Direito no Período Imperial

O cenário do Brasil Império, após o fim do período colonial, é marcado pelo primeiro e segundo reinados, nos quais notamos as rebeliões regenciais, a construção do Estado Imperial, a Guerra do Paraguai – com grande revolta da população negra quando, após lutarem pelo país na promessa de liberdade, se veem enganados – e, entre tantos outros episódios, a transição, enfim, da escravidão ao trabalho livre.

A escravidão indígena é findada devido à pressão pelo lucro do tráfico negreiro, entre outras questões e, por fim, em 1758, é estabelecida a lei que proibia a escravização de índios, proposta pelo Marquês de Pombal.

A escravidão dos negros, por sua vez, perdurou por mais tempo e foi explorada de forma mais evidente e massiva, com números exorbitantes, tanto de circulação e fluxo do mercado, como no número de legislação evidente para respaldo e, ao fim, exterminação da escravidão.

Vale também pensar na legislação da Lei de Terras (Lei Nº 601/1850), determinando que as terras só poderiam ser obtidas através de compra, fazendo assim com que o Exército ocupe-se da tarefa de destruir quilombos em terras ditas ilegais, por exemplo. Uma demonstração do viés pelo qual tal lei foi estabelecida, fora a forma como os imigrantes europeus foram recebidos no Brasil, com grande parte deles recebendo grandes lotes, sementes e dinheiro do Estado, sendo ferramenta de incentivo para a mobilização de imigrantes europeus para terras brasileiras.

Em 1831 vê-se a primeira lei brasileira que coibia a escravidão, a lei 7 de novembro de 1831, proibindo o tráfico transatlântico de escravos, porém com algumas exceções, não exterminando a escravidão, apenas diminuindo o fluxo de escravos comercializados, declarando livres todos os escravos trazidos a partir daquela data, por fim, porém, sendo uma lei não aplicada de fato.

Logo, vemos que apenas em 1888, de fato, a escravidão foi extinta, através da conhecida “Lei Áurea”, apresentada à Câmara Geral e aprovada entre os dias 09 e 10 de maio, debatida e aprovada no Senado no dia 13 de maio de 1888.

Por fim, quando pensamos na abolição da escravidão, tanto indígena, como dos negros, é, no mínimo, intrigante observar que nos respectivos conteúdos há, em vários momentos, a previsão de indenização aos ex-proprietários de escravos, justamente refletindo sobre o impacto econômico do fim do uso dos escravos para a economia como um todo.

Interessante, então, observar o papel das instituições e de toda a estrutura de justiça, pois pensa-se, no momento pós-abolição, apenas nos ex-proprietários. Logo, trata-se de uma visão sem pensamento futuro, por parte das instituições de justiça, quando não se pensa, no pós-abolição, nos ex-escravizados; seria apenas a vontade única de atender aos ex-proprietários.

Um dos exemplos do dito acima seriam as indenizações previstas por lei para o ex-proprietários, previstas tanto na Lei Áurea (Lei Nº 3353/1888) como na Lei do Ventre Livre (Lei Nº 2040/1871), onde há respaldo legal para tal indenização, como também alternativas à indenização, como a criação dos bancos rurais, que fomentavam e auxiliavam no progresso agrícola e industrial, garantindo empréstimos robustos aos mesmos.

Portanto, o que se nota, até então, são as várias camadas e estruturas em que é legitimada a escravidão e submissão dos indígenas e negros, favorecendo legalmente sempre os colonizadores e seus descendentes e, por fim, após o fim do processo de escravização, tais indivíduos são postos na sociedade sem amparo legal e suporte social, sendo, por fim, postos diretamente em posições de exclusão e marginalização social.

Ainda sobre tais camadas, vale ressaltar as proibições previstas em lei, como, por exemplo, a lei de 1837, que proibia o acesso à educação às pessoas escravas, demonstrando novamente a vontade de estruturar a marginalização e desigualdade social de forma mais eficaz.

