O AUMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA DO COVID-19 E A POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: UMA REALIDADE A SER DISCUTIDA

Resumo

O presente artigo tem por objetivo demonstrar o aumento da violência doméstica em tempos de pandemia do Covid-19 e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para reflexão, discussão, estudo que está infelizmente presente no cotidiano de muitas mulheres vítimas de violência brutal, vítimas de estupro, vítimas de severas agressões, vítimas de morte por seus companheiros/parceiros/ maridos.
Propondo assim, um estudo objetivo e reflexivo sobre o tema que por vezes, enfrentado no cotidiano das Delegacias de Polícia e salas de audiências dos Tribunais de Justiça pelas partes

Artigo

 O AUMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA DO COVID-19 E A POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: UMA REALIDADE A SER DISCUTIDA

 

                               DÉBORA DE CERQUEIRA ARAUJO[1]

Resumo: O presente artigo tem por objetivo demonstrar o aumento da violência doméstica em tempos de pandemia do Covid-19  e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para reflexão, discussão, estudo  que está  infelizmente presente no cotidiano de muitas mulheres vítimas de violência brutal, vítimas de estupro, vítimas de severas agressões, vítimas de morte por seus companheiros/parceiros/ maridos.

Propondo assim, um estudo objetivo e reflexivo sobre o tema que por vezes, enfrentado no cotidiano das  Delegacias de Polícia  e salas de audiências dos Tribunais de Justiça pelas partes

Palavras-chave: Direito Penal, violência doméstica, pandemia Covid-19, Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.

1-   INTRODUÇÃO

 O presente artigo tem por objetivo demonstrar o aumento da violência doméstica em tempos de pandemia do Covid-19 e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para reflexão, discussão e estudo. Tema que está infelizmente presente no cotidiano de muitas mulheres vítimas de violência brutal, vítimas de estupro, vítimas de severas agressões, vítimas de morte dentro de suas casas por seus companheiros/parceiros/ maridos.

A violência contra mulher é definida na Convenção de Belém do Pará em seu art. 1º como:

Art. 1º qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

 Uma violência não somente física, mas uma violência na alma! Quanto à violência física, o Direito Penal poderá garantir a não impunidade; mas no que se refere à violência na alma, esta reside no interior do ser e é tão íntima que nada poderá tratá-la e, pior do que essa ferida interna, é a impunidade muitas vezes sentida por cada mulher que procura as Delegacias de Polícia e o Poder Judiciário, não têm a devida atenção e acabam morrendo.

É nesse sentido que o presente artigo é construído, para dar maior visibilidade ao tema por vezes tratado com descaso e descuido.

A violência no âmbito familiar e/ou doméstico sempre existiu, desde muito antes dos tempos da escravidão no Brasil; perdura até os dias atuais e, se não discutido, tratado devidamente, perdurará em outras gerações.

Na sociedade patriarcal, à mulher eram dados os cuidados da casa, dos filhos, da família e a ela atribuída a culpa por alguma falha em seu papel, seja de mulher, mãe ou esposa; para Berenice Dias:

Nesse contexto é que surge a violência, justificada como forma de compensar possíveis falhas no cumprimento ideal dos papéis de gênero. Quando um não está satisfeito com a atuação do outro, surge a guerra dos sexos. Cada um usa suas armas: ele, os músculos; ela, as lágrimas! A mulher, por evidente, leva a pior e se torna vítima da violência masculina. (DIAS, 2015, p. 26).

Por fim, com o crescimento econômico, o aumento das necessidades dentro de casa, o desejo de trabalhar e ser independente fizeram com que a mulher procurasse se emancipar e não mais ser submissa ao homem.

2-   REFERENCIAL TEÓRICO

  

A discussão teórica construída neste trabalho está baseada no aumento do número de casos de mulheres vítimas de violência doméstica durante a pandemia do Covid-19 e a Política Nacional de Enfrentamento à violência contra as mulheres, utilizando como principais fontes os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Atlas da Violência doméstica (IPEA, 2019).

O intento é discutir sobre o tema proposto, por sua importância no cotidiano e na vida das mulheres em situação de violência doméstica.

Por fim, como referencial teórico, teve como base teórica a doutrina dos autores Maria Berenice Dias (2015) e Guilherme de Souza Nucci (2013).

