OS IMPACTOS DA CRISE DO ENCILHAMENTO E DAS MEDIDAS DO GOVERNO PROVISÓRIO NOS ANOS DE 1890 E 1891 SOBRE O DIREITO COMERCIAL

Resumo

O artigo tem como objetivo examinar o Encilhamento e seus impactos na legislação comercial, com foco nas seguintes normas: (i) Decreto nº 434/1891, a respeito do regime das sociedades anônimas; (ii) Decreto nº 354/1895, que reformou as normas do mercado de valores mobiliários; e (iii) Decreto nº 917/1890, voltado ao direito falimentar. Para melhor compreensão da crise e suas causas, o artigo abordará também as crises de 1857 e 1864, especialmente do ponto de vista das políticas implementadas e normas promulgadas nestes períodos como solução aos problemas então enfrentados.

Artigo

OS IMPACTOS DA CRISE DO ENCILHAMENTO E DAS MEDIDAS DO GOVERNO PROVISÓRIO NOS ANOS DE 1890 E 1891 SOBRE O DIREITO COMERCIAL

 

Alexandre Ferreira Assumpção Alves

Professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND – UFRJ), professor do programa de pós-graduação stricto sensu da UFRJ na linha de pesquisa Empresa e Atividades Econômicas. É membro do Conselho Editorial da Revista Semestral de Direito Empresarial (RSDE). Pesquisador líder do grupo de pesquisa Empresa e Atividades Econômicas, do DGP do CNPq. Expositor convidado na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) desde 1994. Possui graduação em Direito pela UFRJ, mestrado em Direito pela UERJ, e doutorado em Direito pela UERJ.

Ricardo Villela Mafra Alves da Silva

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND – UFRJ) Mestre e Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor substituto de Direito Comercial da Faculdade de Direito da UERJ.

 

Resumo

 O artigo tem como objetivo examinar o Encilhamento e seus impactos na legislação comercial, com foco nas seguintes normas: (i) Decreto nº 434/1891, a respeito do regime das sociedades anônimas; (ii) Decreto nº 354/1895, que reformou as normas do mercado de valores mobiliários; e (iii) Decreto nº 917/1890, voltado ao direito falimentar. Para melhor compreensão da crise e suas causas, o artigo abordará também as crises de 1857 e 1864, especialmente do ponto de vista das políticas implementadas e normas promulgadas nestes períodos como solução aos problemas então enfrentados.

Palavras-chave: Encilhamento; Mercado de Valores Mobiliários; Direito Falimentar; Direito Societário; Crise do Mercado.

 

INTRODUÇÃO

O ano de 1891 marcou a autorização do funcionamento da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, cuja união resultaria, em 1920, na criação da atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro[1]. Ao mesmo tempo em que se estabelecia este importante marco no ensino jurídico brasileiro, testemunhou-se em 1891 outro acontecimento causador de grande impacto no direito nacional, especialmente o direito comercial. Trata-se da crise do mercado de valores mobiliários que ficaria conhecida como Encilhamento. Esta crise foi precedida por outras duas, em 1857 e 1864, que moldaram a forma pela qual as classes política e econômica reagiam aos períodos de ruptura do mercado.

Nas décadas que precederam o ano de 1891, as legislações societária, falimentar e do mercado de valores mobiliários foram alteradas diversas vezes, ora flexibilizando determinadas regras, ora impondo restrições, buscando-se adaptar as normas comerciais às necessidades pontuais que surgiam em cada momento de dificuldade. Adicionalmente às mudanças legislativas, as décadas finais do século XIX trouxeram relevantes mudanças sociais, que impactaram profundamente o país, como a abolição da escravidão (1888) e a proclamação da República (1889).

O que diferencia a crise do Encilhamento daquelas que a antecederam, além da intensidade dos seus efeitos econômicos, é o caráter duradouro das alterações legislativas deixadas como legado para o direito comercial, com normas que vigoraram por décadas.

O objetivo do presente artigo é examinar o impacto do Encilhamento nas legislações societária, falimentar e do mercado de valores mobiliários promulgadas durante e nos anos posteriores à crise, de modo a verificar a forma como este acontecimento pode ter influenciado o direito comercial. Ainda que a crise tenha sido deflagrada em 1891, é relevante analisar as alterações legislativas promulgadas ao longo do ano de 1890 pelo Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, como por exemplo: (i) o Decreto nº 164/1890, que regulamentou o funcionamento das sociedades anônimas; (ii) o Decreto nº 165/1890, a respeito da emissão de papel-moeda por bancos autorizados; e (iii) o Decreto nº 917/1890, que estabeleceu novo quadro normativo do direito falimentar em substituição ao Código Comercial.

Para este fim, serão estudadas, na primeira seção, as crises que precederam o Encilhamento, ocorridas em 1857 e 1864, especialmente do ponto de vista das políticas implementadas e normas promulgadas neste período como solução aos problemas então enfrentados. A segunda seção será dedicada à análise do Encilhamento e suas possíveis causas, assim como os seus reflexos no âmbito legislativo. Por fim, a terceira seção abordará 3 normas promulgadas durante ou após a crise e que produziram efeitos duradouros no direito comercial: (i) o Decreto nº 434/1891, a respeito do regime das sociedades anônimas; (ii) o Decreto nº 354/1895, que reformou as normas do mercado de valores mobiliários; e (iii) o Decreto nº 917/1890, voltado ao direito falimentar, que instituiu a concordata preventiva.

O método utilizado no estudo será o indutivo, formulando-se hipóteses sobre as normas mencionadas acima a partir do estudo das causas e impactos gerados pelo Encilhamento, por meio de revisão da bibliografia disponível sobre o tema.

  • O PRELÚDIO DO ENCILHAMENTO: AS CRISES DE 1857 E 1864

Apesar de a crise do Encilhamento, ocorrida em 1891, ter sido a primeira do período republicado, ela foi precedida por diversas outras ocorridas durante o período monárquico, especialmente aquelas dos anos de 1857 e 1864. Subjacente a todas elas havia a disputa, no âmbito do governo e do poder legislativo, entre duas vertentes teóricas com visões antagônicas sobre a moeda, com alternância entre políticas monetárias expansionistas e contracionistas[2], com impactos não apenas na forma de condução da economia, como também nas medidas legislativas que eram promulgadas.

De um lado, estavam os metalistas, defensores do padrão-ouro e da conversibilidade da moeda, segundo os quais a emissão de papel-moeda deveria ser lastreada em reservas de ouro, de modo a garantir a estabilidade monetária e da taxa de câmbio. De outro lado estavam os papelistas, que defendiam a desnecessidade de a emissão de papel-moeda ser limitada pelo seu lastro metálico e afirmavam que a taxa de juros deveria ser o foco da política monetária[3].

Ao passo que as políticas metalistas causavam contração monetária, reduzindo a quantidade de papel-moeda em circulação na economia, as políticas papelistas causavam a sua expansão, garantindo liquidez. A implementação das políticas metalistas geralmente vinha acompanhada de medidas restritivas, destinadas a reduzir o dinamismo do mercado financeiro, enquanto as políticas papelistas eram geralmente implementadas em conjunto com medidas liberalizantes, garantindo mais dinamismo ao mercado.

A primeira grande crise do mercado, em 1857, sucedeu um período de grandes transformações legislativas que afetaram a economia brasileira, especialmente o setor cafeeiro. Em 1850, foi promulgada a Lei nº 581/1850 (também conhecida como Lei Eusébio de Queiroz)[4], que reforçou a repressão ao tráfico negreiro no Brasil e causou, nos anos seguintes, escassez de mão-de-obra[5]. Neste mesmo ano, foram promulgados o Código Comercial (Lei nº 556/1850) e a Lei de Terras (Lei nº 601/1850). Anos antes, o Decreto nº 482/1846 havia regulamentado a hipoteca, ajudando a ampliar as possibilidades de financiamento das atividades agrícolas. Em conjunto, estas medidas tiveram como efeito facilitar a constituição de sociedades comerciais, liberar capitais que antes eram dedicados ao tráfico negreiro e facilitar o crédito[6].

