PODER DE POLÍCIA DURANTE A EPIDEMIA DO COVID-19: Realização coordenada da democracia ou coação estatal autoritária?

Resumo

: Instaurado o estado de calamidade pública e necessidade coletiva em decorrência da pandemia do COVID-19 e respaldados pela Lei Nº 13.979 de 2020, os governos Federal, Estadual e Municipal adotam medidas controversas, perfilhando restrições aos direitos fundamentais e tornando objeto de ação do poder de polícia: liberdades públicas, como o direito locomoção; liberdade de assembleia; livre exercício de atividade profissional; e até mesmo o direito de propriedade. Estão no escopo deste trabalho as críticas relacionadas à adequação, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, das ações de polícia adotadas com fins de mantença das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública ocasionada pela crise do Covid-19. Este artigo objetiva analisar se, e em que medida, estariam métodos inovadores de polícia a serviço da realização coordenada da democracia ou da coação estatal autoritária sobre os indivíduos.

Artigo

PODER DE POLÍCIA DURANTE A EPIDEMIA DO COVID-19:

Realização coordenada da democracia ou coação estatal autoritária?

 

Luíza L. Bruxellas

 

RESUMO: Instaurado o estado de calamidade pública e necessidade coletiva em decorrência da pandemia do COVID-19 e respaldados pela Lei Nº 13.979 de 2020, os governos Federal, Estadual e Municipal adotam medidas controversas, perfilhando restrições aos direitos fundamentais e tornando objeto de ação do poder de polícia: liberdades públicas, como o direito locomoção; liberdade de assembleia; livre exercício de atividade profissional; e até mesmo o direito de propriedade. Estão no escopo deste trabalho as críticas relacionadas à adequação, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, das ações de polícia adotadas com fins de mantença das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública ocasionada pela crise do Covid-19.

Este artigo objetiva analisar se, e em que medida, estariam métodos inovadores de polícia a serviço da realização coordenada da democracia ou da coação estatal autoritária sobre os indivíduos.

PALAVRAS-CHAVE: Governança Regulatória; Estado Regulador; Regulação; Poder de Polícia; COVID-19.

SUMÁRIO: (i) Introdução; (ii) Considerações preliminares – Metodologia de pesquisa; (iii) Poder de Polícia; (iii.i) Poder de Polícia ao longo da historia; (iii.ii) Poder de Polícia e o Direito Brasileiro; (iv) Limitações ao Poder de Polícia; (v) COVID-19 e o Poder de Polícia; (v.i) Combate ao COVID-19 no Brasil; (v.ii) Poder de Polícia e Estado de Emergência; (vi) Conclusão; e Bibliografia.

“Mesmo quando tudo parece fora do lugar, o que de melhor se pode fazer na vida é cumprir bem o próprio papel”

  • Luís Roberto Barroso

  1. Introdução

            O Congresso Nacional decretou, em 6 de fevereiro de 2020, a Lei Nº 13.979[2], dispondo “sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019”, posteriormente regulamentada pela Portaria de Nº 356[3], em março de 2020.

            A referida lei estabeleceu medidas à guisa de “proteção da coletividade” e da tutela do interesse público, indicando, em seu artigo 3º, rol exemplificativo ilustrando algumas das medidas que poderiam ser adotadas para enfrentamento da declarada emergência de saúde pública, nomeadamente:  (i) isolamento; (ii) quarentena; (iii) determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos; (iv) estudo ou investigação epidemiológica; (v) exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; (vi) restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos; (vii) requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e (viii) autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que: a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

Posteriormente, por meio do Decreto Legislativo Nº 6 de 2020[4], o Congresso Nacional
reconheceu, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, a ocorrência do estado de calamidade pública.

            União, Estados e Municípios gozam de competência legislativa concorrente no que concerne a defesa da saúde pública, conforme designa a Carta Magna em seu art. 24, XII[5], de modo que, em vigor a Lei Federal Nº 13.979 e considerando-se o estabelecimento de modalidades exemplificativas, e não taxativas, de medidas de enfrentamento, podem os Estados e Municípios, tencionando as peculiaridades e premências locais, quando necessário, suplementar tais medidas de enfrentamento e até mesmo decretar novas medidas no âmbito jurisdicional que lhes compete. Insta ressaltar, contudo, que todas essas medidas administrativas estabelecidas em vistas do estado de emergência de saúde e calamidade pública devem aquiescer ao polinômio da temporariedade; excepcionalidade; razoabilidade; e proporcionalidade, sendo vedado o extrapolamento da necessidade pública, sob pena de tal medida tornar-se arbitrária.

            Assim como é concorrente a competência legislativa entre os entes federados no que concerne a defesa da saúde pública, também o é no que tange o exercício da polícia administrativa, ou seja, a entidade política detentora de competência legislativa será igualmente competente para exercer a polícia administrativa. Nesse interim, não tem a União competência para editar normas e interferir em atos de Estados e Municípios; assim como estes não podem extrapolar seus respectivos interesses, regionais e municipais. Em caso de conflito, presume-se por analogia[6] que Leis complementares hão de fixar as normas necessárias para a efetiva cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Conforme pontua Heraldo Vitta[7], com o advento do estado de calamidade pública e necessidade coletiva em decorrência da pandemia do COVID-19, e conforme  a Lei Nº 13.979, os governos Federal, Estadual e Municipal, têm tomado medidas que não escapam às controvérsias, adotando restrições aos direitos fundamentais e tornando objeto de ação do poder de polícia: liberdades públicas (art.5º, “caput”, CF)[8], como locomoção (art.5º, XV)[9], reunião (art.5º, XVI)[10]; exercício de atividade profissional (art.5º, XIII)[11]; e até mesmo o direito de propriedade (art.5º, “caput” e XXII e XXIII)[12].

Meditando quanto ao exercício da Polícia Administrativa, Sérgio Guerra[13] justifica seu surgimento pela avocação, por parte do Estado, da obrigação de manter incólumes os direitos individuais, tornando-se, assim, indispensável disciplinar os aspectos da vida social e dotar a Administração Pública de funções capazes de restringir o direito e proibir o abuso sem a necessidade e a morosidade de submetê-las individualmente ao Poder Judiciário. Sendo esta a razão pela qual o Estado se vale da função conhecida como Poder de Polícia, como meio de salvaguardar a fruição pelo cidadão de seus direitos fundamentais e individuais, na vasta maioria das vezes, sem a necessidade de qualquer modalidade de aval judicial.

A ação desempenhada pela Polícia Administrativa, contudo, não escapa às críticas, ora conceituais, ora quanto a sua origem, e também as de competência, mérito, legalidade, dentre outras. No escopo deste trabalho, estão contempladas  as críticas relacionadas à adequação, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, das ações de polícia adotadas com fins de mantença das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública ocasionada pela crise do Covid-19.