Vale notar que, em tais momentos, em que se há necessidade de se estabelecer tais legislações proibitivas, é interessante notar a possibilidade de haver episódios de resistência, onde os escravizados resistiram na busca pelo ensino e, por consequência, sua emancipação, demonstrando seu papel sempre ativo nas lutas sociais, respaldada também pelo histórico de fugas e rebeliões sociais.

 

  1. A República e a Promessa de Democratização do Direito

Em 1889 fora proclamada a República no Brasil e o intuito de mudanças fora logo apagado pela contínua manutenção do poder nas mãos dos grandes proprietários rurais, que, ainda, ditavam o roteiro das instituições jurídicas no país e o de seus agentes.

Após mais de 300 anos de escravização legitimada, o ordenamento jurídico não se volta para as comunidades marginalizadas nos vários momentos iniciais da nova república. Desde a República Velha, na Era Vargas, até o fim do Estado Novo, vê-se um constante descaso do aparato legal pela garantia de legislação reparativa.

Além da falta de legislação reparativa, vê-se a criação de leis e decretos que buscavam punir práticas ligadas à cultura negra, como o Decreto 847 de 1890, que criminalizava a prática da capoeira, sendo o pontapé inicial de várias políticas de encarceramento de comunidades marginalizadas, como os negros e índios.

Nota-se também o apagamento constante dos povos indígenas e negros na construção social, tanto em legislação específica para reparação histórica, como na falta de implementação de estruturas do ordenamento jurídico mais voltadas para as comunidades marginalizadas.

  1. O Militarismo e o Aparato Legal como Ferramenta de Repressão

No momento do Brasil República como um todo, além do apagamento, fora realizado também ataques a tais comunidades, principalmente no momento pós-golpe militar em 1964, com episódios constantes de ataque, como após a implementação do Plano de Integração Nacional (PIN), quando há busca pela expansão das fronteiras internas do Brasil, resultando na tortura, perseguição e assassinato de lideranças indígenas.

Ainda no cenário da Ditadura Militar, o governo, em alinhamento com os latifundiários, sustenta a perseguição aos povos indígenas, até mesmo criando campos de concentração de trabalho forçado, como, por exemplo, o Reformatório Agrícola Krenak, servindo como nova ferramenta respaldada pelas instituições e até mesmo a FUNAI, para repressão de comunidades já marginalizadas.

O local fora utilizado como centro para repressão dos movimentos de resistência indígena, onde os índios presos não possuíam direito a julgamento ou suporte judiciário, legalizado e respaldado por brechas e artifícios do ordenamento jurídico do próprio governo.

Entrementes, a população negra também tinha seus direitos atacados e reprimidos pela dita legalidade vigente. Durante a ditadura militar, o Brasil perseguiu e espionou a luta dos movimentos raciais, de acordo com documentos do Arquivo Nacional, demonstrando a infiltração de militares em tais movimentos. Cerca de quarenta e um líderes negros desapareceram ou morreram, supostamente, por atuação militar.

As ferramentas legais para tais ações de espionagem podem ser transparecidas através de relatórios e informes que o Exército direcionava ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e ao SNI (Serviço Nacional de Informações). Nos relatórios nota-se o foco inicial em líderes, prendendo-os e perseguindo, visando justamente o enfraquecimento do movimento. Confira trecho de um dos relatórios:

“2) “NEGROS – COMEMORANDO O DIA 13 DE MAIO. O dia 13 de maio – data que os trabalhadores negros já transformaram em um marco de sua luta contra a opressão a que são submetidos pelo capitalismo – foi marcado esse ano por várias manifestações em todo o país. (…) O negro na medida em que se organiza, passa a ser considerado um perigo”. (Ministério do Exército, 1979)

Além de se pensar as formas legais utilizadas para combater e minar classes e etnias desfavorecidas no âmbito social, é importante ressaltar a forma pela qual foram formuladas leis para fortalecimento das elites, com o exemplo já dito acima no pós-abolição, gerando indenizações aos ex-senhores de escravos; vê-se também, no regime militar, legislação visando ao fortalecimento agrícola.

