O DIREITO DE CONVIVÊNCIA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL – COVID 19

Resumo

O presente artigo tem por objetivo a abordagem a um tema atualíssimo, O DIREITO DE CONVIVÊNCIA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL, de bastante relevância para o Direito das Famílias. Afinal ante a realidade de uma pandemia de nível internacional inúmeras questões acerca de regimes de convivência surgem diariamente. Exigindo do operador do Direito, do Poder Judiciário esclarecimentos, orientações e decisões que busquem preservar a harmonia e o equilíbrio dos regimes, a proteção das crianças e dos entes envolvidos na dinâmica da convivência familiar.

Artigo

O DIREITO DE CONVIVÊNCIA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL – COVID 19

Marisa Chaves Gaudio[1]

Andréa do Nascimento Silva Rodrigues [2]

Resumo

O presente artigo tem por objetivo a abordagem a um tema atualíssimo, O DIREITO DE CONVIVÊNCIA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL, de bastante relevância para o Direito das Famílias. Afinal ante a realidade de uma pandemia de nível internacional inúmeras questões acerca de regimes de convivência surgem diariamente. Exigindo do operador do Direito, do Poder Judiciário esclarecimentos, orientações e decisões que busquem preservar a harmonia e o equilíbrio dos regimes, a proteção das crianças e dos entes envolvidos na dinâmica da convivência familiar.

Palavras-Chave: Família. Convivência, Conflitos. Isolamento. Acordos.

 

Antes de abordar o objeto do presente artigo faz-se necessário uma análise histórica do Direito das Famílias e a evolução de sua abordagem pelo nosso ordenamento jurídico.

A Constituição Federal reconhece a família como base da sociedade e prevê sua especial proteção, no art. 226 onde interpreta-se em sentido amplo, o mais amplo possível, abrangendo os diversos tipos de famílias, quais sejam, múltipla, aberta, multifacetária, democrática, isonômica, biológica, socioafetiva, hetero ou homoparental. É de suma importância ressaltar que o citado artigo ainda que implicitamente, dispõe sobre a proteção da pessoa humana e não do núcleo familiar.

Nesse sentido percebe-se a família como meio e não como uma finalidade em si mesma. A finalidade da família não é a procriação e a formalização mas a realização pessoal de seus integrantes.

Ocorre que em um passado bem recente, essa não era a realidade do Código Civil de 1916, que disciplinava a família como matrimonializada – só existia família pelo casamento, relações fora do casamento desembocavam apenas para questões obrigacionais -; a família era conceituada e exercida de forma patriarcal e hierarquizada, onde a opinião do homem sempre prevalecia a opinião da mulher.

Também verificava-se a figura do pátrio poder que induzia à noção de um poder do pai sobre os filhos, onde visava somente ao interesse do chefe de família, sendo seus poderes amplos, abrangendo poderes atinentes à ordem pessoal e patrimonial. Predominavam a hierarquia, a imposição e obediência, na medida em que o conceito de família era realizada a partir da figura do pai, em lugar superior inclusive ao da mãe, que estava restrita aos afazeres domésticos e responsabilidades como a educação e cuidado dos filhos.

O Direito das Famílias, dinâmico por sua natureza, acompanhou a realidade social e sabiamente e inevitavelmente essa figura passou a denominar poder familiar, traduzindo uma noção de autoridade de ambos os pais sobre os filhos. Percebe-se, atualmente, uma nova perspectiva na criação dos filhos, onde ambos os genitores compartilham as responsabilidades de cuidado e criação da prole: todas as decisões sobre a família, das decisões de cunho financeiro até as decisões de caráter emocional que eram impostas pelo pai passam a ser compartilhadas com a genitora.

Os tempos mudaram, a sociedade evoluiu, as mulheres ingressaram no mercado de trabalho e nas mais diversas esferas de poder. Os papel da paternidade nas famílias passou a ser ressignificado e com mais habitualidade pais participam das questões domésticas, incluindo o cuidado com os filhos.

No entanto, face ao que historicamente construímos como modelo de família, ainda que tenhamos avançado e o Direito enxergue e proteja todas as formas de famílias, ainda temos muitas crianças sendo cuidadas exclusivamente por suas mães, mesmo havendo regime de guarda compartilhada.