Tão logo efetivaram-se as determinações de quarentena e isolamento compulsórios ao redor do mundo, manifestou-se a inevitabilidade do exercício do poder de polícia da Administração para assegurar o devido emprego das necessárias medidas sanitárias.

Globalmente, vislumbra-se a emergência inovadora das mais diversas formas de exercício do poder de polícia, o que doravante denomino de ‘métodos de polícia’. Ato contínuo, testemunhamos o limiar de tensão do binômio autoridade-liberdade, na forma do questionamento grafado por Felipe Herdem Lima[14]; estariam os instrumentos do poder de polícia (aos que refiro, métodos inovadores de polícia) a serviço da realização coordenada da democracia ou da coação estatal autoritária sobre os indivíduos?

O presente artigo pretende analisar justamente o supramencionado embate. Ao esmiuçar a eclosão dos novos métodos de polícia mundo-a-fora, pretendemos elucidar a indagação: estão os métodos de polícia, no contexto do COVID-19, de acordo com o princípio democrático norteador do Estado de direito ou caracterizam estes métodos o exercício arbitrário e demagógico do poder político travestido de poder de polícia?

  1. Poder de Polícia

O Poder de Polícia, por excelência, é a força pendular que, sob constante gravitação, mantém o equilíbrio entre os diversos atores presentes em um mundo pautado nas liberdades de arbítrio individual.

Ao analisar a noção de “intervenção pública direta”, sob o contexto do Estado regulador, Mendonça[15] discorre quanto ao princípio da subsidiariedade da intervenção do Estado na economia, cujo fruto pressupõe a existência de indivíduos e grupos que “se sintam, de fato, responsáveis pelo bem comum e estejam dispostos a assumir, por si próprios, suas responsabilidades”[16], tomados pela consciência de que detêm certos deveres irrenunciáveis.

No entanto, para além da economia, observamos, em diversas áreas do direito regulatório, o embate cruel entre dicotomias que, senão excludentes, são altamente prejudiciais à existência de seus reflexos. Apenas a título de exemplo, temos as noções quasi-antagônicas trazidas por Mark Sagoff[17], englobando os comportamentos do Consumidor em oposição direta a do Cidadão e o Pluralismo em desarmonia com a Deliberação no Processo político. Somam-se a estes exemplos a ciência das teorias envolvendo a tragédia do bem comum, bem como também a tragédia do anti-bem comum[18] – encaminhando-nos à reflexão acerca da capacidade e vontade do indivíduo em atuar em prol da maximização do bem-estar social comum, em oposição a uma busca individual daquilo que seria o “próprio socialmente desejável”.

Hegel[19] intitula o ramo da autoridade pública do estado que atua sobre a sociedade civil para fornecer supervisão e provisões para o bem-estar individual dentro do sistema de necessidades como polícia (polizei). A polícia é, portanto, responsável por prevenir o crime, prevendo as contingências do mercado que produzem pobreza (bem-estar público), limitando a invasão da liberdade individual ao bem-estar geral, bem como por todas as contingências desconhecidas que poderiam potencialmente prejudicar a segurança e o bem-estar dos indivíduos. Assim, para Hegel, o poder de polícia é, essencialmente, um poder ético do Estado agindo sobre a sociedade civil, como “autoridade orientadora superior”.

Para Otto Mayer[20], o Poder de Polícia fundamenta-se na “na ação da autoridade para fazer cumprir o dever, que se supõe geral, de não perturbar de modo algum a boa ordem da coisa pública. Em linha similar, Odete Medauar[21] defende a noção de que poder de polícia é matéria própria, inerente, e típica do direito público, sendo o tema “público por excelência”. A autora arrazoa que “onde existe um ordenamento jurídico, este não pode deixar de adotar medidas para disciplinar direitos fundamentais de indivíduos e grupos”. Hely Lopes Meirelles[22] complementa a qualificação daquilo que chamamos de poder de polícia ao refletir que: “a razão do poder de polícia é o interesse social e seu fundamento consiste na supremacia do Estado e em suas normas de direito público, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo”.

Apesar de Mendonça[23] argumentar o vencimento da ideia de deficiência da responsabilidade moral pessoal dos indivíduos e das unidades sociais, e sem que seja necessário adentrarmos este mérito, parece corriqueira a conclusão de que faz-se necessária a ação do pêndulo, figura representativa da Administração Pública, para a manutenção do equilíbrio entre os atores, alcançado através da imposição de limites a direitos e liberdades dos administrados – donde advém, então, a imprescindível força de ligamento, de enforcement, o Poder de Polícia.

Mendonça interpreta a intervenção estatal como sendo uma função destinada a cumprir uma finalidade – não devendo ser restritiva ou ampliativa, mas sim “proporcional ao fim que se destine”[24]. Mais adiante analisaremos a proporcionalidade do exercício do Poder de Polícia Estatal, em face da crise humanitária, sanitária e organizacional oriunda da Pandemia COVID-19.

II.I Poder de Polícia ao longo da história

De acordo com Odete Medauar[25], a etimologia da palavra polícia seria derivada do latim politia e do grego politea e ligada ao termo polis, representado algo similar com “a constituição e a organização da cidade ou do Estado”. Para Castoriadis[26],  “a política significava viver na polis, isto é, estar submetido a uma forma de governo de membros autônomos e iguais, na qual as questões de interesse comum eram resolvidas mediante recurso às palavras e à persuasão, e não por meio da força e da violência”. Já no que concerne a policía, Xenofontes[27] adota a visão de que esta “designava um modo distinto de governança, de natureza pré-política, aplicável à vida fora da polis, ou seja, à vida da casa e da família, na qual o patriarca – o paterfamilias – comandava seus subordinados com poderes despóticos e incontrastáveis”.

Em 15 de março de 1667, através do Édit signé à Saint-Germain-en-Laye, o então Rei da França, Louis XIV, confia à Gabriel Nicola de La Reynie, um magistrado de Limoges, a ocupação do tenente da polícia de Paris, recebendo extensos poderes sobre a administração e a população da capital. Este ato, foi considerado o nascimento da polícia moderna, por distinguir, pela primeira vez, de acordo com Medauar[28] e Charles Minet[29], as funções de justiça e as funções de polícia, visando estas a “assegurar o repouso público e dos particulares, purgar a cidade do que pode causar desordens, buscar a abundância e fazer viver cada um segundo sua condição e seu dever”.

Noutro giro, já em 1705, ao fim do período absolutista, coincidindo ainda com o chamado Estado de Polícia, Delamare[30] concluía ser equivocada a noção que assimilava a polícia ao conjunto do Direito Público – acreditando estar a polícia restrita ao objetivo de garantia da ordem pública de cada cidade.