3-   DA VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER

 A mulher sempre foi vítima das maiores barbaridades cometidas pelo ser humano, seja por questões culturais, religiosas, costumeiras ou morais. Em algumas culturas, por exemplo, a mulher sofre mutilação genital, o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define assim “todas as intervenções que envolvam a remoção parcial ou total dos órgãos femininos externos ou que provocam lesões nos órgãos genitais femininos, por razões não médicas.” A Declaração conjunta da OMS/UNICEF/UNFPA de 2009, sobre mutilação genital feminina assim dispõe:

“Apesar de certas práticas culturais poderem aparecer sem sentido ou destrutivas de um determinado ponto de vista, têm significado e um objectivo para quem as pratica. Contudo a cultura não é estática. É um constante fluxo que se adapta e reforma. As pessoas mudarão os seus comportamentos quando entenderem os malefícios e a indignidade dessas práticas nocivas e quando compreenderem que é possível abandonar esses comportamentos sem colocar em causa os aspectos primordiais das suas culturas. Este é o compromisso do Governo Português para combater e eliminar práticas nocivas como a Mutilação Genital Feminina”.

Desse modo, a mutilação genital feminina é um exemplo de violência grave contra a mulher e que também necessita ser combatido, por atingir principalmente o Direito Humano inerente a todos, visto que a maioria das mulheres que sofrem esse tipo de procedimento vem a óbito e as que sobrevivem ficam com terríveis sequelas.

No Brasil, a violência contra as mulheres data de muito antes dos tempos da escravidão e alcançam os dias atuais. Muito antes do descobrimento das terras brasileiras, havia mulheres indígenas que as habitavam e já padeciam com a violência dentro das tribos a que pertenciam; com o descobrimento do Brasil, foram violentadas, estupradas e mortas pelos descobridores da nova terra.

Após o descobrimento, os portugueses verificaram que os índios não estavam aptos para os afazeres domésticos, ou seja, não serviam para trabalhar dentro das casas e nas lavouras de açúcar ou nos engenhos.

Por isso os portugueses trouxeram os negros da África, escravos comercializados, para servirem os senhores portugueses, descobridores das novas terras. Entre os escravos, cativos trazidos da África, estavam homens, mulheres e crianças que, nas imundas embarcações, vieram e trabalharam arduamente dentro das casas, nas lavouras, nos engenhos e nos mais diversos serviços existentes.

As mulheres negras trabalhavam, em sua grande maioria, nos afazeres domésticos, servindo aos seus senhores e eram, muitas vezes, violentadas, estupradas e mortas, se não “cedessem” aos caprichos de seus senhores.

Essa influência estendeu-se e marcou a cultura brasileira, que não reconhecia a mulher como um ser humano pois, até o governo do presidente Getúlio Vargas, a mulher era ignorada como cidadã. Foi no governo de Vargas (1930-1945) que passou a votar, ou seja, a participar da democracia, a fazer parte do processo político, a existir como um ser humano.

As mulheres, fossem elas de cor branca, parda, indígena e, sobretudo, a mulher negra, sempre sofreram com o descaso, com o desrespeito e com a falta de políticas públicas eficazes, eficientes, que lhes possibilitassem vida digna, livre, sem preconceitos, que lhes assegurassem direito à vida, à liberdade, à educação, à saúde, à igualdade e ao trabalho digno.

4-   O SURGIMENTO DA LEI MARIA DA PENHA

 

Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes sofreu duas tentativas de assassinato, ficando paraplégica, necessitando de cadeiras de rodas para se locomover.

Em 1998, ou seja, 15 anos após as tentativas de assassinato, através do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), a autora conseguiu que seu caso fosse analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em 2006, em uma tentativa de reparação simbólica, visto que houve longa demora para que o autor da violência fosse responsabilizado e condenado, foi editada a Lei 11.340/06, que levou o nome da vítima; nas palavras de Maria da Penha:

“dinheiro nenhum pode pagar a dor e a humilhação das últimas duas décadas de luta por justiça.”

