Dos Precedentes Envolvendo a Solução COSIT n.º 354/2017 e a Recente Decisão do STJ

Resumo

Este artigo apresenta o panorama jurisprudencial envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, que estabeleceu uma questionável conclusão da Receita Federal. Demonstra-se que o Poder Judiciário tem sido majoritário no entendimento de que tributar a contribuição extraordinária de participantes obrigados a contribuir com o déficit de plano de previdência, além de ser cruel, viola a própria legislação que autoriza a dedução limitada a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos.

Artigo

Dos Precedentes Envolvendo a Solução COSIT n.º 354/2017 e a Recente Decisão do STJ

 

Pedro Linhares Della Nina (*)

Resumo:  Este artigo apresenta o panorama jurisprudencial envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, que estabeleceu uma questionável conclusão da Receita Federal. Demonstra-se que o Poder Judiciário tem sido majoritário no entendimento de que tributar a contribuição extraordinária de participantes obrigados a contribuir com o déficit de plano de previdência, além de ser cruel, viola a própria legislação que autoriza a dedução limitada a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos.

Palavras Chave: Previdência Complementar. Contribuições Normais e Extraordinárias. Tributação.

 

…………………………………

1.  Da Necessária distinção entre Contribuições Normais e Extraordinárias e da Origem da Solução de Consulta n.º 354 – COSIT:

O presente trabalho, ainda que em parcas palavras, tem o escopo de apresentar o panorama jurisprudencial envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, que estabeleceu, em questionável conclusão da Receita Federal datada de 06/07/2017[1], a noção de que as contribuições extraordinárias destinadas ao equacionamento do déficit possuíram enquadramento tributário diverso das contribuições normais, motivo pelo qual não seriam – as normais –tributáveis pelo Imposto de Renda, ao passo que as contribuições extraordinárias poderiam compor a base de cálculo do Imposto de Renda, ensejando tributação.

Inicialmente, convém destacar que, sobre a incidência do imposto de renda nos benefícios recebidos de entidade de previdência privada, o fato gerador ocorre no momento da percepção do benefício recebido de entidade de previdência privada (ou do resgate das contribuições), de acordo com o art. 33, da Lei n.º 9.250/95, verbis:

Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições.

Inclusive, segue a regra jurídica relacionada à dedução da base de cálculo do imposto de renda, dentro do limite de 12%:

Lei n.º 9.250/95:

Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:

– de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à definitiva;

– das deduções relativas:

(…)

  1. e) às contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;

Lei n.º 9.532/97:

Art. 11. As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada, a que se refere a alínea e do inciso II do art. 8o da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e às contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual – Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da própria pessoa física, ficam condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observada a contribuição mínima, e limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos. (Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004)

No que se refere às entidades de previdência complementar, por força de comando constitucional[2], a normatização infraconstitucional[3] é translúcida, como não poderia deixar de ser, ao condicionar a concessão de qualquer benefício à prévia formação de custeio:

Art. 9º As entidades de previdência complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.

(…)

Art. 18 O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.

(…)

  • 3º As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador.

Acerca da formação em si do custeio, há a definição certeira sobre a essência das contribuições necessárias para a formação do fundo de previdência, com a clara divisão – e subsequente conceituação – entre normais e extraordinárias, cujo conceito decorre da Lei Complementar n.º 109/2001:

Art.  19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como  finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.

Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:

– normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e

– extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits.

E, como artigo nodal da Lei Complementar n.º 109/2001 – ao menos para finalidade do presente trabalho –, o art. 69, par. 1º, da Lei Complementar n.º 109/21, não deixa qualquer margem interpretativa, asseverando que não haverá qualquer tipo de tributação incidente sobre contribuições de qualquer natureza:

Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.

  • 1º Sobre as contribuições de que trata o caput não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.
  • 2º Sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios de entidades de previdência complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.

A finalidade e a destinação de ambas as contribuições (normais ou extraordinárias, cuja nomenclatura tem o propósito de classificar pela periodicidade e pela excepcionalidade[4]) é exatamente a mesma, qual seja, viabilizar o pagamento dos benefícios mediante a constituição prévia de reservas matemáticas.

Logo, se a lei não faz distinção, não cabe ao intérprete fazê-la. As contribuições extraordinárias, que são destinadas ao equacionamento do déficit, não podem ter enquadramento tributário diverso das consideradas contribuições normais e, por conclusão lógica, NÃO seriam tributáveis pelo Imposto de Renda, até o limite de 12% (doze por cento).

Infelizmente, malgrado o “espírito das leis”[5], a Receita Federal, em claudicante resposta à consulta de 06/07/2017, distinguiu o tratamento tributário das contribuições previdenciárias, algo não previsto na legislação, exatamente como materializado na Solução COSIT 354/2017, assim ementada:

“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF EMENTA: CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A PLANO FECHADO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. INDEDUTIBILIDADE.