Em paralelo às reformas legais, a indústria dava os seus primeiros passos, principalmente por meio dos empreendimentos capitaneados por Irineu Evangelista de Souza, com título nobiliárquico de Barão de Mauá, responsável por desenvolver, durante a década de 1850, a primeira ferrovia do Brasil, o sistema de iluminação a gás da cidade do Rio de Janeiro, o transporte hidroviário na região amazônica (por meio da Companhia de Navegação do Amazonas) e o primeiro estaleiro do país (por meio da Companhia da Ponta d’Areia)[7]. Estes negócios foram financiados por meio de emissões no mercado de valores mobiliários, intermediadas pelo Banco Mauá, MacGregor & Cia.[8].

Além do clima otimista do mercado, as emissões públicas de valores mobiliários realizadas pelo Barão de Mauá, por intermédio de seu banco, também se beneficiavam da flexibilidade conferida pelo Código Comercial, que, em seu artigo 45, afastava a obrigatoriedade de intervenção de corretores em operações comerciais[9]. Esta conjuntura favorecia uma demanda aquecida pelas ações das companhias que eram então lançadas ao mercado, como explica Ney Carvalho[10]:

Estava em plena vigência a liberalidade do artigo 45 do Código Comercial que permitia a qualquer um fazer seus próprios negócios sem a intervenção de um corretor. E a Praça do Comércio, com exceção da sala dos assinantes, era local público, onde adentrava quem quer que fosse. Assim, desde cedo a cada dia, o floor era tomado por investidores, especuladores, comerciantes, agentes, caixeiros, auxiliares e, até mesmo corretores, todos procurando fechar seus negócios […]. A bolsa era, sem dúvida, o local mais movimentado da cidade.

O aquecimento do mercado causado por estas transformações coincidiu, ao final da década de 1850, com uma crise financeira nos Estados Unidos[11], que afetou o preço das commodities no mercado global, com efeitos sobre a economia brasileira[12]. Em resposta ao chamado “Pânico de 1857”, o governo brasileiro aumentou substancialmente a emissão de papel-moeda[13].

Passado o pior momento da crise, o gabinete liberal foi substituído por um conservador[14], e o diagnóstico prevalecente foi de que as causas da crise estavam associadas à expansão monetária promovida pelo governo, o que motivou a promulgação da Lei nº 1.083/1860. Também conhecida como “Lei dos Entraves”, seus principais objetivos foram reforçar o lastro metálico dos fundos bancários[15] e submeter a constituição de sociedades anônimas à autorização do governo, o que já estava previsto no art. 295 do Código Comercial[16][17]. Desta forma, buscava-se reduzir o dinamismo do mercado, dificultando a constituição de companhias, e restringir a emissão de papel-moeda por bancos privados[18]. Substituía-se, portanto, o movimento de expansão monetária dos anos anteriores por medidas contracionistas, que reduziam a quantidade de papel-moeda em circulação.

Outras duas mudanças introduzidas pela Lei dos Entraves impactaram de forma relevante o mercado. Uma delas foi a restrição disposta no artigo 2º, § 24 da referida lei de 1860, que obrigava a intervenção de um corretor nas negociações de ações das companhias, títulos da dívida pública e quaisquer outros títulos admitidos à negociação, sob pena de nulidade[19]. Afastava-se, assim, o artigo 45 do Código Comercial, que havia garantido dinamismo às emissões públicas de valores mobiliários nos anos anteriores. Outra ação governamental foi a regra do artigo 2º, § 5º, que proibia a negociação e cotação de ações de sociedades anônimas antes de integralizado ¼ (um quarto) do seu valor.

O aperto monetário e as restrições criadas pela Lei dos Entraves e pelas medidas contracionistas implementadas pelo gabinete conservador após a crise de 1857 criaram as condições para a crise seguinte, ocorrida em 1864. Embora o Brasil tenha observado expansão econômica nos primeiros anos da década de 1860[20], a eclosão da Guerra Civil norte-americana, em 1861, causou, assim como na crise anterior de 1857, a queda no preço das commodities no mercado global, afetando o setor cafeeiro[21]. Ao mesmo tempo que a receita da exportação de café diminuía, os gastos das fazendas se mantinham estáveis, o que forçava os fazendeiros a buscar crédito para sobreviver à crise. O pagamento destas obrigações dependia, naturalmente, do sucesso das safras seguintes[22]. A queda da receita do setor cafeeiro e o aumento de endividamento dos fazendeiros se somou, ainda, à fuga de capitais da região sudeste para o nordeste brasileiro, onde a colheita sazonal de algodão, açúcar e tabaco demandavam recursos[23].

Todos estes fatores contribuíram para uma acentuada escassez de capitais no Rio de Janeiro, com efeitos profundos sobre o seu setor financeiro. O ápice da crise foi provocado pela quebra da sociedade bancária A. J. Alves Souto & Cia. Ltda., no terceiro trimestre de 1864. A falência desta sociedade causou a inadimplência de outras casas bancárias e, em seguida, de centenas de sociedades comerciais dos mais variados setores[24].

A excepcionalidade da situação justificou a adoção de medidas igualmente excepcionais. Em 17 de setembro de 1864, foi promulgado o Decreto nº 3.308/1864, cuja motivação expressa era remediar a grave crise que então se apresentava no mercado[25]. Dentre as medidas introduzidas pelo decreto estão a suspensão, por sessenta dias, do vencimento de todos os títulos comerciais pagáveis na Corte e na Província do Rio de Janeiro (artigo 1º), a possibilidade de obtenção de moratória por negociantes não matriculados (artigo 2º) e o estabelecimento de um regime falimentar próprio aos banqueiros e casas bancárias, conforme decreto que viria a ser promulgado (artigo 3º). O regime falimentar das instituições bancárias previsto no artigo 3º do Decreto nº 3.308/1864 foi estabelecido pelo Decreto nº 3.309/1864[26].

Ademais, assim como na reação à crise de 1857, quando o governo emitiu papel-moeda, a resposta à crise de 1864 seguiu a mesma lógica, tendo-se promovido uma expansão de 40% da base monetária[27].

A crise de 1864 ainda não havia sido solucionada quando, em 12 de novembro deste ano, foi deflagrada a Guerra do Paraguai, que se prolongaria pelos 5 anos subsequentes[28]. Embora o conflito não tenha gerado uma crise como as dos anos de 1857 e 1864, um de seus efeitos foi o aumento da dívida pública durante os anos de guerra e nos que se seguiram, o que gerou novos ciclos de afrouxamento e aperto monetário, assim como a desmobilização de capital à medida em que o endividamento público foi sendo reduzido ao longo da década de 1870[29].

Nos anos que antecederam o Encilhamento, novas alterações legislativas relevantes foram realizadas para flexibilizar as restrições da Lei dos Entraves. Neste sentido, o Decreto nº 1.731/1869 – supostamente promulgado por pressão de um influente político indignado pelo valor de comissões que havia sido obrigado a pagar a um corretor[30] – revogou o artigo 2º, § 24, da Lei dos Entraves, e reestabeleceu o artigo 45 do Código Comercial. Possibilitava-se, uma vez mais, que as negociações de títulos e valores mobiliários ocorressem sem a intervenção de um corretor.

Em 1876, por pressão dos corretores do Rio de Janeiro[31], foi editado o Decreto nº 6.132/1876, que lhes garantiu um lugar especial nos edifícios destinados às praças do comércio, onde tais intermediadores poderiam negociar títulos e valores mobiliários à vista do público[32] (embora separado dele).

Criava-se, assim, dois ambientes de negociação: (i) o espaço reservado da Praça do Comércio, onde negociavam os corretores oficiais; e (ii) os demais espaços e arredores da Praça do Comércio, onde ocorriam as negociações sem a intermediação de corretores, muitas vezes com a intervenção de agentes não oficiais, chamados popularmente de “zangões”.

A coexistência destes dois espaços de negociação distintos criou uma assimetria de informações[33] que era agravada pelo disposto no artigo 2º, §§ 3º e 4º, do Decreto nº 6.132/1876. Segundo o dispositivo, os corretores deveriam apresentar, ao final do pregão, o resultado das negociações realizadas durante o dia, e era com base nestas informações que era formada a cotação oficial dos títulos e valores mobiliários negociados. A cotação, no entanto, não levava em consideração as negociações realizadas fora do ambiente reservado aos corretores na Praça do Comércio, intermediadas pelos “zangões”, de modo que não necessariamente refletia o valor real pelo qual os ativos eram negociados.

