NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE RACIOCÍNIO PROBATÓRIO

Resumo

O artigo tem o objetivo de introduzir três pontos de discussão elementares para o problema da prova (como provamos os fatos?). Na primeira seção, é apresentado o problema epistemológico relativo ao empirismo. Na segunda seção, é definida a noção de raciocínio probatório. Na terceira seção, são abordados os problemas de centralizar a prova no convencimento do julgador. O pano de fundo da reflexão é restrito ao contexto jurídico-penal e, em última análise, é discutida a pertinência do conceito geral de prova no contexto jurídico.

Artigo

NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE RACIOCÍNIO PROBATÓRIO

Catarina Bussinger

Resumo: O artigo tem o objetivo de introduzir três pontos de discussão elementares para o problema da prova (como provamos os fatos?). Na primeira seção, é apresentado o problema epistemológico relativo ao empirismo. Na segunda seção, é definida a noção de raciocínio probatório. Na terceira seção, são abordados os problemas de centralizar a prova no convencimento do julgador. O pano de fundo da reflexão é restrito ao contexto jurídico-penal e, em última análise, é discutida a pertinência do conceito geral de prova no contexto jurídico.

 

Palavras-chave: 1. Hipótese fática 2. Enunciado provado 3. Probabilidade indutiva 4. Processo Penal

Introdução

Como um juiz deve decidir? A pergunta não é inédita para o campo do Direito. Ao longo dos anos, os esforços para respondê-la tenderam aos problemas de interpretação e de aplicação das normas. Concentrando-nos no contexto jurídico-penal, não é incorreto dizer que os esforços tenderam a estabelecer os filtros dogmáticos por meio dos quais uma conduta é qualificada como crime. Conforme definem E. Raúl Zaffaroni e Nilo Batista, o direito penal é “o ramo do saber jurídico que, mediante a interpretação das leis penais, propõe aos juízes um sistema orientador de decisões que contém e reduz o poder punitivo, para impulsionar o progresso do estado constitucional de direito”.[2]

Um dos méritos dessa definição está em não isolar a norma penal do contexto judicial de aplicação, isto é, o processo penal.[3] E se podemos afirmar que a própria questão normativa envolve também fatos que denominamos “operativos”, ao tratar dos fatos no contexto do processo nos referimos também ao fatos particulares.[4] Gustavo Henrique Badaró (2019), valendo-se das lições de Michele Taruffo, nos explica que a decisão justa necessariamente demanda três condições: o procedimento válido, a correção da aplicação da norma e a correção do juízo de fato. Na condição do juízo de fato, situamos propriamente o problema da prova, que, em termos gerais, é o problema de responder como um fato particular é provado.

Em parte, a resposta envolve a questão da própria atividade probatória: a partir dos meios de prova propostos e praticados, a acusação e a defesa produzem as informações a favor ou contra as alegações sobre os fatos em dado contexto processual. Por sua vez, essas informações, enquanto o resultado probatório, baseiam a decisão. Em parte, a resposta também envolve a finalidade da prova.

Por um lado, para certa tradição probatória, a finalidade da prova seria o livre convencimento do julgador, sendo, portanto, fato provado aquele que o julgador está convencido de que ocorreu. Essa concepção de prova – que denominamos persuasiva – afasta o contexto jurídico de outros contextos gerais de investigação sobre fatos. Um dos fundamentos para essa cisão seria o de que o contexto processual estaria marcado pela incerteza, de modo que a verdade não poderia ser alcançada.

