UM NOVO OLHAR SOB OS DIREITOS DA EMPREGADA GESTANTE DURANTE E PÓS-PANDEMIA

Resumo

O presente artigo tem por objetivo principal produzir amplo debate sobre o direito de proteção às gestantes durante e pós-pandemia Covid-19, com ênfase na Lei n. 14.151/21. O propósito é destacar novas medidas de proteção à saúde e bem-estar das gestantes durante e após a pandemia da COVID-19. Trata-se de uma revisão bibliográfica descritiva, de abordagem qualitativa e com novas informações para que se possa ampliar os direitos das empregadas gestantes e de proteção às mulheres. A gravidez é um período de risco para a saúde da mulher e, durante a pandemia, os riscos aumentaram significativamente. Medidas como a limitação da atividade física, a realização de consultas médicas de forma remota, a flexibilização da legislação sobre licença-maternidade e o aumento da conscientização sobre o tema são fundamentais para garantir a saúde das gestantes. A segurança das mulheres grávidas depende de uma melhor compreensão dos riscos da doença, bem como de serviços de saúde equitativos e de qualidade para todos. O artigo conclui que as medidas sugeridas são importantes para mitigar os efeitos da pandemia na saúde das grávidas, mas é necessário acompanhar de perto a evolução das condições de saúde das gestantes para garantir o melhor cuidado possível e se buscar com formas práticas a tão sonhada e efetiva proteção.

Abstract

The purpose of this article is to produce extensive debate on the right to protection for pregnant women during and after the Covid-19 pandemic, with emphasis on Law 14.151/21. The aim is to highlight new measures to protect the health and wellbeing of pregnant women during and after the Covid-19 pandemic. This is a descriptive bibliographical review, with a qualitative approach and with new information so that the rights of pregnant employees and the protection of women can be expanded. Pregnancy is a period of risk to a woman's health and, during the pandemic, risks have increased significantly. Measures such as limiting physical activity, carrying out medical consultations remotely, relaxing legislation on maternity leave and increasing awareness of the issue are essential to ensure the health of pregnant women. The safety of pregnant women depends on a better understanding of the risks of the disease, as well as equitable and quality health services for all. The article concludes that the measures suggested are important to mitigate the effects of the pandemic on pregnant women's health, but it is necessary to closely monitor the evolution of pregnant women's health conditions to ensure the best possible care and to seek practical forms of the much sought after and effective protection.

Keywords: Employee's rights during pregnancy, COVID-19, labor laws, protection, paid maternity leave.

Artigo

UM NOVO OLHAR SOB OS DIREITOS DA EMPREGADA GESTANTE DURANTE E PÓS-PANDEMIA

A NEW LOOK AT THE RIGHTS OF PREGNANT EMPLOYEES DURING AND AFTER THE PANDEMIC

 

Bianca Castro [1]

Francine Cansi[2]

 

Resumo: O presente artigo tem por objetivo principal produzir amplo debate sobre o direito de proteção às gestantes durante e pós-pandemia Covid-19, com ênfase na Lei n. 14.151/21. O propósito é destacar novas medidas de proteção à saúde e bem-estar das gestantes durante e após a pandemia da COVID-19.  Trata-se de uma revisão bibliográfica descritiva, de abordagem qualitativa e com novas informações para que se possa ampliar os direitos das empregadas gestantes e de proteção às mulheres. A gravidez é um período de risco para a saúde da mulher e, durante a pandemia, os riscos aumentaram significativamente. Medidas como a limitação da atividade física, a realização de consultas médicas de forma remota, a flexibilização da legislação sobre licença-maternidade e o aumento da conscientização sobre o tema são fundamentais para garantir a saúde das gestantes. A segurança das mulheres grávidas depende de uma melhor compreensão dos riscos da doença, bem como de serviços de saúde equitativos e de qualidade para todos. O artigo conclui que as medidas sugeridas são importantes para mitigar os efeitos da pandemia na saúde das grávidas, mas é necessário acompanhar de perto a evolução das condições de saúde das gestantes para garantir o melhor cuidado possível e se buscar com formas práticas a tão sonhada e efetiva proteção.

Palavras-chave: Direitos da empregada gestante, COVID-19, leis trabalhistas, proteção, licença maternidade remunerada.

