SAÚDE SUPLEMENTAR – PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

Resumo

O texto trata das medidas já implementadas com o objetivo de promover saúde, prevenir doenças e reduzir custos, almejando, além de qualidade de vida, a sustentabilidade e preservação do sistema de saúde suplementar. Nesse contexto, aborda decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça nas quais foi destacada a observância ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e planos de saúde, para garantir a higidez do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, ressaltando a importância e necessidade de o Poder Judiciário decidir as demandas postas à sua apreciação sob esse viés, sob pena de colocar em risco o próprio sistema.

Artigo

SAÚDE SUPLEMENTAR –

PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

Carolina Cardoso Francisco

 

Resumo do texto:

O texto trata das medidas já implementadas com o objetivo de promover saúde, prevenir doenças e reduzir custos, almejando, além de qualidade de vida, a sustentabilidade e preservação do sistema de saúde suplementar. Nesse contexto, aborda decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça nas quais foi destacada a observância ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e planos de saúde, para garantir a higidez do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, ressaltando a importância e necessidade de o Poder Judiciário decidir as demandas postas à sua apreciação sob esse viés, sob pena de colocar em risco o próprio sistema.

Palavras para indexação:

SISTEMA DE SAÚDE – MEDIDAS – PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

 

  1. Medidas gerais para preservação e sustentabilidade

Há alguns anos a sociedade vem se interessando por uma alimentação mais equilibrada, pela prática constante de exercício físico, investindo em práticas que tornem a vida mais saudável, buscando não apenas a melhor forma física, mas também evolução cognitiva, equilíbrio emocional, manutenção do bem estar e, especialmente, a longevidade tanto almejada por todos.

Além da qualidade de vida das pessoas, esse movimento impacta também na sociedade, incluindo o sistema de saúde, seja ele público ou particular. Quanto mais as pessoas investem na prevenção de doenças, adotam hábitos saudáveis e focam na manutenção da saúde, menos precisam de tratamentos e procedimentos médicos.

Visando contribuir para o estímulo da promoção da saúde e prevenção de doenças, a própria Constituição Federal dispõe, em seu artigo 196[2], que devem ser adotadas políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, garantindo de modo universal e igualitário o acesso aos serviços e ações para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

A Lei nº 9.656, de 03.6.1998, por sua vez, ao dispor sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece que a assistência médica, hospitalar e odontológica suplementar nela aludida compreende a recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, assim como “todas as ações necessárias à prevenção da doença[3].

Além de campanhas para esclarecer os usuários acerca da importância da prevenção de doenças, tanto o governo como as operadoras de planos de saúde vêm adotando medidas para a promoção da saúde.

Como se sabe, um dos critérios para a aplicação de reajuste no prêmio (mensalidade paga pelo usuário para a utilização do plano) consiste na sinistralidade[4], que afeta diretamente a saúde financeira das operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde.

Quanto menor a utilização do plano, por força da manutenção da saúde dos seus usuários, menos reajustes serão aplicados e melhor será o resultado da operadora, beneficiando diretamente o próprio usuário que dele necessita para um atendimento diferenciado e privado.

A sustentabilidade das operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde e do sistema de saúde suplementar como um todo beneficia não apenas os seus usuários, mas toda a sociedade. Diante de um sistema suplementar sólido e sustentável, evita-se que o sistema público de saúde seja sobrecarregado, podendo concentrar o atendimento naqueles que realmente dele necessitam e não têm condições de arcar com o pagamento da mensalidade de planos e seguros privados de assistência à saúde.

A fim de aumentar a qualidade de vida de seus usuários e reduzir custos que podem ser evitados, vêm sendo adotadas no âmbito do sistema de saúde suplementar diversas medidas para promover a saúde e prevenir riscos e doenças, como medicina preventiva, disponibilização de aplicativos e plataformas digitais com informações sobre alimentação saudável, atividades físicas, controle de estresse, indicadores de saúde, telemedicina, entre outros.