Contudo, essa não é uma característica que é exclusiva ao campo jurídico: aproximar-se mais ou menos da verdade é comum a todos os campos de investigação em que o raciocínio indutivo tome parte. Quando raciocinamos sobre fatos, a natureza do raciocínio que empregamos é indutiva, mas, como bem explica Jordi Ferrer Beltrán (2007), a impossibilidade de alcançar um grau absoluto de certeza não impede conclusões racionalmente fundadas. Nesse sentido, critérios de racionalidade podem ser incluídos no juízo de fato, compreendendo que uma hipótese fática obtém apoio indutivo (corroboração).[5] Esse modo de conceber conduz à concepção racionalista da prova, cuja raiz filosófica se volta a responder sobre a possibilidade de conhecer sobre aspectos do mundo.[6]

O principal objetivo deste artigo é o de introduzir pontos de discussão sobre o problema da prova. Nesse sentido, o artigo é dividido em três seções. Na primeira seção, expomos brevemente o problema filosófico da possibilidade do conhecimento empírico. Na segunda seção, investigamos o sentido da expressão “raciocínio probatório” e marcamos a sua natureza lógica. Na terceira seção, debatemos o problema do convencimento, que é pertinente à discussão do ato pelo qual o sujeito incorpora a hipótese fática ao raciocínio.

  1. A disputa filosófica do empirismo

 Justificar a possibilidade de conhecer o mundo a partir da nossa observação e da nossa percepção esbarrou, ao largo dos séculos, no seguinte obstáculo: o ideal regulativo da certeza para o conhecimento racional. Em outras palavras, havia uma identidade entre o conhecimento racional e a certeza absoluta, de modo que o conhecimento seguro seria aquele que proporcionasse certezas inquestionáveis.[7] Assim, segundo Marina Gascón Abellán (2010), a tentativa de defender a possibilidade do empirismo desembocou sempre em certo ceticismo e, mesmo no contexto do surgimento da ciência moderna – em que o empirismo reapareceu com mais fôlego teórico -, a tarefa de defender a sua possibilidade sofreu fortes revezes: o método indutivo de Francis Bacon[8] não resistiu ao duro golpe do problema formulado por David Hume (o problema da indução).[9]

Gascón Abellán (2010) observa que, para a indução ser considerada válida, seria necessária a revisão do ideal da certeza[10], que somente foi possível com avanços científicos a partir do século XX, em especial no campo da física quântica: a natureza é governada pelo princípio da indeterminação e as leis são probabilísticas. Desse modo, a fortiori, as regularidades da experiência seriam prováveis. A indução passa a ser fundada em teorias da probabilidade e passa a ser legítimo aceitar que um enunciado empírico seja confirmado apenas em graus.[11]

Não obstante, a validez da indução é apenas uma das três questões que o empirismo precisar dar conta. A segunda questão é a da própria fiabilidade dos dados empíricos: o centro da disputa filosófica passa a ser que conhecimento reflita a objetividade do mundo. Essa posição, a que chamamos realismo epistemológico, se opõe à posição subjetivista de que o mundo derivaria de nossos conceitos.[12]

Segundo Daniel González Lagier (2007), o “fato” combina elementos observáveis e elementos teóricos, sendo, portanto, uma entidade complexa. Se por um lado é certo que dispomos de redes de conceitos para ordenar, organizar e classificar o mundo, por outro lado isso não quer dizer que o mundo não imponha condições materiais que limitam as nossas convenções.[13] Essa posição reflete um objetivismo crítico. De todo modo, o que não podemos perder de vista é que elaboramos enunciados sobre o mundo, o que não se confunde nem com o fato em si, nem com o objeto/coisa.[14]

Por fim, a terceira questão para o empirismo, segundo Gascón Abellán (2010), é a do critério de verificabilidade, isto é, o método adequado para a confirmação de um enunciado empírico. Para os fins deste artigo, interessa ter em conta que o sentido de “provável” não depende necessariamente de uma base matemática. A probabilidade não matemática, a qual denominamos probabilidade indutiva, opera a partir de graus de suporte indutivo que um enunciado oferece a outro enunciado.[15]