As contribuições extraordinárias, ou seja, aquelas que se destinam ao Custeio de déficit, serviço passado e outras finalidades não incluídas na Contribuição normal, às entidades fechadas de previdência complementar, não são dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física. DISPOSITIVOS LEGAIS: Constituição Federal (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993),  art. 150, §  6º; Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001, art. 6º; Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, arts. 18 a 21, 68 e 69; Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 4º, inciso V, e, 8º, incisos I e II, alínea e; Lei nº9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 11; Instrução Normativa SRF nº 588, de 21 de dezembro de 2005, art. 6º. ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL EMENTA: CONSULTA. INEFICÁCIA PARCIAL. É ineficaz a consulta quando, na hipótese de versar sobre situação determinada ainda não ocorrida, não fique demonstrada a efetiva possibilidade de sua ocorrência e, quando não indique os dispositivos da legislação tributária sobre cuja aplicação haja dúvida. DISPOSITIVOS LEGAIS: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, arts. 1º, 3º, § 2º, inciso IV, e §8° e 18, incisos I e II”

2.  Do Padrão Decisório Formado e da Torrencial Doutrina Especializada:

Em maio de 2017, em lide envolvendo participante da Fundação Banrisul, houve prolação de sentença de improcedência do pedido autoral, tendo a 5ª Turma Recursal Federal – do TRF 4ª Região[6] reformado a decisão a quo, sob o fundamento de que se afigura “evidente que a quantia paga à Fundação Banrisul de Seguridade Social a título de contribuição extraordinária instituída em razão de déficit do plano não configura acréscimo patrimonial, de modo que os contribuintes possuem direito à dedução do valor correlato da base de cálculo do imposto de renda”.

Por força de Pedido de Uniformização formulado pela Fazenda Nacional, no início de 2018 (quando, de fato, começaram as discussões acadêmicas e jurisprudenciais sobre a Solução COSIT 354), houve a admissão e afetação da seguinte questão a ser submetida a julgamento: “saber se o direito à dedução da base de cálculo do imposto de renda das contribuições extraordinárias instituídas em razão de déficit dos planos de entidades de previdência privada está limitado ao percentual de 12% previsto no art. 11 da Lei n. 9.532/97”.

No final de 2018, em celebrada decisão, o TNU, ao firmar o tema 171, criou, de forma firme e tempestiva, relevante padrão decisório sobre a matéria, em verdadeira oposição à Solução COSIT 354, firmando a premissa de que: “as contribuições do assistido destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto (art. 11 da Lei nº 9.532/97)”.

O padrão decisório, nesse momento, foi criado pelo TNU, que adotou a lógica de que as contribuições extraordinárias, dentro dos limites da lei, deveriam ser utilizadas para reduzir a base de cálculo do imposto de renda.

A ABRAPP, em seu festejado blog, em julho de 2020, e fazendo referência às lições da Professora Patrícia Linhares, já indicava o problema e a necessidade de se avançar no Projeto de Lei, até a presente data não analisado pelo Poder Legislativo, para pacificar de vez a questão:

Essa imprecisão no entendimento da Receita Federal vem na contramão do fomento à poupança previdenciária e gera uma série de problemas por penalizar os participantes das entidades fechadas. “No caso das EFPC que têm déficit, o déficit não foi gerado por um ato ou omissão do participante, sempre foi em função de uma conjuntura. Então, penalizar o participante ao não ter a dedutibilidade de sua contribuição extraordinária é ilegal, pois a lei não faz essa restrição, e ainda gera um problema de bitributação no resgate desses recursos”, ressalta Patrícia.

A advogada acrescenta que em matéria de Direito Tributário compete à lei definir o tratamento tributário. A RF tem o poder de fiscalizar e arrecadar, mas não de definir o tributo. “Quem define o tributo é a lei – princípio da Legalidade, assegurado na Constituição Federal. Então, não há margem para a Receita restringir aquilo que a lei impôs como possibilidade de dedução”, ressalta.

Pauta no IMK – Esse problema foi assunto de um dos grupos de trabalho do IMK (Iniciativa do Mercado de Capitais) em 2019, e contou com proposta apresentada pela Abrapp.

A proposta resultou em uma minuta de Projeto de Lei com vistas a acrescentar dispositivos à Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, de forma a deduzir na base de cálculo do IRPF o valor das contribuições extraordinárias vertidas por participantes e assistidos a planos de benefícios de EFPC. “Após a conclusão dessa minuta no final do ano passado ainda não houve novidades sobre o assunto dentro do Ministério (da Economia)”, informa Lígia Ennes Jesi, Coordenadora-Geral de Seguros e Previdência Complementar.” [7]

Rodrigo Ribeiro Leitão, em Opinião publicada no Consultor Jurídico em setembro de 2019, foi esclarecedor ao apresentar a problemática do tratamento tributário da contribuição extraordinária vertida à EFPC, concluindo que:

Podemos concluir, portanto, que o déficit atuarial apurado nos planos de benefícios definidos da previdência complementar e equacionados na forma do art. 21 da LC 109/01, não pode ser admitido como acréscimo patrimonial para fins de incidência do imposto de renda, devendo ser tratado como hipótese de não incidência e lançado como “rendimentos” não tributáveis pelos fundos de pensão, por representarem a exata medida da falta de recursos do plano de benefícios.