Abstract: The purpose of this article is to produce extensive debate on the right to protection for pregnant women during and after the Covid-19 pandemic, with emphasis on Law 14.151/21. The aim is to highlight new measures to protect the health and wellbeing of pregnant women during and after the Covid-19 pandemic. This is a descriptive bibliographical review, with a qualitative approach and with new information so that the rights of pregnant employees and the protection of women can be expanded. Pregnancy is a period of risk to a woman’s health and, during the pandemic, risks have increased significantly. Measures such as limiting physical activity, carrying out medical consultations remotely, relaxing legislation on maternity leave and increasing awareness of the issue are essential to ensure the health of pregnant women. The safety of pregnant women depends on a better understanding of the risks of the disease, as well as equitable and quality health services for all. The article concludes that the measures suggested are important to mitigate the effects of the pandemic on pregnant women’s health, but it is necessary to closely monitor the evolution of pregnant women’s health conditions to ensure the best possible care and to seek practical forms of the much sought after and effective protection.

Keywords: Employee’s rights during pregnancy, COVID-19, labor laws, protection, paid maternity leave.

  

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

A pandemia, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância- UNICEF (2020), teve um efeito quase imediato em todo o mundo no emprego feminino, afetando profundamente as gestantes pela pandemia Covid-19, que aumentou as grandes e pequenas desigualdades. Embora todas as mulheres tenham sofrido o impacto, quatro grupos principais enfrentaram alguns dos maiores desafios: mães que trabalham, mulheres em cargos de gerência sênior, mulheres negras e grávidas.

Essa disparidade, de acordo com Valente (2020), foi acentuada pela miríade de desafios relacionados à pandemia, desde a falta de oportunidades de avanço e crescimento estagnado até a perda de conectividade e pertencimento a colegas, além das medidas de isolamento social para as gestantes. Mas as mulheres nas economias emergentes estão lutando ainda mais, relatando desafios maiores e sentindo-os de forma mais aguda do que as trabalhadoras nas economias desenvolvidas. Durante a pandemia, as trabalhadoras grávidas foram aconselhadas a seguir estrito distanciamento social para reduzir o risco de doenças graves causadas pelo Coronavírus SarsCov-2 (Covid-19).

A Constituição da República, no art. 7º, inciso XXII, dispõe ser direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Segundo o Ministério da Saúde, grávidas e puérperas compõe o grupo de risco e podem ter maiores complicações, caso sejam infectadas pelo vírus. o Projeto de Lei nº 3932/2020 em regime de urgência, que tem por objetivo o afastamento da gestante do trabalho presencial durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, em decorrência da pandemia do novo coronavírus. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 394-A, determina o afastamento de gestantes e lactantes do trabalho em ambientes insalubres – no qual pode ser enquadrado, por analogia, o risco de contaminação pelo coronavírus -.

Até mesmo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) busca a expansão da garantia legal quanto à proteção da maternidade, de maneira constitucional e aperfeiçoada na norma infraconstitucional e só se torna eficaz quando atinge sua finalidade social e produz impactos no mundo jurídico concreto, apoiando as conquistas das mulheres (2011).

A Lei 14.151, que, para Calvet (2021), dispôs acerca do afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante o período de emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus. Essa nova lei trouxe à baila algumas importantes questões de ordem trabalhista para aqueles empregadores que possuem relações empregatícias com empregadas gestantes em geral (nesse contexto incluídas domésticas, rurais, temporárias e intermitentes) e, para melhor compreender o seu respectivo conteúdo, se mostra necessário previamente analisarmos o porquê do enfoque dado pelo legislador.

Muito embora não seja o objeto deste artigo, é imprescindível trazer à informação de que a maternidade não é realizada somente pelos meios tradicionais e biológicos. Há reflexões ainda não exploradas aqui, mas não menos relevantes sobre as situações da maternidade[3], sem esquecer-se da relação maternal da sociedade moderna.

Com estas informações, o presente estudo tem por objetivo analisar a Lei 14.151/21 e o afastamento do trabalho da empregada gestante.

2 SOBRE AS EMPREGADAS GESTANTES

Com efeito, a importância da proteção à maternidade e ao nascituro em nosso ordenamento jurídico encontra pilares na Convenção n° 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa relevante garantia de caráter social, ao conceber a estabilidade provisória à empregada gestante, encontra-se igualmente consubstanciada no artigo 10, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Portanto, a proteção da maternidade representa irrefutável arcabouço protetivo normativo.