  1. O raciocínio probatório

            Como primeira tarefa para esta seção, cabe definirmos o que é raciocinar. De acordo com Douglas Walton (1990), há uma diferença entre pensar (to think) e raciocinar (to reason): enquanto pensar é um ato ou processo de exercício da mente, raciocinar é um tipo de estrutura abstrata. Desse modo, a ideia básica de raciocinar consiste em um processo de inferir conclusões de enunciados, onde por “inferir” deve ser entendido o uso de uma regra ou garantia para ligar enunciados no sentido premissa à conclusão.[16] Por esses termos, racionar tem um caráter lógico e, por consequência, uma natureza normativa. Isso é importante, pois nos permite estabelecer que não estamos tratando do raciocínio sob uma perspectiva subjetiva e, em certo sentido, psicológica.

Por sua vez, Walton (1990) estabelece que argumentar (to argue) compreende o contexto de uso do raciocínio, isto é, o contexto de uso do processo de inferência entre enunciados. Na argumentação, o raciocínio tem um objetivo e pode ser modelado de acordo com um esquema de argumento.[17] Pode ainda preencher, segundo Walton (1990), uma função, e aqui nos interessa a função probatória, entendida como a função de justificar uma hipótese fática. Não é incorreto, portanto, dizer que argumentar sobre uma hipótese fática envolve um processo de inferências probatórias que justificam a hipótese fática.[18]

Nesse ponto, pode ser útil trabalhar com a seguinte definição: argumentar sobre os fatos se trata de estabelecer conclusões sobre como as coisas foram, são ou serão.[19] Dessa forma, raciocinar sobre os fatos se trata de inferir conclusões sobre como as coisas foram, são ou serão. Embora a argumentação não seja o foco principal deste artigo, não é menos importante notarmos que a produção de argumentos sobre os fatos deve refletir e organizar um processo de raciocínio de natureza indutiva, através do qual justificamos uma conclusão sobre um aspecto do mundo (no contexto jurídico-penal, uma conclusão sobre a prática de uma conduta penalmente relevante).[20] Desse modo, quando ainda na seção de Introdução comentamos:

  • sobre como a acusação e a defesa produzem informações com a prática dos meios de prova, devemos entender que tais informações devem permitir inferir uma ou outra hipótese fática alegada e, na medida em que um enunciado sobre o mundo é estabelecido por probabilidade, tais informações devem oferecer suporte, apoio, confirmação, corroboração (justificação) para uma ou outra hipótese fática penalmente relevante;[21]

  • sobre como as informações baseiam a decisão, devemos entender que o juiz ao final decidirá se uma ou outra hipótese fática alegada está ou não está provada, conforme as informações tenham corroborado suficientemente uma ou outra hipótese penalmente relevante.[22]

  1. O problema do convencimento

            Ao longo das seções anteriores, estabelecemos – ainda que brevemente – alguns dos pontos teóricos que possibilitam estruturar um modelo probatório que não dependa da subjetividade do julgador. Ao disputar teoricamente a possibilidade de justificar as conclusões que estabelecemos sobre fatos, nos incumbimos da tarefa de estabelecer critérios intersubjetivos pelos quais o raciocínio possa ser analisado e avaliado como apropriado e correto ao problema de provar determinada hipótese fática. Assim, o raciocínio probatório obedece a imperativos epistemológicos gerais à investigação sobre fatos, sendo certo que determinado contexto pode conter as suas particularidades, mas não ao ponto de alterar a natureza geral da prova.[23] Em outras palavras, alterar o seu status epistemológico.

O modelo racionalista de prova não é, porém, o único modelo defendido para o contexto jurídico. Vimos na seção de Introdução que há a concepção persuasiva de prova, para a qual a epistemologia geral não teria lugar. Os fundamentos para essa cisão seriam dois: (i) o contexto processual é incompleto e de fiabilidade relativa, de modo que a decisão é produzida em contexto de incerteza; (ii) a atividade probatória está submetida a regras jurídicas. Rebatemos o primeiro fundamento ao longo da primeira seção: a incerteza caracteriza qualquer contexto do raciocínio indutivo. Quanto ao segundo fundamento, cabe ressalvarmos o seguinte: a não ser que seja o sistema de prova tarifada, regras jurídicas não interferem sobre a valoração do resultado probatório.[24] Em outras palavras, o sistema de valoração é livre.