 Desse modo, a Lei 11.340/06 constitui um marco histórico, na medida em que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelece medidas de assistência e de proteção, permitindo a responsabilização do autor da violência e diminuindo a sensação de impunidade até então sentida e sofrida pelas mulheres vítimas de violência doméstica. O art. 2º, da Lei 11.340/06, dispõe que:

Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

 O mencionado artigo traz em seu bojo um importante aspecto, que é o de assegurar a todas as mulheres as oportunidades e facilidades para viver em paz, preservando a sua saúde física e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social, independente de classe, de raça, de etnia, de orientação sexual, de renda, de cultura, de nível educacional, de idade e de religião.

Por outro lado, o ilustre Desembargador Guilherme de Souza Nucci, em seu artigo intitulado Violência Doméstica: um assunto sério tratado com irresponsabilidade faz profundas reflexões e críticas a respeito da Lei 11.340/06 e assim diz:

Voltando ao básico, ninguém no Brasil conseguiu resolver o problema da Lei Maria da Penha: as penas dos crimes mais praticados contra as mulheres são pífias (ameaça e lesão leve). Entretanto, o problema social é imenso.

 

Um aspecto importante, a crítica do autor à Lei 11.340/06, no que diz respeito às penas dos crimes praticados contra as mulheres é serem baixas e é o que aumenta ainda mais a sensação e a certeza da impunidade do agressor, pois age na plena certeza de que não será punido e responsabilizado pelo crime.

5-    DAS DIFICULDADES DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PARA DENUNCIAR O AGRESSOR

 

As mulheres vítimas de violência doméstica encontram dificuldades para fazer denúncias por conta, muitas vezes, da situação constrangedora a que são submetidas e expostas.

Desse modo, as mulheres que, de alguma forma criam coragem para denunciar o seu agressor e dirigem-se à Delegacia, encontram resistência nessa estrutura pois, além de parte de as autoridades públicas considerarem- nas como uma “categoria suspeita”, baseadas em estereótipos e falsas crenças de exagero ou mesmo mentiras em seus relatos, parece não dar a devida atenção ao caso.

Ocorre várias vezes que, mesmo depois de muito esforço, exposição, constrangimento, muitas mulheres denunciam e os seus relatos não são “levados a sério”, tanto que, com frequência, após realizada a denúncia, essa mulher é agredida e morta pelo agressor, que permanece impune, pois já comete o crime na plena certeza da impunidade.

E esse ciclo precisa terminar, precisa de maior atenção e tratamento por parte das autoridades. Recentemente, uma Juíza de Direito foi morta na frente de suas três filhas menores que crescerão sem a mãe. E quantas mães são mortas na frente de seus filhos e mortas nas ruas, nas vielas, nos becos? Será que também não importam? Quantas mulheres negras, pardas, brancas, deficientes são mortas por dia? Quantas mulheres necessitam morrer para que a impunidade não impere mais no Brasil?

Por outro lado, o ambiente da Delegacia não é um ambiente acolhedor, que possua outros profissionais como Psicólogos e Assistentes Socias, que possam acolher e tratar o caso com mais atenção fazendo relatórios específicos a respeito das denúncias feitas pelas mulheres, em um trabalho conjunto e interdisciplinar que possa melhor atendê-las e acolhê-las, pois muitas mulheres são vítimas de estupro e necessitam de uma assistência mais adequada, de uma atenção e sensibilidade maior. E esse não acolhimento também é responsável por inúmeras mulheres que sofrem violência se calarem e não denunciarem os abusos, a violência sofrida.

É necessário, portanto, um trabalho conjunto e interdisciplinar para melhoria no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, pois a Delegacia é o local para onde a mulher primeiramente se dirige, a fim de fazer a denúncia.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), embora os dados coletados demonstrem o crescimento da letalidade oriunda da violência contra a mulher no Brasil, o número total de denúncias caiu de 8.440 em março de 2019, para 7.714 em março de 2020, uma redução de 8,6%.

Nesse sentido, inúmeros são os motivos para o número de denúncias terem diminuído, principalmente durante a pandemia, que vão desde o não acesso à internet — visto que com a pandemia os atendimentos passaram a ser sobretudo online — até o medo, a vergonha, a exposição, o constrangimento e a sensação de impunidade, ou seja, de não dar em nada. A dependência econômica das mulheres em relação aos seus parceiros/ companheiros/maridos também é um outro fator para diminuição do número de denúncias, contribuindo, assim, para a impunidade.