A pandemia, pelo que referiu a Organização Mundial da Saúde (2020) trouxe um conjunto de direitos para as gestantes, com o objetivo de garantir que o cuidado e o bem-estar delas sejam priorizados durante este período. Estes direitos incluem: maior flexibilidade para as licenças maternidade, jornada reduzida, acesso a planos de saúde, maior acesso a informações sobre saúde pré-natal, acesso a serviços de cuidados e apoio emocional, maior acesso a programas de educação pré-natal e cuidados na gravidez e maior acesso a informações sobre amamentação. Além disso, muitos países também passaram a oferecer subsídios para as gestantes durante este período.

De acordo com a Associação Médica Brasileira – AMB (2020), as mulheres grávidas são consideradas ‘clinicamente vulneráveis’ ou, em alguns casos, ‘extremamente vulneráveis’ à infecção por Covid-19. Um problema a ser reconhecido é que, embora os empregadores tenham o dever geral de proteger seus funcionários de uma condição conhecida por causar danos, as mulheres grávidas podem enfrentar riscos únicos e podem ser mais suscetíveis a uma série de riscos graves no local de trabalho, pois a gravidez em si altera o sistema imunológico do corpo e a resposta a infecções virais em geral, o que pode ocasionalmente estar relacionado a sintomas mais graves e será o mesmo para COVID-19.

O empregador deve tornar o local de trabalho seguro, e essa obrigação legal é anterior à Covid. Isso significa que eles devem alterar suas condições ou horários de trabalho, a fim de reduzir qualquer risco para as gestantes. Destaca-se que a responsabilidade pela avaliação de riscos no local de trabalho é do empregador. Os resultados devem ser compartilhados com a gestante. Será, portanto, importante considerar medidas razoáveis para minimizar o risco de exposição ao vírus, incluindo o fornecimento de trabalho alternativo adequado nos mesmos termos e condições. A decisão sobre se uma mulher grávida pode retornar ao trabalho será orientada pela avaliação de risco (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA – UNICEF, 2020).

Essa avaliação deve levar em consideração: o ambiente de trabalho específico; a taxa de infecção; as precauções necessárias; e quaisquer medidas extras contra o coronavírus de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde (2020), abordando as vias de transmissão, o diagnóstico precoce e o adequado manejo das gestantes e puérperas nas diversas fases da infecção, definindo diretrizes que evitem a morbimortalidade materna e os agravos ao concepto.

Trabalhadoras gestantes ou lactantes: não devem ser inseridas no atendimento e assistência a casos suspeitos ou confirmados. Devem ser realocados de função, em atividades de gestão ou apoio, de forma a minimizar a chance de contato com pessoas ou ambientes contaminados, preferencialmente em trabalho remoto (ex: teleatendimento). Os gestores dos serviços de saúde, em conjunto com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, deverão realizar a avaliação de risco para transmissão da COVID-19 em cada área do estabelecimento, a fim de definir as possíveis estratégias de realocação de pessoal dentro do serviço (BRASIL, 2020, p. 16).

Ainda, a proteção à gestante e ao nascituro tem também amparo no artigo 201, inciso II, e artigo 227, caput, ambos da Carta Magna, ao passo que a Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) expressa essa proteção, denotando a primazia do respeito à dignidade da pessoa humana. Em cotejo com o disposto no artigo 394-A da CLT, a proteção encontrada é digna de encômio, não deixando margem a qualquer equívoco. Notadamente o §3º do artigo 394-A da CLT evidencia indiscutível benefício concedido pelo legislador para aquelas atividades realizadas em ambiente insalubre, transferindo o ônus da remuneração ao INSS através da percepção de salário-maternidade (ZAVANELA; MIZIARA, 2021).

Acontece que a nova Lei 14.151/2021 impôs o afastamento compulsório da gestante do local de trabalho, sem, contudo, especificar quem será o responsável pela continuidade dos pagamentos de sua remuneração. Também impôs a readequação do trabalho da gestante, para exercício de suas atividades “Em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto, ou outra forma de trabalho à distância”, nos termos do parágrafo único de seu artigo 1º. Indubitavelmente, a legislação ressaltou a garantia constitucional do direito à vida não apenas da gestante, mas também do nascituro (EULÁLIO, 2021).

Diante disso, nota-se que idêntica solução fora dada à trabalhadora gestante, ainda que com foco no valor constitucional do direito à vida da mãe e do nascituro, sobretudo pelo fato de estar inserida em grupo de risco.

3 DIREITO DO TRABALHO EMERGENCIAL: LEI 14.151/2021

Em 13 de maio de 2021, entrou em vigor a Lei 14.151, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus. De acordo com o artigo 1º da norma, durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração. O artigo 2º da lei preconiza que a empregada gestante afastada do trabalho presencial ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância[4] (CALCINI; CARVALHO, 2021).