Adicionalmente às alterações nas normas que regiam o funcionamento da Praça do Comércio, em 4 de novembro de 1882, foi promulgada uma nova lei societária, a Lei nº 3.150/1882, regulamentada pelo Decreto nº 8.821/1882, que passou a reger a constituição e funcionamento das sociedades anônimas, em substituição ao Capítulo II do Título XV do Código Comercial. A nova lei trouxe importantes novidades, e duas em particular que contribuiriam para a eclosão da crise de 1891: (i) a liberdade de constituição das sociedades anônimas, que passaram a não precisar de autorização governamental (art. 1º), exceto em algumas hipóteses específicas (conforme art. 1º, §§ 1º a 3º, da referida lei); e (ii) a redução da exigência de realização do valor da ação antes da sua negociação para um quinto (art. 7º, § 2º). Posteriormente, a Lei nº 3.150/1882 foi substituída pelo Decreto nº 164/1890, que, no entanto, não trouxe mudanças significativas com relação à norma anterior.

Além das alterações legislativas, duas importantes mudanças sociais criaram as condições para o período de grande especulação que resultou no Encilhamento: (i) a abolição da escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888, por meio da Lei nº 3.353/1888 (Lei Áurea); e (ii) a proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Embora o aquecimento do mercado de valores mobiliários tenha precedido a proclamação da República em alguns meses e a abolição da escravidão já fosse algo esperado à época, estes dois fatos ocorreram em meio a novo ciclo de aumento do número de emissões públicas de valores mobiliários e contribuíram para criar um clima de otimismo que serviu como catalizador do mercado[34].

  • A CRISE DO ENCILHAMENTO E SUAS POSSÍVEIS CAUSAS

As crises e pânicos do mercado de valores mobiliários são eventos cíclicos. Edward Chancellor caracteriza-os como carnavais do capitalismo, traçando um paralelo com os períodos carnavalescos em cidades medievais, pois, em ambos os casos, a prudência e os valores eram momentaneamente deixados de lado[35]. O autor relaciona as crises dos mercados financeiros ao espírito de especulação, que seria caracterizado pela anarquia e pela irreverência, que ama a liberdade e abomina qualquer tipo de restrição[36].

Ainda que as crises do mercado sejam marcadas, de fato, por períodos de negociação e oscilação de preços mais intensos do que o comum, a visão crítica de Edward Chancellor não necessariamente corresponde à realidade.

No clássico estudo de Charlie P. Kindleberger e Robert Z. Aliber intitulado Manias, pânicos e crises, os autores utilizam o modelo desenvolvido pelo economista Hyman Minsky para descrever o ciclo de uma crise econômica: (i) um fato exógeno ao sistema macroeconômico cria oportunidades de lucro em, ao menos, um setor importante da economia, gerando otimismo; (ii) a lucratividade estimula a oferta de crédito, que se expande rapidamente; (iii) a rápida expansão do setor econômico estimulado e a expansão do crédito retroalimentam-se e o otimismo espraia-se para outros mercados, incentivando a aceleração de consumo e investimentos; (iv) o rápido crescimento de consumo e investimento gera euforia, atraindo grande contingente de investidores ao mercado; (v) a intensificação da euforia gera negociação em excesso, que se alimenta do otimismo do mercado; (vi) os ganhos auferidos no mercado criam um efeito de manada, atraindo investidores cada vez menos sofisticados; (vii) por fim, após determinado período de investimentos alavancados, o ímpeto de compradores diminui, fazendo com que os preços caiam e os investidores tenham dificuldades de honrar os empréstimos que contraíram, iniciando uma corrida pela venda de ativos[37].

As manias e febres do mercado iniciam-se com algum tipo de ruptura que estimula o otimismo e reduz as percepções de risco de investidores. Essa ruptura deve ser algo capaz de alterar o panorama econômico, como guerras, mudanças políticas de grande repercussão, revoluções, restaurações, mudanças de regime, motins etc[38].

O desenvolvimento da crise, por sua vez, deve-se às limitações à tomada de decisão racional[39]. Há diversas explicações para o comportamento irracional como propulsor de crises econômicas, desde teorias que apontam para o comportamento de manada de investidores até teorias que supõem uma redução gradual da capacidade de avaliar a realidade durante períodos de aumento de preços, diferenças no nível de racionalidade entre grupos de investidores distintos, irracionalidade do grupo como resultado da soma das racionalidades individuais, reações exageradas a mudanças de condições econômicas e a utilização de modelos incorretos[40]. O comportamento irracional de investidores e a euforia com as novas perspectivas econômicas resultam em uma expansão do crédito que apenas alimenta o processo de distorção dos preços[41].

O estopim da crise é, geralmente, iniciado por uma mudança no estado de espírito de investidores e pode ser causada, por exemplo, pela redução de preços decorrente da realização de ganhos por investidores mais experientes, os quais buscam garantir os seus resultados[42]. A redução do nível de preços pode causar dificuldades financeiras e afetar a oferta de crédito, o que acaba por gerar perda de confiança dos investidores e dos agentes de mercado como um todo[43]. Por fim, “[a] quebra ou pânico que se segue às dificuldades financeiras pode ocorrer imediatamente ou em questão de semanas ou com atraso de vários anos”[44].

Seguindo o roteiro de outras tantas crises do mercado ao longo dos anos, o início do Encilhamento de 1891 coincidiu, como visto na seção anterior, com eventos que promoveram grandes mudanças sociais e econômicas no Brasil: a abolição da escravidão, com a promulgação da Lei Áurea, e a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889[45].

Esses dois eventos provocaram impactos em um mercado que, no final do século XIX, se encontrava em pleno desenvolvimento. À época, as sociedades anônimas e as captações de recurso no mercado já eram parte da realidade econômica brasileira. Em 17 de janeiro de 1888, havia registro de negociação na bolsa do Rio de Janeiro de “ações de 95 companhias e 46 emissões de debêntures de diversas empresas [sic]”[46]. Desde a década de 1850, por exemplo, o Barão de Mauá já fazia uso bem-sucedido do mercado para financiamento de seus negócios, tendo enfrentado, inclusive, obstáculos para as suas operações financeiras, como aqueles representados pela Lei de Entraves[47].

As companhias da época apresentavam perfil diferente da maioria das que existem atualmente no mercado brasileiro. Ao invés das companhias de capital concentrado, tão comuns nos dias atuais, as companhias brasileiras eram verdadeiras democracias societárias. “Não existiam ações sem direito a voto. Todas eram ordinárias, votantes. Não havia o conceito de ação preferencial sem voto, muito menos com participação integral nos lucros, como vemos atualmente”[48]. Havia, assim, terreno fértil para a intensa participação da população no mercado de valores mobiliários, isto é, uma economia com promessas de prosperidade, um novo cenário político que parecia promissor e um ambiente institucional convidativo para o investidor.

Além dos fatores circunstanciais, o Encilhamento foi alimentado por uma característica que lhe é bastante própria: a participação de personalidades de peso da política e da economia brasileiras. Pode-se citar, por exemplo, o Conselheiro Mayrink (Francisco de Paula Mayrink), Paulo de Frontin, Henry Lowndes (o Conde de Leopoldina), Rui Barbosa (após sua saída do governo, quando foi Ministro da Fazenda), os irmãos Fernando e Cândido Mendes de Almeida, dentre diversas outras personalidades conhecidas da história nacional[49]. Essas pessoas, que representavam a elite econômica, intelectual e financeira do Brasil no final do século XIX, contribuíram com novos negócios e a fundação de companhias que buscaram recursos no mercado para financiar as suas empresas.

Embora o Encilhamento seja associado a uma ideia de crise resultante de um período de especulação desenfreada, os dados disponíveis não deixam claro “se o grande movimento de formação de novos empreendimentos era ‘real’ ou de caráter meramente especulativo”[50]. De qualquer modo, o fermento para a crise foi fornecido por dois fatores: (i) a expansão do crédito, representada pela integralização do valor das ações em parcelas, conforme chamadas de capital feitas pela administração, e a possibilidade de negociar ações ainda não integralizadas[51]; e (ii) o desestímulo à negociação de ações abaixo de seu valor nominal, especialmente se o seu valor não estava totalmente integralizado, o que gerava incentivos para que o preço das ações fosse mantido, ainda que artificialmente, acima desse valor[52].