E por fim, cumpre alertar que caso tais valores sejam considerados renda e, havendo a exação, for superado o valor equivalente a 12% do total de rendimentos auferidos pelo contribuinte, haverá a ocorrência de bis in idem. Afinal, tais valores retornarão ao fundo já tendo sido expostos a tributação, e comporão, novamente, a base de cálculo do imposto quando do resgate na forma de benefício ou pensão. [8]

Por sua vez, Matheus Melo, apresentando aspectos laterais da FUNCEF, aduziu, também em Opinião publicada no Consultor Jurídico em outubro de 2020, crítica direta à Solução Cosit n.º 345, asseverando que:

Pelo exposto, temos que a contribuição previdenciária destinada à constituição de reservas para o fundo de pensão sempre tem como finalidade futura o custeio do benefício previdenciário almejado — independentemente de sua classificação, normal ou extraordinária. Ou seja, tanto a contribuição normal como a extraordinária têm como objetivo viabilizar o pagamento dos benefícios mediante a constituição de reservas.

(…)

Diante disso, é absurdo conceder tratamento tributário diferenciado às contribuições previdenciárias privadas com base, tão somente, em sua denominação classificatória, quando não há previsão legal para tanto.

Tendo em vista o entendimento equivocado da Receita Federal e a fundamentação legal que contra argumenta essa viciada posição, nasce o direito de todos os participantes (ativos ou aposentados) que estão custeando a Funcef por meio de contribuições extraordinárias a requererem judicialmente a dedução dessas contribuições no Imposto de Renda — que já tem vários resultados positivos em todo o país. [9]

Guilherme de Castro Barcellos, em parecer ofertado à FAPERS no início de 2019, apresentou, com habitual e conhecida lucidez, a evolução do assunto, desde a lógica proveniente da Solução COSIT n.º 354/17, ultrapassada pelo Tese n.º 171, do TNU, e pelos precedentes da Justiça Federal que, naquela época, começavam a surgir:

Em que pese a decisão acima tenha de ser cumprida pela FAPERS consoante as razões já apresentadas, é importante referir que o Castro Barcellos Advogados se sensibiliza com a situação vivenciada pelos participantes e assistidos da entidade. E se sensibiliza especialmente pelo fato de, se por um lado a entidade deve cumprir a determinação da COSIT nº 354/17, por outro lado o poder judiciário federal vem julgando procedente as ações judiciais movidas por participantes irresignados com o entendimento exigido pela Secretaria da Receita Federal. Os resultados das ações judiciais vêm reconhecendo a possibilidade de dedução do valor das contribuições extraordinárias para cobertura de déficit atuarial da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física. As decisões judiciais têm se posicionado no sentido de admitir a dedução dessas contribuições da base de cálculo do imposto sobre a renda, limitados ao teto de 12% do rendimento bruto anual do contribuinte, pessoa física. O posicionamento do Judiciário tem levado em conta a tese firmada pela Turma Nacional de Uniformização – TNU, por meio do verbete nº 171, suscitada pela União Federal por meio do processo nº 5008468- 36.2017.4.04.7108, pelo qual se buscava saber se o direito à dedução da base de cálculo do imposto de renda das contribuições extraordinárias instituídas em razão de déficit dos planos de entidades de previdência privada estaria limitado ao percentual de 12% previsto no art. 11 da Lei n. 9.532/97.

(…)

Por fim, Castro Barcellos Advogados opina pela boa viabilidade de sucesso de os próprios participantes e/ou assistidos, na via de ação judicial, individual ou coletiva, contra a União Federal, reverterem a impossibilidade de dedução de contribuições extraordinárias da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física imposta pela COSIT nº 354/17. [10]

3.  Dos Precedentes Expressivos sobre o Assunto:

Foi no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que há considerável número de demandas envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, todos inerentes à má-intepretação, com a devida vênia, dada ao art. 11, da Lei n.º 9.532/97, e aos arts 19 e 69, da Lei Complementar n.º 109/2001.

No primeiro precedente apresentado, produzido antes da formação da Tese n.º 171, do TNU, a 2ª Turma do TRF da 4ª Região iniciou a formação da jurisprudência que se surgiu em razão do déficit ocorrido na previdência complementar fechada da Fundação Banrisul, destacando que, o decisum ora analisado, autorizava a dedutibilidade acima dos 12%, conforme ementa abaixo:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES VERTIDAS À ENTIDADE. AFASTAMENTO DO LIMITE LEGAL DE 12%. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE.