Considerando o advento da novel legislação e, mais, a antevigência da MP 1.045/2021, que possibilitou a redução da jornada de trabalho e renda, a gestante deve ser afastada, imediatamente, do local de labor. Se o benefício emergencial recebido, de forma isolada ou a título de complementação do salário, não satisfizer a completude da remuneração por ela até então auferida, entende-se que a responsabilidade pelo suprimento da diferença havida ficará a cargo do empregador. Não há dúvidas, por conseguinte, de que a empregada gestante deve ser afastada, sem prejuízo de sua remuneração (EULÁLIO, 2021).

Tal lei tem por objetivo primordial afastar a empregada gestante do trabalho presencial, resguardando sua fonte de renda, observando orientações da OMS e do Conselho Nacional de Saúde (Recomendação 20, de abril de 2020) sobre os grupos de risco. A lei faculta a adoção do teletrabalho, trabalho a domicílio ou alguma outra forma de trabalho remoto. O novo diploma legal não faz menção às medidas emergenciais das MPs 1045 e 1046, suscitando dúvidas sobre sua compatibilidade sistemática (GASPAR; MARTINEZ; PAMPLONA, 2021).

A MP 1046 traz medidas que permitem a preservação integral da remuneração sem trabalho, como a antecipação de períodos futuros de férias e o banco de horas negativo (compensação futura da ausência de trabalho), não se verificando incompatibilidade alguma com a nova lei. Por outro lado, o saldo a ser compensado ou futuramente descontado da empregada gestante pode ser elevado a ponto de tornar-se inexequíveis tais medidas (imagine-se a gestante com dois meses de gestação, afastando-se com férias antecipadas até o parto, sete meses depois, seriam sete períodos aquisitivos de férias a serem compensados) (PETACCI, 2021).

Baseando-se na interpretação gramatical (a lei impõe a preservação da remuneração), no princípio in dubio pro operario (adoção da interpretação mais favorável ao empregado) e no critério cronológico de solução de antinomias (lei posterior revoga lei anterior), surge corrente que sustenta que a Lei 14.151/21 revogou o artigo 13 da MP 1045, que autoriza a suspensão contratual e a redução de salário e jornada da gestante, até a data da eclosão de sua licença maternidade (ZAVANELA; MIZIARA, 2021).

Além disso, traz como objetivo poupar a gestante do risco de contrair o novo vírus da Covid-19, de forma a preservar sua vida e saúde, além de prezar pela vida do nascituro. Por isso que o fato de a norma nada falar sobre as gestantes vacinadas contra a Covid-19 não guarda nenhuma relevância, até porque, se diferente fosse, a nova lei teria explicitado essa ressalva. Independentemente disso, sabe-se que a vacina não produz a proteção contra o ingresso do vírus no organismo da gestante, algo do que se deseja protegê-la, mas apenas a proteção contra o desenvolvimento da doença e de efeitos agressivos capazes de levar a pessoa aos cuidados hospitalares (CALVET, 2021).

De resto, é sabido que a Covid-19 tem vitimado muitas vidas, sendo certo que o próprio trajeto ao trabalho representa uma possibilidade de contrair a doença. Em contrapartida, a convivência no local de labor com diversas pessoas assintomáticas, sem a necessária adoção das medidas necessárias para garantir o meio ambiente de trabalho sadio significa, igualmente, um risco à gestante e ao futuro bebê (CALCINI; CARVALHO, 2021).

Em arremate, a aplicação da Lei 14.151/21 é imediata e não retroativa, vale dizer, afeta todos os contratos de trabalho em curso, não se podendo invocar o ato jurídico perfeito contido no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Porém, é necessária a ressalva de que a gestante afastada deve continuar tendo todas as cautelas necessárias para evitar a contaminação do vírus da Covid-19, não lhe sendo lícito, assim, valer-se do afastamento para participar de aglomerações. Se comprovado aludido comportamento, em especial por meio de redes sociais, a aplicação da justa causa ao contrato de trabalho é medida que se impõe, se a situação do caso assim ensejar a incidência do artigo 482 da CLT (PETACCI, 2021).

Neste sentido, o Brasil deve tomar como exemplo práticas internacionais como por exemplo a vista na Islândia (BROECKER E ROMANELLI, 2012) na garantia de qualidade dos serviços adicionais para mulheres-mães no mercado de trabalho, principalmente com baixo custo e segurança, visando a reinserção mais rapidamente no mercado de trabalho.

