UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: MUDANÇAS E REPERCUSSÕES NO DIREITO MATERIAL

Resumo

O presente artigo estuda o direito material civil, no âmbito dos institutos da União Estável e do Casamento, a partir das influências sofridas com o advento do Novo Código de Processo Civil no ano de 2015. Tem como ponto de partida o conservadorismo, atrelado à historicidade brasileira, que por muito tempo não foi conivente com a figura da União Estável, principalmente, resumindo-a meramente como concubinato e outros instrumentos relacionados ao adultério. Em seguida, demonstra os avanços da mesma, com a sua inclusão nos dispositivos processuais, além da recente equiparação ao matrimônio. Quanto ao Casamento, inicialmente será verificada a evolução de sua simbologia social, que não mais se identificaria com o intuito simplesmente de constituição familiar, mas como uma sociedade conjugal propriamente dita, um vínculo contratual, que traria consigo inúmeras obrigações, direitos e deveres na esfera processual. Serão expostas as mudanças consistentes na possibilidade de alteração de regime de bens e nos litígios de divórcio. Não obstante, examinará as controvérsias entre o Código Civil e o Código de Processo Civil, no que tange ao litisconsórcio conjugal. Para tanto, analisar-se-á opiniões doutrinárias diversas, jurisprudências e enunciados sumulares, de forma a destacar as mudanças e defender a aplicação da equiparação aos institutos.

Abstract

This work studies the civil law, especially the Common-Law Marriage and Regular Marriage institutes, based on the influence of the New Code of Civil Procedure in the year 2015. The starting point is conservatism, linked to historicity Brazilian, that for a long time was not conniving with the figure of the Common-Law Marriage, mainly summarizing as concubinage and other instruments related to adultery. Then, it demonstrates the progress of this institute, with its inclusion in the procedural provisions, in addition to the recent equivalence to Regular Marriage. As for Regular Marriage, it will initially be verified the evolution of its social symbolism, which would no longer be identified simply as a family constitution, but as a conjugal society as such, a contractual bond that would bring with it numerous obligations, rights and duties in the sphere procedural law. Changes in the possibility of altering the property regime and in divorce litigation will be exposed. Nevertheless, it will examine the controversies between the Civil Code and the New Code of Civil Procedure, as far as the marital confiscation is concerned. In order to do so, it will analyze diverse doctrinal opinions, jurisprudence and summary statements, in order to highlight the changes and defend the application of the assimilation to the institutes.

Artigo

UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: MUDANÇAS E REPERCUSSÕES NO DIREITO MATERIAL

 

Larissa Paciello Velloso[1]

Marcia Cristina Xavier de Souza[2]

 

RESUMO: O presente artigo estuda o direito material civil, no âmbito dos institutos da União Estável e do Casamento, a partir das influências sofridas com o advento do Novo Código de Processo Civil no ano de 2015. Tem como ponto de partida o conservadorismo, atrelado à historicidade brasileira, que por muito tempo não foi conivente com a figura da União Estável, principalmente, resumindo-a meramente como concubinato e outros instrumentos relacionados ao adultério. Em seguida, demonstra os avanços da mesma, com a sua inclusão nos dispositivos processuais, além da recente equiparação ao matrimônio. Quanto ao Casamento, inicialmente será verificada a evolução de sua simbologia social, que não mais se identificaria com o intuito simplesmente de constituição familiar, mas como uma sociedade conjugal propriamente dita, um vínculo contratual, que traria consigo inúmeras obrigações, direitos e deveres na esfera processual. Serão expostas as mudanças consistentes na possibilidade de alteração de regime de bens e nos litígios de divórcio.  Não obstante, examinará as controvérsias entre o Código Civil e o Código de Processo Civil, no que tange ao litisconsórcio conjugal. Para tanto, analisar-se-á opiniões doutrinárias diversas, jurisprudências e enunciados sumulares, de forma a destacar as mudanças e defender a aplicação da equiparação aos institutos.

PALAVRAS-CHAVE: União Estável; Casamento; Código Civil; Direito de Família; Código de Processo Civil.