Diante da nociva guarda uniparental concedida sistematicamente à mãe o direito enfrenta uma batalha diária contra a guarda culturalmente tradicional, onde o genitor tem uma quantidade limitada de contato com o filho.

            A guarda compartilhada surge com a necessidade de se reequilibrar os papéis parentais em nossa sociedade, garantindo o melhor interesse da criança, e contribuindo para um desenvolvimento psicoafetivo sadio.

Pode-se afirmar que hoje é um consenso no mundo jurídico que a guarda compartilhada tem por fim minimizar os danos sofridos pelos filhos em razão da quebra de um relacionamento conjugal, preservando os laços paterno-filiais em condição de igualdade  dos genitores.

Assim, em todas as questões familiares de convivência importa observar como regra norteadora, o “princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes”, segundo a Constituição Brasileira e na mesma direção o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao darem prioridade absoluta  a crianças e adolescentes, transformando-os em sujeitos de direito e a convivência familiar constitui-se como direito fundamental para a criança e para o adolescente.

Vivenciamos um período atípico, diferente de tudo que já se viu em termos de convivência nessas últimas décadas. A (população) sociedade enfrenta uma pandemia de nível internacional. Um momento que não nos permite exposições de forma leviana, pois o risco de contaminação é alto e pode trazer graves consequências à saúde e à vida de todos. O assunto exige toda atenção possível.

Em razão da pandemia do Covid-19 e a regulamentação por lei específicando sobre medidas de proteção[3], muitas questões surgiram, desafiando o mundo jurídico, uma vez que o isolamento social se coloca como orientação das autoridades e a distância física causa sentimentos de saudade, tristeza, abandono, que impactam profundamente nas relações familiares.

Quarentena, isolamento social, EPI´s são termos técnicos e no momento atual mais vinculados à área da saúde, a qual milhares não estão habituados, mas que hoje fazem parte do cotidiano da sociedade.  E é sob essa realidade que se impõe decorrente dessa mudança abrupta e também em observância ao comportamento adotado por pais e mães que se faz a abordagem ao tema ora proposto. Nas famílias o regime de convivência é intenso em muitos aspectos e a exposição dos seus membros, especialmente das crianças, além do necessário e seguro pode por em perigo a vida.  Mas o questionamento que se coloca é : o que seria seguro?

Os profissionais que atuam com famílias, na esfera jurídica, psicológica e social, deparam-se com muitas questões, dentre elas as possíveis violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ainda da Lei de Alienação Parental. As dúvidas são maiores do que as repostas, pois ninguém estava preparado para esse momento delicado.

Assim o Direito por meio das diretrizes dispostas na Constituição da República, nas leis, decretos e em todo ordenamento jurídico se volta à proteção da instituição familiar buscando o equilíbrio entre as relações, enaltecendo os afetos, os cuidados, o respeito, a dignidade e a proteção desta.

O profissional do direito precisa estar sensível as raízes sociológicas das relações afetivas ao invés de pensar só na perspectiva dogmática para a resolução dos conflitos. Percebe-se que casais que separam nem sempre estão no mesmo tempo afetivo, e não são poucas as vezes que os genitores acabam fazendo retaliações de um relacionamento frustrado  usando ainda que de forma inconsciente os próprios filhos, abalando o desenvolvimento biopsíquico da criança.

No entanto, é importante que a partir do momento que um terceiro é acionado para dirimir conflitos de uma dissolução afetiva, tenha o discernimento para orientar as partes que o fim não se caracteriza necessariamente com um ganho ou uma perda e sim com renuncias e equilíbrio para ser consciente sobre os impactos de cada atitude aos outros membros frutos da relação.Inegável que Guarda é um dos temas mais trabalhados no âmbito do Direito das Famílias, um assunto que gera inúmeras indagações e exige de todos os envolvidos a sua melhor versão para promover o bem estar da criança submetida a sua responsabilidade. Assim como determina a Constituição e o ECA.

Neste período de incertezas e vulnerabilidade, ante as orientações, os cuidados que todos devem observar e promover, uma questão que requer um pouco mais de atenção é a Guarda Compartilhada, esta que por sua vez é definida como um regime de convivência onde as responsabilidades, direitos e obrigações sobre as crianças são divididas de forma igualitária entre os genitores.