Feitas essas considerações, torna-se evidente que as normas em cotejo não regulam a situação e não possuem a mesma mens legis. A Medida Provisória 1045/2021 estabelece uma política pública voltada à preservação do emprego, da renda e do empreendimento. A Lei 14.151/2021 visa proteger a saúde da empregada gestante e do feto do contagio pelo coronavírus diante da vulnerabilidade provocada pela gravidez (EULÁLIO, 2021).

Como brilhantemente referiu PAULA E SILVA (2021, p. 243): “A Isonomia no campo do trabalho é um tema subestimado no Brasil. A própria CLT, ao tratar da proteção da mulher, o faz de forma lacônica, ora trazendo disposições genéricas[5], ora se restringindo à questão física[6]”.

Por essa razão, entendemos ser indevida a aplicação do princípio da norma mais favorável para se concluir pela imposição da fórmula preconizada pela Lei 14.151, no sentido do custeio da remuneração da gestante pelo empregador, em detrimento da medida de suspensão contratual disciplinada na MP 1045. É premissa inafastável para a incidência do princípio da norma mais favorável que o intérprete e aplicador do Direito esteja diante de normas distintas regulando a mesma situação (CALVET, 2021).

Porém, não há que se falar em conflito entre as regras da MP 1045/2021 e as da Lei 14.151/2021 porque, como se viu, elas não regulam a mesma situação. A primeira instituiu uma política pública com medidas alternativas à execução normal do pacto laboral, a fim de preservar o emprego e a empresa. A segunda, instituiu uma medida de preservação da saúde da empregada gestante e do feto diante dos agravos trazidos pela pandemia (ZAVANELA; MIZIARA, 2021). Neste diapasão,

[…]há outras alternativas de proteção à gestante à lactante, diante da hecatombe social e econômica e de proteção mundial, decorrente da pandemia COVID-19. Uma alternativa negocial conforme o art. 611-A da CLT e a Lei nº 11.770/2006, que instituiu o programa Empresa Cidadã, estende a licença-maternidade para 180 dias, com incentivo fiscal ao aderente (BRAMANTE, 2011, P. 41).

 A aplicação do princípio da norma mais favorável é incompatível, portanto, com a tese mais inflexível, que defende a inaplicabilidade total da suspensão do contrato de trabalho prevista na MP 1045/21 às empregadas gestantes afastadas do trabalho presencial, por não estarmos diante de normas que regulam a mesma situação, inexistindo conflito a ser dirimido. Assim sendo, deve-se prestigiar a interpretação que traga sinergia e coerência entre as normas em cotejo, não o inverso, pois emprego e saúde são dois lados da mesma moeda e um não existe sem o outro.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que foi exposto, acredita-se na impropriedade da aplicação do princípio da norma mais favorável e da interpretação puramente literal da novel lei. A interpretação baseada no método lógico-sistemático e teleológico é a mais adequada e que, portanto, resulta na possibilidade de conciliação entre as duas normas. Nesse patamar, a imposição de pagamento da remuneração veiculada na Lei 14.151/21 veio apenas para o caso de o empregador não se utilizar da suspensão contratual prevista na MP 1045/21.

Em nosso sentir, não foi intenção do legislador afastar as hipóteses de suspensão contratual, entre elas a que enseja o pagamento do benefício emergencial. Afigurar-se-ia uma interpretação absurda admitir que a nova lei impôs, a qualquer custo, inclusive da empresa e do emprego, a continuidade do contrato de trabalho da empregada gestante sem viabilidade de suspensão. Toda interpretação que leva ao absurdo, é cediço, deve ser evitada.

A Lei 14.151/21, portanto, apenas estabelece disposições especiais a par das já existentes e esse modo de pensar está em harmonia com os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, tudo em conformidade com o que preconiza a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seus artigos 2º, § 2º, e 5º.

Nesse sentido revela de suma importância a negociação coletiva como forma de eficácia da proteção à maternidade no Brasil, inclusive a OIT num estudo realizado com o Diesse[7] denominado Negociação de cláusulas de trabalho relativas à igualdade de gênero e raça (2007-2009)[8] tem escopo para o tema proposto.

Uma boa maneira de garantir os direitos das empregadas gestantes é a criação de políticas específicas que tratem dos direitos das gestantes. Estas políticas devem abordar direitos como acesso a cuidados pré-natais de qualidade, licença médica adequada, horários de trabalho flexíveis e o direito à segurança no trabalho.