No entanto, os defensores de um conceito jurídico de prova não interpretam o termo “livre” apenas no sentido de não submissão à prova tarifada. Eles recusam a submissão aos imperativos gerais da epistemologia e também recusam a finalidade de averiguação da verdade,[25] centralizando a finalidade da prova no convencimento/convicção do julgador.[26] Por um lado, recusar o papel da verdade no processo penal não é de todo surpreendente se consideramos a ferida que a verdade historicamente impôs a esse contexto: a busca pela verdade material foi um pretexto para os abusos de poder no modelo inquisitório. Por outro lado, recusar a verdade não resolve a questão analiticamente central: a incontrolabilidade. Ao ser estabelecido que está provada a hipótese fática de que o julgador está convencido que ocorreu, não contamos com nenhum critério de correção externo à própria decisão. Consequentemente, o juiz dificilmente é falível: não há como apontar um erro sobre a valoração da prova a não ser que consigamos demonstrar que o julgador não foi sincero ao decidir.[27]

E sobre isso é especialmente interessante adicionar uma segunda camada, para testar a extensão do problema do convencimento e do juiz sincero. Pensemos no caso de uma prova x que deva ser excluída do processo j. Todos podemos concordar que o julgador deve decidir sem se basear na prova x. No entanto, se em alguma medida o julgador se convenceu influenciado pela prova x, como determinar que ele decida contra o seu convencimento se o convencimento é critério de decisão? Em alguma medida, será necessário admitir, dentro do próprio modelo de prova, que há cenários em que o julgador precisa decidir contra o próprio convencimento. Podemos citar um segundo cenário: se no processo j não houver provas suficientes para condenar o acusado, a absolvição é devida ainda que o julgador esteja convencido de que o acusado é culpado.

Tais cenários, que não são totalmente estranhos ao contexto jurídico, são melhor absorvidos e articulados por um modelo de prova que prescinde da crença pessoal e centraliza a aceitabilidade da hipótese fática, a partir de critérios epistêmicos (credibilidade) e critérios normativos (standard de prova).[28] Se o sujeito crê em algo, ele crê no enunciado probatório, isto é, que está provada a hipótese fática – o que independe que creia ou não creia no conteúdo da hipótese. O sujeito aceita a hipótese fática em questão em dado contexto processual, e o critério de correção passa a ser externo à decisão em si: o juiz erra (i) quando aceita como provada uma hipótese fática que não está provada e (ii) quando não aceita como provada uma hipótese fática que está provada.[29]

Conclusão

            É certo que o escopo da discussão que desenvolvemos ao longo das seções está reduzido. Não debatemos, por exemplo, sobre a formulação da hipótese fática, nem sobre os controles probatórios que as partes podem exercer. Assim como questões mais específicas, tais como a relevância da prova, o peso probatório ou o valor probatório, estão implícitas na menção mais geral aos momentos da atividade probatória.

Não obstante, o objetivo principal deste artigo foi o de introduzir a discussão quanto ao tema da prova, em que cada seção buscou dar conta de um aspecto elementar para que consigamos começar a responder à pergunta “como provamos os fatos?”. Nesse sentido, discutimos a respeito do status epistemológico do empirismo e do modelo de justificação que assume o raciocínio probatório. E abordando mais especificamente o contexto jurídico, debatemos alguns dos problemas derivados da defesa da cisão entre conceitos de prova geral e de prova jurídica.