Com o objetivo de mudar o modelo assistencial no sistema de saúde suplementar e incentivar a adaptação das operadoras de planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS desenvolveu alguns programas específicos[5].

Buscando uma mudança de paradigma, além de programas de qualificação dos serviços prestados[6], a autarquia incentiva a adoção de ações estratégicas e integradas para promoção da saúde; prevenção de riscos, agravos e doenças, com cuidados preventivos; redução dos anos perdidos por incapacidade; aumento da qualidade de vida dos indivíduos e populações, entre outros[7]. Tudo com o objetivo de produzir a saúde e não apenas tratar a doença.

De acordo com a própria ANS, busca-se “Qualidade em Atenção à Saúde”, mediante ações que contribuem para o atendimento das necessidades de saúde dos beneficiários, com ênfase nas ações de promoção, prevenção e assistência à saúde prestada; “Garantia de Acesso”, com a análise das condições relacionadas à rede assistencial, abrangendo a oferta de rede de prestadores; “Sustentabilidade no Mercado”, com o monitoramento da sustentabilidade da operadora, considerando o equilíbrio econômico-financeiro, passando pela satisfação do beneficiário e compromissos com prestadores; e “Gestão de Processos e Regulação”, aferindo-se o cumprimento das obrigações técnicas e cadastrais das operadoras junto à ANS.

Inequivocamente, o investimento na saúde e a racionalização de despesas assistenciais dará sustentabilidade ao mercado a longo prazo, ensejando maior qualidade de atendimento e assistência, mantendo os seus usuários no sistema suplementar, e ainda desafogando o já combalido sistema de saúde público.

  1. O papel do Poder Judiciário e a importância de suas decisões para a preservação do equilíbrio almejado.

Inobstante a importância de todas essas normas e incentivos, que objetivam a sustentabilidade a longo prazo, a realidade é que as medidas adotadas não são suficientes, por si só, para a garantia de preservação do setor de saúde suplementar.

Há muito se vem ressaltando a importância das decisões proferidas pelo Poder Judiciário sobre diversos aspectos relacionados ao setor de saúde suplementar, diante do impacto que geram na relação estabelecida entre as seguradoras e operadoras de planos de saúde.

Para além das leis promulgadas no Brasil, é preciso ter em mente que também os julgamentos dos milhares de processos em curso no país devem se dar mediante acurada reflexão acerca dos impactos causados no sistema de saúde – tanto suplementar como público, pois, como dito, os problemas e desafios enfrentados pelo primeiro não só são replicados como certamente sobrecarregarão o segundo[8].

De acordo com os últimos dados divulgados pela ANS, o setor de saúde suplementar encerrou o ano de 2023 com mais de 51 milhões de beneficiários em planos de assistência médica. Segundo Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população do Brasil atingiu mais de 203 milhões de pessoas em 2022. Ou seja, aproximadamente 25% da população brasileira utiliza esses serviços, o que revela a importância dessa prestação pelas empresas privadas e a necessidade de preservação do setor[9].

Importantes julgados foram proferidos nos últimos tempos envolvendo o sistema de saúde suplementar, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sopesaram as consequências das decisões judiciais proferidas nas relações existentes, especialmente no que se refere ao (des)equilíbrio econômico e financeiro dos contratos e planos de saúde[10].

Entre eles, podemos destacar emblemático julgamento realizado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos autos dos Embargos de Divergência 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, no qual se decidiu pela taxatividade, em regra, do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar elaborado pela ANS, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrir tratamentos nele não previstos, salvo em situações excepcionais.