            Independente do regime de convivência adotado previamente à pandemia, do tipo de relacionamento dos pais,  às crianças, adolescentes e jovens são garantidos direitos fundamentais como à dignidade, educação, cultura dentre tantos outros,  e a Constituição Federal, em seu artigo 227, dispõe um rol de direitos, não exaustivos, e forma clara está o direito à proteção à saúde e à convivência familiar.

Mas diante de uma realidade onde se é exigido distanciamento social, quarentena, quando necessário, o que deve ser feito e observado por familiares e responsáveis, quando da guarda das crianças em especial para aqueles que vivem sob o regime de convivência estabelecido no acordo para a guarda compartilhada?

 Existem  situações de quarentena exigindo isolamento total daqueles que possam estar de fato com teste positivo da COVID-19, seja por laborar em atividade em alto grau de exposição ao vírus, seja pelo contato próximo com alguém infectado ou com suspeita, continuar a convivência da criança com esse genitor sem respeitar o período de quarentena,  o exercício dessa visitação pode trazer danos irreversíveis à criança e ao outro grupo familiar em que se compartilha a guarda.

Casos assim já chegaram ao Judiciário e recentemente ao julgar a questão em caráter liminar, o desembargador do TJSP suspendeu o convívio de pai e filha em razão da necessidade de período de quarentena do genitor que chegava de viagem do exterior[4].

Não se está aqui defendendo que a convivência fique suspensa, de forma alguma. No caso em comento, havia a questão da quarentena por razão de recente viagem ao exterior e um provável risco de contaminação. Mas é sempre importante analisar no caso concreto, o melhor interesse da criança que não se baseia, neste momento, somente no direito à convivência familiar.

Atender a uma decisão que determine o afastamento de um dos entes de forma compulsória é o mínimo que se espera dos responsáveis, pois busca preservar a integridade física da criança diante da presença do risco real. Observando a situação em comento desnecessário seria o ingresso ao poder judiciário se o bom senso fosse o norteador das relações, mas infelizmente é mais um caso que precisou ser judicializado para assegurar um direito previsto constitucionalmente.

Percebe-se que o direito constitucional a que nos referimos, em razão do risco do contágio, deve ser aplicado levando-se em consideração as questões fáticas, o que inclusive nos autoriza o Código Civil , em seu artigo 1584, § 2º, dispondo sobre a importância do equilíbrio no tempo de convívio entre os pais, mas ressaltando   “sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (…)”- g.n.

Ressaltamos que ao magistrado é permitido alterar a regulamentação da convivência, por motivos graves[5] e ao melhor interesse da criança e do adolescente de certo que por analogia engloba-se o cuidado com a exposição ao corona vírus. Diversas são as formas de se diminuir o impacto da distância física, sendo as chamadas por vídeo uma excelente ferramenta para isso, o que se for uma real opção na decisão do magistrado espera-se que venha devidamente fundamentada inclusive determinando horários e dias dos encontros virtuais para o melhor cumprimento da decisão.

Neste novo contexto de vida, rotina é imprescindível aos pais, mães e responsáveis, e bom senso ao realizar novos acordos e/ou adequar os já existentes. Acordos estes que devem priorizar sempre e indiscutivelmente os direitos fundamentais das crianças, observado e respeitado os envolvidos no que diz respeito ao tempo, necessidades, possibilidades, disponibilidades tudo com o único intuito de preservação do bem estar das relações familiares, mas infelizmente nem sempre isso é possível de forma harmoniosa e consensual.

Os processos litigiosos, infelizmente trazem além de muitas despesas, desgastes emocionais às vezes irreversíveis para as partes e para os filhos. Importante que o bom senso prevaleça e recomendamos o uso de ferramentas de resolução consensual de conflitos, como a mediação e práticas colaborativas, objetivando a construção de um novo acordo, temporário, para melhor atender os anseios dos pais e a proteção dos filhos.

Cada vez mais os operadores do direito buscam caminhos alternativos para resolver questões da sociedade. A litigância, como já visto, presente na humanidade, gera sobrecarga nas varas judiciais e as decisões prolatadas nem sempre são satisfatórias.