Cumprindo as seções com o objetivo principal, algumas notas de rodapé, de certo modo, instruem o artigo, concentrando referências bibliográficas que mapeiam o princípio de um caminho para a teoria geral da prova de fundo racionalista.[30] Em linhas gerais, podemos dizer que o artigo pretende ser um convite ao compromisso de levar os fatos a sério, contrapondo-se a “zonas de penumbra do arbítrio” quanto ao juízo fático no campo do processo penal.

Gustavo Henrique Badaró (2019) defende que o processo penal é um mecanismo, conformado por garantias, com o objetivo de assegurar o máximo de racionalidade e confiabilidade do julgamento. Assim, se o processo é colocado em funcionamento para a atribuição de um fato concreto, não há como fugirmos à finalidade epistêmica e aos seus critérios de racionalidade. Se não é incorreto dizer que a arbitrariedade se manifesta em sentido político – quando a condução do processo de criminalização reverbera o abuso do poder punitivo -, o esforço de legitimar o exercício do poder punitivo não pode perder de vista que a arbitrariedade já está se manifestando quando dependemos de critérios particulares a determinado sujeito para respondermos ao problema da prova.

 

Referências Bibliográficas

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo. Direito penal brasileiro. 4.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011. v. 1.

[1] Advogada Criminal. Integra a equipe de advogados do Projeto de assistência jurídica criminal pro bono vinculado à SACERJ. Doutoranda em Direito Penal pela UERJ. Mestre em Direito pela UFRJ. Pós-graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Graduada em Direito pela UERJ. Os interesses de pesquisa abrangem a teoria da argumentação, a teoria da prova e a teoria do delito.

[2] Zaffaroni; Batista, 2011, p. 40

[3] É importante ressalvar que tribunais são uma das agências do sistema de justiça criminal. Por sua vez, o processo de criminalização não se reduz ao processo judicial, assim como o processo judicial não está imune a fatores que podem determinar o funcionamento do sistema de justiça criminal. Pode ser citado como exemplo o marcador racial da seletividade penal. Ver mais em: Zaffaroni; Batista, 2011.

[4] Segundo Neil MacCormick (2005), o fato operativo é um ato ou evento que opera na norma geral para trazer uma consequência relevante. Expressando em forma de argumento: Se fato operativo, então consequência normativa (Se FO, então CN). Por sua vez, o fato particular é uma instância do fato operativo (universal). Pode ser citado como exemplo de fato operativo: se uma pessoa trouxer consigo droga, a penal aplicada será no mínimo 5 anos. Pode ser citado como exemplo de fato particular: Caio trouxe consigo 5g de cocaína.

[5] Ferrer Beltrán, 2007. É importante destacar que a expressão “fato particular” é uma simplificação expositiva. Não provamos o fato, mas o enunciado sobre o fato, isto é, a hipótese fática (Ferrer Beltrán, 2005). Por “fato”, pode-se compreender o evento que torna o enunciado verdadeiro (González Lagier, 2019b).

[6] Enquanto a concepção persuasiva apela para a subjetividade do julgador, a concepção racionalista reivindica um objetivismo crítico, isto é, que considera a possibilidade do conhecimento objetivo do mundo, mas não ignora as limitações epistemológicas – a natureza indutiva – e ontológicas – a realidade é também mediada por nossos esquemas conceituais (Accatino, 2019). Vale dizer que, para o modelo racionalista, a finalidade da atividade probatória é a verdade no sentido de correspondência. Ver mais em: Accatino, 2019.

[7] Gascón Abellán, 2010

[8] Método indutivo: a partir da observação da regularidade entre fenômenos e estabelecendo relações entre eles, as leis científicas são generalizações indutivas (Gascón Abellán, 2010; Marcondes, 1997).