Naquela oportunidade, o STJ fixou a seguinte tese:

1 – o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo;

2 – a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao Rol;

3 – é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra Rol;

4 – não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

            Esse entendimento, aliás, já havia sido manifestado em julgamento realizado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que contou com a participação de entidades com representatividade adequada, na qualidade de amicus curiae, no qual se confirmou a possibilidade de exclusões assistenciais, nos seguintes termos:

(…) Não se pode deixar de observar que o rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do ‘rol mínimo’ e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população. Lamentavelmente, salvo os planos de saúde coletivo empresariais, subvencionados pelo próprio empregador, em regra, os planos de saúde, hoje em dia, são acessíveis apenas às classes média alta e alta da população.

Por outro lado, esse entendimento de que o rol é meramente exemplificativo, devendo a cobertura mínima, paradoxalmente, não ter limitações definidas, tem o condão de efetivamente padronizar todos os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer ‘tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado, porque o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura’. (REsp 1.733.013/PR, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 13.12.2019).

            Consoante se destacou nos referidos julgamentos, “cabe ao Poder Judiciário um papel fundamental, o de promover uma interpretação justa e equilibrada da legislação pertinente à matéria”.

Tratando especificamente dos riscos relacionados à fixação de tese acerca da natureza do Rol da ANS, assim se ressaltou em ambas as oportunidades:

Nesse rumo, é digno de registro que a uníssona doutrina especializada e a majoritária consumerista alertam para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar, realçando que ‘uma das grandes dificuldades em relação ao contrato de seguro e planos de assistência à saúde diz respeito à manutenção do equilíbrio das prestações no tempo’.

A disciplina contratual ‘exige uma adequada divisão de ônus e benefícios, na linha de que os estudos sobre contratos relacionais no Brasil vêm desenvolvendo, dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso terá de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto na identificação de deveres específicos ao fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente’.

            Em outros importantes julgamentos realizados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a necessidade de preservar a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro foi destacada, como se verifica no julgamento da Tese 1032/STJ, que tratou da validade da cláusula de coparticipação nos casos de internação psiquiátrica superior a 30 dias por ano:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 – AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL – PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, NA ORIGEM, ANTE A ENTÃO REPUTADA ABUSIVIDADE NA LIMITAÇÃO DE COBERTURA APÓS O TRIGÉSIMO DIA DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA – INSURGÊNCIA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE VOLTADA À DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE ESTABELECE O PAGAMENTO PARCIAL PELO CONTRATANTE, A TÍTULO DE COPARTICIPAÇÃO, NA HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR SUPERIOR A 30 DIAS DECORRENTE DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS.

  1. Para fins dos artigos 1036 e seguintes do CPC/2015:

1.1 Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro.

(…) (RECURSO ESPECIAL Nº 1.755.866/SP, 2ª Seção, Rel. Min. MARCO BUZZI, j. 09.12.2020)

            Afastou-se a alegação de abusividade da cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao consumidor, limitada ao máximo de 50% do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde na hipótese, justamente por entender que ela tem por finalidade a manutenção do equilíbrio entre as prestações e contraprestações que envolvem a gestão dos custos dos contratos de planos privados de saúde.

Recentemente, na fixação da Tese 1067/STJ, alusiva à obrigatoriedade ou não de cobertura, pelos planos de saúde, da técnica de fertilização in vitro, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que “Salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear o tratamento médico de fertilização in vitro”.

            E assim o fez, entre outros motivos, por entender que:

Permitir interpretação absolutamente abrangente – tal como consignado pelo eg. Tribunal de origem – acerca do alcance do termo ‘planejamento familiar’, de modo a determinar cobertura obrigatória da fertilização in vitro, acarretará, inegavelmente, direta e indesejável repercussão no equilíbrio econômico-financeiro do plano, a prejudicar, sem dúvida, os segurados e a própria higidez do sistema de suplementação privada de assistência à saúde.

Em controvérsias deste jaez a interpretação deve ocorrer de maneira sistemática e teleológica, de modo a conferir exegese que garanta o equilíbrio atuarial do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, não podendo as operadoras de plano de saúde serem obrigadas ao custeio de procedimentos que são, segundo a lei de regência e a própria regulamentação da ANS, de natureza facultativa, salvo, evidentemente, expressa previsão contratual.