A disponibilidade de crédito foi acompanhada ainda de outro fato que esteve presente nas crises anteriores, de 1857 e 1864: um ciclo de afrouxamento que promoveu a expansão da base monetária. Ainda que a incipiente indústria brasileira tenha sofrido, durante toda a década de 1880, com a falta de liquidez, foi apenas a partir das dificuldades no setor agrícola, em razão da repentina necessidade de capitais gerada pela abolição da escravidão (que exigiu a contratação de mão-de-obra livre e remunerada), que o problema passou a atrair a atenção do governo[53]. Uma primeira tentativa de solucionar o problema foi feita por meio do Decreto nº 3.403/1888, que permitiu às sociedades anônimas dispostas a realizar operações bancárias emitir bilhetes ao portador e à vista, conversíveis em moeda corrente. Inicialmente, a medida não gerou o efeito esperado, mas, após a sua regulamentação pelo Decreto nº 10.144/1889, diversos pedidos de criação de companhias emissoras foram apresentados[54], o que motivou a edição de novo regulamento, o Decreto nº 10.262/1889, expandindo a permissão da emissão de bilhetes até o triplo do valor do capital social que possuísse lastro metálico.

Já no período republicano, durante o Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, a preocupação com a quantidade de moedas em circulação no mercado continuou. Em 17 de janeiro de 1890 – no mesmo dia em que foi promulgado o Decreto nº 164/1890, para reger as sociedades anônimas, em substituição à Lei nº 3.150/1882 – foi promulgado o Decreto nº 165/1890, com o objetivo de flexibilizar ainda mais a emissão de moeda pelos bancos.

Apesar de as medidas de expansão monetárias, a partir de 1888, terem sido propostas para fornecer liquidez ao setor agrícola, carente de recursos para a contratação de mão-de-obra livre após a abolição da escravidão, os valores emitidos ao longo destes anos foram paulatinamente direcionados aos negócios na Praça do Comércio[55], alimentando a crise que viria a ocorrer em 1891.

A eclosão da crise veio por meio de ações políticas que minaram a confiança de investidores. A principal delas foi o Decreto nº 1.362/1891, que criou imposto sobre a transmissão de ações, sob pena de nulidade. Embora posteriormente revogada em função de uma greve de corretores, a norma gerou desconfiança e causou forte queda na cotação das ações[56]. Paralelamente a isso, o Brasil passava por um turbulento momento político no final de 1891, com a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca ao cargo de Presidente de República e a ascensão de Floriano Peixoto[57], o que, possivelmente, contribuiu para a instabilidade do mercado e a falta de confiança dos investidores.

Ainda que o Encilhamento de 1891 tenha entrado na história como uma grande crise que levou muitos investidores à ruína financeira, há também histórias de sucesso. Desse importante episódio histórico nasceram companhias que se destacam até hoje, como a Companhia Antártica Paulista (atual Companhia de Bebidas das Américas – Ambev), fundada em 1891, a Bolsa Livre de São Paulo (posteriormente transformada na Bovespa), em 1890,[58] e a Companhia Melhoramentos de São Paulo, em 1890[59]. Além disso, Gustavo Franco destaca que muitas das companhias constituídas durante o Encilhamento sobreviveram por vários anos, sendo que, na indústria têxtil: (i) em 1905, 30,2% das companhias existentes haviam sido constituídas entre 1889 e 1895 e 50,7% antes de 1888; e (ii) em 1912, 16,6% das companhias haviam sido constituídas entre 1890 e 1894 e 11,6% entre 1885 e 1887[60].

Quanto ao aspecto legislativo, especialmente do ponto de vista do direito comercial, o legado do Encilhamento é inegável. A partir de 1890, no Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, diversas legislações foram promulgadas durante o período de euforia do mercado (1890) e após a eclosão da crise (1891). Tais normas influenciaram o desenvolvimento do direito societário, falimentar e dos valores mobiliários por vários anos, conforme se examinará na próxima seção.

  • IMPACTOS DO ENCILHAMENTO E DAS MEDIDAS DO GOVERNO PROVISÓRIO NA LEGISLAÇÃO COMERCIAL

A exemplo das crises de 1857 e 1864, precedidas por normas liberalizantes e sucedidas por normas restritivas, a crise do Encilhamento não se desviou do roteiro. As normas promulgadas, durante e após a crise, foram, em muitos aspectos, mais restritivas do que aquelas que as precederam. Um aspecto que diferenciou a legislação pós-Encilhamento das leis promulgadas após as crises anteriores de 1857 e 1864 foi a sua longevidade.

O Decreto nº 434/1891, que estabeleceu novo regime às sociedades anônimas, vigorou até a promulgação do Decreto-Lei nº 2.627/1940, embora tenha sido objeto de diversas modificações por outras normas ao longo dos seus 49 anos de vigência[61]. O Decreto nº 354/1895, por sua vez, vigorou por quase 70 anos, tendo sido substituído apenas com a promulgação da Lei nº 4.728/1965[62]. Já o Decreto nº 917/1890 foi o que vigorou por menos tempo, sendo substituído pela Lei nº 859/1902.

Busca-se, nessa seção, examinar os aspectos de tais legislações que foram promulgadas durante o Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca e as que foram influenciadas pelo Encilhamento, assim como seus impactos na legislação comercial nos anos e décadas posteriores à crise.

  • Impactos na legislação societária: o Decreto nº 434/1891

O Decreto nº 434, de 4 de julho de 1891, passou a reger a constituição e funcionamento das sociedades anônimas nos anos posteriores ao Encilhamento. Mais do que uma legislação específica das companhias, o diploma se apresenta como uma compilação das normas societárias anteriores. Neste sentido, o seu artigo 3º estabeleceu que as sociedades anônimas são regidas pela Lei nº 3.150/1882, Decreto nº 8.821/1882 e Decreto nº 164/1890. A referência é confusa, já que, por ser lei posterior, o decreto se sobreporia a estas normas, revogando-as na medida em que fossem contrárias às novas regras.

Inicialmente, o Decreto nº 434/1891 teve vigência curta. Poucos meses após a sua promulgação, entrou em vigor o Decreto nº 603/1891, caracterizado por Trajano de Miranda Valverde como “o maior pandemônio que se conhece em matéria de regulamentação […] por haver o Executivo ultrapassado os seus poderes”[63]. Embora o autor não esclareça o fundamento de sua opinião, uma das novidades introduzidas pelo Decreto nº 603/1891 foi a possibilidade de fiscalização governamental das sociedades anônimas “que explorarem concessões feitas pela União, pelos Estados e pelos municípios, com privilégio, garantia de juros, subvenção, fiança de garantia ou de subvenção, ou outros favores” (art. 125). Além dos poderes de fiscalização, a administração pública poderia anular as deliberações dos diretores e da assembleia geral da companhia que fossem tomadas sem a sua anuência (arts. 127 e 128). Como a fiscalização governamental de certos tipos de sociedade anônima não existia em normas anteriores e não foi introduzida em normas posteriores[64], supõe-se que ela tenha sido a razão para as críticas de Trajano de Miranda Valverde sobre o decreto.

Apesar de os poderes de fiscalização do governo serem voltado apenas às sociedades anônimas que possuíssem algum privilégio ou concessão do Estado, este grupo abrangia um número expressivo de companhias, já que muitas delas recebiam algum tipo de benefício governamental. Neste sentido[65]:

As empresas [sic] se formavam livremente, mas podiam solicitar e obter dos diversos níveis de governo determinadas concessões e incentivos fiscais que, diga-se de passagem, não constituíam nenhuma novidade republicana. O Império as havia distribuído com a parcimônia adequada ao ritmo quase sonolento de suas atividades. Entretanto, o primeiro governo republicano, sob o comando de Deodoro da Fonseca e a batuta de Ruy Barbosa, transformou-se numa verdadeira agência de fomento, distribuindo benefícios a torto e direito, numa ânsia mais frenética que a dos cinquenta anos em cinco de JK.

De qualquer forma, Decreto nº 603/1891 teve vigência efêmera, tendo sido revogado pelo Decreto nº 698, de 22 de dezembro de 1891, o que fez com que o Decreto nº 434/1891 voltasse a reger as sociedades anônimas.

Uma das inovações do Decreto nº 434/1891 com relação às normas societárias anteriores referiu-se à exigência de que as ações da companhia só pudessem ser negociadas no mercado de valores mobiliários depois de integralizado 40% do capital subscrito (art. 25). Este valor era de 1/5 (um quinto) no Decreto nº 164/1891 (art. 7º, § 2º) e na Lei nº 3.150/1882 (art. 7º, § 2º) e de ¼ (um quarto) no âmbito da Lei dos Entraves (Lei nº 1.083/1860, art. 2º, § 5º).