  

ABSTRACT: This work studies the civil law, especially the Common-Law Marriage and Regular Marriage institutes, based on the influence of the New Code of Civil Procedure in the year 2015. The starting point is conservatism, linked to historicity Brazilian, that for a long time was not conniving with the figure of the Common-Law Marriage, mainly summarizing as concubinage and other instruments related to adultery. Then, it demonstrates the progress of this institute, with its inclusion in the procedural provisions, in addition to the recent equivalence to Regular Marriage. As for Regular Marriage, it will initially be verified the evolution of its social symbolism, which would no longer be identified simply as a family constitution, but as a conjugal society as such, a contractual bond that would bring with it numerous obligations, rights and duties in the sphere procedural law. Changes in the possibility of altering the property regime and in divorce litigation will be exposed. Nevertheless, it will examine the controversies between the Civil Code and the New Code of Civil Procedure, as far as the marital confiscation is concerned. In order to do so, it will analyze diverse doctrinal opinions, jurisprudence and summary statements, in order to highlight the changes and defend the application of the assimilation to the institutes.  

kEYWORDS: Common-Law Marriage; Regular Marriage; Civil Code; Family Rights; The New Code of Civil Procedure.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 1.1 Da evolução social e cultural da união estável e do casamento no Brasil. 1.2. Da formação da família. 2. Casamento. 2.1. Tradição, conceito e costumes práticos. 2.2. Direitos e responsabilidades dos cônjuges frente ao ordenamento jurídico. 2.2.1. Litisconsórcio necessário e solidariedade passiva: a aparente contradição entre os artigos 73 do CPC, 1.643 e 1.644 do CC. 2.3. Alteração de regime de bens no casamento. 2.4. Procedimento de divórcio. 2.5. Conversão da união estável em casamento. 3. União Estável. 3.1. Conceito, impedimentos e inovações. 3.2. O tratamento da união estável no Código de Processo Civil de 2015. 3.3. Aspectos sucessórios: direitos do companheiro e equiparação ao regime do casamento. 4. Conclusão; Referências Bibliográficas.

1.      INTRODUÇÃO.

O CPC de 2015 veio, sem dúvidas, tentar pôr um fim a diversas ambuiguidades e vacâncias legislativas existentes, que não supriam as realidades sociais e contemporâneas brasileiras. As inovações e repercussões que o referido diploma trouxe ao direito material, a partir da inclusão do companheiro em seu rol e das novas regras pertinentes ao matrimônio, influenciou em diversos jeitos o cotidiano relacional individual.

A validação recente do casamento homoafetivo, os direitos, deveres e responsabilidades patrimoniais dos cônjuges, além das discussões pertinentes à nova lei do divórcio e às diferenciações entre os regimes de bens, mudaram consideravelmente a configuração das relações afetivas. Os novos dispositivos do CPC sobre o casamento constroem especialmente um debate acerca da contradição sobre a figura do litisconsórcio necessário conjugal, envolvendo o direito material e o processual. A ambiguidade a ser discutida neste ponto, sem dúvidas, traz consequências ao plano obrigacional conjugal.

1.1. Da evolução social e cultural da união estável e do casamento no Brasil.

O reconhecimento da união estável no Brasil vem desde a época anterior à edição do Código Civil de 1916. As Ordenações Filipinas, que entraram em vigor em 1603 e perduraram até 1917, previam o concubinato e o casamento presumido, informal, nas situações em que as pessoas vivessem na condição de marido e mulher, conhecidos publicamente como um casal. Era comum, inclusive, que se presumisse juridicamente o matrimônio entre os concubinos.

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 podemos perceber um grande avanço legislativo garantindo efeitos jurídicos entre os companheiros. Havia alguns casos em que as vidas tinham realmente sido construídas em conjunto, com bens, filhos e outras características de cônjuge, mas que não conferiam qualquer direito à mulher; esses começaram a ser analisados sob outra ótica: os Magistrados concederam então, indenizações por serviços domésticos prestados. Alguns autores acreditam tratar-se de uma forma disfarçada de conceder alimentos.

Em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal, diversos assuntos do Direito Civil foram objeto de significativos avanços e ampliações. O fato de a nova Constituição trazer um capítulo dedicado à família, defendendo a igualdade entre os cônjuges foi de grande impacto na sociedade. Finalmente, em seu artigo 226, § 3º, pela primeira vez era reconhecida e protegida no ordenamento jurídico brasileiro a união estável. Em consequência disso, a comunidade da família monoparental – entre um dos pais e descendentes – igualmente obteve reconhecimento jurídico.

Seguindo os passos da Carta Magna, em 1994 foi editada a Lei nº 8.971, que proveu aos companheiros os direitos sucessórios e alimentícios decorrentes da relação. Posteriormente, editou-se a Lei nº 9.278, de 1996, que procurou regulamentar o artigo 226, § 3º da Constituição Federal trazendo garantias ligadas ao direito sucessório, direito habitacional, direito alimentício, dentre outros. Algumas características antes definidas para o instituto da união estável foram modificadas com o advento deste último diploma legal.