[9] Como justificar as leis empíricas mais gerais que estabelecem a causalidade? Não podemos justificar. “Para Hume, portanto, a causalidade resulta apenas de uma regularidade ou repetição em nossa experiência de uma conjunção constante entre fenômenos que, por força do hábito, acabamos por projetar na realidade, tratando-a como se fosse algo existente. É nesse sentido que pode ser dito que a causalidade é uma forma nossa de perceber o real, uma ideia derivada da reflexão sobre as operações de nossa própria mente, e não uma conexão necessária entre causa e efeito, uma característica do mundo natural” (Marcondes, 1997, s.p.).

[10] Marina Gascón Abellán (2010) nos lembra da tentativa kantiana de resolver o impasse entre o empirismo e o racionalismo: juízos sintéticos a priori fundariam os juízos de experiência. No entanto, o problema permanecia com a manutenção do ideal regulativo da certeza.

[11] “Pero – como el mismo HEMPEL advirtió – la confirmación empírica de los datos derivados de una hipótesis no hace a ésta deductivamente concluyente, sino que tan sólo le presta un cierto apoyo inductivo; es decir, tan sólo la hace probable en un cierto grado. De nuevo el problema de la inducción se levanta como el muro infranqueable del conocimiento empírico infalible, aunque se empieza a aceptar ya, de manera generalizada, la legitimidad de un enunciado que sólo puede ser confirmado en algún grado por la observación” (Gascón Abellán, 2010, p. 22).

[12] Não estaria em jogo, portanto, o realismo ontológico, ao qual alguma concessão é necessária: existe um mundo objetivo, independentemente do sujeito que o conhece (Gascón Abellán, 2010).

[13] Daniel González Lagier (2007) pontua que se trata de uma gradação entre os tipos ideais: o fato se aproxima de um ou outro extremo conforme dependa mais ou menos de condições materiais do mundo ou de conceitos.

[14] González Lagier, 2019b. Vide nota de rodapé 5. Um exemplo pode ajudar a compreender a distinção: pensemos na hipótese fática “Caio trouxe consigo 5g de cocaína” (vide nota de rodapé 4). O pó branco apreendido (objeto) não se confunde com o fato de existir determinados elementos químicos que o identificam como cocaína, que por sua vez não se confunde com enunciado “a substância apreendida é cocaína”. O que provamos é o enunciado. O fato confirma o enunciado. O objeto é imprescindível para o teste químico, meio de prova apto a atestar se o fato se produziu ou não.

[15] Para os sentidos de “provável”, ver: Dei Vecchi, 2020

[16] Walton, 1990, p. 401-402. Também nesse artigo, Douglas Walton debate a importância da lógica informal para o campo de estudo da argumentação.

[17] Podem ser citados como exemplos de um esquema de argumento: (i) premissa à conclusão, onde por à compreende-se a relação de inferência; (ii) o silogismo jurídico, que na teoria da argumentação jurídica corresponde à justificação interna do argumento; (iii) o esquema de argumento de Toulmin, adotado por Daniel González Lagier para representar as inferências probatórias, que na teoria da argumentação jurídica corresponde à justificação externa do argumento. Para as noções de justificação interna e justificação externa do argumento, ver: Badaró, 2019; Shecaira; Struchiner, 2016.

[18] Um exemplo pode ajudar a visualizar sobre o que estamos tratando. Consideremos os seguintes enunciados: “Caio trouxe consigo 5g de cocaína” (conclusão), “a substância apreendida com Caio é cocaína” (premissa) e “estão presentes os elementos químicos que identificam a substância apreendida como cocaína” (garantia). O raciocínio probatório consiste em inferir a conclusão da premissa, por meio de uma garantia que liga (autoriza a ligação entre) os dois. Para Daniel González Lagier, identificaríamos esta inferência probatória como de tipo epistêmico e poderíamos representá-la de acordo com o esquema de argumento de Toulmin. Para os tipos de inferência probatória, ver: González Lagier, 2015; Matida; Herdy, 2019.

