O DESAFIO DE ENTROSAR O DIREITO DOS DESASTRES E O DIREITO URBANÍSTICO PARA A GESTÃO DE RISCOS URBANOS E CESSAR A OMISSÃO LEGISLATIVA DO CÓDIGO DE LICENCIAMENTO E FISCALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

Artigo

O DESAFIO DE ENTROSAR O DIREITO DOS DESASTRES E O DIREITO URBANÍSTICO PARA A GESTÃO DE RISCOS URBANOS E CESSAR A OMISSÃO LEGISLATIVA DO CÓDIGO DE LICENCIAMENTO E FISCALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

João Renato Lima Paulon[1]

  1. Introdução

Um dos ramos do Direito dos Desastres é estabelecer as normas e diretrizes para prevenção de desastres. O foco principal é garantir a proteção e segurança das pessoas, comunidades e do meio ambiente em situações de risco e emergência, porém este é constantemente desafiado por uma relação que propicie o equilíbrio com a necessidades de moradia das pessoas expostas.

Muitas vezes, as medidas preventivas são substituídas por medidas necessárias para garantir a proteção das pessoas e se amplificam os riscos de impactos sociais significativos.

É importante esclarecer que os desastres podem ser divididos em: i) naturais, que são eventos que são originados a partir de forças naturais e não têm intervenção humana e ocorrem na natureza como terremotos, furacões, tsunamis, erupções vulcânicas, entre outros; ii) antropogênicos, que são aqueles causados diretamente pela ação humana, como acidentes industriais como vazamento de materiais radioativos de Chernobyl, poluição ambiental, desmatamento; iii) mistos aqueles que envolvem tanto causas naturais quanto humanas, como é o caso do acidente de Fukushima, inundações, agravadas pela urbanização desordenada e pelo uso inadequado do solo, rompimento de barragens, entre outros.

No Brasil, tem se evidenciado diversos desastres mistos, isto é, relacionados a combinação de eventos naturais com a atividade urbana como as chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, o vazamento de óleo na Bacia de Campos em 2011, o incêndio na empresa Ultracargo em 2015 e o rompimento da barragem de Mariana em 2015.

O município do Rio de Janeiro sofreu em janeiro de 2019, com o deslizamento de terra no bairro do Itanhangá, que deixou 24 pessoas mortas[1] e diversas casas destruídas.

O presente artigo busca contribuir para avanços normativos no Município do Rio de Janeiro como ações preventivas de desastres de origem mista.

  1. A Função Social Preventiva do Direito dos Desastres

Robert Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais elenca que o Estado deve promover ações negativas e positivas. A ação normativa se encontra na esfera das ações positivas normativas, enquanto o exercício de medidas concretas preventivas se encontra na esfera das ações positivas fáticas[2]. Há uma relação direta entre as ações normativas e as ações fáticas, pois a retirada de conteúdos normativos pode desmobilizar a possibilidade na realização de atividades fáticas. A eficácia do Direito dos Desastres, depende das atividades motrizes de legislar e regulamentar.

O Direito dos Desastres utiliza diversos instrumentos, como as avaliações de risco e os planos de contingência fundamentados na atividade legislativa e regulamentadora.

Esses instrumentos buscam identificar os riscos e as vulnerabilidades da região e estabelecer as medidas necessárias para prevenção, preparação, resposta e recuperação de desastres, levando em conta as necessidades das pessoas expostas.

Para sitar exemplos de amplo conhecimento, tivemos a promulgação da conversão da medida provisória n º 547/2011[3] pela Lei 12.608/2012[4] que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC e se tornou um novo marco no direito positivo para obrigar todos os entes federativos a tomar as medidas necessárias à redução dos riscos de desastre (art. 2º) independentemente da incerteza quanto ao risco de desastre (art. 2º, §2º).

Pois bem, o Poder Executivo Federal regulamentou o art. 2º originalmente através do Decreto nº 7.257/2010[5], sendo posteriormente revogado pelo Decreto nº 11.219/2022[6]. Tais normas foram produzidas por governos com concepções de mundo distintas, e a modificação do Decreto impactou negativamente no alcance das ações preventivas da União que inicialmente tratou da elegibilidade de ações por órgão colegiado, no caso o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC para o controle suscetível ao favorecimento político, eis que o decreto posterior centralizou à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), não bastasse a superveniência do fato que as verbas federais terem sido drasticamente reduzidas, como se explicará a seguir.