Ao avançar do século XVIII, polícia passa a encompassar a totalidade das atividades públicas internas – excetuando-se a justiça e as finanças, gozando da faculdade de regular tudo o que se encontra no âmbito do Estado, sem exceções.[31] Para Caetano[32], a polícia administrativa surge, no contexto do Estado de Polícia, como uma “atividade eminentemente discricionária, subtraída à lei e regida pelas vicissitudes e circunstâncias do bem comum e da segurança pública”.

Atravessa-se a evolução da noção histórica de “Polícia”, até o alcance do período Pós-Revolução Francesa. Momento em que, ultrapassado o período absolutista, “Polícia”, passa a ser vista como uma parte da atividade na Administração, destinada a manter a ordem, a tranquilidade, a salubridade e o uso livre das coisas públicas, entendo-se assim, que a noção de “Estado de Direito” e “Estado de Polícia” eram, e são ainda hoje, diametralmente opostas, senão vejamos:

A partir da Revolução francesa e do Iluminismo começam a se delinear tendências de limitação da atividade de polícia. O Estado de direito e o seu corolário princípio da separação de poderes pretendem superar o brocardo latino voluntas regis suprema lex est (a vontade do rei é a lei suprema) pelo império da lei e primado dos direitos individuais. A submissão da Administração à rule of law tem por objetivo primeiro a domesticação do poder de polícia, por meio das formas jurídicas do direito administrativo.[33]

Conforme aponta Machado, citando Sérvulo Correia[34], “A transição do Estado de Polícia para o Estado de Direito, baseado no princípio da legalidade, limita o exercício de poderes discricionários – tal qual o poder de polícia – aos poderes expressamente concedidos pela lei”. Estudando Tácito[35], Machado conclui que, a partir de então, com o advento do Estado Liberal;

A lei passa a ser parâmetro da conduta social dos homens. O conceito de legalidade vigente era extremamente restrito, referente apenas à lei formal emitida pelo parlamento. As lições de Montesquieu evidenciam, essa legalização como forma de garantir a liberdade ao afirmar que a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, ele não teria mais liberdade, porque os outros também teriam esse poder. Imperando, nesse contexto, a noção de não intervenção estatal na vida privada, com vistas a garantir o desenvolvimento capitalista, mas competia Estado a proteção da liberdade e a propriedade dos indivíduos. Verifica-se uma verdadeira separação a antinomia entre Estado e sociedade (público versus privado), tendo-se de um lado a proteção da liberdade individual e de outro o Estado como “o mal necessário, que se devia. tolerar”[36] apenas na medida em que sua existência fosse estritamente necessária à convivência social.

Não se pode dizer, contudo, que o poder de polícia desapareceu com a chegada do Estado liberal. Como esclarece Binenbojm[37],  a polícia administrativa sobreviveu ao advento do Estado de direito como um poder intrinsecamente discricionário, permanecendo a maior parte do seu conteúdo decisório nas franjas da legalidade, por meio da justificativa oferecida, por um bem consolidado conceito, de mérito administrativo. O autor reitera, ainda, que o poder de polícia jamais deixou de valer-se de cláusulas gerais (ordem pública, perigo iminente, supremacia do interesse público, dever de sujeição geral, domínio eminente) para justificar o seu exercício.

A discricionariedade, por outro lado, consolidou-se como elemento identitário do poder de polícia. O recurso a cláusulas gerais, como ordem pública, na tradição francesa,[38]ou perigo público, na tradição alemã,[39] revela uma preocupação em deixar aberto à administração um amplo espectro, caráter inespecífico ou indefinido, de situações e razões para a incidência de medidas restritivas da liberdade e da propriedade individuais.

II.II     Poder de Polícia e o Direito Brasileiro

A definição formal lembrada quando se busca a rápida conceituação do que seria o Poder de Polícia, no Brasil, respalda-se no contido no art. 78 do Código Tributário Nacional[40]:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de ato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Não escapou à atenção do legislador que essa atividade, em proporcional medida que é necessária, também pode se fazer temerária e incerta. Nesse diapasão, o parágrafo único do mesmo art.78, CTN, esclarece:

“Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

Em análise ao entendimento de Poder de Polícia no ordenamento jurídico brasileiro, Di Pietro[41] conceitua-o como sendo uma atividade praticada pelo Estado que consista em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Machado[42] complementa este entendimento, propondo que o fundamento por de trás do Poder de Polícia se justifica na soberania do Estado sobre os seres, bens, coisas e indivíduos localizados em seu território. Sendo assim, podemos entender que tudo aquilo que desempenhe ação – e, nesse sentido, depreendemos, interações sociais, comerciais, governamentais e com o ambiente –  deve estar condicionado ao bem-estar da coletividade, em sintonia com os direitos fundamentais e em consonância com o ordenamento jurídico vigente.

  1. Limitações ao Poder de Polícia

Primordialmente, cumpre apresentarmos a limitação por excelência ao exercício do poder de polícia Estatal, qual seja, “a barreira intransponível”, composta por garantias individuais irredutíveis contempladas no bojo do próprio texto constitucional, conforme ensinamento de Virgílio Afonso da Silva[43].

Para Silva, a barreira intransponível caracteriza-se por sua imunidade à quaisquer relativizações a partir de sopesamentos no que tange o conteúdo essencial da dignidade da pessoa humana – o que significa dizer que, inobstante o teor do interesse contraposto, são intransponíveis direitos como, por exemplo, o de não submissão à tortura[44], tratamento desumano ou degradante; vedação ao sentenciamento à pena de morte em tempos de paz, nem às penas de caráter perpétuo, às que constituam trabalho forçado, banimento ou ato cruel[45].

No entendimento de Robert Alexy[46], existem hipóteses sob as quais os direitos fundamentais são capazes de posicionar o Estado em um “local de incompetência”, exercendo o que chama de “eficácia bloqueadora”, livrando o sujeito da submissão necessária àquele ato de polícia – que se torna inconstitucional.

Alexy[47] destaca três cenários em que os direitos fundamentais refletem essa configuração de barreira, o primeiro deles ocorre quando: (i) “a medida de polícia contraria frontal e literalmente o âmbito de proteção de um direito fundamental”. Já o segundo, verifica-se no caso (ii) “em que a pretensão ordenadora não ultrapassa as máximas inerentes ao dever de proporcionalidade[48]”. Finalmente, o terceiro trata dos casos (iii) “em que o exercício da competência ordenadora, efetiva ou potencialmente, reduza o direito fundamental aquém de um mínimo que o desfiguraria ou aniquilaria[49]”.

Verifica-se, nesses casos, que a força de origem capaz de refrear o poder de polícia sucede da proteção do “núcleo irredutível” dos direitos fundamentais. Nesse âmbito, cumpre ressaltar que, “embora os direitos fundamentais sejam restringíveis em tese, nessas situações, a possibilidade da restrição especificamente pretendida pela disciplina de polícia será excluída, de antemão, pelo teor do comando constitucional expresso que assegura o direito fundamental”[50].