[19] Shecaira; Struchiner, 2016, p. 29

[20] Podemos classificar como raciocínio indutivo aquele em que a verdade das premissas não contém a verdade da conclusão, mas as premissas são uma razão para aceitar a conclusão (González Lagier, 2019a, s.p.).

[21] Na concepção racionalista da prova, essas informações são os “elementos de juízo” e a probabilidade indutiva é considerada o modelo de justificação adequado para inferência entre os elementos de juízo e a hipótese fática (Badaró, 2019; Dei Vecchi, 2020; Ferrer Beltrán, 2007). Para o método de obtenção de corroboração e refutação de hipóteses, ver: Ferrer Beltrán, 2007.

[22] Na concepção racionalista da prova, o juiz decide sobre o enunciado probatório (está provado que p), cujo sentido é do que “há elementos de juízo suficientes a favor de p” e cuja força é descritiva da presença dos elementos de juízo em dado contexto processual (Ferrer Beltrán, 2005). A decisão sobre a hipótese fática é o último dos três momentos da atividade probatória: o momento da formação do conjunto de elementos, o momento da valoração do conjunto de elementos e o momento da decisão sobre o conjunto de elementos. Ver: Ferrer Beltrán, 2007. Gustavo Henrique Badaró (2019) acrescenta dois momentos aos três já mencionados (ou, melhor dizendo, considera-os explicitamente): (i) o momento da investigação, anterior ao momento da formação do conjunto de elementos (e anterior ao próprio processo, uma vez que este se inicia com o oferecimento da denúncia); (ii) o momento da justificação, que é posterior ao momento da decisão. Ao contrário do que poderia sugerir certa intuição – a de que decidimos para depois justificar -, Badaró chama a nossa atenção para a circunstância de que o juiz somente pode e deve decidir pelo que é capaz de justificar.

[23] Ferrer Beltrán, 2007

[24] A regulação jurídica pode influenciar, por exemplo, na riqueza do conjunto de provas, com as regras de admissão e exclusão, e no momento de produção. Para as regras jurídicas sobre a prova e sua relação com o problema da prova, ver: Ferrer Beltrán, 2005, 2007. O autor espanhol discute os fundamentos da cisão entre os conceitos de prova na seção de Introdução da Primeira Parte do livro “La valoración racional de la prueba” (2007).

[25] A finalidade de averiguação da verdade (no sentido de correspondência) é finalidade da atividade probatória no modelo racionalista da prova. Algumas razões são oferecidas para isso. Em primeiro lugar, se o Direito vincula consequências jurídicas a fatos particulares, não é incompatível com o processo (contexto no qual ocorre a imputação) a finalidade de almejar a verdade do que ocorreu. Em segundo lugar, a relação entre prova e verdade é teleológica – e não conceitual-, de modo que a verdade/falsidade da hipótese fática (p) não se confunde com a verdade/falsidade do enunciado probatório (está provado que p). Para o contexto do processo penal, essa distinção é particularmente importante. Suponhamos que o acusado tenha praticado o crime, mas no âmbito do processo j não houve provas suficientes para condená-lo. Por força da regra do in dubio pro reo, o juiz deve decidir como se o acusado fosse inocente. Isso pode ser materialmente falso (no sentido de que não corresponde ao que ocorreu no mundo), mas não constitui um erro de decisão, pois não foi provado que o acusado praticou o crime (não está provado que p). Em terceiro lugar: se por um lado a verdade não pode ser absolutamente alcançada, nos aproximarmos mais ou menos dela nos compromete com o grau de correção entre o que afirmamos e o mundo. Por fim: a finalidade de averiguação da verdade não é a única finalidade da atividade probatória. O Direito também protege outros valores, que convivem e podem até contrariar o valor da verdade. Por todas as razões, ver: Ferrer Beltrán, 2005, 2007; Gascón Abellán, 2010.

[26] Em linhas gerais, podemos dizer que o juiz crê que algo ocorreu (crê em p).