  1. A competência atribuída ao legislador ordinário para instituir o Imposto de Renda abrange os fatos que importem na percepção de “renda e proventos de qualquer natureza” – art. 153, inciso III, da Constituição Federal.
  2. Tanto a renda quanto os proventos pressupõem, necessariamente, a existência de acréscimo patrimonial. Não há renda e tampouco proventos de qualquer natureza sem acréscimo patrimonial (STF, Pleno, RE 117.887, rel. Min. Carlos Velloso, 2.1993), ou seja, sem alteração positiva do patrimônio (num determinado lapso temporal).

[…]

  1. As contribuições para os planos de entidades de previdência privada objetivam, como regra, a formação de uma reserva matemática para o pagamento dos benefícios A situação dos autos mostra-se diversa, já que se discute a hipótese de contribuição extraordinária cobrada em razão dos déficits apresentados pelo plano.
  2. A contribuição extraordinária é quantia que não visa à formação de reserva matemática, mas à mera recomposição da parcela que foi perdida. Em verdade, configura, por via transversa, redução temporária do benefício percebido, já que a simples redução de valores é vedada pelo art. 21, § 2º, da LC 109/2001.
  3. Afigura-se evidente que a quantia paga à Fundação Banrisul de Seguridade Social a título de contribuição extraordinária não configura acréscimo patrimonial, de modo que os contribuintes possuem direito à dedução do valor correlato da base de cálculo do imposto de renda independentemente do limite de 12%.”

(TRF4, AC 5040791- 21.2017.4.04.7100, Segunda Turma, Relatora para Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch. Julgado em 05/07/2018).

Posteriormente, a própria a 2ª Turma do TRF da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 5000361-33.2018.4.04.7119, relatado pelo Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz (julgado em 20/11/2019), reconheceu que, à luz do art. 11, da Lei n.º 9.532/97, as contribuições normais e extraordinárias deveriam receber o mesmo tratamento tributário, dentro da dedução de 12%, como se apura da seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES VERTIDAS À ENTIDADE. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE DO LIMITE LEGAL DE 12%.

  1. A base de cálculo do IRPF devido no ano-calendário corresponde, na forma da Lei n. 9.250/95, à diferença entre os rendimentos tributáveis e as deduções admitidas pela legislação tributária.
  2. As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada são limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, consoante determina a Lei n. 9.532/97. Não se trata, portanto, de deduções sem limite.
  3. Reforma da sentença.

Houve, dentro da 2ª Turma do TRF da 4ª Região, verdadeiro overruling.

Também em novembro de 2019, a 1ª Turma do TRF da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 5000352-57.2017.4.04.7135, relatado pelo Juiz Federal Francisco Donizete Gomes, declarou, de forma peremptória, que as contribuições extraordinárias também deveriam ser consideradas para efeitos de isenção de IR, respeitada a regra dos 12%, conforme determina o art. 11, da Lei n.º 9.532/97:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. AFASTAMENTO DO LIMITE LEGAL DE 12%. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA.

A quantia paga à Fundação Banrisul de Seguridade Social a título de contribuição extraordinária deve ser deduzida valor correlato da base de cálculo do imposto de renda observado o limite de 12% previsto em lei para a isenção.

O quarto precedente é, quiçá, o mais importante, por ter sido afetado nos moldes do art. 942, do CPC. A 2ª Turma do TRF da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 5022971-77.2017.4.04.7200, em outubro de 2019, também relatado pelo Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz, sacramentou entendimento no sentido de que, nos moldes do art. 11, da Lei n.º 9.532/97, as contribuições extraordinárias devem ser consideradas para o cálculo do Imposto de Renda, no limite de 12%, como se depreende da ementa abaixo:

TRIBUTÁRIO. JULGAMENTO SOB O RITO DO ARTIGO 942 DO CPC.  IMPOSTO DE RENDA. ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. DEDUÇÕES. LIMITE. OBSERVÂNCIA.

  1. A base de cálculo do IRPF devido no ano-calendário corresponde, na forma da Lei n. 9.250/95, à diferença entre os rendimentos tributáveis e as deduções admitidas pela legislação tributária.
  2. As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada são limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, consoante determina a Lei n. 9.532/97. Não se trata, portanto, de deduções sem limite.
  3. Reforma da sentença.

Logo, vê-se que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem reconhecido o direito à dedução em relação às contribuições extraordinárias, instituídas pelo art. 19, § único, inciso II, da Lei Complementar n.º 109/2001, limitando-o ao percentual de 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, consoante determina o art. 11, da Lei n. 9.532/97.

Já no TRF da 2ª Região, há parcos precedentes colegiados sobre o objeto deste trabalho, eis que as principais demandas se concentraram nos Juizados Especiais Federais, com a formação rápida da compreensão da matéria pelos juízes federais[11], tendo a Procuradoria da Fazenda Nacional deixado de apresentar recurso para não incidir encargos processuais oriundos de um recurso não provido[12].