Outro fator relaciona-se às condições econômicas. A incerteza, junto com o medo, a falta de dinheiro para o pagamento de transporte coletivo (dependendo da região e da distância entre a Delegacia e a residência da vítima). Inúmeros são os motivos reais que levam as mulheres vítimas de violência doméstica a não denunciarem seus parceiros/companheiros/maridos.

6-       NORMAS DE PROTEÇÃO A MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

 

Sem dúvida um dos grandes marcos na história do Brasil, em relação a violência doméstica, foi a Lei 11.340/06.

Assim, desde a entrada e a vigência da lei Maria da Penha, várias medidas e garantias foram instituídas pelos instrumentos legais, visando coibir a violência doméstica e a proteção de suas vítimas.

Nesse sentido, surge a Lei Carolina Dieckmann, Lei 12.737/12, que tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados por titulares; a Lei do Minuto Seguinte, Lei 12.845/13, que oferece garantias às vítimas de violência sexual como atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e informações sobre seus direitos, a Lei Joana Maranhão, Lei 12.650/15, que alterou os prazos quanto a prescrição de crimes de abusos sexuais de crianças e adolescentes, a Lei do Feminicídio, Lei 13.104/15, que prevê o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, ou seja, quando o crime for praticado contra a mulher por razões de condição do sexo feminino.

Há normas internacionais de proteção às mulheres como as convenções e tratados internacionais: a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará de 1994), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação (CEDAW – sigla inglesa para “Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women–, 1981) e a Convenção Internacional contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas (Convenção de Palermo, 2000).

Por fim, há medidas protetivas que visam a resguardar a vida, a saúde e o patrimônio da mulher vítima de violência doméstica.

7-    O AUMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TEMPOS DA PANDEMIA DO COVID-19

 

O ano de 2019, foi marcado pela pandemia do Covid-19, que causou profundos e grandes impactos na vida cotidiana das pessoas, obrigando as autoridades de todo o mundo a adotarem medidas para o enfrentamento da pandemia e que garantissem a existência da vida humana.

Nesse sentido, devido ao aumento do número de mortes causadas pelo Covid-19 e aos impactos provocados nas relações de trabalho, as pessoas foram obrigadas a isolarem-se e a adaptarem-se a um novo modelo de trabalho chamado de “home office”.

Com isso, a pandemia mudou não só a vida, mas o modo de produção dos bens materiais; a internet passou a ser a grande aliada nesse processo de transformação.

Assim, a pandemia trouxe grandes e profundas consequências, que foram sentidas principalmente pelas mulheres, as quais passaram a ficar mais tempo em suas casas e, consequentemente, a conviver mais tempo com o agressor.

Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) informam um retrato no Brasil entre os meses de março e abril dos anos de 2019 e 2020: demonstram um crescimento de 22,2% da violência letal e 143 mulheres mortas – por serem mulheres – em 12 Ufs1.

Desse modo, as agressões às mulheres passaram a ser mais recorrentes devido a inúmeros fatores, principalmente a perda do emprego do companheiro/parceiro/marido e o uso de bebidas alcóolicas.

A mulher que outrora saía, trabalhando fora de casa, passou a ficar mais tempo dentro de sua residência, oportunizando o agressor a agredi-la, a violentá-la, a estuprá-la e até mesmo a matá-la.

Com o agravamento da pandemia do novo Covid-19, esse quadro elevou- se, agravando ainda mais a situação das mulheres que se tornaram vítimas de seus companheiros/ parceiros/maridos dentro de suas casas.

  • FBSP- Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota Técnica. Violência doméstica durante a pandemia de Covid 19. 2, de 29 de maio de 2020.

“Sabemos que o coronavírus avança no mundo todo, mas que os impactos da pandemia variam a depender das condições socioestruturais de uma determinada região e/ou território. Porém, um fenômeno comum se tem manifestado em diferentes pontos do globo afetados pela COVID-19: o aumento na incidência de casos de violência doméstica. Os registros administrativos obtidos junto aos estados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública dão conta de referendar esse fenômeno comum, mas mostram-se frágeis do ponto de vista de revelarem toda a multiplicidade e magnitude da violência contra a mulher2.”

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os impactos causados pela pandemia variam em determinada região e estão relacionadas com as condições socioestruturais.

Como já discutida e debatida pela doutrina, a agressão em âmbito doméstico pode ser física, psicológica, patrimonial, sexual e moral.