Como a obrigação de prevenção é solidária, há orçamento destinado em todos os âmbitos da federação para prevenir desastres. Todavia, diversas contingências afetam as medidas para prevenção de desastres, como por exemplo, cortes de 99% sobre “obras emergenciais de mitigação para redução de desastres”, a supressão foi de R$ 2,8 milhões para R$ 25 mil[7] e tornou o exercício do direito de prevenção de desastres juridicamente impossível, utilizando a expressão cunhada por Robert Alexy: “O Estado ainda pode ter influência sobre ações de uma outra maneira além da descrita[2]: ele pode torna-las juridicamente impossíveis.”

Sem recursos mínimos garantidos à prevenção, no que os aplicadores dos Direitos dos Desastres poderão contribuir para a mudança do estado de fato?

Se não há fundos para a prevenção de desastres, como preveni-los?

O brutal contingenciamento orçamentário, a negligência para uso de verbas, a inação dos órgãos públicos de controle, e eventualmente os órgãos corretivos podem tornar nula a letra da lei.

  1. Contextualização da Moradia Urbana no Município do Rio de Janeiro

As áreas consideradas urbanas no Brasil representam 0,63% e concentram 84,3% da população brasileira, ou seja 160 milhões de pessoas.[8]

No caso específico do Município do Rio de Janeiro, vale lembrar que é o segundo município mais populoso do Brasil (6,8 milhões) e que possui o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) municipal[9].

Com uma pujante atividade econômica não seria desnecessário dizer que uma elevada quantidade de trabalhadores, necessita se deslocar pelo sistema público de transporte diariamente e como a proximidade entre a residência e o trabalho interfere na qualidade de vida, é natural pensar que é interesse do trabalhador optar por morar o mais próximo possível do trabalho ou das oportunidades de emprego.

Apesar do Município do Rio de Janeiro não estar entre os 20 com a maior densidade demográfica urbana, diversas áreas carentes, com um total de 1.074 favelas e uma população de 1.434.975 habitantes resulta no percentual de População em Favelas de 22%[10].

Além da população que vive em favelas, constantemente prejudicada pela falta de políticas públicas, há também, um déficit habitacional de 500 mil moradias[11], conforme dados estatísticos do Comitê Técnico de Acompanhamento do Plano Diretor o que revela uma grande desigualdade social seja na distribuição do espaço seja da própria moradia.

O Diagnóstico Intersetorial Integrado da Cidade do Rio de Janeiro – Relatório CTPD 2018 apontou o percentual de 10,15% de déficit habitacional compondo Domicílios Improvisados (todos os locais e imóveis sem fins residenciais e lugares que servem como moradia alternativa como imóveis comerciais, embaixo de pontes e viadutos, barracas, carcaças de carros abandonados e cavernas, entre outros), Domicílios Rústicos (sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada), Casa de Cômodos (um ou mais aposentos localizados em casa de cômodo), Família de Conviventes (família que convive no mesmo domicílio), e Ônus Excessivo com Aluguel (com renda de até três salários mínimos que moram em casa ou no apartamento e que despendem 30% ou mais de sua renda com aluguel).

Desta forma há o desastre social da falta de moradia ou da precariedade da moradia e saneamento básico e que gera igual ou mais mortes que os desastres.

Sobre esse panorama desastroso na falta de condições o Poder Público deve ser instigado a produzir soluções para a democratização socioespacial[12] que contemple o acesso igualitário ao direito de uma moradia segura e provida de serviços públicos essenciais.

  1. A Relação do Direito Urbanístico com o Direito dos Desastres

O Direito Urbanístico e o Direito dos Desastres estão diretamente relacionados, uma vez que o planejamento e a gestão urbana são fatores determinantes para a prevenção e a mitigação de desastres naturais e socioambientais.

O Direito Urbanístico é o ramo do Direito que trata da organização e do planejamento das cidades, com o objetivo de garantir o desenvolvimento urbano sustentável e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Para isso, o Direito Urbanístico estabelece normas e diretrizes para o ordenamento territorial, a ocupação do solo, a proteção ambiental, a infraestrutura urbana, entre outros aspectos que envolvem a gestão das cidades.