De toda sorte, há precedente da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que acolheu a tese dos participantes e afastou a incidência do IRPF sobre as contribuições extraordinárias, como se percebe da ementa do writ abaixo:

“MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS À PETROS. IMPOSTO DE RENDA. INVIABILIDADE. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. LEI COMPLEMENTAR 109/2001. SEGURANÇA CONCEDIDA. REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO DESPROVIDOS.”

(TRF da 2ª Região, Reexame Necessário n.º 5037092-25.2018.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal Marcus Abraham, Julgamento 03/03/2020)

E, em agosto de 2020, a 3ª Turma do TRF – 2ª Região, ratificou todo o entendimento já produzido sobre o thema, em minudente análise, e reconheceu a procedência de pedido de dedutibilidade das contribuições extraordinárias, respeitados os limites da lei:

TRIBUTÁRIO. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO ASSISTIDO. DEDUÇÃO DA BASE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADO O LIMITE DE 12% PREVISTO NO ART. 11 DA LEI N. 9.532/97.

  1. Diante da vedação da redução dos valores dos benefícios aos assistidos, fica autorizada a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano, nos termos do art. 21, §2º da LC nº 109/01.
  2. Nos termos do art. 19, II da LC nº 109/01, tanto a contribuição adicional (cobrada dos aposentados) quanto o aumento da contribuição dos participantes (ativos) das entidades fechadas de previdência privada gozam de natureza de contribuição extraordinária, inexistindo razão lógico-jurídica para que recebam tratamentos diversos das contribuições normais, no que tange ao cálculo de imposto de renda. Todas as contribuições (normais e extraordinárias) devem ser consideradas como despesas dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, até o limite de 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na base da incidência da exação, especialmente por inexistir qualquer ressalva na legislação de regência (Lei nº 9.250/95 e Lei nº 9.532/97).
  3. Segundo a legislação alusiva à previdência privada, as contribuições (sem qualquer ressalva) para tais entidades são despesas dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, até o limite de 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados da base de incidência da aludida exação, nos termos do art. 8º, II, ‘e’, da Lei nº 9.250/95 c/c o art. 11 da Lei nº 9.532/97.
  4. As contribuições extraordinárias, destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada, significam para o assistido manter o valor que até então vinha recebendo (justamente por não ser viável reduzir o benefício de complementação), razão pela qual as despesas correspondentes (valores vertidos de contribuição) podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, observando-se, contudo, o limite de 12%, por força do comando normativo do art. 11 da Lei nº 9.532/97.
  5. Nesse sentido restou decidido o PEDILEF nº 5008468-36.2017.4.04.7108/RS (RELATOR JUIZ FEDERAL GUILHERME BOLLORINI PEREIRA, JULGADO EM 26/10/2018), ocasião em que o TNU firmou a seguinte tese sobre a matéria (tema 171): ‘as contribuições destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto’.
  6. Remessa necessária e Apelação interposta pela UNIÃO as quais se nega provimento.”

(TRF da 2ª Região, Reexame Necessário n.º 5079239- 32.2019.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, Julgamento 04/08/2020)

4.  Da Posição Monocrática do STJ:

Em meados de 2021, a 4ª Turma do TRF-2ª Região, ignorando o padrão decisório já formado naquele momento e a posição doutrinária fixada com clareza, deu provimento a recurso para, reformando a sentença, declarar que as contribuições extraordinárias não deveriam ser deduzidas no Imposto de Renda, sendo que “permitir a exclusão desses valores da base de cálculo do IRPF, em última análise, implicaria na socialização dos prejuízos das partes envolvidas no contrato de previdência complementar descrito nesta demanda, o que não se admite”.

Segue, para assustar o leitor (já que o precedente, repita-se, ignorava os precedentes e a posição doutrinária), a ementa da decisão:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. BENEFÍCIO COMPLEMENTAR. DESCONTO DE CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS. CUSTEIO DE DÉFICIT. COBERTURA DE PREJUÍZOS FINANCEIROS DA ENTIDADE. INDEDUTIBILIDADE DA BASE DE CÁLCULO DO IRPF. DESCABIMENTO DA AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES LEGAIS DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA.

1 – A pretensão da parte autora reside seja declarada a “inexistência de obrigação tributária” sobre as parcelas de contribuição destinadas ao equacionamento de déficits de seu plano de previdência complementar, respeitado o limite legal de 12% ao ano.

2 – O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será sanado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, na forma prevista no art. 21 da Lei Complementar nº 109, de 2001. Necessário averiguar, portanto, se as “contribuições extraordinárias” destinadas a cobrir déficit ocorrido no plano de previdência complementar realizadas pelo agravante, já na condição de “assistido”, poderão ser tratadas como rendimentos isentos e, como consequência, serem excluídas da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física, tal como as “contribuições normais”.