A violência física é aquela em que a mulher é agredida e, como consequência, apresenta hematomas e cortes perfurantes.

A violência psicológica é aquela em que o agressor diminui a vítima com palavras, ofensas, etc.

A violência patrimonial é aquela em que a vítima tem restrito pelo agressor o seu patrimônio, sem acesso a conta bancária, a bens móveis ou imóveis.

A violência sexual é entendida “como a conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, que induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação, ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais reprodutivos.3

A Violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

  • FBSP- Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota Técnica. Violência doméstica durante a pandemia de Covid Ed. 3, de 24 de julho de 2020.
  • Ministério da Justiça. Políticas para a Mulher: relatório da Gestão 1999/2002 da Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher e do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Brasília, 2002.

8-    A POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

 

Embora a Constituição Federal de 1988 estabeleça igualdade entre homens e mulheres, a desigualdade, a discriminação e o preconceito formam um tripé de chicote invisível, mas real e marcante na vida da mulher brasileira que padece de soluções mais eficazes e eficientes para a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária.

Ressalta-se que a violência entre as mulheres negras é maior em comparação às não negras, o que demonstra a falta de políticas públicas que visem a coibir o crescimento e o avanço da violência doméstica entre as mulheres negras.

De acordo com os dados do Atlas da violência de 2019 (IPEA, 2019), há desigualdade racial entre mulheres negras e não negras vítimas de homicídio e que “enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 4,5% entre 2007 e 2017, a taxa de homicídio de mulheres negras cresceu 29,9%. Em números absolutos a diferença é ainda mais brutal, já que entre as não negras o crescimento é de 1,7% e entre mulheres negras de 60,5%.

Considerando apenas o último ano disponível, a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 3,2 a cada 100 mil nesse grupo, ao passo que entre as mulheres negras a taxa foi de 5,6 para cada 100 mil.”

Essa análise mostra-nos a grande disparidade de homicídios existente entre mulheres negras e não negras e a necessidade de políticas públicas que visem a coibir a violência doméstica e familiar em relação às mulheres não negras e, sobretudo, às mulheres negras; que possam garantir o direito à vida e à liberdade, desde o momento em que é levada ao conhecimento das autoridades a violência ocorrida, através inicialmente do boletim de ocorrência, até a formalização do processo judicial, para que não padeçam mais nas mãos do agressor.

A partir do Plano Nacional de Políticas para as mulheres, foi estruturada a Política Nacional de enfretamento à violência contra as mulheres e tem como objetivo estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra elas, bem como a assistência e a garantia de direitos às mulheres em situação de violência4. O Plano Nacional está de acordo com a Lei 11.340/06 e com as convenções e tratados internacionais.

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres norteia-se pelos seguintes princípios: Igualdade e Respeito à diversidade, Equidade, Autonomia das mulheres, Laicidade do Estado, Universalidade das políticas, Justiça social, Transparência dos atos públicos, Participação e controle social.

A definição de enfrentamento, trazida pela Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as mulheres, é a implementação de políticas que sejam amplas e articuladas e que possam, diante da complexidade da violência por elas sofrida, garantir os seus direitos. O que necessita da atuação interdisciplinar de outros setores como a saúde, a assistência social, a educação, a segurança e a justiça, que possam atuar na garantia da igualdade e no combate dos diferentes tipos de discriminação (raça, gênero, religião), com o fim de promover um atendimento qualificado e humanizado a essas mulheres.

No entanto, o termo enfrentamento não é restrito apenas ao combate, mas abrange outras dimensões que necessitam de maior atenção governamental, como a assistência e a garantia de direitos às mulheres.

Assim, a Política Nacional de Enfretamento à Violência contra as mulheres compõe-se de quatro eixos: Prevenção, Combate, Assistência e Garantia de Direitos.

A prevenção pode ser entendida como o conjunto de ações educativas que interferem nos padrões sexistas. O Combate são as ações de caráter punitivo — o cumprimento da Lei 11.340/06 e a Garantia de Direitos é o cumprimento da legislação nacional, bem como das convenções e tratados internacionais.