Em acepção complementar, Gordillo[51] preceitua que o ordenamento jurídico não confere à Administração Pública nenhum “Poder de Polícia” genérico ou indeterminado, autorizativo de ação em face da ausência de lei, ainda que sob alegação do princípio de “reserva (discricionariedade) da Administração”. De acordo com o entendimento do autor, o Estado só poderia atuar na esfera jurídica individual em virtude de lei autorizativa expressa – ou evidentemente implícita; do contrário, estaria incorrendo em direta afronta ao Estado de Direito e ao princípio da legalidade.

Contrapondo-se à eficácia bloqueadora, faz-se mister esclarecer que os direitos fundamentais difundem também eficácia habilitadora, esta empenha-se no sentido de resguardar e, em certa medida, até mesmo promover, a atuação do poder de polícia. Tal proteção deriva de efeito diametralmente oposto ao esmiuçado acima, valendo-se da necessidade de providências restritivas do próprio ou distinto direito, usufruído pelo indivíduo ou terceiro, com vistas a proteger determinado direito fundamental.

  1. COVID-19 e o Poder de Polícia

Ao redor do mundo confirma-se, até a data de apresentação deste artigo, a assustadora figura composta por 19 milhões de mortes em ocasião da infecção pelo COVID-19. Em manifestação recente, o Secretário-Geral da ONU afirmou que a melhor reposta ao cenário atual é aquela estendida de maneira proporcional, tempestiva, e que simultaneamente proteja os direitos humanos e o exercício regulamentar do direito.

Novas leis e a declaração do estado de emergência impuseram severas restrições às liberdades civis, bem como acarretaram manifestações sem precedentes de poderes e surgimento de métodos de polícia em todos os continentes. Embora o Direito Internacional e o direito pátrio reconheçam que certos direitos fundamentais possam ser suspensos em tempos de emergência pública, tal possibilidade não pode e não deve ser encarada como um passe livre para o exercício desvairado e autoritário do poder de polícia.

Em um momento de grande incerteza, é vital que as leis que ampliam os poderes de polícia também incluam salvaguardas expressas, não só no tocante à adequação, necessidade e proporcionalidade no emprego dos métodos de polícia, como também firmando o caráter temporal das medidas, efetivas apenas enquanto perdurar o surto.

Desbravando o empreendimento de vencer, controlar ou ao menos impedir o alastramento da disseminação do COVID-19, governos nos quatro cantos do planeta expandiram suas políticas de ação, não só no que tange o exercício, como também os métodos de polícia até então empregados.

A modificação do padrão de atuação diante do estado de calamidade visa não apenas a defesa de leis pré-existentes, como também a efetiva implementação das novas orientações de saúde pública. Para fins de compreensão do debate em tela, cumpre pincelar algumas das medidas extraordinárias adotadas em outros países, para que, posteriormente, estudemos o caso brasileiro e analisemos o exercício dos novos métodos de polícia. Senão, vejamos:

No início de janeiro, países asiáticos davam início ao toque de recolher e suspendiam as atividades escolares. Em março, mais de 60 países já haviam suspendido as atividades escolares e universitárias, enquanto a suspenção de encontros públicos e aglomerações já era vedada em mais de 80 nações.

Em Victoria (Sydney), um exemplo[52] do exposto supra pode ser verificado através da materialização da “Operação Sentinel”, consistindo na formação de um grupamento de elite, composto por mais de 500 policiais, incumbidos única e exclusivamente de monitorar violações às medidas de quarentena e isolamento social, além de dispersão de aglomerações. Já em Melbourne[53], as novas medidas permitem checagens aleatórias de temperatura e sintomas em corredores de estabelecimentos comerciais, no transporte público e nas ruas.

Moscou[54] instalou um dos maiores sistemas de câmeras de vigilância do mundo. As autoridades estão utilizando essas câmeras, bem como um sistema de registro on-line, além de acessarem também transações financeiras pessoais para fins de geolocalização, objetivando a identificação das pessoas que desrespeitam a medida de quarentena.

Na Armênia[55], as autoridades aprovaram uma lei que concede amplos poderes de vigilância para o uso de dados de telefones celulares visando identificar, isolar e monitorar casos de coronavírus no país.

A Turquia[56], por sua vez, estabeleceu a quarentena compulsória aos menores de 20 e maiores de 80 anos, adotou amplo toque de recolher aos finais de semana e vedou a demissão de empregados por um período de 3 meses.

O Parlamento Inglês[57] aprovou ato intitulado de “Health Protection Regulations”, possibilitando a emissão de ordens de fechamento (de estabelecimentos não essenciais), poderes de direcionamento e remoção forçada de pessoas para suas residências, poderes para instituir penalidades e coibir aglomerações, poderes de obrigar a permanência de indivíduos infectados em locais determinados, dentre outros poderes coercitivos à população civil.

Os dinamarqueses[58], por sua vez, proibiram o contato direto entre fornecedores e consumidores, englobando nesse quesito desde salões de beleza, à massagistas e professores particulares, além do estabelecimento de medidas-padrão de isolamento e distanciamento.

V.I Combate ao COVID-19 no Brasil

Em análise aos métodos de polícia utilizados para o combate ao COVID-19 no Brasil, observa-se a edição de inúmeros decretos e ato normativos, por parte dos governos estaduais e municipais, estabelecendo medidas de enfrentamento e exercícios de métodos de polícia, em, a priori, flagrante descompasso com os direitos fundamentais individuais dos cidadãos e dos princípios norteadores da liberdade econômica – sob a pretensão de mitigação da expansão do contágio viral.

Para além da decretação das medidas de distanciamento e isolamento social, pode-se observar a adoção de medidas distintas dentre os entes federativos, em análise, especificamente os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

No estado de São Paulo[59], após a decretação do estado de calamidade pública em todas as regiões, o governo adotou medidas que englobam: a suspensão de férias dos profissionais da saúde; o fechamento de todas as unidades de ensino presencial; o fechamento de todas as unidades culturais públicas; a restrição de acesso aos órgão e repartições do estado;  a suspensão de todos os eventos públicos; recomendação de fechamento de todos os espaços e eventos de cunho privados; suspensão de cultos e celebrações religiosas de maneira presencial; suspensão dos serviços públicos denominados não essenciais; uso obrigatório de máscaras de proteção facial; e determinação de quarentena para todos os serviços não essenciais.

Compete destacar que o Governo de São Paulo também se valeu do estado de calamidade pública para estabelecer a utilização de sistema inteligente de monitoramento, que utiliza-se de dados digitais individuais afim de medir a adesão ao isolamento social. Com o Simi-SP, o Governo de São Paulo pode, ainda, consultar informações georreferenciadas de mobilidade urbana em tempo real nos municípios paulistas. O estado de calamidade também possibilitou a implementação de multa, advertência e até mesmo voz prisão em casos de desrespeito às medidas sanitárias.