Como visto na sessão supra, a possibilidade de negociação de ações parcialmente integralizadas na praça do comércio funcionou como espécie de crédito aos acionistas, potencializando o volume de ofertas públicas e negociações de ações durante o Encilhamento. Ao aumentar a exigência de integralização do valor das ações, reduzia-se o volume deste crédito. Não por acaso, a integralização de 40% do valor das ações como exigência para sua admissão à negociação na praça do comércio não foi originalmente introduzida pelo Decreto nº 434/1891, mas sim pelo Decreto nº 1.362, de 14 de fevereiro de 1891. Esta norma foi apontada por Ney Carvalho como um dos fatores que causaram o estopim da crise do Encilhamento, pois, além de ter majorado a exigência de integralização das ações antes de sua admissão à negociação, também criou imposto sobre sua transmissão, sob pena de nulidade, criando insegurança e desconfiança no mercado[66].

Pela instabilidade que gerou, o Decreto nº 1.362/1891 foi prontamente revogado por meio do Decreto nº 1.386/1891, que evidenciou a gravidade da crise que então se apresentava:

Tendo presentes os motivos expostos nas representações da Associação Comercial, das diretorias de diversos Bancos e da Junta dos Corretores desta praça, acerca da atual crise da Bolsa desta mesma praça, nas quais ponderam os representantes a urgente necessidade de fazer cessar essa crise levantada pela anormalidade das transações de venda a prazo das ações das sociedades anônimas;

Considerando que essa anormalidade, bem revelada pela aplicação das disposições contidas nos arts. 11 e 12 do decreto [nº 1.362] de 14 de fevereiro do corrente ano, exige providencias mais completas e eficazes para restituir tais transações a condições regulares, reduzindo-as ao uso lícito do direito de propriedade;

Considerando que semelhantes providências, que devem concorrer com as disposições contidas nos primeiros artigos do referido decreto, exigem detido exame, que se instituirá para exato conhecimento do mal e dos meios de o remediar sem que, aliás, se ofendam os princípios da liberdade do comércio:

Resolve revogar os sobreditos arts. 11 e 12 do decreto [nº 1.362] de 14 do corrente mês.

A exigência de integralização mínima das ações antes de sua negociação no mercado foi mantida em legislações posteriores. O Decreto-Lei nº 2.627/1940, que substituiu o Decreto nº 434/1891, passou a exigir a integralização mínima de 30% (trinta por cento) do valor da ação (art. 14, caput), percentual que foi mantido pela atual Lei nº 6.404/1976, conforme artigo 29, caput, contudo a norma é restrita às companhias abertas.

Quanto às demais disposições, o Decreto nº 434/1891 limitou-se a repetir disposições das normas societárias anteriores (principalmente a Lei nº 3.150/1882, o Decreto nº 8.821/1882 e o Decreto nº 164/1890), consolidando suas regras em um diploma único[67].

  • Impactos na legislação do mercado de valores mobiliários: o Decreto nº 354/1895

Ao passo que o tratamento legal das sociedades anônimas ficou sujeito a diferentes normas ao longo do Império e durante os anos do Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891), a legislação do mercado de valores mobiliários não passou pela mesma multiplicidade de alterações. Não obstante, o direito dos valores mobiliários talvez tenha sido que sofreu mudanças mais duradouras em suas regras como consequência da crise do Encilhamento.

O regime jurídico do mercado estabelecido pelo Decreto nº 354/1895 só veio a ser definitivamente substituído quase 70 anos após a sua promulgação, por meio da Lei nº 4.728/1965. A principal característica desta norma foi enrijecimento da profissão de corretor de fundos (que seriam equivalentes aos atuais corretores de valores mobiliários), atuando na intermediação da negociação destes títulos.

O cargo de corretor passou a ser considerado como ofício público, cabendo ao Governo Federal criá-lo ou suprimi-lo (art. 1º). A nomeação dos corretores era feita pelo Presidente da República, por indicação do Ministro da Fazenda (art. 2º). Por meio do Decreto nº 2.475/1897, possibilitou-se que o cargo fosse, inclusive, transferido a herdeiro do corretor acometido de invalidez ou falecido, caso permitido pela Câmara Sindical[68], órgão criado pelo artigo 6º do Decreto nº 354/1895.

A Câmara Sindical tinha competências diversas, como aprovar a nomeação de prepostos de corretores (art. 5º do Decreto nº 354/1895), propor a criação ou supressão de cargos de corretor (art. 7º, “a”), organizar a bolsa de valores e autorizar, suspender ou proibir a negociação de títulos (art. 7º, “b” e “c”), fixar a cotação do câmbio (art. 7º, “d”), dentre diversas outras medidas. O órgão era composto por um presidente e três adjuntos, eleitos anualmente pelos próprios corretores (art. 6º).

A intermediação de corretores em negociação de títulos voltou a ser obrigatória, sob pena de nulidade (art. 3º, § 1º, do Decreto nº 354/1895), retomando-se a restrição criada pela Lei dos Entraves.

Em síntese, o Decreto nº 354/1895 estabeleceu um regime rígido e burocrático para o funcionamento do mercado, o que possivelmente prejudicou o seu desenvolvimento, ao criar um ambiente “sufocante”, como classificou Ney Carvalho[69].

  • Impactos na legislação falimentar: o Decreto nº 917/1890

 A última seção deste trabalho analisa objetivamente os impactos da crise no início da República na legislação falimentar. Ainda durante o Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) foi editado o Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890, cuja autoria é atribuída ao advogado Carlos de Carvalho. Ainda durante o Império, a falência e os institutos a ela relacionados como a moratória e a concordata já sofriam muitas críticas de juristas em aspectos como a morosidade do procedimento, a multiplicidade de atores (juiz, curador fiscal, depositário, administrador), a imprecisão do sistema de cessação de pagamentos, a ineficiência da moratória, entre outros aspectos. O Governo Provisório assumiu o ônus de dotar o país, com urgência, de uma nova legislação com o escopo de coibir as fraudes e estimular o crédito, preocupando-se com o direito dos credores.

O Decreto nº 917 substituiu toda a Parte Terceira do Código Comercial e fez importantes alterações no direito falimentar, criando novos meios preventivos à falência (acordo extrajudicial e concordata preventiva), além da moratória, mantida na legislação apesar das críticas que esse instituto recebia. Digno de nota é o tratamento, tão atual, das falências decretadas no exterior e de produção dos efeitos das sentenças no Brasil (Título IX).

Em primeiro lugar, o sistema falimentar foi alterado, quanto ao pressuposto ou requisito objetivo para a decretação da falência, deixando de ser a cessação de pagamento para a adoção da impontualidade “falimentar” (art. 1º), acrescendo-se, ainda, a prática de atos de falência (art. 1º, § 1º). Com isso, deixava se ser necessário a iniciativa do comerciante de requerer a decretação de sua falência perante o Tribunal de Comércio (posteriormente, ao juiz de direito), apresentando seus livros e o balanço de seu estabelecimento. A aferição prática da cessação de pagamentos era muito difícil e contava com a relutância do devedor em adotar as providências do Código para ter sua quebra decretada. Os credores, por sua vez, somente depois da cessação de pagamentos do devedor é que poderiam requerer a falência; contudo, era muito difícil precisar o exato momento em que se deu a cessação.

As incertezas e dificuldades apresentadas no parágrafo anterior foram eliminadas com o sistema da impontualidade, que se caracterizava no Decreto pelo não pagamento imotivado (“sem relevante razão de direito”) e no vencimento de qualquer obrigação líquida e certa. Destarte, passou-se a considerar a presunção de insolvência positivada pelo protesto. Nota-se uma grande semelhança entre a conceito atual de impontualidade falimentar (art. 94, I, da Lei nº 11.101/2005), embora alguns aspectos devam ser sublinhados: a) ausência de valor mínimo para o pedido de falência, c) necessidade de a obrigação inadimplida ser mercantil, pois as dívidas civis, por si só, não autorizavam o pedido de falência (art. 1º, § 2 º); c) desnecessidade de a obrigação estar representada em título executivo, bastando estar incluída na relação de dívidas líquidas apresentada pelo art. 2º e devidamente protestado o título na forma do art. 3º.

Quanto aos atos de falência, a enumeração deles guarda bastante semelhança com a atual, o que revela uma estabilidade no tempo da legislação neste aspecto[70].