Por sua vez, o Direito dos Desastres é o ramo do Direito que trata das normas e medidas de prevenção, mitigação e resposta a desastres naturais e socioambientais, com o objetivo de proteger a vida, a saúde, o meio ambiente e o patrimônio das pessoas e comunidades afetadas. O Direito dos Desastres estabelece as bases jurídicas para a implementação de políticas públicas de gestão de riscos, prevenção e resposta a desastres.

O ponto de contato mais evidente do Direito Urbanístico com o Direito dos Desastres seria a maximização do direito à moradia, com a atuação constante do Poder Público na prevenção dos desastres.

Dessa forma, a relação entre o Direito Urbanístico e o Direito dos Desastres se dá pela necessidade de se estabelecer políticas públicas e instrumentos normativos que permitam a gestão integrada e participativa das cidades, considerando a prevenção e a mitigação de desastres como um elemento fundamental para o planejamento e desenvolvimento urbano sustentável. Além disso, é importante que esses dois ramos do Direito trabalhem de forma conjunta, a fim de garantir a efetividade das medidas de prevenção e resposta aos desastres, bem como a proteção dos direitos das pessoas afetadas.

Paralelamente é necessária atuação permanente da sociedade civil com o Ministério Público para garantam verbas para a prevenção de desastres e sejam efetivamente realizadas nos projetos prioritários.

  1. A Omissão Legislativa Municipal o Código de Licenciamento e Fiscalização

A Constituição Federal de 1988 previu em seu artigo 29 que o Município seria regido por Lei Orgânica. No caso do Rio de Janeiro, a Lei Orgânica do Município[13] foi promulgada em 5 de abril de 1990 e previu no artigo 70, inciso VIII a criação do Código de Licenciamento e Fiscalização por Lei Complementar.

Em 05 de Abril de 2023 completou 33 anos sem um Código de Licenciamento e Fiscalização e falta de um arcabouço normativo gera a chamada corrupção urbanística que é a ausência de diferenciação entre direito e política.

Convivendo com a falta de legislação, as áreas de posse de grandes engenhos do passado se tornaram com o passar do tempo, os bairros de hoje por não passarem pelo procedimento de parcelamento do solo (loteamento ou desmembramento). A Lei 6.766/79 estabeleceu um procedimento burocrático e custoso que gerou poucas medidas efetivas para a regularização. Ademais a lei transfere ao proponente o ônus da inércia da manifestação do Poder Público e enxerta penas de caducidade da aprovação se não for submetido ao oneroso registro imobiliário uma infinidade de certidões.

Não se pode negar que é extremamente dispendioso para as populações carentes realizar gastos para um loteamento ou desmembramento, ainda mais inviável pois é uma questão de interesse social cuja responsabilidade deveria recair sobre a Administração Pública.

Diante disso, à exemplo do que se verificou nas tentativas de legalização de imóveis no Muzema, o Município do Rio de Janeiro se valeu de indeferimentos de pedidos de licenciamento, por mera falta de certidão individualizada do Registro Geral de Imóveis em áreas consolidadamente ocupadas por possuidores. Com isso, muitas obras iniciadas tiveram a dificuldades de obter o licenciamento tiveram o status de “clandestinidade” e a sujeição de embargos e outras penalidades.

Dos licenciamentos em áreas edificáveis, as exigências indevidas contribuíram para o expressivo déficit habitacional.

O perigo de uma legislação deficiente gerou entraves excessivos ao licenciamento de construções, e terreno fértil para a corrupção urbanística que por sua vez possui 3 critérios: i) legal; ii) interesse público; e iii) opinião pública.[14]

Do ponto de vista do direito dos desastres, a legislação deficiente, como a atual, pode resultar na criação de um sistema binário, onde de um lado há um mundo idealizado, romantizado e perfeito, onde as leis respeitam os critérios de hierarquia, especialidade e temporalidade que produz consequentemente um licenciamento além de ser regra jurídica absoluta, aparentada no mundo dos fatos.

De outro lado há um sistema jurídico imperfeito, falho, com diversas normas colidindo entre si, outras faltantes, onde há decretos criando direitos e não explicando a vontade do legislador, gerando aplicado de forma seletiva e eventualmente remediado por quem não possui conhecimento específico para a aplicação desse específico ramo do direito, classificado pelos aparelhos ideológicos como associados à atividade miliciana, por exemplo.