O Estado e a sociedade civil têm um importante papel no enfrentamento à violência contra as mulheres. Desse modo, dentro da estrutura estatal existem órgãos que formam a rede de atendimento às mulheres, mas que possuem serviços desarticulados e fragmentados e que necessitam de uma ação

  • Para Mirim o termo “em situação de” reforça a ideia da mulher ser passiva e dependente do agressor: “Quando a mulher é referida como estando em situação de violência, ela está em condição, ou seja, ela acessa um lugar de passagem, pois é um sujeito nessa relação. Estar em situaçãoofece a possibilidade de mudança.” (Mirim,2006) coordenada no sentido de prestar uma maior assistência às mulheres vítimas de violência.

Como exemplo de intervenção estatal e em uma tentativa de promover políticas públicas para mulheres, foi feito no estado do Rio de Janeiro um projeto chamado Casa da Mulher Carioca com “o objetivo de desenvolver um ambiente de interação, captação e empoderamento feminino com a aplicação de estratégias efetivas com vistas à prevenção das situações de violência contra a mulher, exercício da cidadania e da construção da autonomia.”

Ressalta-se a importância de se utilizar o que dispõe a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a fim de garantir os direitos das mulheres vítimas de violência doméstica, criando instrumentos para inserir a mulher no mercado de trabalho, que lhes garanta o direito ao atendimento médico digno, o direito à educação e que as façam sentir o prazer de viver em mundo sem desigualdade e sem preconceito.

Com a pandemia do Covid-19, as mulheres vítimas de violência doméstica não tiveram acesso direto às redes de atendimento, pois os serviços, em sua grande maioria, passaram a ser online e, também, muitas mulheres não possuem internet.

A pandemia do Covid-19 trouxe profunda transformação nas diferentes áreas, nos mais diversos setores da economia e, sobretudo, interferiu diretamente nas relações de trabalho, pois o trabalhador/trabalhadora foi obrigado(a) a realizar seu trabalho dentro de casa.

Como reflexo imediato desse novo modo de trabalho, a mulher, que antes já sofria com agressões e com abusos, passou a sofrer ainda mais, por permanecer mais tempo dentro de casa, o que aumentou o número da violência doméstica contra mulheres.

Desse modo, com o isolamento, a mulher vítima de violência doméstica não conseguiu sair de dentro de casa para fazer a denúncia ou não a fez por medo do parceiro/companheiro/marido, que passou a estar muito mais próximo a ela. Consequentemente, o registro das denúncias diminuiu, o que aumentou a impunidade.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

No Brasil, o número total de denúncia caiu de 8.440 em março de 2019 para 7.714 em março de 2020 – uma redução de 8,6%.

 Tratar esse tema é preciso, necessário e importante, pois infelizmente todos os dias ocorre dentro das casas brasileiras a violência doméstica que, se não devidamente debatida, discutida e sancionada pelas autoridades, causará mais mortes entre mulheres no Brasil.

  • MATERIAIS E MÉTODOS

 Para a confecção deste artigo científico, foram coletados dados em obras de autores renomados e de grande relevância acadêmica, respeitados juristas que contribuíram grandemente com seus estudos sobre o tema, ora discutido neste simples artigo, mas que foram decisivos para a análise e sua conclusão.

Por fim, os métodos, as técnicas e os instrumentos de coleta de dados utilizados foram extraídos da análise bibliográfica dessas obras.

  • RESULTADOS

 Observou-se que a consequência direta da pandemia do Covid-19, através dos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foi a diminuição do registro das denúncias e o aumento da violência doméstica e que as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres precisam ser mais efetivas e coordenadas no sentido de garantir os direitos às mulheres vítimas de violência.

Como resultado do estudo, conclui-se que a sociedade brasileira, o poder judiciário, o poder legislativo, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e Privada, os juristas, os Delegados de Polícia e os seus respectivos representantes precisam mudar a ótica sobre a violência doméstica e passar a tratar o tema como mais atenção e cuidado.

É necessário e preciso para que, desse modo, em uma ação conjunta com a rede de atendimento, possam coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres vítimas do descaso e da certeza da impunidade, que atravessa os séculos e que persiste com o fim do alcance da pacificação das  relações conflituosas existentes no âmbito doméstico e familiar, redução das mortes de mulheres vítimas de violência doméstica à luz do que já estabelece a Constituição Federal, a Lei 11.340/06 e as convenções e tratados internacionais, com a finalidade de atingir a verdadeira justiça de que todas as vítimas de violência doméstica e familiar padecem no Brasil.