Em tempos de crise econômica e neste momento em que o mundo todo se recolhe em suas residências por conta da pandemia do Covid19, os fóruns fecham suas portas com justo receio de contaminação das pessoas, as demandas judiciais que já não levavam tempo razoável para o desfecho, podem se tornar verdadeiros pesadelos e imaginamos que muitas situações não conseguirão o amparo efetivo devido à demora do trâmite das ações.

Neste panorama as soluções consensuais ganham mais destaque e é preciso estarmos abertos a opções diferentes da tradicional judicialização dos conflitos.

Assim, a mediação e as práticas colaborativas fornecem outra opção de liquidação de interesses conflitantes das partes envolvidas. Pode-se destacar que uma vantagem do processo colaborativo é poder optar por uma resolução sem o envolvimento do Tribunal quanto à prestação jurisdicional. E certamente o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, ouvindo a OAB Nacional, estimulará os métodos de resolução consensual de conflitos , o que vemos como excelente oportunidade para seu o desenvolvimento.

Diante do novo muitas questões não terão respostas prontas. A convivência de pais e filhos durante esse inédito momento de vida é uma delas e todos terão que se adaptar buscando aquilo que compuser melhor na relação familiar.

Como já levantado caberá a todos o bom senso, a adoção de medidas e atitudes que atendam acima de tudo a proteção e o bem estar da criança e do adolescente. Acordos anteriores ao atual cenário não mudam. Mas sendo necessário será adaptado, ainda que de forma temporária, tendo em vista as mudanças de vida que se impõe em razão da pandemia.

Ao advogado cabe toda atenção nas instruções dadas pela área da saúde, nas práticas adotadas pelo Poder do Judiciário para garantir a melhor orientação, e o melhor aconselhamento jurídico especialmente na composição de conflitos em torno do direito de convivência entre pais e filhos na tentativa de promover sempre a harmonia nas relações familiares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 11° Edição, Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais, 2016.

Fagundes, Marina Ajudar de Barros. Impactos do coronavirus na guarda e visitação de menores. https://m.migalhas.com.br/. Disponível em: https://m.migalhas.com.br/depeso/323132/impactos-do-coronavirus-na-guarda-e-visitacao-de-menores Acesso em: 05/04/2020.

Dória, Isabel I. Z. Guarda Compartilhada em tempos de pandemia de Covid-19. www.jus. com.br, 2020. Disponível em: https: //jus-com-br.cdn.ampproject.org/v/s/jus.com.br/amp/artigos/80507/1?amp_js_v=a3&amp_gsa=1&usqp=mq331AQFKAGwASA%3D#aoh=15869739368005&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Fonte%3A%20%251%24s&ampshare=https%3A%2F%2Fjus.com.br%2Fartigos%2F80507%2Fguarda-compartilhada-em-tempos-de-pandemia-de-covid-19. Acesso em 05/04/2020.

Antunes, Flávia. Como é a guarda compartilhada dos filhos no período de pandemia. www.bebe.abril.com.br, 2020. Disponível em: https://bebe.abril.com.br/familia/como-e-a-guarda-compartilhada-dos-filhos-no-periodo-de-quarentena/. Acesso em: 06/04/2020.

Cunha, Rodrigo da. Descomplicando o direito de família e sucessões em tempo de pandemia. www.rodrigodacunha.adv.br, 2020. Disponível em: http://www.rodrigodacunha.adv.br/descomplicando-o-direito-de-familia-e-sucessoes-em-tempo-de-pandemia/. Acesso em 05/06/2020.

Notas de Rodapé:

[1] Advogada familiarista, Pós-graduada em meditação familiar, Vice presidente da CAARJ-Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro, Diretora de Mulheres da OAB-RJ, Vice presidente da Comissão Nacional de Advogados de  Família do IBDFAM.

[2]Advogada, Pós-graduada em Direito e Processo Civil, pela Universidade Veiga de Almeida e em Direito Tributário pela Universidade Estácio de Sá.

[3] Lei 13.979/20

[4] https://www.conjur.com.br/2020-mar-13/desembargador-proibe-pai-ver-filha-risco-coronavirus

[5] Código Civil – “Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.”

Palavras Chaves

Família. Convivência, Conflitos. Isolamento. Acordos.