Tome-se como exemplo a Lei nº 5465/1968, conhecida como a Lei do Boi, na qual, após preocupações com o movimento de reforma agrária, os grandes proprietários, preocupados com desapropriação de suas terras, buscam justificar as terras sem produção agrícola por limitações de conhecimento técnico.

O Projeto, então, tinha a primícia de incentivar o preenchimento de vagas nas escolas agrícolas pelos homens do campo, na tentativa de melhorar a produção agrícola das ditas terras não produtivas. Sendo assim a primeira política de cotas que ficara vigente até 1985.

  1. Direito, Justiça e Legislação Reparativa

Com o advento da redemocratização no país e a Constituição Federal de 1988, vimos o início de uma postulação legal voltada, a lentos passos, para políticas de reparação históricas para comunidades já bem excluídas e marginalizadas socialmente.

O Brasil, agora com estruturas e ferramentas legais democráticas, busca – ou tenta buscar – a democratização da construção do ordenamento jurídico e o acesso das grandes massas ao mesmo. Com um ordenamento jurídico, complementado cada vez mais por atores políticos de várias camadas sociais, surge a gênese de um movimento único de protagonismo e atuação nas estruturas estabelecidas pelo tempo.

O ponto acima pode ser explicado, tanto pela visão mais democrática da justiça e do Direito, resultando em políticas públicas para a inserção de grande parte das comunidades marginalizadas até então, como também pela nova estrutura do Direito, sendo mais inclusivo e acessível, tendo em vista o movimento global de democratização e acessibilidade.

As Políticas Públicas elaboradas por esse ordenamento jurídico, a grosso modo, mais democrático e visando o bem-estar comum, tornam-se ferramentas e instrumentos poderosos para a atuação de toda a estrutura estatal e jurídica, garantindo direitos fundamentados pela Constituição.

Uma das primeiras políticas em vigência pode ser vista na Lei nº 10639/2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática da “História e Cultura Afro-Brasileira”, visando a um primeiro reparo do apagamento histórico de tais comunidades.

Com o advento da Lei Federal nº 12.711, de 2012, a chamada “lei de cotas”, busca-se a inserção da população não privilegiada e marginalizada nas Universidades, reservando vagas para pessoas pretas, pardas, indígenas e pobres, por exemplo, proporcionando maior inserção de pessoas historicamente marginalizadas pela sociedade dando a oportunidade de concorrência entre si, ao invés de competir com pessoas que faziam parte de uma elite, em sua maioria, branca e, no geral, com melhores condições acadêmicas.

Por fim, vale pensar também a demarcação das Terras Indígenas previstas na constituição como direito garantido, porém, levando em consideração o trâmite do “Marco Temporal” que transita no Supremo Tribunal Federal, através de Recurso Extraordinário que busca limitar a reivindicação das terras, muitas delas ainda em processo de demarcação.

  1. Considerações Finais

Diante dos pontos expostos e exemplificados, corrobora-se o papel efetivo do Direito e de toda estrutura jurídica com o passar do tempo – e dos atores que o exerciam – tanto ao se pensar os expostos formulados, como ao se pensar os resultados das classes afetadas pela estruturação de uma exclusão sistemática.

Percebe-se o Direito como ferramenta crucial para a construção de estruturas socais marginalizantes a populações subjugadas, ora por colonos, ora por ditadores populistas, ora por instituições respaldadas pela legalidade jurídica e instituições que a executavam, por tempo maquiando suas ações com suposta legalidade para tal marginalização, porém também maquiando as mesmas, em outros momentos, de uma falsa sensação de democratização do direito e do acesso à justiça.

Notam-se também as ferramentas ditas acima, não apenas criando tais estruturas, mas também buscando a manutenção de tal exclusão social, a partir de aparatos legais e artifícios, pelos quais institucionalizou-se a manutenção da exclusão social, não somente causando a dita exclusão, porém, em contraponto, reforçando grandes elites ao decorrer da história.