Já no Estado do Rio de Janeiro, além da adoção do estado de calamidade pública, o governo estadual implementou diversas medidas, tais como: suspensão das aulas nas unidades da rede pública e privada de ensino, inclusive nas unidades de ensino superior; suspensão de comícios e passeatas; suspensão dos Jogos de futebol e demais eventos desportivos; suspensão sessões de cinema, shows e de teatro; suspensão de eventos em salão ou casa de festas, como aniversários; suspensão de Feiras e eventos científicos; bem como a suspensão das visitações às unidades prisionais e aos pacientes diagnosticados com o COVID-19.

Em manifestações recentes, o Governador João Dória[60] verbalizou que tomará “medidas mais rígidas de quarentena no estado, inclusive com prisão para quem desrespeitar as orientações, caso o índice de adesão ao isolamento social não alcance 60% (…)”. O Governador Wilson Witzel[61], em similar pronunciamento, declarou: “Daqui a pouco vamos ter que começar a levar para a delegacia. Até então foi um pedido, agora estou dando uma ordem: não saia de casa. Porque aqueles que amanhã ou depois morrerem por falta de atendimento porque a curva de contaminação aumentou, pela morte você (que saiu de casa) será culpado”.

            Ao tempo das declarações, o então Advogado Geral da União, André Mendonça, por meio de Nota[62], sustentou que qualquer medida de polícia adotada pelos governos estaduais deve:

Ser respaldada na Constituição e que ‘medidas isoladas, prisões de cidadãos e restrições não fundamentadas em normas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa abrem caminho para o abuso e o arbítrio. (…) As medidas de restrição devem ser preventivas e educativas e não fins repressivos, autoritários ou arbitrários.

Sem demora, verificou-se, após o decreto das medidas restritivas de direitos ocasionadas pela quarentena em advento da pandemia do COVID-19, o surgimento de diversas demandas judiciais, por parte de funcionários públicos, membros da sociedade civil e demais entidades interessadas, em vias de verem resguardados seus direitos individuais.

A título de exemplo insta trazer à baila decisão proferida pela Ministra do STJ Laurita Vaz, que indeferiu liminarmente pedido de Habeas Corpus[63] coletivo impetrado em face do Governador do estado de São Paulo, pretendendo a suspenção do sistema de monitoramento inteligente dos moradores do estado de São Paulo, sob alegação de ser o método de polícia adotado “ditatorial, tolhendo direitos individuais encrustados nas cláusulas pétreas da Carta Constitucional, devendo, por isso, ser barrado pelo Poder Judiciário, eis que o único controlador das atividades do Poder Executivo”. Ao indeferir liminarmente o pedido, assim decidiu a Ministra:

“1. Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em benefício de pacientes definidos como artistas de rua, os quais estariam sendo impedidos de exercer suas atividades na cidade de Jundiaí/SP, por força da edição da Lei municipal n. 8.917/2018.

  1. No caso, não foi demonstrado ato ilegal ou abusivo, em detrimento da liberdade de locomoção dos pacientes, que possa ser atribuído às autoridades apontadas como coatoras, pois, conforme se extrai do acórdão proferido pelo TJ/SP, ‘a Defensoria questiona a própria lei e se limita a indicar rol de pacientes, que em tese seriam os prejudicados por ela. No entanto, a referência aos pacientes é absolutamente genérica, limitando-se ao rol’.

  2. De fato, na impetração ora em apreço, não se faz referência a ato ilegal praticado, ou na iminência de sê-lo, contra a liberdade de locomoção dos pacientes, inexistindo qualquer documento que comprove as alegações formuladas na inicial. (…)

  3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ, AgInt no HC 444.369/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018; sem grifos no original.)

Em movimento similar, vislumbramos Habeas Corpus[64] impetrado em face do Governador do Estado do Rio de Janeiro, visando resguardar “todos e quaisquer cidadãos flagrados transitando pelas vias públicas e praias do estado do Rio de Janeiro”, ante alegação de estar-se suprimindo coercitivamente o direito de ir e vir dos cidadãos fluminenses. Diante do writ, o Ministro relator Jorge Mussi, negou liminarmente trânsito ao HC.

(…) Na espécie, busca o impetrante “salvo-conduto para todos os cidadãos que não estejam doentes, contaminados ou que ostentem fundada suspeita de estarem contaminados” possam transitar livremente nas ruas do Estado do Rio de Janeiro, não havendo a precisa especificação dos pacientes beneficiários da pretensa ordem.  Ainda que assim não fosse, consoante orientação jurisprudencial deste Sodalício e do egrégio Supremo Tribunal Federal, não cabe habeas corpus contra ato normativo em tese, como o ora impugnado Decreto n. 47.006 de 27/3/2020, do Estado do Rio de Janeiro. (HABEAS CORPUS Nº 572.269 – RJ ‘2020/0084198-9’).

Depreende-se do perpassado acima, a existência de sérias e duras críticas relacionadas à adequação, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, dos métodos de polícia empreendidos pelos governos intentando o controle da crise sanitária vigente.

O professor e autor Sérgio Guerra[65], em sua obra “Discricionariedade, regulação e reflexividade”, parece entender que:

A atividade administrativa, modernamente mais intensa e variada, se multiplica em aspectos particulares que não podem ser abrangidos na minúcia dos textos de lei. (…) O fenômeno social não se escraviza a coletes de força, nem a cintos de segurança. Carece, portanto, a Administração de maleabilidade de métodos e caminhos para atender aos reclamos imperativos e díspares. (…)

A Administração encontra, assim, no processo de sua realização, um campo livre de desenvolvimento, no qual lhe é facultada a seleção da maneira de agir. Subordinado sempre à legalidade de sua atuação, é lícito ao administrador se orientar livremente com referência à oportunidade e à conveniência dos atos administrativos (…) a integração da norma por critérios do administrador público, muitas vezes tangenciando o arbítrio, nem mesmo é considerada uma faculdade ilegal proveniente de suposto – e hipotético – poder originário da Administração. Ao contrário, trata-se de uma atribuição estabelecida pela própria lei, de modo que a discricionariedade não se configura, no atual Estado Democrático de Direito, uma liberdade da Administração Pública em face da norma, mas, em sentido oposto, se apresenta como um caso típico de submissão legal que exige complementação pelo Executivo.

Isto posto, pensemos: o Poder de polícia detém a prerrogativa do exercício discricionário, auto executório e coercitivo; o juízo de conveniência, entretanto, não abre margem ao arbítrio ou à atuação além dos limites da legalidade. Resta a reflexão: estariam os métodos inovadores de polícia a serviço da realização coordenada da democracia e atentos à urgência de se criar soluções novas ou a serviço da coação estatal autoritária sobre os indivíduos?