            Ao analisar a cláusula de reajuste por faixa etária em planos individuais e coletivos (Tema 952/STJ e Tema 1016/STJ), o Superior Tribunal de Justiça confirmou a sua validade, em julgamento realizado no âmbito de sua Segunda Seção, destacando a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro-atuarial do contrato, como se verifica pelo elucidativo trecho da ementa abaixo transcrito:

  1. Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.

(…)

  1. Se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art. 51, § 2º, do CDC, a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade em virtude da inserção do consumidor na nova faixa de risco, o que deverá ser feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença.

            E concluiu no acórdão proferido no julgamento da Tese 952/STJ, relativa aos planos individuais (aplicável aos planos coletivos, nos termos da Tese 1016/STJ):

Conclui-se que a cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária encontra fundamento no mutualismo e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos, o que concorre para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do próprio plano.

(…)

Dessa forma, o órgão regulador da área faz um acompanhamento das práticas atuariais de formação de preços, que não é aleatória, com vistas a prevenir os atos comerciais abusivos e o desequilíbrio econômico-financeiro do plano de saúde.

  1. Conclusão

Muito por óbvio, é almejado por todos um sistema de saúde que suporte a integralidade das despesas necessárias ao alcance da saúde e tratamento da doença dos seus usuários. No entanto, não há no mundo um sistema de saúde que cubra ou seja capaz de cobrir todos esses custos, especialmente considerando o avanço da medicina e os preços cobrados nas novas tecnologias que vêm sendo criadas em velocidade galopante.

Não se pode perder de vista que é dever do Estado garantir saúde a todos, mediante acesso universal e igualitário, na forma do já citado artigo 196 da Constituição Federal, até porque é financiado pelos tributos arrecadados de toda a sociedade.

Mesmo diante dessa previsão constitucional, destacou-se no julgamento do recurso extraordinário nº 566.471, perante o Supremo Tribunal Federal, ao tratar especificamente dos medicamentos de alto custo, que “Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas”.

De fato, como acertadamente vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, é preciso aplicar freios às pretensões apresentadas perante o Poder Judiciário, especialmente quando se verifica a possibilidade de causar sério desequilíbrio nos seguros e planos de saúde, pondo em risco a própria sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.

Como ensina a doutrina:

Assim, é fundamental que o julgador, ao examinar as questões atinentes aos contratos celebrados entre usuários e plano de saúde, leve em consideração o mutualismo e a estrutura técnico-econômica, tendo sempre presente a ideia de que a concessão de benefícios não cobertos e a criação de novos direitos sem amparo contratual desfalcarão o fundo mútuo, formado pelas contribuições da coletividade de segurados, que será diretamente atingida por aquela decisão.[11]

Nesse contexto, cumpre ainda ressaltar que a Lei 9.656/98 estabelece a viabilidade econômico-financeira dos planos de assistência à saúde como um dos requisitos para autorizar as operadoras a funcionar, de forma a resguardar a própria coletividade[12].

Considerando que a higidez das empresas está diretamente ligada ao conceito de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de seguro-saúde, cabe ao Poder Judiciário zelar pela aplicação das normas sobre direitos do consumidor, mas sem caminhar para o paternalismo jurídico.[13]

E é sob essa perspectiva que deverão ser julgadas as relevantes questões postas à apreciação dos Tribunais locais e das Cortes Superiores, na medida em que capazes de causar enorme impacto nos contratos existentes, assim como as relações futuras, devendo ser preservada a segurança jurídica, essencial ao mercado de seguros de saúde, mediante previsibilidade e coerência na aplicação das leis.

Referências:

ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999.

FUX, Luiz. Efeitos econômicos e sociais das decisões judiciais na assistência supletiva de saúde in A Lei 9.656/98: O direito à saúde e o papel dos planos de saúde, Rio de Janeiro: CEDES – Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p. 25/26.