  • DISCUSSÃO

  

A discussão aqui debatida é sobre o aumento da violência doméstica em tempos de pandemia do Covid-19 e a Política de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que necessita de maior atenção, tratamento, cuidado e interesse das autoridades do sistema jurídico brasileiro, para evitar não só o aumento da violência doméstica e familiar, mas e principalmente a morte dessas mulheres.

  • CONCLUSÃO

 

Conforme apresentado ao logo do presente trabalho científico, é necessário ter uma nova leitura a respeito da violência doméstica e familiar e, consequentemente, dar maior atenção, significado, tratamento, visibilidade, buscando discutir sobre o aumento da violência doméstica durante a pandemia do Covid-19 e a Política Nacional de enfrentamento à Violência contra as Mulheres.

Expôs-se, assim, como exemplo, a necessidade de as Delegacias de Polícia possuírem outros profissionais como Psicólogos e Assistentes Socias, para trabalharem de forma conjunta e interdisciplinar, com o objetivo de melhor acolher mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, visto que a Delegacia é uma estrutura por vezes não acolhedora.

Foi relacionada ao tema a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, trazendo seu conceito, princípios e objetivos para uma maior reflexão a respeito da discussão.

Observou-se, como consequência direta da pandemia do Covid-19, através dos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a ocorrência da diminuição do registro das denúncias e o aumento da violência doméstica relacionado com as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e a necessidade de serem mais efetivas e coordenadas no sentido de garantir os direitos às mulheres vítimas de violência.

Conclui-se que precisamos de uma profunda reforma, não só administrativa, legislativa e gestora, mas principalmente na consciência desses Ilustres atores que compõem o sistema judiciário brasileiro, haja vista que os países desenvolvidos, como os EUA, possuem políticas públicas e punições assertivas adequadas à violência doméstica e familiar contra a mulher em seu país. A principal reforma é na consciência para mudar, para transformar.

REFERÊNCIAS

  

ASSOCIAÇÃO PARA O PLANEJAMENTO FAMILIAR. Eliminação da Mutilação Genital Feminina: Declaração conjunta OHCHR, ONUSIDA, PNUD, UNECA, UNESCO, UNFPA, ACNUR, UNICEF, UNIFEM, OMS. Genebra, 2009.

Cadernos de Estudos da Lei Seca.-7ª.ed.- Salvador: Editora JusPodium, 2022. BRASIL. Ministério da Justiça. Políticas para a Mulher: Relatório da Gestão 1999/2002 da Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher e do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Brasília, 2002.

DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 FBSP- Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota Técnica. Violência doméstica durante a pandemia de Covid 19. Ed. 2, de 24 de maio de 2020.

FBSP- Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota Técnica. Violência doméstica durante a pandemia de Covid 19. Ed. 3, de 24 de julho de 2020.

Fontes, Eduardo. Cadernos de Lei Seca Complementar. Carreiras Policiais. –                   4ª. ed. São Paulo: Editora JusPodium, 2022.

https:// guilhermedesouzanucci.jusbrasil.com.br/artigos/596463748/violencia- domestica-um-assunto-serio-tratado-com-irresponsabilidade-no-brasil. Acesso em 13 fev. 2022.

IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2019. Org. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.

MIRIM, Liz Andréa Lima. Balanço do Enfrentamento da Violência contra mulher na perspectiva da Saúde Mental. Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra mulher (1980-2005) – alcances e limites. São Paulo: Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, 2006.

Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 1990- ISSN 1415-4765. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Vade Mecum Policial: legislação selecionada para carreiras policiais/organizado por Bruno Torquato Zampier Lacerda. – 5ª.Ed. – Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2019.

Notas:

[1] Pós-graduação lato sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes, Pós-graduação lato sensu em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes, Pós-graduação lato sensu Direito e Administração Pública pela Universidade Gama Filho, Pós-Graduação Lato Sensu pela Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público (em andamento), Conselheira Suplente da OAB Méier, colaboradora da Comissão OAB-Mulher, integrante da Comissão de Assistência e Prerrogativas da Seccional OAB/RJ.

Palavras Chaves

Direito Penal, violência doméstica, pandemia Covid-19, Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.