3 – Percebe-se que, conforme o artigo 11 da Lei nº 9532/97, nem todas as despesas podem ser abatidas do Imposto de Renda, e dentre as que podem, os valores de abatimento são limitados, salvo as despesas médicas. Assim, quem contribui a um plano de previdência privada na modalidade Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou para fundo de pensão oferecido pela empresa pode deduzir as contribuições feitas ao longo do ano calendário da base de cálculo do Imposto de Renda até o limite de 12% da renda tributável ao efetuar a declaração pelo modelo completo.

4 – Conclui-se que os rendimentos recebidos de entidades fechadas de previdência privada a título de complementação de aposentadoria são tributados, observadas as isenções elencadas no art. 39 do RIR/1999. Assim, os valores descontados do benefício recebido (complementação de aposentadoria) pelos assistidos de entidade fechada de previdência complementar com a finalidade de custeio de déficits (contribuições extraordinárias) integram o rendimento bruto para fins tributários, não podendo ser excluídos como se fossem parte isenta do rendimento.

5 – Por fim, a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal (STF) vai de encontro ao pleito do agravante, conforme o ARE 1027716: “Por não possuir função legislativa, o Poder Judiciário não pode estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou alterar limites de deduções previstas em lei, com base no princípio da isonomia”. Por isso, não há como se ampliar a hipótese legal de dedução, que, afinal, não é nada além do que reduzir a base de cálculo, tarefa exclusiva da lei tributária, nos termos do § 6º do art. 150 da Constituição da República.

6 – Afinal, nos planos de previdência complementar, além de equacionamento do déficit, há também distribuição de superávit, e como previsto no artigo 21 da referida lei, caso haja déficit, este deverá ser dividido entre patrocinadores, participantes e assistidos. A autorização dada ao contribuinte pela lei tributária no sentido de autorizar deduzir as contribuições da base de cálculo até o limite de 12% é mero favor fiscal como forma de estímulo à adesão ao sistema.

7 – Ademais, permitir a exclusão desses valores da base de cálculo do IRPF, em última análise, implicaria na socialização dos prejuízos das partes envolvidas no contrato de previdência complementar descrito nesta demanda, o que não se admite.

8- Condenação da parte autora ao pagamento de honorários de sucumbência, fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, na forma do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.

8 [sic] – Remessa necessária e apelação provida.

(TRF da 2ª Região, Apelação Cível n.º 5038572-38.2018.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal Luiz Antonio Soares, Julgamento 03/05/2021)

Obviamente, foi interposto Recurso Especial para reformar a decisão de 2º grau, com o fito de demonstrar divergência jurisprudencial e violação infraconstitucional, sendo certo que, em dezembro de 2021, o mesmo foi autuado no STJ (inicialmente como Agravo em REsp, posteriormente convertido em Recurso Especial n.º 1.995.388/RJ, relatado pelo Desembargador Benedito Gonçalves).

Nesse ponto, é imperioso fazer uma ruptura na cronologia fática: muito antes da Solução COSIT n.º 354, havia entendimento no Tribunal da Cidadania – que não merece maiores ilações – declarando que o limite de desconto previsto na Lei n.º 9.532/97, em especial a já mencionada questão dos 12%, deveria ser respeitada, a despeito do volume de contribuições vertidas à EFPC.

Segue, assim, o relevante precedente do STJ, que tangencia o assunto do presente trabalho, mas que é de suma importância para a conclusão do caso:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PRETENSÃO DE SER CONSIDERADO SOMENTE O LÍQUIDO. DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A TOTALIDADE DOS RENDIMENTOS. POSSIBILIDADE APENAS DE DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO FORMADA POR TODOS OS RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS DAS CONTRIBUIÇÕES À ENTIDADE, OBSERVADO O LIMITE LEGAL DE 12% DO TOTAL DE RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS.

  1. A pretensão da entidade autora é incluir na base de cálculo do imposto de renda somente o valor líquido recebido da entidade privada.
  2. Os benefícios recebidos de entidades de previdência privada compõem a base de cálculo do imposto de renda, por se enquadrarem na regra geral do art. 8º, I, da Lei 9.250/95 e expressa previsão específica do art. 33 da mesma lei.
  3. Os rendimentos tributáveis são incluídos base de cálculo do imposto de renda pelo seu valor bruto (art. 8º, I, da Lei 9.250/95 c/c art. 3º da Lei 7.713/88).
  4. Inexiste fundamento legal para os benefícios serem considerados pelo seu líquido, ou seja, deduzidos das contribuições à própria entidade de previdência privada.
  5. Redução da base de cálculo sem previsão legal seria inconstitucional, a teor do art. 150, § 6º, da Constituição: “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”.
  6. Uma vez somados os benefícios da entidade de previdência privada aos demais rendimentos tributáveis, a base de cálculo do imposto de renda poderá ser reduzida pela dedução das contribuição a entidades de previdência privada, nos termos do art. 8º, II, “e”, da Lei 7.713/88, desde que respeitado o limite de 12% dos rendimentos computados na base de cálculo (art. 11 da Lei 9.532/97).
  7. Recurso Especial não provido.”