Além disso, deve ser assegurado que os empregadores se comprometam com práticas regulares de treinamento para os funcionários. Por exemplo, as empresas podem oferecer treinamentos sobre os direitos dos trabalhadores, bem como treinamento sobre o comportamento ético e a conscientização de gênero. Todos os trabalhadores devem ter acesso a informações sobre os direitos das empregadas gestantes e devem ser informados sobre as políticas de empresa em vigor.

 Finalmente, as empresas devem ser responsáveis por prestar assistência financeira aos funcionários que sofreram perdas impostas pela pandemia. Isso inclui o pagamento de salários em atraso, o pagamento de férias não utilizadas e o pagamento de auxílio-doença para empregadas gestantes. Os empregadores também devem garantir que os benefícios das empregadas gestantes sejam mantidos durante e depois da pandemia. É fundamental que as empresas e os governos trabalhem juntos para fornecer direitos adequados e proteção às empregadas gestantes durante e pós-pandemia. A adoção de políticas específicas e a realização de treinamentos regulares contribuirão para garantir que as empregadas gestantes se sintam seguras e protegidas durante estes tempos difíceis.

É importante repisar, em conclusão, que o entendimento aqui esposado é apenas mais um entre diversos outros de indiscutível solidez, e o tema ainda merece ser amplamente debatido. Sem dúvidas, as controvérsias irão desaguar, mais dia menos dia, no Poder Judiciário.

Portanto, a efetividade de políticas públicas e empresariais que permitam a segurança, os direitos fundamentais e principalmente um custo adequado tornaram-se ferramentas essenciais para a reinserção no mercado de trabalho e a garantia de oportunidades à empregada mulher.

REFERÊNCIAS

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BRAMANTE, Ivani Contini. Proteção à Gestante e Pandemia: Salário-Maternidade de Risco Ambiental e Covid-19. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Ano XXXI, nº 376, 2020, página 41.

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Notas:

[1] Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade de Passo Fundo – UPF RS, especializada em processo do trabalho e LGPD, professora, sócia-fundadora do escritório Bia Castro Advocacia e Assessoria. Atua há 17 anos na advocacia gaúcha, membra da Comissão de Direito do Trabalho da ABA RS e da Comissão Nacional de Direito Processual do Trabalho da ABA Nacional e membra da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB RS e da Comissão de Direito do Trabalho da OAB RN. ([email protected])

[2]  Advogada. Doutora em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI/SC – Doutora em Desenvolvimento Sustentável (IUACA), Alicante/ Espanha. Mestre em Desenvolvimento Regional: Estado Instituições e Democracia-(Unisc/RS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil ( Imed/RS) Diretora de Cursos Profissionalizantes na área administrativa – empresarial na Porthal Escola de Educação Profissional. Atua como advogada há 16 anos, sendo fundadora do Escritório Cansi, Teixeira & Machado Advogados na cidade de Passo Fundo-RS. Na ABA do Rio Grande do Sul é Coordenadora adjunta de eventos da Comissão Estadual de direito do trabalho e coordenadora de produção Científica da Comissão Nacional de Direito Processual do Trabalho. ([email protected])

[3] SITUAÇÃO DE MATERNIDADE – “o debate ainda transcende os limites subjetivos da causa, porquanto passível de repetição em inúmeros feitos que se confrotam o interesse da mãe não gestante, em união homoafetiva, a usufruir da licença-maternidade” in: Jurisprudência do STF e Bibliografia Temática no RE 1.1211 RG. Rel. Luiz Fux, j. 7.11.2019, P. DJE de 19-11-2019, Tema 1.072, p. 68).

[4] “Artigo 1º — Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Artigo 2º — Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. (BRASIL, 2021).

[5] . CLT: 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado.

(…)

V – Impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;

[6] CLT: Art. 390 – Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.

Parágrafo único – Não está compreendida na determinação deste artigo a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.

[7] Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é uma entidade criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro. Foi fundado em 1955, com o objetivo de desenvolver pesquisas que subsidiassem as demandas dos trabalhadores.

[8] Cf. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Negociação de cláusulas de trabalho relativas à igualdade de gênero e raça (2007-2009). Brasília: OIT. São Paulo: Diesse, 2011.

Palavras Chaves

Direitos da empregada gestante, COVID-19, leis trabalhistas, proteção, licença maternidade remunerada.