Como se trata de um sistema binário, onde aparentemente existe apenas uma ideia de certo e de errado, a percepção da administração a falta de licenciamentos, resulta na diminuição do planejamento, na fiscalização, e na adoção de medidas de prevenção e mitigação de desastres.

Os desastres passam a ser desejados na medida em que geram diversos tipos de oportunidades: apontar a responsabilidade de governos com consequentemente enfraquecimento eleitorais, imposição de zoneamentos urbanos “oníricos” pelas classes dominantes, ideados e concebidos em 1976, oportunidade de aplicação de penas capitais de demolição sem prévia lei que à autorize, aumento do capital simbólico do choque de ordem e autoritarismo de políticas públicas, conflitos urbanos, oportunidade de coberturas midiáticas, oportunidade para recrudescimento do sistema penal contras as populações locais, ascensão de lideranças locais, lutas sociais, possibilidade de captura de lideranças mediante acordos eleitorais, venda de conjuntos habitacionais para a população, além da promoção da imagem de “salvadores”, e a permanência da desvalorização da área pela falta de legalização.

Em paralelo, pedidos judiciais para obstar demolições ilegais, também são indeferidos liminarmente por “presunção de regularidade dos atos administrativos”. O judiciário se torna um endossador sumário de interpretações sobre a aplicação de recomendações de órgãos administrativos sem apontar quais normas autorizam demolições, atestando uma inabilidade de qualquer conhecimento da matéria. Aos poucos as decisões de primeira instância vão chegando aos Tribunais e a jurisprudência se suporta graças a casos paradigmas totalmente descabidos à luz da legislação vigente, que como se sabe, é inexistente.

A miséria humana volta a ser esquecida, os projetos de infraestrutura básica voltam para a gaveta e todos aguardam atonitamente alguns fatores catalizadores e concorrentes entre si como: a) uma nova cobertura de plantão noticiando um novo desastre com novas vítimas; ou b) ou nova “cobertura jornalística”, que por excelência é generalista ao associar territórios como áreas de proliferação de milícia ou de crime organizado.

Observado alguns desses fatores catalizadores, recomeça-se o ciclo de oportunidade.

Neste meio tempo se destacam as decisões autoreferentes nos órgãos administrativos, e judiciais que além do uso autorreferente de jurisprudência se tornam órgãos auxiliares das atividades de segurança pública, desviando por completo o princípio da finalidade.

Não licenciar vai mudar o que no mundo dos fatos vividos? Servirá apenas para o uso indevido de subsídio retórico de que os investimentos não podem ser feitos pois as ocupações são irregulares?

O licenciamento, além de permitir diversas contrapartidas financeiras como o IPTU, permite uma melhor utilização dos recursos públicos para contenção de encostas, criação de áreas verdes e parques urbanos: a criação de espaços verdes e parques pode ajudar a evitar inundações, implantação de sistemas de alerta precoce, monitoramento e controle de áreas de risco, Investimentos em infraestrutura, a construção de sistemas de drenagem, pontes, viadutos, entre outros, pode ajudar a evitar inundações e deslizamentos de terra bem como a capacitação da população.

Isso ocorre porque o licenciamento urbano é uma das principais ferramentas o direito à cidade e à moradia e quando a legislação é ineficiente ou inadequada, pode haver uma redução na emissão de licenças, o que pode levar a uma indesejada retenção especulativa de imóvel urbano, ou subutilização ou não utilização, ou ocupação desordenada dificultando a realização de medidas preventivas e mitigatórias previstas na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC.

Para tentar suprir a omissão legislativa da ausência do Código de Licenciamento e Fiscalização, desde 1990 apenas dois Projetos de Lei foram propostos pelo Poder Executivo e a primeira iniciativa foi Projeto de Lei Complementar nº 32/2013[15] e o segundo foi o Projeto de Lei Complementar nº 55/2018[16] com pedido de arquivamento do anterior considerando uma norma mais complexa e endurecida, que dificulta a sua aplicação.

Em ambos os projetos, o atraso e a inadequação aos novos tempos é manifesta.

Por outro lado, não interessa ao desenvolvimento do município adotar aleatoriamente qualquer lei, mas sim gerar condições que possam estabelecer um marco de segurança jurídica para o desenvolvimento da cidade e que contemplem a maximização do direito à moradia conjugada com a atuação do Município para os casos em que forem necessárias medidas preventivas para proteção dos imóveis existentes ou a serem construídos em áreas de risco, visto que o direito à moradia possui previsão constitucional.