V.II     Poder de Polícia e Estado de Emergência

Odete Medauar e Vitor Schirato, pontuam a necessidade de se atentar para a finalidade precípua de defesa do Estado e das Instituições democráticas – destacando a possibilidade prevista na Constituição Federal de 1988, em se ampliar, excepcionalmente, o poder de polícia, quando em decorrência da decretação de estado defesa[66] ou de sítio[67]. Os autores defendem ainda, que, inobstante o estado da nação, os atos praticados em exercício ao poder de polícia, continuam submetidos ao direito – que denominam, “o direito da crise” – chamando atenção, para a informação de que, independentemente das circunstâncias, os direitos fundamentais do homem devem ser respeitados, uma vez que a Constituição estipula uma restrição temporária, e não uma abolição a quaisquer direitos.

Para Santos[68], resta evidente a importante incumbência do Direito Administrativo diante de um cenário excepcional, ocasionado por uma crise de envergadura sem precedentes no direito pátrio e internacional. Como o nome indica, diante do estado de exceção, tal como o ocasionado pela decretação do estado de calamidade pública, existe a possibilidade de que direitos fundamentais possam sofrer limitações ao seu pleno gozo em face de eventual preponderância do interesse público. Santos ressalta, e pontuamos novamente, que dentre as características fundamentais a qualquer estado de excepcionalidade estão a: i) emergência e; ii) temporariedade. Não havendo legalmente a possibilidade de que se afigure um estado de exceção permanente.

Entendem Vermeule e Sunstein[69] no sentido de que, usualmente, repousará sob o bojo dos legisladores e administradores públicos o exercício dos juízos de sopesamento dos direitos concorrentes, sempre sob a possibilidade de eventual o escrutínio do Poder Judiciário[70], quando instado à faze-lo. Diante à falta de parâmetros objetivos confiáveis, deve o Judiciário ater-se a “anular medidas manifestamente inadequadas (evidentemente, inaptas à promoção do fim) ou claramente desnecessárias (cuja configuração depende da existência de meio alternativo que, em aspectos fundamentais, promova igualmente o fim causando menores restrições)”[71].

 Ao adentrarem os quesitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, afirmam que tais quesito não representam garantia de objetividade decisória, mas, sim, apenas oferecem modelos argumentativos válidos para o “controle intersubjetivo das decisões que envolvam ponderações de bens, direitos ou interesses. Em outras palavras, o esforço de justificação das decisões, a partir da lógica da proporcionalidade, permite a crítica e o controle das decisões, pelas próprias instituições do Estado e pela sociedade”. Assim sendo, por mais que incerto o acerto da medida, a ponderação demonstra uma íntima relação entre as instituições e o zelo à democracia.

O autor Gustavo Binenbojm[72] defende que a noção de legalidade administrativa seria inapta para, e não deveria sequer ter a pretensão de, alcançar performaticamente toda a atividade da Administração. Desse modo, o autor defende que tanto a noção de Negative Bindung (Stahl e Meyer),  quanto a noção de Positive Bindung (Kelsen),  não seriam as molduras em que se encaixaria a noção de legalidade administrativa, sendo a moldura correta, na verdade, um bloco geral de legalidade – que ele nomeia de “ordenamento jurídico sistêmico”. Nesse contexto, para ele seria a Constituição, e não a lei, o cerne da vinculação da administração à juridicidade.

Assiste razão à Calabresi[73] conquanto de fato, medidas de polícia mais ostensivas e restritivas de direitos fundamentais constituem atos nada menos do que trágicos. Contudo, ante evidente, irreversibilidade da situação de emergência sem a adoção dos aludidos métodos inovadores de polícia, deve-se garantir seu emprego em consonância com os mais rigorosos protocolos em vistas de se preservar em mais alto nível possível os direitos fundamentais atingidos, mas não se pode consentir com contrastante exímio da Administração Pública, tendo esta o dever de agir para evitar ou minorar os danos, quando possibilitado à faze-lo de maneira eficaz.

  1. Conclusão

 É possível afixar na Carta Magna certos princípios constitucionais considerados cardeais, ou, fundamentais. Essa percepção pode direcionar a análise à um processo interpretativo maniqueísta do direito, em que ou algo é legal, ou não; constitucional, ou não; democrático, ou não; autoritário, ou não – quando na verdade sabemos que muitas vezes essas dicotomias não merecem espaço proporcional na esfera do direito, pelo menos não tanto quanto  fariam jus em outras áreas do conhecimento. O direito não é, e não pode pretender ser, uma ciência exata.

Costuma-se galhofear nas faculdades de direito ao redor do globo que a resposta correta para qualquer pergunta jurídica direcionada à um operador do direito, independente da questão formulada, deve sempre ser: “depende”. No universo jurídico as questões enfrentadas raramente se repetem de maneira idêntica, mais inusual ainda é que uma situação se apresente em um contexto fático similar, de modo que, em vias de assegurar o efetivo exercício da justiça, a resposta oferecida pelo direito não pode ser una, estática, rígida.

Nesse contexto, insta-se a seguinte ponderação: Será algum direito absoluto?

A resposta é não, inclusive no tocante à direitos fundamentais. A resposta do direito deve nortear-se pelos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.

Francisco Defanti[74], ao analisar o entendimento de Aragão[75] no que concerne a “problemática” da discricionariedade, afirma que a existência da reserva do regulador é uma resposta à realidade. Trata-se de uma exigência da sociedade, na medida em que os demorados trâmites legislativos, não dão conta de responder – de forma célere e técnica – às evoluções tecnológicas e sociais. E mais, a estrutura clássica da Administração Pública também não é apta, de acordo com ele, a atender a esses anseios, o que justifica a criação de entidades dotadas de autonomia , autoexecutoriedade e de elevada capacidade técnica.

Binenbojm[76] ressalta ainda que as limitações de direitos devem sempre ater-se congruentes com os motivos e fins nas quais se justificam, sem excessos, repisando que as restrições a direitos devem ser vistas como emanações do sistema de valores e princípios constitucionais, que admitem a restrição dos chamados direito individuais em prol de outros direitos e interessem também de natureza individual ou metaindividual, utilizando-se a técnica da ponderação, orientada pelo leme da proporcionalidade.

Cabe apontarmos também a técnica constitucional da ponderação de interesses apresentada por Sarmiento[77], segundo a qual “quando houver choque entre princípios constitucionais o julgador deve prestigiar uns em detrimento de outros, revestidos aqueles de valor constitucional mais elevado, sem que com isso fulmine aqueles não reverenciados, que devem também seguir sobranceiros.”

O quadro engendrado pela crise do COVID-19, insta pela urgência na criação de soluções novas capazes de preservar a saúde e o bem-estar da coletividade, preconizando o restabelecimento de um quadro estável para a saúde pública nacional.