Também procurou o Decreto nº 917 aumentar a fiscalização dos atos do falido em benefício dos seus credores e, indiretamente, da sociedade. Ainda que os credores pudessem nomear administradores para a liquidação da massa, conferindo-lhes pleno poderes (contrato de união) e o juiz nomeasse síndicos para a arrecadação e administração da massa, tornou-se obrigatória a atuação do Curador Fiscal, emprego de natureza vitalícia por determinação do art. 154. Tal órgão da falência foi criado pelo Decreto nº 139, de 10 de janeiro de 1890, para atuação nos processos de falência em tramitação na Capital Federal (cidade do Rio de Janeiro), sendo expandido para todo o País com o Decreto de 24 de outubro. Era da alçada do Curador Fiscal intervir em todos os termos e atos de processo da falência até a liquidação final, sem prejuízo das atribuições dos administradores nomeados pelos credores e dos síndicos. Nas comarcas onde não houvesse Curador Fiscal deveria servir o promotor público, guardando certa semelhança com a atuação do representante do Ministério Público ou Curador de Massas Falidas, porém com direito de receber comissão e emolumentos pelo seu trabalho.

O Curador Fiscal tinha legitimidade ativa para requerer a falência (art. 4º, d) e gozava de prerrogativas em relação à pessoa do falido (arts. 14 e 15) e seus contratos (art. 22), participava de atos de arrecadação em assistência aos síndicos (art. 36) e das audiências com os credores (art. 38), além de outras. Embora fosse competência do Curador Fiscal promover o processo criminal contra o falido e seus cúmplices, ele atuava junto com o promotor público na averiguação das causas da falência e de sua qualificação (art. 78).

Um último aspecto destacado do Decreto nº 917 diz respeito à ampliação dos institutos preventivos da falência, com o nítido intuito do legislador de buscar outras alternativas além da tradicional moratória para a superação das dificuldades dos comerciantes[71].

No Título X (Dos meios de prevenir e obstar a declaração de falência), foram previstos a moratória, o acordo extrajudicial e a concordata preventiva, sendo os dois últimos inéditos na comparação com o Código Comercial.

Embora a moratória já estivesse disciplinada nos arts. 898 a 906 do Código Comercial, foram realizadas importantes alterações, na esteira das mudanças estruturais. A principal delas foi sua desvinculação do sistema da cessação de pagamentos[72], pois passou a ser considerada condição para a impetração a inexistência de protesto por falta de pagamento de obrigação mercantil liquida e certa – enumeradas no art. 2º– e em condições de autorizar a declaração de falência. As dívidas civis do comerciante não poderiam ensejar o pedido de moratória nem a sustação da obrigação do pagamento, caso a moratória fosse concedida (arts. 107 e 116).

Ademais, o Decreto nº 917 promoveu outras mudanças: (i) reuniu as atribuições para apreciação, instrução e decisão sobre o pedido na pessoa do juiz do lugar do principal estabelecimento do devedor, desaparecendo a divisão de competências entre o Tribunal e o juiz do comércio; (ii) permitiu que a comissão de sindicância para exame dos livros e balanço do devedor fosse composta por dois ou três credores, o mesmo ocorrendo com os “credores fiscais” da moratória; (iii) antecipou a entrega ao juiz do parecer dos credores sindicantes sobre o balanço e os livros do devedor para antes da audiência de deliberação da moratória, sendo designada a reunião para apreciação e votação do pedido nos quinze dias seguintes; (iv) aumentou o quorum de deliberação para, no mínimo, 3/4 (três quartos) da totalidade dos créditos quirografários reconhecidos verdadeiros e admitidos no passivo[73] (arts. 111 e 45); (v) reduziu o prazo máximo da moratória, de três para um ano da data da concessão, permitida, no entanto, prorrogação por uma só vez e por prazo não superior a um ano, se durante o primeiro período o devedor tivesse pago no mínimo metade do valor do principal da dívida.

O acordo extrajudicial consistia em proposta de pagamento apresentada pelo devedor e aprovada por, pelo menos, ¾ (três quartos) da totalidade do passivo quirografário. O instituto tinha certa similitude com a recuperação extrajudicial no sentido de ser prerrogativa do devedor regular, ou seja, registrado na Junta Comercial e sua oponibilidade e eficácia em relação aos credores dissidentes dependiam de homologação judicial. Sem embargo, era imprescindível que o requerimento para homologação fosse apresentado ao juiz do lugar do principal estabelecimento antes de qualquer protesto por falta de pagamento de obrigação comercial liquida e certa (art. 120). Antes da homologação, o pedido do devedor era publicado com prazo decendiário para reclamações, que só poderiam ser aceitas em havendo prova de má fé, fraude ou dolo do devedor, com citação deste para contestar. Obtida a homologação do acordo ou concordata, a falência não poderia ser decretada; caso negada, a falência deveria ser decretada, solução diversa da prevista em caso de não homologação do plano de recuperação judicial (art. 164, § 8º, da Lei nº 11.101/2005). Ao contrário da recuperação extrajudicial, o legislador de 1890 teve preocupação com a fiscalização do cumprimento do acordo após sua homologação. Por esta razão, homologada a concordata ou acordo extrajudicial, o juiz deveria confirmar a escolha dos fiscais nomeados pelos credores ou os nomearia, quando não o tivessem sido, sendo tal comissão fiscal por dois ou três membros escolhidos dentre os credores aderentes. Além de fiscalizar o cumprimento do acordo, a comissão fiscal poderia requerer sua rescisão nos casos do art. 126.

Por fim, cumpre esclarecer a sutil distinção entre os termos “acordo extrajudicial” e “concordata preventiva” empregados pelo Decreto nº 917. À primeira vista, tem-se a ilação que se tratam de termos sinônimos, todavia, a concordata preventiva poderia também ser requerida diretamente em juízo (art. 130). Nesta hipótese, o devedor deveria apresentar na petição inicial sua proposta de pagamento, mas antes da deliberação dos credores era formada uma comissão de sindicância para exame dos livros e do balanço com emissão de parecer, que não tinha efeito vinculante para a deliberação dos credores.

CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo examinar os impactos das medidas do Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca e da crise do Encilhamento sobre o direito comercial brasileiro, especialmente quanto às legislações societária, falimentar e do mercado de valores mobiliários. Constatou-se que as raízes da crise pela qual o mercado passou nos primeiros dois anos da República, em 1890 e 1891, podem ser encontradas nas crises anteriores, ocorridas em 1857 e 1864, especialmente do ponto de vista das políticas legislativas e monetárias implementadas em resposta a elas. Constatou-se, ainda, que a crise de 1891 foi potencializada pelas medidas de flexibilização adotadas ao longo das décadas de 1870 e 1880, que permitiu a criação de um ambiente de negociações de ações paralelo, capitaneado por intermediários não oficiais chamados de “zangões”, e viabilizou a negociação de ações no mercado com apenas 20% do seu valor realizado. Além disso, as profundas transformações sociais ocorridas nos anos imediatamente anteriores ao Encilhamento, especialmente a abolição da escravidão em 1888 e proclamação da República em 1889, colaboraram para o desenvolvimento de um clima de otimismo exacerbado no mercado.

Por fim, examinou-se três normas que produziram efeitos duradouros no direito comercial: (i) o Decreto nº 434/1891, a respeito do regime das sociedades anônimas; (ii) o Decreto nº 354/1895, que reformou as normas do mercado de valores mobiliários; e (iii) o Decreto nº 917/1890, voltado ao direito falimentar, introdutor do sistema da impontualidade e da concordata preventiva.

Conclui-se que, enquanto o Decreto nº 434/1891 e Decreto nº 917/1890 introduziram no direito societário e falimentar, respectivamente, algumas regras e institutos que foram aproveitados nas legislações posteriores, o Decreto nº 354/1895 instituiu um regime rígido e burocrático no mercado de valores mobiliários, cuja lógica foi integralmente substituída e alterada quase 70 (setenta) anos depois de sua promulgação, no âmbito da Lei nº 4.728/1965.

REFERÊNCIAS

 

ALVES, Alexandre Ferreira Assumpção. A “criação” da Faculdade de Direito da UFRJ (FND) e o ensino jurídico no Brasil em 1891: estudo analítico de aspectos da reforma Benjamin Constant referentes às Faculdades Livres. Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 505-536, mai./ago. 2021.

 ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Abolição, encilhamento e mercado financeiro: uma análise da primeira crise financeira republicana. Rev. Econ. do Centro-Oeste, Goiânia, v. 2, n. 2, p. 19-36, 2016.

CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

CARVALHO, Ney. A saga do mercado de capitais no Brasil. São Paulo: Saint Paul Editora, 2014.

CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia de uma bolha brasileira. Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Bolsas, 2004.

CHANCELLOR, Edward. Devil take the hindmost: a history of financial speculation. Londres: Plume, 2000.

FRANCO, Gustavo Henrique Barroso. Reforma monetária e instabilidade durante a transição republicana. Rio de Janeiro: BNDES, 1983.

KINDLEBERGER, Charlie P.; ALIBER, Robert Z. Manias, pânicos e crises: a história das catástrofes econômicas mundiais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MELHORAMENTOS. História. Disponível em: http://www.melhoramentos.com.br/v2/historia/. Acesso em 01/10/2021.

TANNURI, Luiz Antonio. O Encilhamento. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas. 1977.

VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Revista Forense, 1953. v. 1.

Notas:

[1]             ALVES, Alexandre Ferreira Assumpção. A “criação” da Faculdade de Direito da UFRJ (FND) e o ensino jurídico no Brasil em 1891: estudo analítico de aspectos da reforma Benjamin Constant referentes às Faculdades Livres. Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 505-536, mai./ago. 2021. p. 506.

[2]             ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Abolição, encilhamento e mercado financeiro: uma análise da primeira crise financeira republicana. Rev. Econ. do Centro-Oeste. Goiânia, v. 2, n. 2, p. 19-36, dez. 2016. p. 20.

[3] Ibidem. p. 21.

[4]             Vide artigo 1º da referida Lei: “Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela Lei de sete de novembro de mil oitocentos trinta e hum, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no trafico de escravos, serão igualmente apreendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos”.

[5] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 21.

[6] Ibidem. p. 22.

[7] CARVALHO, Ney. A saga do mercado de capitais no Brasil. São Paulo: Saint Paul Editora, 2014. p. 84.

[8] Loc. cit.

[9]             “Art. 45 – O corretor pode intervir em todas as convenções, transações e operações mercantis; sendo, todavia entendido que é permitido a todos os comerciantes, e mesmo aos que o não forem tratar imediatamente por si, seus agentes e caixeiros as suas negociações, e as de seus comitentes, e até inculcar e promover para outrem vendedores e compradores, contanto que a intervenção seja gratuita”.

[10] CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 85.

[11]          “De fato, o movimento findou quando, em 13 de novembro [de 1857], pelo navio Conrad, vindo de Nova York, chegaram notícias sobre a eclosão, em fins de agosto, do chamado “pânico de 1857”, cataclismo no qual desapareceram cerca de 1.000 bancos e casas comerciais nos Estados Unidos” (CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 86).

[12] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 22.

[13] Loc. cit.

[14] CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 86.

[15] Vide artigo 1º da Lei nº 1.083/1860.

[16] Vide artigo 2º da Lei nº 1.083/1860.

[17] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 23.

[18]          “O objetivo confessado dos conservadores era restringir a criação de papel-moeda por bancos emissores privados. E a ideia matriz era reduzir a competição na economia, enquanto o mundo ocidental se desenvolvia e beneficiava da concorrência. Para tanto, conforme as ideias antinegócios de que eram imbuídos, foram incluídas dificuldades de toda a ordem para o estabelecimento de companhias e circulação de seus papéis, agravadas por um regulamento draconiano” (CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 89).

[19]          “Art. 2º. […] § 24. As transações e transferências de ações de Companhias e Sociedades Anônimas, e dos títulos da dívida pública, e de quaisquer outros que admitam cotação, só poderão ter lugar por intermédio dos respectivos corretores, sob pena de nulidade, além das que forem aplicáveis a tais atos em virtude dos respectivos Regulamentos, salvo as disposições dos tratados em vigor”.

[20] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 23.

[21]          “A guerra civil nos Estados Unidos provocou uma redução de 25% nas receitas das exportações de café em 1862, e a queda continuou em 1863” (CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 390).

[22] Loc. cit.

[23] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 23-24.

[24] CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 94.

[25]          Assim, o preâmbulo do Decreto dispunha: “Atendendo à suma gravidade da crise comercial, que domina atualmente a praça do Rio de Janeiro, perturba as transações, paralisa todas as industrias do pais, e pode abalar profundamente a ordem publica, e á necessidade que ha de prover de medidas prontas e eficazes, que não se encontrão na legislação em vigor, os perniciosos resultados que se temem de tão funesta ocorrência”.

[26] Ambas as medidas foram provisórias, tendo sido revogadas no ano seguinte, por meio do Decreto nº 3.516/1865.

[27] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 24.

[28] CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 95.

[29] ALMEIDA, Ian Coelho de Souza; CROCE, Marcus Antônio. Op. cit. p. 25.

[30]          “Reza a lenda que o poderoso conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas, mais tarde senador Dantas, pela Bahia, tentou transferir algumas apólices para uma senhora de suas relações. A Caixa de Amortização, cumprindo a Lei dos Entraves, exigiu que a transação fosse assinada por um corretor, o que implicaria no pagamento da comissão correspondente. Dantas não se conformou e logrou obter a aprovação, no Parlamento, da Lei [sic] nº 1.731/1869 que revogou expressamente aquela exigência. Voltava a vigorar a liberalidade do artigo 45 do Código Comercial, que admitia a qualquer pessoa tratar diretamente dos seus negócios com papéis, sem a intermediação obrigatória de um corretor” (CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 100).

[31] Ibidem. p. 104.

[32]          “Art. 1º Nos edifícios destinados para praças do comércio haverá um lugar especial, separado e elevado, onde, á vista do público, se reunirão os corretores de fundos quando tiverem de propor e efetuar transações sobre: I Fundos públicos, nacionais ou estrangeiros; II Letras de câmbio; III Empréstimos comerciais; IV Ações de companhias autorizadas e admitidas pelo Estado; V. Compra e venda de metais preciosos. Parágrafo único. Com os corretores de fundos serão admitidos, no lugar especial de que trata este artigo, os corretores de mercadorias quando pretenderem a compra ou venda de metais preciosos”.

[33]          “A distinção entre corretores nomeados e livres, ditos zangões, provocou uma séria distorção nas informações que nos chegaram do desenvolvimento do mercado e do volume de operações na Bolsa do Rio, nas décadas finais do século 19” (CARVALHO, Ney. A saga do mercado… Op. cit. p. 105).

[34] Ibidem. p. 114-115.

[35]          “The carnival offered a moment of release from the rigidities and religious demands of the medieval world, when the traditional social hierarchy was inverted and the village idiot became carnival king. Although the modern market economy is far freer than its medieval antecedent, it has created new tensions. While the carnival deliberately undermined the authority of the Church, the speculative mania reverses the nostrums of capitalism such as devotion to a professional calling, honesty, thrift, and hard grind. Like the carnival, it provides only a temporary release, since when the mania collapses these values are reinforced” (CHANCELLOR, Edward. Devil take the hindmost: a history of financial speculation. Londres: Plume, 2000. p. 28). Tradução livre: “O carnaval oferecia um momento de libertação da rigidez e demandas religiosas do mundo medieval, quando a hierarquia da sociedade tradicional era invertida e o idiota da vila se tornava o rei do carnaval. Embora a economia de mercado moderna seja muito mais livre que a sua antecessora medieval, ela criou novas tensões. Enquanto o carnaval deliberadamente desafiava a autoridade da Igreja, a mania especulativa reverte os valores do capitalismo como devoção à vocação profissional, honestidade, austeridade e trabalho duro. Como o carnaval, ela fornece uma libertação temporária, já que, quando a mania entre em colapso, estes valores são reforçados”.

[36] Ibidem. p. 29.

[37]          KINDLEBERGER, Charlie P.; ALIBER, Robert Z. Manias, pânicos e crises: a história das catástrofes econômicas mundiais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 32-39.

[38] Ibidem. p. 66-67.

[39]          “De acordo com a formulação de Minsky, essas ondas de otimismo começaram com um ‘deslocamento’ ou choque, que levaram a um crescimento no otimismo dos investidores empresas de negócios e financiadores bancários. Expectativas mais confiantes de um fluxo constante de prosperidade e um aumento nos lucros induzem os investidores a comprar ações mais arriscadas; os bancos fazem empréstimos mais ousados nesse ambiente mais otimista. O otimismo aumenta e pode se tornar autorrealizável até que evolua para uma mania” (Ibidem. p. 52).