Desta forma não se trata nem de ponderação de interesses, visto que o direito urbanístico é previsto como legislação complementar, notoriamente de natureza infraconstitucional, e, portanto, subordinado ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Isso significa que, sem uma legislação clara e objetiva, as decisões de licenciamento e fiscalização podem ser tomadas com base em interesses políticos ou financeiros, em detrimento da segurança e do bem-estar da população.

Como maximizar o direito à moradia e prevenir desastres será o principal desafio do legislador para elaborar uma nova versão dos Projetos de Lei Complementar (PLCs) em trâmite que tratam do Código de Licenciamento e Fiscalização.

É necessário também deixar claro se o posseiro de parte de área pode ser considerado “interessados” para formulação de pedidos de licenciamentos. Como está em ambas as versões dos PLCs há margem para a corrupção urbanística em razão da possibilidade de discricionariedade na interpretação pela adoção de conceitos jurídicos indeterminados. Por que não adotar a legitimação de posse como critério, se está prevista no Estatuto das Cidades[17]

O Código de Licenciamento e Fiscalização também deverá ter critérios explícitos para a aprovação de pedidos de licenciamentos, pois não existem critérios objetivos e existe excessiva utilização de termos que remetem “à legislação pertinente” ora à “regulamentação específica”, ou seja, difusos e abstratos igualmente sujeitos à corrupção urbanística.

Outra necessidade de aperfeiçoamento dos PLCs é sobre a excessiva repressão de “loteamentos irregulares ou clandestinos” replicando decretos municipais desatualizados à luz do Estatuto das Cidades se dirige para direção oposta no sentido de simplificar a legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta de lotes e unidades habitacionais; (art. 2º, inciso XV) e a instituição de zonas especiais de interesse social (art. 4º, inciso V).

O caso de desabamento do Itanhangá (Muzema) é um exemplo trágico das consequências da ocupação irregular do solo urbano e da falta de regulamentação e fiscalização adequadas por parte do poder público. Se a obra fosse licenciada, seriam facilmente identificados os responsáveis e a obra estaria submetida à fiscalização de adequação às normas técnicas.

O desabamento do edifício no Itanhangá, conhecido como Muzema, ocorreu em 12 de abril de 2019, deixando um saldo de 24 mortos e vários feridos. O prédio, que tinha seis andares, era irregular do ponto de vista técnico segundo o Ministério Público, e sendo construído em uma área de risco, sem as devidas autorizações e sem seguir as normas de segurança necessárias.

A região em que o edifício se encontrava é conhecida por ser controlada por milícias, que exercem poder paralelo em áreas dominadas por eles, muitas vezes envolvidos em construções ilegais. Neste caso, o Ministério Público apurou que os responsáveis pela construção do edifício tinham ligação com esses grupos, mas o nexo causal não da queda não foi à ligação com o crime, mas a deficiência das peças de estrutura.

No entanto, é preocupante que a área tenha sido associada à ocupação de milícias, o que pode levar à estigmatização e à criminalização de toda a população local. Com isso a Coordenadora de Licenciamento e Fiscalização Urbanística 4.1 – Barra Da Tijuca promoveu processos administrativos com proposições de medidas de demolição sem amparo na legislação, pois a ausência de licenciamento não é justa causa para demolição administrativa.

Ademais é percebível que a área deve ter tratamento distinto pois se trata de destinada a moradia de população carente.

É necessário que o poder público desenvolva políticas de regularização fundiária que levem em conta as necessidades e demandas da população local, ao invés de simplesmente criminalizá-la e demonizá-la. A falta de regulamentação e fiscalização adequadas não deve servir como justificativa para punir injustamente aqueles que já enfrentam dificuldades em sua vida cotidiana. Em vez disso, é preciso criar um ambiente propício para a promoção do desenvolvimento urbano sustentável, garantindo a segurança e o bem-estar de todos os cidadãos.

A ausência de um arcabouço normativo também pode levar à falta de planejamento e de medidas preventivas em relação a desastres urbanos, como enchentes, deslizamentos de terra e incêndios. Sem uma regulamentação clara, pode haver construções em áreas de risco ou sem os devidos cuidados com relação à segurança estrutural.