Para Santos[78], o exercício do poder de polícia é “prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade”, prerrogativa sob a qual subsumir-se-ia também os métodos inovadores de polícia utilizados ao longo da pandemia.

Madeira[79], entende que, por se tratar de interferência do Poder Público na esfera de interesses do indivíduo, o poder de polícia não pode extrapolar os limites da legalidade, bem como não pode jamais ser concretizado por ações que se afastem ao escopo principal da prerrogativa, qual seja, o interesse público. Assim, as restrições, determinações, medidas e condicionamentos devem servir diretamente e efetivamente ao interesse público. Meirelles[80] repisa em seus ensinamentos que a “razão do poder de polícia é o interesse social e seu fundamento consiste na supremacia do Estado e em suas normas de direito público, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo”.

Desse modo, diante do  cenário que se apresenta, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular deve prevalecer quando em confronto com os da liberdade de locomoção e da livre iniciativa e tantos demais, enquanto se fizer necessário, para a garantia da finalidade almejada:  refrear e atenuar os efeitos deletérios do coronavírus.

Em sucinta análise, a conclusão orbita no sentido de que, posto os elementos fáticos e concretos da situação provocadora das medidas em tela,  seu objetivo e suas consequências, diretas e indiretas – não parece haver regime alternativo de igual efetividade e em qualquer maneira menos drástico, capaz de cumprir a finalidade perseguida, sendo as referidas medidas adequadas e necessárias, de modo que não cabe indagar quanto a ilegalidade, inconstitucionalidade ou autoritarismo das medidas adotadas, conquanto as medidas de polícia adotadas mostrarem-se fundamentadas e razoáveis diante da conjuntura vivida – não fosse assim, talvez se pudesse falar em medida eivada de inconstitucionalidade, por ora, entende-se não haver se constituído afronta aos direitos fundamentais.[81]

 

 

[1] Advogada, bacharel em direito pela Fundação Getúlio Vargas (2019), Mestre em Direito da Regulação pela Fundação Getulio Vargas (2022), foi visiting scholar na Harvard Kennedy School of Government (2018), Harvard Law School (2018) e Universitat Pompeu Fabra (2017). Coordenadora jurídica na Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher (PCRJ), Delegada de Prerrogativas da OAB-RJ e Sócia do escritório Bruxellas e Rocha.

[2] LEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Brasília: Diário Oficial da União, 2020.

[3] PORTARIA Nº 356, DE 11 DE MARÇO DE 2020. Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19). . Brasília: Diário Oficial da União, 2020.

3 DECRETO LEGISLATIVO Nº 6, DE 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Brasília: Diário Oficial da União, 2020.

[5] “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)

XII – previdência social, proteção e defesa da saúde”. (CRFB)

[6] LEI COMPLEMENTAR Nº 140, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum (…). Brasília: Diário Oficial da União, 2011.

[7] VITTA, Heraldo G. Competências Municipais: Polícia Sanitária (combate à coronavírus-19). São Paulo: Migalhas, 2020.

[8]Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. (CRFB)

[9]Art. 5º. (omissis)

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;” (CRFB)

[10]Art. 5º. (omissis)

XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;” (CRFB)

[11]Art. 5º. (omissis)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;” (CRFB)

[12]Art. 5º. (omissis)

XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;” (CRFB)

[13] Guerra, Sérgio. Atualidades sobre o Poder de Polícia da Guarda Municipal. Rio de Janeiro: Direito do Estado, 2015.

[14] LIMA, Felipe H.. Mestre em Direito da Regulação, pós-graduado-Graduado e Graduado pela FGV Direito Rio. Professor da FGV Direito Rio e Membro da Comissão de Direito Empresarial. Advogado.

[15] MENDONÇA, José Vicente. Direito constitucional econômico. 2a. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 2a. Parte, Capítulo I.

[16] MENDONÇA, José Vicente. Ob. Cit. Parte, Capítulo I.

[17] REVESZ, Richard L.. Foundations of Environmental Law and Policy. LexisNexis (1996): 1 et seq.

[18] HELLER, Michael A.. The Tragedy of the Anticommons: Property in the Transition. From Marx to Markets. Cambridge: Harvard Law Review 111, no. 3 (1998): 621 et seq.

[19] HEGEL, Friedrich. A razão na História: uma introdução geral à filosofia da história. São Paulo: Moraes, 1990.

[20] Mayer, Otto. Derecho administrativo alemán. Tomo I, p. 19.  Apud Medauar. Ob. Cit. p. 22.

[21] MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Poder de Polícia na atualidade. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 13 et seq.

[22] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 141

[23] MENDONÇA, José Vicente. Ob. Cit. Parte, Capítulo I, p. 181.

[24] Idem Ibidem.

“(…) Pensamos que uma interpretação jurídica constitucionalmente adequada não pode jamais partir de pressupostos fixos (“ampliativos”) ou “restritivos”), mas será aquela que, em concreto, mostrar-se proporcional e eficiente à promoção da finalidade a que se destina (desde que tal finalidade seja, ela própria, constitucional).”

[25] MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Poder de Polícia na atualidade. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 13 et seq.

[26] CASTORIADIS, Cornelius. The greek Polis and the creation of democracy. Oxford: Blacwell, 1997, p. 267. In: BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p 27.

[27] CHANTRAINE, Xénophon. Économique, Paris, Les Belles Lettres, 1949 | XENOFONTE. Econômico. São Paulo: Martins Fontes, 1999. In: BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p 27.

[28] MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Poder de Polícia na atualidade. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 13 et seq

[29] MINET, Charles-Edouard.  Droit de la police administrative. France: Vuibert, 2007.

[30] DELAMARE, Nicolás. Étude historique de la policie parisienne. Paris: P. Cot, 1710.

[31] MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Poder de Polícia na atualidade. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 15 et seq

[32] CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1980, v. II, p. 1147. In: BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p 30.

[33] V. SCHMIDT-DE CALUWE, Reimund. Der Verwaltungsakt in der Lehre Otto Mayer. Tübingen: Mohr Siebeck, 1999, p. 47 e ss.; p. 256 e ss. In: BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

[34] CORREIA, Sérvulo. Noções de Direito Administrativo. Lisboa: Danúbio, 1982. V. I, p. 246 -247. In: MACHADO, A.S.. As Estatais e o poder de Polícia. In: Sérgio Guerra. (Org.). Teoria do Estado Regulador, Volume III. 1 ed. Curitiba: Juruá, v.3, p 33, 2017.

[35] TÁCITO, Caio. Poder de Polícia e Polícia do Poder. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 162, p. 1-9, 1985. In: MACHADO, A.S.. As Estatais e o poder de Polícia. In: Sérgio Guerra. (Org.). Teoria do Estado Regulador, Volume III. 1 ed. Curitiba: Juruá, v.3, p 33, 2017.