[40] Ibidem. p. 51.

[41]          “Manias especulativas ganham velocidade com a expansão do crédito. A maioria dos aumentos no fornecimento de crédito não leva a uma mania – mas quase todas as manias foram associadas ao rápido crescimento do crédito para um grupo particular de devedores” (Ibidem. p. 77).

[42] Ibidem. p. 105-106.

[43] Ibidem. p. 112-117.

[44] Ibidem. p. 119.

[45]          “A vida do Encilhamento pode ser medida. Ela transcorreu desde a Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888, passou pela Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, pela demissão de Ruy Barbosa, em fevereiro de 1891 e prosseguiu até a ascensão do marechal Floriano Peixoto à Presidência, em 23 de novembro de 1891” (CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia de uma bolha brasileira. Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Bolsas, 2004. p. 68).

[46] Ibidem. p. 85.

[47] Ibidem. p. 86.

[48] Loc. cit.

[49] Estes personagens tiveram a sua história no Encilhamento relatada por Ney Carvalho. Ibidem. p. 123-142.

[50]          FRANCO, Gustavo Henrique Barroso. Reforma monetária e instabilidade durante a transição republicana. Rio de Janeiro: BNDES, 1983. p. 120.

[51] CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia… Op. cit. p. 170-171.

[52] Ibidem. p. 172-173.

[53]          TANNURI, Luiz Antonio. O Encilhamento. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas. 1977. p. 23-24.

[54] Ibidem. p. 29-30.

[55] Ibidem. p. 37-38.

[56] CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia… Op. cit. p. 177-180.

[57] Ibidem. p. 184.

[58] Ibidem. p. 197.

[59] MELHORAMENTOS. História. Disponível em: http://www.melhoramentos.com.br/v2/historia/. Acesso em 01/10/2021.

[60]          “A Lei das Sociedades Anônimas [Decreto nº 164/1890], de 17 de janeiro [de 1890], que viera junto com a reforma bancária, estabelecia que a constituição de uma companhia somente se poderia fazer mediante o depósito de pelo menos 10% do capital autorizado do estabelecimento em algum banco ou em mão de pessoa abonada. Isso significava que apenas 10% do capital era necessário para constituir juridicamente uma empresa e ter ações cotadas na Bolsa, de modo que, em um momento de euforia na Bolsa, não era difícil a constituição de uma nova companhia. É comumente sugerido que grande parte das companhias fundadas nesse período, e também em 1891, eram “empresas fantasmas”, existentes apenas juridicamente […]. Recentemente tem sido mostrado que muitas empresas aí fundadas sobreviveram para o período posterior. No caso da indústria têxtil, por exemplo, 30,2% das empresas existentes em 1905 haviam sido fundadas entre 1889 e 1895, sendo que 50,7% o foram antes de 1888. Em 1912, 16,6% das empresas têxteis existentes eram pertencentes ao período 1890-1894 e 11,6% aos anos 1885-1887” (FRANCO, Gustavo Henrique Barroso. Op. cit. p. 121-122).

[61]          Trajano Miranda Valverde dá notícia das seguintes normas que complementaram ou alteraram o Decreto nº 434/1891: (i) Decreto nº 117-A/1893, que regulamentou as debêntures emitidas por companhias; (ii) Lei nº 2.024/1908, que submeteu as companhias ao regime falimentar; (iii) Decreto nº 21.536/1932, que dispôs sobre o modo de constituição do capital social das sociedades anônimas e permitiu que ele fosse representado, em parte, por ações preferenciais de uma ou mais classes; (iv) Decreto nº 22.431/1933, posteriormente modificado pelo Decreto-Lei nº 781/1938, a respeito da comunhão entre portadores de debêntures; (v) Decreto nº 23.324/1933, que alterou o artigo 137 do Decreto nº 434/1891, para permitir que acionistas representando metade do capital social pedissem aos administradores a convocação de assembleias gerais extraordinária; e (vi) Decreto-Lei nº 2.055/1940, que regulou a conversão de ações ordinárias em ações preferenciais por companhias sujeitas a fiscalização do Governo Federal (VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Revista Forense, 1953. v. 1. p. 31-33).

[62] CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia… Op. cit. p. 194.

[63] VALVERDE, Trajano de Miranda. Op. cit. p. 28.

[64]          Ao menos até a promulgação da Lei nº 4.728/1965, que conferiu ao Banco Central do Brasil a competência para fiscalizar as companhias emissoras de valores mobiliários negociados em bolsa (art. 3º, VII, e art. 4º).

[65] CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia… Op. cit. p. 156-157.

[66] CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia… Op. cit. p. 177-180.

[67] VALVERDE, Trajano de Miranda. Op. cit. p. 28.

[68]          “Art. 20. Se a vaga ocorrer por moléstia incurável que inabilite o corretor para o exercício do cargo, ou por falecimento do corretor, será permitido á Câmara Sindical propor, de preferência a outrem, um filho do corretor para substituí-lo no ofício, dada a igualdade de circunstâncias, quanto à idoneidade”.

[69]          “Conseguiu-se fazer o mercado retornar ao ambiente rígido e sufocante do regulamento da Lei dos Entraves de 1861, já comentado quando da apreciação da atmosfera do Encilhamento. Os corretores obtiveram do Estado a recriação de sua reserva funcional, da exclusividade na negociação de quaisquer papéis. A legislação oriunda do Encilhamento não se destinava a ampliar e fortalecer o mercado de capitais, mas a restringi-lo, a pretexto de lhe oferecer segurança” (CARVALHO, Ney. O encilhamento: anatomia… Op. cit. p. 194).

[70]          O leitor, de pronto, identificará várias semelhanças nos atos de falência do Decreto nº 917 com os atuais. Eram eles: As seguintes práticas eram consideradas atos da falência: a) realizar pagamentos usando de meios ruinosos e fraudulentos; b) transferir ou ceder bens a uma ou mais pessoas, credoras ou não, com obrigação de solver dívidas vencidas e não pagas; c) ocultar-se, ausentar-se furtivamente, mudar de domicilio sem ciência dos credores, ou tentar fazê-lo, revelado esse proposito por atos inequívocos; d) alienar, sem ciência dos credores, os bens que possui, fazendo doações, contraído dividas extraordinárias ou simuladas, pondo os bens em nome de terceiros ou cometendo algum outro artificio fraudulento; e) alienar os bens imóveis, hipotecá-los, dá-los em anticrese, ou em penhor os moveis, sem ficar com algum ou alguns equivalentes as dividas, livres e desembargados, ou tentar praticar tais atos, revelado esse proposito por atos inequívocos; f) fechar ou abandonar o estabelecimento, desviar todo ou parte do ativo; g) ocultar bens e moveis da casa; h) proceder dolosamente a liquidações precipitadas; i) não pagar, quando executado por dívida comercial, ou não nomear bens à penhora dentro das 24 horas seguintes à citação inicial da execução [atualmente este ato é configurado como impontualidade pelo art. 94, II]; j) recusar, como endossador ou sacador, prestar fiança no caso do art. 390 do Código Comercial; k) não evitar o concurso de preferência em execução comercial (art. 609, § 2º, do Decreto. n. 737 de 25 de novembro de 1850).

[71]          Um dado peculiar do Decreto nº 917, ainda com o escopo de permitir a continuidade da atividade do devedor, foi a possibilidade de apresentação da proposta de concordata ainda que o parecer dos síndicos e do curador fiscal quanto as causas da falência e o procedimento do falido apontasse dolo ou culpa deste. O art. 41 dispunha que “qualquer que seja o parecer do curador fiscal e dos síndicos, o falido ou seu representante poderá apresentar proposta de concordata, apoiada ou não anteriormente pelos credores”.

[72]          Era condição para o pedido de moratória no Código Comercial (art. 898) que a impontualidade decorresse de acidentes extraordinários imprevistos ou de força maior e que, ao mesmo tempo, se verificasse por um balanço atualizado, que o devedor tinha fundos bastantes para pagar integralmente a todos os seus credores, em até três anos.

[73]          Tal afirmativa decorre da disposição contida no art. 45 e no parágrafo único do art. 116, segundo o qual a suspensão das execuções e a exigibilidade das dívidas não compreenderão as que procederem de créditos não quirografários.

Palavras Chaves

Encilhamento; Mercado de Valores Mobiliários; Direito Falimentar; Direito Societário; Crise do Mercado.