[27] Essa é uma expressão que Gustavo Henrique Badaró já utilizou em painéis. Por julgador não sincero, entenda-se aquele que decide contra o próprio convencimento. Aqui é interessante destacar duas características da crença que a tornam inapropriada para o problema da prova (Ferrer Beltrán, 2005, 2021). Primeiramente, a crença é um ato involuntário, isto é, crer em algo nos sucede e não temos acesso total aos motivos que formaram a nossa crença. Desse modo, ainda que o julgador seja sincero, ele não consegue mais que explicar os motivos que o levaram a crer numa hipótese (o que não se confunde com justificar a hipótese). Também precisamos nos perguntar como seria possível demonstrar a sinceridade do julgador. Em segundo lugar, a crença independe do contexto, isto é, o sujeito crê em algo tanto num contexto A quanto num contexto B. No parágrafo seguinte, iremos explorar o problema do convencimento com ênfase na segunda característica. Ver mais em: Ferrer Beltrán, 2005, 2021.

[28] “Se trata, pues, de que la decisión probatoria cuente con buenas razones epistémicas y normativas que le den fundamento suficiente. Las primeras resultarán de la valoración individual y conjunta de la prueba, a los efectos de determinar el grado de corroboración que los elementos de juicio aportados al proceso otorgan a las distintas hipótesis fácticas en conflicto. Las razones normativas, en cambio, apuntan a la suficiencia o insuficiencia de esa corroboración, que habrá que justificar sobre la base de los estándares de prueba aplicables al caso” (Ferrer Beltrán, 2021, p. 188-189).

[29] A aceitação é o ato voluntário pelo qual o julgador incorpora a hipótese fática ao raciocínio em determinado contexto, sendo os critérios de aceitabilidade aqueles que possibilitam o controle da correção da decisão (Ferrer Beltrán, 2005, 2021). Um exemplo pode ajudar visualizar a questão do erro de decisão. É útil retomar a nota de rodapé 22, em que são apresentados o sentido e a força do enunciado probatório (está provado que p). Pensemos na hipótese fática p “Caio trouxe consigo 5g de cocaína” e no meio de prova apropriado a confirmar a natureza da substância, o teste químico. Suponhamos o seguinte cenário: no processo j foi produzido laudo pericial definitivo não conclusivo de que a substância apreendida é cocaína. Não há elemento de juízo suficiente a favor de p, o que significa dizer que não está provado que p. O juiz, portanto, deve não aceitar a hipótese fática p, declarando que, no contexto do processo j, não está presente elemento de juízo suficiente a favor de p. Se o juiz aceitar a hipótese fática p, declarando que está provada, constituirá um erro de decisão. Ver mais em: Ferrer Beltrán, 2005. Para finalizar, vale chamar a atenção para o termo “suficiente”: refere-se ao standard de prova. O que um standard de prova faz é distribuir o risco de erro (falsa absolvição/ falsa condenação) entre as partes, de modo que (i) o maior ou menor nível de suficiência vai expressar uma escolha por suportar um tipo ou outro de erro, (ii) e o cumprimento do standard de prova é o que determina a correção da decisão. Ver: Ferrer Beltrán, 2021.

[30] É importante ter em mente que o caminho não é isento de discordâncias entre os próprios adeptos da tradição racionalista. Daniela Accatino (2019) ressalta, por exemplo, as diferenças nas abordagens atomista e holista da valoração racional da prova, assim como debates sobre a formulação de standards de prova. Contudo, este artigo não pretendeu dar conta dessas especificidades, e cabe dizer que, em boa medida, referenciou especificamente o trabalho de Jordi Ferrer Beltrán ao tratar de algumas noções relevantes ao tema da prova. Para um panorama geral da tradição racionalista, a partir da revisão da literatura, ver: Accatino, 2019.

Palavras Chaves

Hipótese fática 2. Enunciado provado 3. Probabilidade indutiva 4. Processo Penal