Portanto, a ausência de um Código de Licenciamento e Fiscalização é uma preocupação para a gestão urbana do Rio de Janeiro e pode gerar impactos negativos na qualidade de vida da população. É importante que sejam adotadas medidas para a elaboração e implementação de uma legislação clara e eficiente, que garanta a moradia segura.

  1. Referências Bibliográficas e notas:

[1] Advogado, sócio fundador do escritório Paulon – Advogados Associados, pós-graduado em Direito Público e Privado pela FEMPERJ, pós graduado em Direito Internacional: Geopolítica e Defesa pela UFRGS, graduando em direito ambiental pela AVM Educacional. E-mail [email protected].

[2] Refere-se as ações de Estado que embaraçam o exercício de um direito.

[1] Veja quem são as vítimas da queda dos prédios na Muzema. G1 GLOBO.  Disponível em:  https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/04/12/veja-quem-sao-as-vitimas-da-queda-dos-predios-na-muzema-rio.ghtml Acesso em: 12 abr. 2023.

[2] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

[3] BRASIL. Medida Provisória nº 547, de 11 de outubro de 2011. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Mpv/547.htm Acesso em: 12 abr. 2023.

[4] BRASIL. Lei nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm Acesso em: 12 abr. 2023.

[5] BRASIL. Decreto nº 7.257, DE 4 DE AGOSTO DE 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7257.htm aos 12/04/2023.

[6] BRASIL. Decreto nº 11.219, DE 5 DE OUTUBRO DE 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D11219.htm#art41 Acesso em: 12 abr. 2023.

[7] Cortes no orçamento da mitigação de desastres naturais chegam até 99% para 2023. JORNAL USP. 02/10/2022. Disponível em https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2022/10/02/cortes-no-orcamento-da-mitigacao-de-desastres-naturais-chegam-ate-99percent-para-2023.ghtml Acesso em: 12 abr. 2023.

[8] Mais de 80% da população brasileira habita 0,63% do território nacional. EMBRAPA 10/10/17 https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/28840923/mais-de-80-da-populacao-brasileira-habita-063-do-territorio-nacional#:~:text=As%20%C3%A1reas%20consideradas%20urbanas%20no%20Brasil%20representam%20menos,identifica%C3%A7%C3%A3o%20de%20%C3%A1reas%20urbanas%20j%C3%A1%20feito%20no%20Pa%C3%ADs.Acesso em: 12 abr. 2023.

[9] Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/brasil/cidade-do-rio-de-janeiro.htm#:~:text=Economia%20da%20cidade%20do%20Rio%20de%20Janeiro%20A,da%20economia%20do%20estado%20do%20Rio%20de%20Janeiro. Acesso em: 12 abr. 2023.

[10] Rio em Síntese. Instituto Pereira Passos. Disponível em https://www.data.rio/pages/rio-em-sntese-2 Acesso em: 12 abr. 2023.

[11] SAMPAIO, Luize. A desigualdade começa em casa, RJ tem um déficit habitacional de 500 mil moradias. 20 de julho de 2021. Disponível em https://casafluminense.org.br/a-desigualdade-comeca-em-casa-rj-tem-um-deficit-habitacional-de-500-mil-moradias/ Acesso em: 12 abr. 2023.

[12] ANDRADE, Leonardo Teodoro. Manual de Direito Urbanístico. São Paulo. Thompson Reuters, 2019.

[13] RIO DE JANEIRO. Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Câmara Municipal, http://www.camara.rio/atividade-parlamentar/legislacao/lei-organica-do-municipio Acesso em: 12 abr. 2023.

[14] PRESTES, Vanêsca Buzelato. Corrupção Urbanística: Da ausência de Diferenciação entre Direito e Política no Brasil. Belo Horizonte. Fórum, 2019.

[15] RIO DE JANEIRO. Projeto de Lei Complementar nº 32/2013. Rio de Janeiro: Câmara Municipal, Disponível em: http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1316.nsf/d08c1d300048019c0325775900523a3e/af301a33ce21a01403257b4f0056e4a3?OpenDocument Acesso em: 12 abr. 2023.

[16] RIO DE JANEIRO. Projeto de Lei Complementar nº 55/2018. Rio de Janeiro: Câmara Municipal, Disponível em: http://aplicnt.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro2124.nsf/d305f3c25ec55a360325863200569353/0325864700576d268325822c00642562?OpenDocument Acesso em: 12 abr. 2023.

[17] BRASIL. Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto das Cidades. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm Acesso em: 12 abr. 2023.