[36] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 1996.p.135. In: MACHADO, A.S.. As Estatais e o poder de Polícia. In: Sérgio Guerra. (Org.). Teoria do Estado Regulador, Volume III. 1 ed. Curitiba: Juruá, v.3, p 34, 2017.

[37] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 32.

[38] MINET, Charles Édouard. Droit de la police administrative. Paris: Librairie Vuibert, 2007, p. 34; TCHEN, Vincent. La notion de police administrative: de L’etát de droit aus perspectives d’évolution. Paris: La Documentation Française, 2007, p. 52 e ss.

[39] BRITO, Miguel Nogueira. Direito de polícia. In: OTERO, Paulo; GONÇALVES, Pedro (Coord.). Tratado de Direito Administrativo Especial. Coimbra: Almedina, 2013. v. I, p. 284.

[40] Lei N º 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

[41] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p.124.

[42] MACHADO, A.S.. As Estatais e o poder de Polícia. In: Sérgio Guerra. (Org.). Teoria do Estado Regulador, Volume III. 1 ed. Curitiba: Juruá, v.3, p.31-50, 2017.

[43] SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2011, p.202.

[44]Art. 5º. (omissis)

III- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. (CRFB).

[45]Art. 5º. (omissis)

XLVII – não haverá penas:

  1. a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

  2. b) de caráter perpétuo;

  3. c) de trabalhos forçados;

  4. d) de banimento;

  5. e) cruéis;”. (CRFB).

[46] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p.223.

[47] Idem, Ibidem.

[48] “A legitimidade das medidas de ordenação dependerá da observância, entre outros fatores, da lógica da proporcionalidade, em seus três exames sucessivos: (i) adequação (exigência de que a medida restritiva seja apta a promover razoavelmente o direito fundamental ou o objetivo de interesse geral contraposto); (ii) necessidade (exigência de que a medida restritiva não possa ser substituída por outra que cumpra a mesma finalidade de forma razoável, mas de maneira menos gravosa ao direito restringido); e (iii) proporcionalidade em sentido estrito (exigência de que, consoante algum critério válido de análise de custo-benefício, seja possível afirmar que o grau de importância da promoção do direito fundamental ou do objetivo de interesse geral justifique a gravidade da restrição imposta ao direito em questão) Diz-se haver, assim, um efeito recíproco nas normas que intervém no âmbito de proteção dos direitos fundamentais: elas o limitam e são limitadas por eles, simultaneamente (…) ainda quando presente a finalidade constitucional, a ordenação só será válida quando vencidos os exames inerentes ao dever de proporcionalidade”.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 116/125. In: BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p120.

[49] Schranken-Schranken – Einschränkungen der Grundrechtsschranken, damit die Grundrechte aufgrund der gegebenen Einschränkungsmöglichkeiten nicht völlig wertlos werden. In: Rechtslexikon.

[50] BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p120.

[51] GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo y obras selectas. Tomo 2, La defensa del usuario y del administrado. 9a edición, Buenos Aires: F.D.A., 2009 (Capítulo V).

[52] In: The Human Rights Law Centre. Sydney: Victoria, 2020.

[53] POCKETT, Daniel. Lockdown returns: how far can coronavirus measures go before they infringe on human rights? Melbourne: The Conversation, 2020.

[54] BALOGH, Zoltan. The Coronavirus in Europe: From Lockdowns to Powergrabs. Human Rights Watch, 2020,

[55] BALOGH, Zoltan. The Coronavirus in Europe: From Lockdowns to Powergrabs. Human Rights Watch, 2020,

[56] AYTEKIN, Emre. Steps taken by countries in fighting COVID-19 pandemic. Anadolou Agency, 2020.

[57] In: Sidley. COVID-19 Control Measures — UK Police Powers. 2020.

[58] In: Danish Police Politi. Covid-19 in Denmark and border crossing. 2020.

[59] In: Portal do Governo do Estado de São Paulo.

[60] FIGUEIREDO, Patrícia. ‘Se não levarmos isolamento para mais de 60%, tomaremos medidas mais rígidas’, diz Dória; índice caiu para 49%. São Paulo: G1, 2020.

[61] BARREIRA, Gabriel. Witzel fala em ‘ordem’ para não sair de casa: ‘Daqui a pouco vamos ter que começar a levar para a delegacia’. Rio de Janeiro: G1, 2020.

[62] BARREIRA, Gabriel. Coronavírus: AGU diz que avalia ir à justiça contra adoção de medidas restritivas por autoridades locais. Brasília: G1, 2020.

[63] HABEAS CORPUS Nº 572.996 – SP (2020/0086190-9) . Relatora: Ministra Laurita Vaz.

[64] HABEAS CORPUS Nº 572.269 – RJ (2020/0084198-9). Relator: Ministro Jorge Mussi.

[65] GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. 5a. ed. 1a. Tir. Belo Horizonte: Fórum, 2019. (Capítulos I e II).

[66]Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza: (…)

I – restrições aos direitos de:

  1. a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

  2. b) sigilo de correspondência;

  3. c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;” (CRFB).

[67]Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

I – obrigação de permanência em localidade determinada;

II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;

IV – suspensão da liberdade de reunião;

VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;

VII – requisição de bens.” (CRFB).

[68] SANTOS, Rodrigo V.. Direito Administrativo de Exceção e Covid-19.  São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, 2020.

[69]  SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006.

[70] “À falta de parâmetros objetivos confiáveis, deve o Judiciário ater-se a anular medidas manifestamente inadequadas (evidentemente, inaptas à promoção do fim) ou claramente desnecessárias (cuja configuração depende da existência de meio alternativo que, em aspectos fundamentais, promova igualmente o fim causando menores restrições)”.

BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016

[71] BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação; transformações político-jurídicas, económicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p.143.

[72] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. (capítulo IV).

[73] CALABRESI, Guido; BOBBITT, Philip. Tragic choices. New York: W.W. Norton & Company, 1978.

[74] DEFANTI, Francisco. Reserva da Regulação da Administração Pública. In: Sérgio Guerra. (Org.). Teoria do Estado Regulador, Volume III. 1 ed. Curitiba: Juruá,  2017.

[75] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 336.

[76] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoría do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. P. 118.

[77] SARMENTO, Daniel, et.al. Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho. Fórum, 2013.

[78] CARVALHO FILHO , José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: GEN/Atlas, 2020. p. 81.

[79] MADEIRA, José Maria Pinheiro. O poder de polícia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 52.

[80] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 142.

[81] LIMA, Felipe H. Poder de policía: uma análise sob a ótica do BACEN na aplicação de regimes especiais. Jota, 2020.

Palavras Chaves

Governança Regulatória; Estado Regulador; Regulação; Poder de Polícia; COVID-19.