Não distante disso, também pode-se considerar os sucessivos momentos em que as leis foram utilizadas, para compensar apenas as classes já estabelecidas ao centro do poder social, tanto em indenizações como em forma de outros privilégios, ressaltando ainda mais o objetivo sistemático em manter os privilégios ao alcance apenas das elites já formadas e estabelecidas na história.

Ao mesmo passo em que se visa à compreensão de tais estruturas, também é apresentada a inserção de novos personagens no cenário político e jurídico, postulando nova busca pela quebra com a estrutura há tanto alimentada. Tais inserções podem ser vistas não somente no novo fôlego político e ascensão de líderes das massas de esquerda, como também pela potencialização de estruturas e instituições voltadas às grandes massas marginalizadas, resultando no pensar, tanto em políticas públicas como em ações concretas de inserção de tais indivíduos no acesso à justiça; e mais: sua inserção na sociedade como um todo.

Em suma, nota-se, de forma recente e lenta, a construção de novas políticas objetivando a quebra com a estrutura há tanto postulada, buscando novos horizontes, com base na garantia da inserção social das populações por tanto marginalizadas e excluídas do contexto social, como um todo através de processos de políticas públicas e garantias do respeito a direitos constitucionais de bem-estar social.

Como detalhado, vê-se o Direito como ferramenta poderosa, não só de controle social, como também mudança social, possuindo o poder de transformar e modificar as estruturas por tanto postuladas, não somente através da aplicação das leis já postuladas ou seguindo as instituições e sua hierarquização, mas pensando e questionando as estruturas que moldam as classes, as quais se encontram à parte e excluídas de todo o centro social.

 

 

Referências

Arquivo Nacional. Imagens do Arquivo Nacional. Disponível em: (Imagens do Arquivo Nacional — Português (Brasil) (www.gov.br)) Acesso em 27 de Fevereiro de 2022.

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

CARRILLO, Carlos Alberto. Memória da Justiça Brasileira. Salvador: Tribunal de Justiça, 1997.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 2008.

HESPANHA, António Manuel. Direito comum e direito colonial. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 3, nov. 2006.

Planalto. Lei de 7 de Novembro de 1831. Disponível em: (LIM-7-11-1831 (planalto.gov.br)). Acesso em 26 de Fevereiro de 2022.

Planalto. DECRETO Nº 4.835, DE 1º DE DEZEMBRO DE 1871. Disponível em: (DIM4835 (planalto.gov.br)). Acesso em 26 de Fevereiro de 2022.

 

Planalto. LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888. Disponível em: (LIM3353 (planalto.gov.br)). Acesso em 26 de Fevereiro de 2022.

Planalto. Constituição Política do Império do Brazil (De 25 de Março de 1824). Disponível em: (Constituição24 (planalto.gov.br)). Acesso em 26 de Fevereiro de 2022.

 

Planalto. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: (Constituição (planalto.gov.br)). Acesso em 26 de Fevereiro de 2022.

 

Planalto. LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. Disponível em: (L10639 (planalto.gov.br)). Acesso em 27 de Fevereiro de 2022.

 

Planalto. LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990. Disponível em: (L8080 (planalto.gov.br)). Acesso em 27 de Fevereiro de 2022.

 

Planalto. LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012. Disponível em: (L12711 (planalto.gov.br)). Acesso em 27 de Fevereiro de 2022.

RUA, Maria das Graças. Políticas Públicas. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/ UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2009.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e Justiça: política social na ordem brasileira. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1987.

Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário – RE 1017365. Disponível em: (Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)). Acesso em 27 de Fevereiro de 2022. 

 

UOL Notícias. Repressão aos negros na Ditadura Militar. Disponível em: (Repressão aos negros: Documentos mostram como a ditadura espionou movimento contra o racismo, com agentes infiltrados e perseguições | UOL Notícias) e conteúdo em (documento-06-final.png (1920×888) (imguol.com.br)) e (documento-01-final.png (1920×880) (imguol.com.br)) . Acesso em 26 de Fevereiro de 2022.

 

Palavras Chaves

História. Direito. Classes.