(REsp 1.354.409/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 01/06/2016)

A intenção daquele feito, em fatos anteriores à COSIT n.º 354/2017, era que as contribuições extraordinárias deveriam ser deduzidas sem qualquer limitação (nos moldes do primeiro precedente da 2ª Turma do TRF-4ª Região, já mencionado), inclusive ultrapassando o teto dos 12% da legislação. A irretocável lógica do STJ, como não poderia deixar de ser, era a de que as contribuições extraordinárias deveriam ser consideradas para fins de dedutibilidade, respeitando-se as margens do art. 11, da Lei n.º 9.532/97.

Assim, retornando ao julgamento do Recurso Especial n.º 1.995.388/RJ, o Desembargador Benedito Gonçalves, que já havia prolatado decisão monocrática ratificando a posição oriunda do REsp n.º 1.354.409/RS[13], compreendeu o elemento de distinguishing, por força do padrão decisório formado pelo Tema n.º 171, do TNU (que frontalmente desconstituía a conclusão da Solução COSIT n.º 354), e manteve a higidez e a integridade da Jurisprudência do Tribunal da Cidadania, já que as contribuições extraordinárias deveriam ser deduzidas, desde que respeitado o teto de 12%.

Segue, assim, a ementa da decisão monocrática, proferida em 29/06/2022, que deu provimento ao recurso, reformando o julgado da 4ª Turma do TRF-2ª Região, inclusive com os trechos relevantes do decisum:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IRPF. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. LIMITE LEGAL DE 12%. ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE O TEMA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(…)

Os recorrentes sustentam violação do art. 1.022, II, parágrafo único, e 489, § 1º, VI, do CPC/2015 alegando que o órgão julgador “deixou de enfrentar a omissão argumentativa na interpretação de diversos dispositivos (em especial o art. 11, da Lei n. 9.532/97, e os arts. 19 e 69, parágrafo 1º, da Lei Complementar n. 109/2001), bem como deixou de seguir – aliás, sequer o enfrentou! – o padrão decisório materializado na Tese n. 171, do TNU” (fl. 307).

Apontam, além de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 11 da Lei n. 9.532/1997 e 19 e 69, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001, ao argumento de que o acórdão fez distinção das contribuições normal e extraordinária em favor da Entidade Fechada de Previdência, para fins de dedução no imposto de renda.

(…)

Isso porque o entendimento do STJ sobre o tema é no sentido de que a base de cálculo do imposto de renda são os rendimentos tributáveis no seu valor bruto, podendo-se reduzir da base de cálculo do imposto de renda as contribuições a entidades de previdência privada, desde que respeitado o limite de 12% dos rendimentos computados na base de cálculo (art. 11 da Lei 9.532/97), caso dos autos.

(…)

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, nos termos da fundamentação, reestabelecendo o dispositivo da sentença de primeiro grau (fls. 127/129), inclusive quanto aos ônus sucumbenciais.”

(grifo mantido do original)

O julgado, que foi muito festejado pela mídia especializada[14], é um marco para evidenciar o equívoco peremptório causado pela Receita Federal. Malgrado o caso não tenha sido enfrentado pelo colegiado da Turma, pela falta de interposição de Agravo pela Fazenda e tendo ocorrido o trânsito em julgado do decisum monocrático, é inexorável que o julgado é verdadeiro leading case para afastar a malfadada Solução COSIT n.º 354 e pacificar a questão da dedutibilidade das contribuições extraordinárias, dentro do limite de 12% fixado no art. 11, da Lei n.º 9.532/97.

5.  Conclusão:

Com isso posto, vê-se que as deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada – normais e extraordinárias – são limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, nos exatos termos do art. 11, da Lei n.º 9.532/97, e dos arts. 19 e 69, § 1º, da Lei Complementar n.º 109/2001.

Tributar a contribuição extraordinária de participantes, que se veem obrigados a contribuir com o déficit de plano de previdência, é cruel e viola a própria legislação que autoriza a dedução, independentemente do tipo de contribuição, respeitadas as margens e limites legais.

Dessa forma, os precedentes proferidos que, na presente data, demonstram a jurisprudência dos Tribunais, são todos contrários à interpretação equivocada da Solução COSIT n.º 354/2017, sendo que o recentíssimo julgado do Tribunal da Cidadania – ainda que monocrático, posto que não houve interposição de Agravo pela Fazenda Nacional – é verdadeira pá de cal em qualquer tentativa de manter viva a interpretação, fruto da malfadada solução da Receita Federal, que distinguia tributariamente (para fins de dedutibilidade) as contribuições normais das extraordinárias.

Sobre o Autor:

(*) Pedro Linhares Della Nina – Advogado e Professor da Universidade Candido Mendes/RJ, mestre em Ciências Jurídicas pelo UAL-Lisboa, pós-graduado em Direito Empresarial e em Litigation, ambos pela FGV-Rio de Janeiro; email: [email protected].