MATHIAS, Guilherme Valdetaro. O Código Civil e o Código do Consumidor na Saúde Suplementar in Planos de Saúde – Aspectos Jurídicos e Econômicos, Rio de Janeiro, Forense, 2012, Coord. Luiz Augusto Ferreira Carneiro, p. 95/118.

MELLO, Marco Aurélio. Saúde Suplementar, Segurança Jurídica e Equilíbrio Econômico-Financeiro in Planos de Saúde – Aspectos Jurídicos e Econômicos, Rio de Janeiro, Forense, 2012, Coord. Luiz Augusto Ferreira Carneiro, p. 3/15.

Revista Jurídica de Seguros/CNSEG nº 18, Rio de Janeiro, CNSEG, novembro, 2023.

 

[1] Advogada do escritório Sergio Bermudes no Rio de Janeiro há mais de 20 anos; Pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC-Rio; MBA em Gestão Jurídica do Seguro e Resseguro pela Escola Superior Nacional de Seguros; Membro do Conselho Pleno da OAB/RJ; Reconhecida por sua atuação na área de Seguros e contencioso pelos principais rankings jurídicos como Latin Lawyer 250, The Legal 500, Best Lawyers.

[2] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

[3] “Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.”

[4] Relação entre as despesas geradas pela utilização do plano de saúde por seus usuários e os valores pagos por eles no mesmo período.

[5] https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/operadoras/compromissos-e-interacoes-com-a-ans-1/programas-ans-1

[6] https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/operadoras/compromissos-e-interacoes-com-a-ans-1/programas-ans-1/qualificacao-ans

https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/operadoras/compromissos-e-interacoes-com-a-ans-1/programas-ans-1/qualiss-programa-de-qualificacao-dos-prestadores-de-servicos-de-saude

[7] https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/operadoras/compromissos-e-interacoes-com-a-ans-1/programas-ans-1/promoprev

[8] Entre os diversos desafios enfrentados estão o envelhecimento da população, a alta inflação, o custo dos procedimentos e medicamentos, a sinistralidade, o combate às fraudes, a judicialização em massa, aspectos fiscais, entre muitos outros.

[9] Segundo ensina o Ministro Marco Aurélio Mello, “é por meio das operadoras de planos de saúde que os indivíduos pertencentes às classes menos abastadas conseguem ter acesso aos mais modernos tratamentos trazidos ao Brasil”. Saúde Suplementar, Segurança Jurídica e Equilíbrio Econômico-Financeiro in Planos de Saúde – Aspectos Jurídicos e Econômicos, Forense, Rio de Janeiro, 2012, p, 5;

[10] A respeito dessa questão, o Ministro Marco Aurélio de Mello também ensina que “Legislação e decisões judiciais que promovam sérias interferências no campo da saúde suplementar tendem a afetar a necessária previsibilidade que norteia o setor, além de impactarem negativamente o cálculo atuarial.” (Ob. Cit., p. 8).

[11] Guilherme Valdetaro Mathias. O Código Civil e o Código do Consumidor na Saúde Suplementar in Planos de Saúde – Aspectos Jurídicos e Econômicos, Forense, Rio de Janeiro, 2012, p. 110.

[12]Art. 8º. Para obter a autorização de funcionamento, as operadoras de planos privados de assistência à saúde devem satisfazer os seguintes requisitos, independentemente de outros que venham a ser determinados pela ANS: (…) VI – demonstração da viabilidade econômico-financeira dos planos privados de assistência à saúde oferecidos, respeitadas as peculiaridades operacionais de cada uma das respectivas operadoras”.

[13] Como reconhece o Ministro Marco Aurélio de Mello em artigo mencionado anteriormente (Ob. Cit., pp. 13 e 15).

 

Palavras Chaves

SISTEMA DE SAÚDE – MEDIDAS – PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE