SEGUROS AMBIENTAIS E DESASTRES NO BRASIL: reflexões a partir dos Projetos de Lei apresentados à Câmara dos Deputados

Resumo

: O presente artigo discute a implementação do seguro ambiental como instrumento econômico para a proteção do meio ambiente e a reparação de danos causados por atividades potencialmente poluidoras. Embora previsto na legislação brasileira desde 2006, o seguro ambiental carece de uma regulamentação específica. O aumento dos desastres ambientais e os desafios enfrentados pelas empresas responsáveis por esses danos têm levado ao debate sobre a obrigatoriedade desse tipo de seguro. No entanto, observa-se a falta de diálogo entre os agentes envolvidos, a falta de técnica legislativa e a baixa penetração do seguro ambiental no mercado. Para contribuir ao debate, o artigo analisa uma amostra dos projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados entre 2000 até 2023 e conclui que, nas justificativas para as propostas, tais documentos não avançam na construção de um debate abrangente e uma abordagem adequada para a implementação efetiva do seguro ambiental no mercado privado, envolvendo atores públicos e privados.

Artigo

SEGUROS AMBIENTAIS E DESASTRES NO BRASIL: reflexões a partir dos Projetos de Lei apresentados à Câmara dos Deputados

Karina Denari Gomes de Mattos[1]

 Yuri Leite Silva Sing Toledo[2]

Resumo: O presente artigo discute a implementação do seguro ambiental como instrumento econômico para a proteção do meio ambiente e a reparação de danos causados por atividades potencialmente poluidoras. Embora previsto na legislação brasileira desde 2006, o seguro ambiental carece de uma regulamentação específica. O aumento dos desastres ambientais e os desafios enfrentados pelas empresas responsáveis por esses danos têm levado ao debate sobre a obrigatoriedade desse tipo de seguro. No entanto, observa-se a falta de diálogo entre os agentes envolvidos, a falta de técnica legislativa e a baixa penetração do seguro ambiental no mercado. Para contribuir ao debate, o artigo analisa uma amostra dos projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados entre 2000 até 2023 e conclui que, nas justificativas para as propostas, tais documentos não avançam na construção de um debate abrangente e uma abordagem adequada para a implementação efetiva do seguro ambiental no mercado privado, envolvendo atores públicos e privados.

Palavras-chave: Seguro Ambiental, Direito dos Desastres, Prevenção de Desastres, Resiliência, Mercado de Seguros.

INTRODUÇÃO

 O seguro ambiental é um instrumento econômico previsto na Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938/1981 (“PNMA”) desde 2006, após a inclusão pela Lei nº 11.284, em seu art. 9º, XIII. Esta modalidade de seguro se apresenta no mercado brasileiro tanto na forma de seguro-garantia, ao endereçar riscos associados ao cumprimento de uma obrigação pelo tomador do seguro, quanto para possibilitar a proteção ao meio ambiente em caso de danos causados por atividades econômicas potencialmente poluidoras, na modalidade de seguro de dano e responsabilidade civil.

Apesar da previsão do instituto na PNMA não há norma que regulamente especificamente esta modalidade de seguro ao passo que outras leis estabelecem regras para modalidades específicas de seguro, notadamente a Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) e a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

O aumento do número de desastres ambientais no país e os desafios reparatórios enfrentados pelas empresas responsáveis pelos danos se reflete no incremento da atividade parlamentar no Congresso Nacional, com especial interesse na discussão sobre a obrigatoriedade do seguro ambiental. É possível identificar uma série de iniciativas legislativas, que tratam a estipulação da obrigatoriedade do seguro ambiental como uma solução adequada para a melhor garantia tanto ao Poder Público quanto à sociedade em reparação de desastres.

Essa solução tem sido pensada não apenas como uma ferramenta para endereçar adequadamente o risco atrelado a atividades potencialmente poluidoras, mas também para proteção do meio ambiente e de populações atingidas em casos de desastres ambientais[3].

Não obstante tais soluções serem cada vez mais frequentes no legislativo, o que se percebe é que ainda falta diálogo com os agentes responsáveis por garantir a funcionalidade de um mercado de seguros que não dependa apenas do poder público como o grande assegurador do cumprimento das obrigações.

Segundo corretoras ativas no mercado (FRIAS, 2018), existe tanto uma falta de capacidade no mercado brasileiro para atender o eventual aumento da demanda, quanto alega-se que uma mesma seguradora potencialmente não assumirá contratos de diversas empresas causadoras de risco – “para não haver concentração muito grande de risco”. Algo como um “risco insegurável” (BRUGGEMAN, FAURE, HELDT, 2019, p. 306), considerando-se os cálculos atuariais necessários às grandes proporções dessas atividades empresariais. Além disso, há críticas da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA, 2018) sobre a falta de técnica legislativa no tratamento da questão, não só no Brasil mas em diversos países, sendo um produto com ainda baixa penetração no mercado.

O presente artigo busca mapear como os projetos de lei apresentados à Câmara dos Deputados fazem uso da ideia do acionamento de seguros obrigatórios para prevenção e reparação de desastres causados por empresas, e busca discutir a instrumentalização do seguro ambiental no mercado privado de seguros. Isso porque, mesmo que já previsto na legislação, o seguro ambiental segue sendo pouco efetivo do ponto de vista de implementação, em parte por falta de ambiente que viabilize a oferta desses produtos. Pergunta-se: o reforço da compulsoriedade pela via legislativa é o melhor caminho para impulsionar esse instrumento?

Conclui-se que os projetos de lei analisados não consideram a especificidade do mercado securitário na definição dessa obrigatoriedade, sendo necessário que o Poder Público dialogue com os interlocutores adequados para que tais exigências regulatórias possam ser devidamente absorvidas e tenham efeito prático. Essa conclusão se ancora também na perspectiva do direito comparado, em que é possível identificar a existência de uma discussão sobre a pertinência das medidas de estímulo do governo[4], por exemplo, para impulsionar os mercados de seguros em desastres (BRUGGEMAN, FAURE, HELDT, 2019).

Tais iniciativas surgem não apenas pelos desafios desse mercado, mas também porque o Estado tende a ser onerado com desastres, a partir de medidas emergenciais e reconstrutivas ex post, resultado da perspectiva de enormes perdas econômicas e danos materiais causados por desastres, sendo assim, existe um interesse de atores públicos e privados no melhor equacionamento dessas questões que parece ser necessário de ser melhor conduzido no debate brasileiro.

  1. Seguro ambiental e resiliência para desastres

A partir dos anos 1980, o Brasil e o mundo têm enfrentado um aumento significativo na intensificação dos desastres tecnológicos, como evidenciado pelos dados disponibilizados pelo EM-DAT (CRED; UC-LOUVAIN, 2023), a base de dados internacional sobre desastres, e pela plataforma S2ID do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (BRASIL, 2023).

Esses desastres, causados por incidentes relacionados à tecnologia, como vazamentos de produtos químicos, acidentes industriais e falhas em infraestruturas críticas, têm impactado de forma significativa a sociedade e o meio ambiente. Os custos associados a esses desastres são compartilhados por toda a sociedade, resultando em consequências socioeconômicas e ambientais devastadoras, o que, associado à falta de medidas adequadas de prevenção, regulamentação e controle, tem contribuído para a recorrência desses desastres, ressaltando a necessidade urgente de uma abordagem mais abrangente e responsável em relação à segurança tecnológica e ao gerenciamento de riscos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a prevenção de desastres como uma questão de extrema importância e prioridade, e reconhece que a prevenção é fundamental para reduzir a perda de vidas, minimizar os danos econômicos e proteger o meio ambiente. O chamado Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030 (ONU, 2015) tem como objetivo principal reduzir substancialmente o número de mortes, o número de pessoas afetadas e as perdas econômicas causadas por desastres. Ele enfatiza a importância da prevenção, da capacitação das comunidades, da implementação de políticas eficazes e da melhoria da cooperação internacional.

No Brasil, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC), instituída pela Lei nº 12.608/2012, incorpora o Marco de Sendai por meio de iniciativas e diretrizes que visam fortalecer a capacidade de resposta a desastres e promover a redução do risco de desastres.

A PNPDC estabelece diretrizes para a organização e o funcionamento da Defesa Civil no país e busca articular ações e estratégias de prevenção, preparação, mitigação, resposta e recuperação de desastres, com o objetivo de reduzir os impactos negativos causados por eventos adversos. A política brasileira, portanto, alinha-se ao Marco de Sendai ao priorizar a prevenção e a redução do risco de desastres como estratégias fundamentais, e ao fortalecer a capacidade de resposta rápida e efetiva diante de desastres, garantindo uma atuação integrada entre os órgãos governamentais e a sociedade civil. Ela promove a articulação entre diferentes setores e níveis de governo, estimula a participação da população na gestão de riscos e desastres e incentiva a criação de mecanismos de alerta precoce e sistemas de monitoramento.

Ainda que a política nacional tenha esse olhar, há um menor investimento do governo nas etapas de prevenção, se comparada às etapas de resposta e recuperação. O Tribunal de Contas das União (TCU) criou um painel digital com os dados de “Recursos para Gestão de Riscos e de Desastres”, no período de 2012 a 2022. Se para as ações de prevenção estão empenhados R$7,87 bi e foram transferidos R$5,87 bi, este valor sobe para R$15,44 bi empenhados e R$13,94 bi transferidos nas ações de resposta e recuperação (TCU, 2022a).

Em razão disso, verifica-se o descompasso entre a PNPDEC e o que de fato é executado pelo governo no que diz respeito à prevenção de desastres, em especial se considerada as falhas fiscalizatórias no campo ambiental conforme também atestado pelo TCU em relatórios passados (TCU, 2022b; TCU, 2022c).

 

  1. Ausência de marco regulatório para seguros ambientais

O instituto do seguro possui origem longínqua[5] no Direito e é regido pela legislação brasileira a partir das disposições do Código Civil, em específico entre os arts. 757 e 802, sendo caracterizado como o contrato pelo qual o segurador se obriga, mediante pagamento de prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou à coisa, contra riscos predeterminados.

Massoneto e Custodio (2021) criticam a visão daqueles que classificam o seguro como um negócio jurídico sinalagmático e aleatório e ressaltam que esse instrumento deve ser considerado a partir de uma ótica solidarista, sendo a natureza do seguro um negócio jurídico transindividual ou comunitário, ao considerar que a determinação do prêmio é proporcional ao risco, que está sujeito às oscilações em relação ao número da massa de segurados, e comutativo, dado que a contraprestação do segurador não é a indenização do segurado ao se verificar o sinistro, mas a estruturação capaz de garantir este eventual pagamento.

Mesmo o conceito de risco, ainda para os autores acima citados, deve ser observado com uma perspectiva ampliada não se limitando apenas a eventos futuros e incertos, mas contemplando também “qualquer situação de necessidade financeira que possa ser identificada durante a vigência do contrato do seguro, ainda que de fatos precedentes”.

Em relação ao risco ambiental, Polido (2016) assevera que o instituto da responsabilidade civil não é suficiente para abraçar todas as nuances a serem exploradas, muito por conta da avançada legislação ambiental brasileira e em razão da adoção de conceitos amplos pela jurisprudência como no caso do dano moral ambiental (extrapatrimonial).

O termo “seguro ambiental” aparece pela primeira vez na legislação brasileira a partir da promulgação da Lei nº 11.284/2006, que estabeleceu regras sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável.

Esta lei, além de alterar a PNMA com a inclusão da previsão do seguro ambiental como um instrumento econômico, prevê diferentes modalidades de seguro relacionadas às operações de concessão florestal: (i) seguro de responsabilidade civil contra danos causados ao meio ambiente ou a terceiros, como consequência da execução das operações relativas à prática de manejo florestal (art. 21, I, após as alterações promovidas pela Lei nº 14.590/2023); e (ii) para cobrir a indenização decorrente de fato superveniente de relevante interesse público que justifique a rescisão do contrato de concessão, com indenização das parcelas de investimento ainda não amortizadas vinculadas aos bens reversíveis que tenham sido realizados (Art. 45, §1, inciso IX c/c §6º).

Percebe-se que tanto a PNMA quanto a Lei nº 11.284/2006 não cuidaram de descrever qual seria a natureza do seguro ambiental. Nusdeo, Trennepohl e Saraiva Neto (2019) evidenciam que essa lacuna normativa levanta a dúvida – ainda não esclarecida – sobre se o seguro ambiental seria um gênero que abrangeria todos os tipos de riscos que envolvam atividades com implicações ambientais ou seria um tipo contratual específico de seguro sujeito às normas gerais previstas no Código Civil.

Outra norma que possui previsão específica para endereçar uma modalidade de seguro ambiental é a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, além de seu regulamento, o Decreto nº 10.936/2022. Estas normas possibilitam que os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades que operem com resíduos perigosos possam exigir a contratação de seguro de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente ou à saúde pública, observadas as regras estabelecidas sobre a cobertura e os limites máximos de contratação estabelecidos pelo Conselho Nacional de Seguros Privados.

Em relação a modalidade de seguro ambiental prevista na Lei 12.305/2010, Nudeo, Trennepohl e Saraiva Neto (2019) concluem que a norma, apesar de apresentar redação mais específica em relação ao seguro, não permite inferir, com precisão, o que seriam os “danos causados ao meio ambiente ou à saúde pública”, ou precisamente sobre qual dimensão de meio ambiente ou saúde pública que busca ser tutelada por este instrumento.

Para Pereira (2016), é possível descrever genericamente o seguro ambiental como o ramo do seguro cujo objeto seria garantir a cobertura dos riscos decorrentes da poluição ambiental ou decorrentes de descumprimento de obrigações de proteção ambiental.

A tônica que se percebe a partir da análise do ambiente regulatório brasileiro é que não há um instrumento normativo que se caracterize como a norma geral a tratar do seguro ambiental. Ainda que a alteração implementada na PNMA tenha trazido mais importância ao seguro ambiental e permitido que os governantes e legisladores editassem as normas necessárias à regulamentação de um instituto com grande potencial para endereçar os riscos associados às atividades potencialmente poluidoras, permanece, desde 2006, um ambiente de insegurança que afeta tanto o poder público, quanto o interesse do mercado privado de seguros.

  1. Análise dos Projetos de Lei apresentados à Câmara dos Deputados

Para mapear como as iniciativas que tratam de seguros ambientais no país se apresentam, realizou-se uma pesquisa exploratória no site da Câmara dos Deputados a partir do mecanismo simplificado para busca de proposições legislativas que tivessem como assunto “seguro ambiental” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023). Foram encontradas 319 proposições legislativas do tipo PEC – Proposta de Emenda à Constituição; PLP – Projeto de Lei Complementar; PL – Projeto de Lei e MPV – Medida Provisória no período entre 2000 e 2023[6].

Das 308 proposições que informaram o ano de abertura, 152 iniciativas, ou praticamente metade (49,3%) foram propostas a partir de 2015, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 01 – Distribuição de proposições legislativas (PEC, PLP, PL e MPV) com assunto “seguro ambiental” por ano entre 2000-2023, cf. Câmara dos Deputados

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Fonte: Elaboração própria, 2023 a partir de Câmara dos Deputados, 2023.

Assim, a partir de 2015 verifica-se um grande aumento no número de iniciativas, com queda em 2018 e novo aumento em 2019. Isso se deve à resposta legislativa pela via do seguro ambiental frente aos desastres socioambientais de Mariana (Rompimento da Barragem de Fundão, localizada em Mariana) e Brumadinho (Rompimento das barragens B-IV e B-IV-A da mina de Córrego do Feijão, do Complexo Paraopeba II, localizada em Brumadinho), confirmando as reflexões teóricas do cap. 1.

Das 319 proposições surgidas entre os anos de 2000-2023: o total de 150 estão em tramitação (47%), e o total de 279 referem-se a Projetos de Lei (87,4%). Nestas proposições legislativas, figuram como autores e coautores 319 nomes, e como partidos políticos responsáveis pela propositura 271 legendas[7], que pertencem a diferentes espectros ideológicos. O que chama a atenção é a concentração no Estado de Minas Gerais, nas 272 proposições legislativas que possuem tal informação, o que corrobora a conexão com os desastres de Mariana e Brumadinho novamente:

Gráfico 02 -Distribuição de Proposições legislativas com assunto “seguro ambiental” entre 2010-2023 por Estado, cf. Câmara dos Deputados

Fonte: Elaboração própria, 2023 a partir de Câmara dos Deputados, 2023.

Dentre estes, os projetos de lei com maior relevância para a presente pesquisa[8] (criação de seguro obrigatório ambiental) são os 9 PLs que seguem, em ordem de data de apresentação da mais recente para a mais antiga: i) PL 4714/2020 (Aguardando Designação de Relator – Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – CAPADR), ii) PL 5848/2016 (Apensado ao PL 3561/2015), iii) PL 3563/2015 (Apensado ao PL 3561/2015), iv) PL 793/2019 (Apensado ao PL 5848/2016), v) PL 188/2019 (Arquivada), vi) PL 6259/2013 (Arquivada), vii) PL 436/2007 (Arquivada), viii) PL 4038/2004 (Arquivada), ix) PL 3561/2015 (Pronta para Pauta no Plenário).

A partir do levantamento pelo site, verificou-se que dos 9 PLs mapeados, 4 iniciativas foram arquivadas, 3 estão apensadas a outros PLs e as principais são:

  • o PL 4714/2020, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de prévia contratação de seguro de responsabilidade civil por queimadas” com status: Aguardando Designação de Relator na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e;
  • o  PL 3561/2015, que “Torna obrigatória a contratação de seguro contra o rompimento e/ou vazamento de barragens e dá outras providências”, com status: Pronta para Pauta no Plenário (PLEN).

Segundo a Agência Câmara de Notícias (2020), o Projeto de Lei 4714/20 do Deputado José Nelton do PODE/GO, determina que proprietários de áreas rurais contratem seguro de responsabilidade civil por queimadas.

Pelo texto em análise na Câmara dos Deputados a obrigação não valerá para o agricultor familiar ou o pequeno produtor rural (gleba de até 50 hectares), conforme definido na Lei nº 11.428/2006. A contratação também será facultativa quando autorizado pelo órgão ambiental competente. O valor do seguro será definido por ato do Executivo, que deverá regulamentar a lei em até 60 dias, caso aprovada pelos parlamentares.

A Justificativa do PL aponta, a partir da questão das queimadas, a necessidade de que o Estado intervenha nesses casos, de modo a promover a preservação ambiental e reforça “o direito de propriedade não é um direito absoluto”(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020)

Já o PL 3561/2015, do deputado Wadson Ribeiro (PCdoB-MG), torna obrigatória a contratação de seguro contra o rompimento e vazamento de barragem de água e rejeitos. A proposta aguarda votação em plenário da Câmara dos Deputados.

A Justificativa do projeto aponta como razão para o PL o desastre de Mariana, reforça diversos outros casos, e aponta que a contratação de seguro traz vantagens, relacionadas à facilidade de indenização. Segundo a justificativa:

As companhias seguradoras serão, de certa forma, os auditoras e fiscais, vigiando para que os projetos sejam elaborados e as obras sejam executadas de acordo com a técnica adequada e a manutenção das barragens seja efetivamente realizada (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).

A justificativa apresentada parte da premissa que os prêmios de seguros são avaliados de acordo com o risco, em razão disso, os custos serão menores, quanto maior a segurança das barragens adequadas – apontando para o papel do seguro como um incentivo de construção de barragens mais seguras por parte das empresas.

Pereira (2016, p.165) aponta que a tendência de transferir o dever de fiscalização do gerenciamento ambiental dos segurados às seguradoras já ocorreu, de certa forma, com a aprovação dos Princípios do Equador, do Banco Mundial em 2003 e com o Protocolo Verde da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, em 2009, com a diferença de que estes dois exemplos são de natureza de adesão voluntária por se tratarem de iniciativas de instituições financeiras responsáveis por financiamentos de projetos.

Com outra perspectiva, Massoneto e Custódio (2021, p.157) classificam o seguro ambiental, quando imposto por via de condicionante no licenciamento ambiental, como um ônus e não uma obrigação, devendo funcionar como uma espécie de caução do desenvolvimento sustentável e da reparação integral do meio ambiente.

Sendo assim, nenhum dos PLs, no restrito espaço da discussão colocada pelas justificativas apresentadas, traz qualquer menção sobre o impacto da obrigatoriedade do mecanismo tanto no mercado de seguros quanto na atuação do Estado, partindo de pressupostos limitantes para essa discussão.

Na literatura comparada, existe um debate em curso sobre possibilidades de medidas de estímulo dos governos nessa seara, o impacto da abrangência e os modelos de seguro que podem ser utilizados para desastres, a discussão sobre o estímulo à segurabilidade nos países, dentre outros pontos que são centrais para o aprimoramento do debate no direito brasileiro. Parte dos autores defende a obrigatoriedade por parte da oferta (GOLLIER, 2006, FROOT, 1999), mas também há discussão sobre a obrigatoriedade por parte das vítimas potenciais (KUNREUTHER, 1968), além dos programas estatais como o norte-americano (KOUSKY, 2011). Todavia, quaisquer dessas discussões parecem circular nas iniciativas em curso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Além da baixa efetividade da prevenção de desastres, e da intensificação de desastres ambientais e tecnológicos no país verifica-se que a demora na reparação de grandes desastres ambientais tem reforçado a necessidade da ampliação do catálogo de opções para a regulação de atividades empresariais potencialmente causadoras de danos. Existe uma necessidade premente de desenvolvimento de mecanismos que atuem na esfera da prevenção e redução das vulnerabilidades sociais, promovendo a resiliência diante de desastres.

Entre esses mecanismos, os seguros ambientais desempenham um papel crucial. Esses seguros têm a finalidade de garantir a reparação dos danos ambientais resultantes de atividades humanas, abrangendo tanto os custos relacionados à recuperação do meio ambiente afetado quanto possíveis multas e indenizações impostas pelos órgãos ambientais. Ao estabelecer uma responsabilidade financeira, os seguros ambientais incentivam empresas e indivíduos a adotarem práticas mais sustentáveis, reduzindo a ocorrência de danos ambientais e os riscos associados a desastres. Além disso, esses mecanismos contribuem para a promoção da resiliência, pois proporcionam recursos financeiros para a rápida recuperação e restauração ambiental, fortalecendo a capacidade de comunidades e ecossistemas se recuperarem e se adaptarem aos impactos adversos. O desenvolvimento de seguros ambientais eficientes e acessíveis é fundamental para a construção de uma sociedade mais consciente e responsável em relação ao meio ambiente, permitindo uma gestão mais eficaz dos riscos e a proteção sustentável dos recursos naturais.

Como visto, apesar de serem instrumento potencialmente úteis para uma gestão ambiental eficiente, o debate instaurado pelos projetos de lei sobre o tema na Câmara de Deputados ainda não parecem avançar nas discussões sobre como tais mecanismos e incentivos econômicos operam, sobretudo sobre o papel do mercado e do Estado na implementação dessas ferramentas.

REFERÊNCIAS

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Notas:

[1] Advogada. Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeito – UFRJ e Universidade de São Paulo. USP. Pesquisadora do Núcleo de Acesso à Justiça, Processo e Meios de Solução de Conflitos da FGV DIREITO SP e Professora Universitária.

[2] Advogado. Especialista em Direito Ambiental pela Escola dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Membro da União Brasileira dos Advogados Ambientais.

[3] Como um exemplo, é possível identificar na proposta do PL 1410/2022, que cria o “Seguro Obrigatório de Danos Pessoais e Materiais para indenização de prejuízo causado por desastre natural relacionado a chuvas”, que os seguros seriam importante mecanismo de enfrentamento a um cenário de desastres naturais cada vez mais frequentes, associados às mudanças climáticas.

[4] Tais intervenções envolvem desde o seguro fornecido pelo governo – como segurador primário (ex. California Earthquake Authority, nos Estados Unidos), seja por meio de resseguro oferecido pelo governo (ex. Caisse Centrale de Reassurance – CCR, na França) (BRUGGEMAN, FAURE, HELDT, 2019), até outras formas de intervenção governamental.

[5] Nas palavras de Walter Polido: “Desde as mais remotas épocas o seguro é praticado pelas diversas sociedades humanas, sendo a sua origem as atividades afetas aos transportes. Desde sempre o homem verificou a necessidade de concentrar esforços, negociando alianças, mesmo que para proteger os mais egoísticos interesses. Da proteção prometida por alguns – em relação ao transporte incólume de mercadorias de propriedade de outrem, teve início toda a tecnologia hoje disponível. Através de práticas mutualistas – baseadas na repartição de prejuízos, o seguro se materializou e a sua tecnologia foi aprimorada ao longo dos anos, mantendo-se em franca e perene evolução até os dias atuais. Não há limites para a ciência dos seguros. A complexidade das operações inerentes envolve disciplinas múltiplas, com acentuada especialização por segmento, no mundo todo.” (POLIDO, 2016, p. 3).

[6] Câmara dos Deputados. Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br) Mecanismos de busca: Tipo Proposição: PEC – Proposta de Emenda à Constituição, PLP – Projeto de Lei Complementar, PL – Projeto de Lei, MPV – Medida Provisória Assunto: seguro ambiental Em Tramitação: Todas. Pesquisa realizada em 07 mai. 2023.

[7] São eles: AVANTE (6) CIDADANIA (5) DEM (14) MDB (10) NOVO (3) PATRI (3) PCdoB (17) PDT (17) PFL (7) PHS (2) PL (9) PMDB (20) PMN (1) PODE (7) PP (25) PPB (2) PPS (6) PR (15) PRB (8) PRONA (2) PROS (3) PSB (27) PSC (2) PSD (12) PSDB (19) PSL (13) PSOL (11) PT (91) PTB (5) PTN (2) PV (31) REDE (3) REPUBLIC (7) SOLIDARI (4) SOLIDARIED (1) UNIÃO (1).

[8] Os seguintes PLs não se referem à criação de seguros obrigatórios, mas são PLs interessantes do ponto de vista do uso de mecanismos securatórios para diversas formas de enfrentamento de desastres, do ponto de vista de proteção pessoal: PL 1410/2022 – Dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais e Materiais causados por desastres naturais relacionados a chuvas. PL 4549/2016 – Dispõe sobre o contrato de seguro de automóveis para vedar a exceção de cobertura aos danos causados por efeitos de fenômenos da natureza e do clima.

Palavras Chaves

Seguro Ambiental, Direito dos Desastres, Prevenção de Desastres, Resiliência, Mercado de Seguros.