Notas:

[1] Vale a observação, ainda que na presente nota de rodapé, que é fato que muitas Entidades, principalmente aquelas com patrocinadores públicos, reguladas pelo LC n.º 108/2001, apresentaram quadros deficitários no meados da década passada, o que, pelo volume de participantes e de valores envolvidos, ensejou a análise e formação – ainda que fruto de premissas questionáveis – da Solução COSIT n.º 354.

[2] É notório, ao menos para os leitores do presente trabalho, o teor do art. 202, da Constituição da República de 1988, fruto da Emenda Constitucional n.º 20, que atribui à Previdência Complementar a natureza contratual (facultativa, portanto), tendo como obrigação a formação de prévio custeio:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

  • 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.
  • 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.
  • 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.
  • 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadores de planos de benefícios previdenciários, e as entidades de previdência complementar.
  • 5º A lei complementar de que trata o § 4º aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de planos de benefícios em entidades de previdência complementar.
  • 6º Lei complementar estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência complementar instituídas pelos patrocinadores de que trata o § 4º e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.

[3] Segue, igualmente relevante, o art. 2º, da Resolução CNPC n.º 41/2021:

Art. 2º Entende-se por plano de benefício de caráter previdenciário na modalidade de benefício definido aquele cujos benefícios programados têm seu valor ou nível previamente estabelecidos, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção.

Parágrafo único. Não será considerado para fins da classificação de que trata o caput o benefício adicional ou acréscimo do valor de benefício decorrente de contribuições eventuais ou facultativas.

[4] Por óbvio, não é esse o objeto do trabalho, mas merece maiores esclarecimentos a assertiva feita. A diferença entre ambas é que as contribuições normais servem para a formação de uma reserva matemática, a fim de pagar os benefícios; por sua vez, as contribuições extraordinárias servem para a recomposição da parcela que foi perdida (“custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal”).

As contribuições extraordinárias e ordinárias são descontadas da folha de pagamento, de modo que os participantes não possuem disponibilidade econômica e jurídica do valor.

[5] Parafraseando Montesquieu, em sua genial obra De L’esprit des lois

[6] Recurso Inominado n.º 5008468-36.2017.4.04.7108, relatado pelo Juiz Federal José Ricardo Pereira, julgado em 31/10/2017.

[7] In Abrapp em Fogo no site: Dedução das contribuições extraordinárias: problema a ser solucionado – Blog Abrapp Em Foco (consultado em 30/01/2023)

[8] In Consultor Jurídico no site: https://www.conjur.com.br/2019-set-26/opiniao-ir-incidente-deficits-previdencia-complementar (consultado em 30 de janeiro de 2023).

[9] In Consultor Jurídico no site: https://www.conjur.com.br/2020-out-22/matheus-melo-imposto-renda-contribuicoes-funcef (consultado em 30 de janeiro de 2023).

[10] Parecer disponibilizado no site da FAPERS em: https://fapers.org.br/new-portal/wp-content/uploads/2019/03/Opinião-Legal.pdf (consultado em 30 de janeiro de 2023).

[11] Houve, em casos isolados e residuais, a prolação de sentenças de improcedência no começo da formação da jurisprudência no Rio de Janeiro, motivo pelo qual alguns precedentes da Turma Recursal, todos favoráveis à dedutibilidade dentro dos 12% previstos na lei, verbis:

“PREVIDENCIÁRIO. DEDUTIBILIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA. RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS JÁ PAGAS. SÃO DEDUTÍVEIS AS CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS, EM CONJUNTO COM AS NORMAIS, DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA NA DECLARAÇÃO DE AJUSTE ANUAL, RESPEITANDO O LIMITE DE 12% (DOZE POR CENTO). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.”

(6ª Turma Recursal do Rio de Janeiro. Relatora Juíza Alessandra Belfort Bueno Fernandes de Castro. Processo n.°5021766-54.2020.4.02.5101/RJ. Julgado em 17/06/2020)

[12] Nos moldes do art. 55, da Lei n.º 9.099/95, aplicável à Lei n.º 10.259/2001.

[13] Segue a ementa da decisão monocrática, proferida em 17/08/2021:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, §1º, INCS. I E IV, 1.013, §§1º E 2º, E 1.022, INC. II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IRPF. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. LIMITE LEGAL DE 12%. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE O TEMA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

[14] https://blog.abrapp.org.br/blog/stj-decide-a-favor-do-direito-de-deducao-do-imposto-de-renda-sobre-contribuicoes-extraordinarias/ (consultado em 30 de janeiro de 2023).

https://www.investidorinstitucional.com.br/sessoes/investidores/fundosdepensao/38712-stj-mantem-isencao-tributaria-sobre-equacionamento-de-deficit.html (consultado em 30 de janeiro de 2023).

Palavras Chaves

Previdência Complementar. Contribuições Normais e Extraordinárias. Tributação.