No tempo de sua edição e consequente revogação supracitada, a Lei nº 9.278/1996 encontrou diversas objeções e contrariedades aos seus ritos. A falta de prazo definido para se constituir e caracterizar uma união estável é um dos pilares que mais causa discussões acerca do tema. O legislador, ao deixar em branco esta lacuna, provavelmente buscava uma análise mais profunda e específica de cada caso, pois ao seu ver, o grande tempo de uma relação não necessariamente refletiria a sua estabilidade e seriedade. Uma união de três anos, a título exemplificativo, poderia conter uma maior estabilidade do que uma outra de dez anos. Com tal flexibilidade, o instituto da união estável propiciou liberdade ao Magistrado para verificar, em cada hipótese, a existência ou não do vínculo afetivo.

Torna-se evidente que, apesar da flexibilização acima proposta, por outro lado o mesmo diploma legal também limita alguns casos, como em relações ocasionais – estas não poderão obter o reconhecimento de união estável, dada a sua natureza volúvel.

Enfim, o Código Civil de 2002 corroborou com a previsão já disposta na Lei nº 9.278/1996, não fixando prazos mínimos caraterizadores da união estável, ditando somente a necessidade da convivência pública, duradoura e estável, além do objetivo de constituir família. Outrossim, o novo diploma instituiu variadas regras sobre direitos alimentícios, patrimoniais e de sucessões dos companheiros.

Em maio de 2011, o STF decidiu, por unanimidade, pela procedência da ADI nº 4.277-DF, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, para dar ao artigo nº 1.723 do CC uma interpretação conforme à CF – e, dessa forma, excluir qualquer impedimento ao reconhecimento e validade da união estável homoafetiva, desde que presente seus requisitos.[3] O Governador do Rio de Janeiro, à mesma época, também propôs a ADPF nº 132, visando sanar a omissão legislativa existente no labor do serviço público em relação às uniões homoafetivas e equipará-las à união estável tradicionalmente conhecida. Igualmente, ao final do julgamento, fora possível o reconhecimento dos direitos aos casais de pessoas do mesmo sexo.[4]

Outra inovação no ordenamento brasileiro acerca do tema encontra-se na Resolução 175/2013 do CNJ, que torna obrigatória a celebração do casamento entre casais do mesmo sexo em todo o país, no qual serão igualmente aplicadas as normas referentes ao casamento civil – ou, analogamente, as normas da união estável, a depender das circunstâncias[5].

Atendendo às novas realidades sociais, além de intencionalmente quebrar preconceitos, os poderes conferiram efetividade a tais normas, uma vez que a opção sexual individual é de livre escolha, devendo ser respeitada, inclusive com base em princípios constitucionais. A união estável homoafetiva passou a ser status de sociedade de fato, o que lhe equipara juridicamente à união heteroafetiva, enquanto o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo possibilitou que milhares de casais regularizassem sua situação e obtivessem novos direitos oriundos do matrimônio.

Mesmo que a legislação brasileira ainda pouco disponha sobre a união estável, preocupando-se mais com o casamento, a doutrina recente entende pela urgência de novas leis e jurisprudência atualizada, tendo em vista as constantes mudanças na sociedade. Sobre isso, versa o Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis[6]:

Casamento, união estável e comunidade monoparental constituem formas de entidades familiares previstas na Constituição, sem que a ordem topográfica ali consignada signifique privilégio ou ascendência de uma sobre outra, não sendo o matrimônio mais apoteótico que a relação informal ou esta com mais-valia que as demais maneiras, nenhuma subserviente ou inferior.

1.2. Da formação da família.

A ideia de formação da instituição “família” no Brasil, desde muito cedo, passou por diversas transformações culturais e legais. O Código Civil de 1916, por exemplo, estabelecia diferenciações entre o que chamava de famílias legítimas e ilegítimas e classificações de parentescos, visando, pelo menos teoricamente, proteger as relações advindas das famílias legalmente reconhecidas – porém também instigava uma série de preconceitos. O diploma determinava que os filhos oriundos de relações incestuosas e adulterinas não poderiam ser reconhecidos, bem como que a legitimação da prole só se daria a partir do matrimônio contraído pelos pais. Sabiamente, a Carta Magna de 1988, mais precisamente em seu artigo 227, § 6º, vedou quaisquer tipos de preconceitos e discriminações entre os filhos concebidos em diferentes relacionamentos, oficiais ou não. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) consentiu o reconhecimento de filhos concebidos fora do casamento, afastando mais enfaticamente o uso dos termos pejorativos como forma de distinção entre os filhos.

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro prevê os seguintes tipos de família: a matrimonial, a convivencial e a monoparental.  A família matrimonial constitui-se a partir de um contrato de ordem pública que vincula pessoas e regula suas relações de cunho sexual, além de obrigá-las a cuidar dos possíveis herdeiros que venham a ter, tendo o seu início a partir da intenção dos indivíduos em constituir família.[7] O casamento é um ato complexo, que tem como características a solenidade, a formalidade, a livre manifestação de vontade e a publicidade. Ultrapassando o olhar antiquado do Código Civil de 1916, o mesmo diploma editado em 2002 estipulou a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges. Os nubentes, ao celebrarem o casamento, restam obrigados ao compartilhamento afeto, à assistência recíproca, ao auxílio doméstico[8], à responsabilidade pelos filhos que por ventura venham a ter. O Código antigo, ao contrário, reforçava a desigualdade entre os sexos – somente a mulher era a encarregada por cuidar da casa e dos filhos –, bem como o objetivo principal ser a procriação.

O segundo tipo de família previsto em nosso ordenamento é o convivencial. Diferentemente do casamento, só fora incluído e validado juridicamente com o advento da  Constituição Federal de 1988, pondo um fim às visões preconceituosas do “concubinato”. A família convivencial é o que chamamos hoje de união estável. Possuindo como característica principal a informalidade, a família convivencial dispensa grandes ritos para ser oficializada, como ocorre no casamento. Entre os companheiros, basta o afeto, a vontade de constituir família, a estabilidade e a durabilidade da relação[9]. Outrossim, os efeitos jurídicos da família convivencial restarão reconhecidos quando findada a relação, a partir da declaração do Magistrado da Vara de Família.[10] Se preenchidos os requisitos de validação da entidade relacional, bem como afastados os impedimentos do matrimônio, a união estável será juridicamente viável.

O terceiro e último tipo de família que a lei brasileira abraça é o da família monoparental, que se evidencia quando um progenitor é o responsável, exclusivamente, por seus filhos – adotivos ou naturais -, convivendo diretamente com eles. Mesmo que o outro genitor esteja vivo ou seja desconhecido, o simples fato de que o outro conviva e seja responsável pela prole já caracteriza o mencionado tipo de família.[11] Filhos oriundos de reprodução assistida também integram o instituto; basta que compartilhem do cotidiano com somente um de seus genitores.

  1. CASAMENTO.

2.1. Tradição, conceito e costumes práticos.

 A atual Carta Magna, em seu artigo 226, mudou positivamente os pilares da família e do casamento: determinou direitos e deveres iguais para o homem e para a mulher, ampliou as definições de família para além do matrimônio e concedeu o livre planejamento familiar ao casal. A finalidade agora era baseada na afetividade e na assistência recíproca, e não mais a procriação. A união entre duas pessoas deixou de ser puramente realizada através do casamento, sendo atualmente reconhecidas outras formas capazes de constituir uma família legitimamente.

Embora a Constituição e o Código Civil de 2002 se preocupem com a regulamentação do instituto matrimonial, o legislador não o conceituou, deixando também em aberto o sexo dos nubentes. O Código apenas estabelece direitos, deveres, disciplina regras e nulidades, bem como o regime de bens em vários casos e uma possível dissolução. De qualquer forma, as características do casamento são bem definidas pela doutrina: é um ato jurídico complexo, formal, solene, de cunho pessoal e voluntário, passível de dissolução, que possui oponibilidade erga omes e gera efeitos patrimoniais e familiares – altera o estado civil e cria parentescos[12].

Mais uma vez destaca-se a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 4277/2011, que reconheceu como entidade familiar o casamento homoafetivo a fim de prover os mesmos direitos do casamento heteroafetivo. A diversidade de sexos, que até então era requisito fundamental para que o casamento fosse válido juridicamente, foi revogado com tal julgamento da Corte[13].

2.2. Direitos e responsabilidades dos cônjuges frente ao ordenamento jurídico.

A partir da celebração do casamento, surgem imediatamente direitos e deveres recíprocos, constituindo a sociedade conjugal. Antigamente, essas regras visavam mais o lado paternalista, de forma que somente o homem obtinha benefícios. Com o advento da Constituição de 1988, aplicou-se o princípio da igualdade ao matrimônio; as regras começaram a valer para ambos.

O dever da fidelidade recíproca é o dever conjugal que mais desperta discussões doutrinárias. Muitos defendem que está mais relacionado com a dedicação afetuosa e um compartilhamento de vida para com o outro cônjuge, como Arnaldo Rizzardo[14]. Nos tempos atuais, com diversos meios virtuais facilitadores de omissões, permanece a dúvida sobre quais atos demonstrariam a quebra da fidelidade.

O dever de respeito e consideração mútuos talvez seja o que mais sofreu atualizações sociais do diploma de 1916 para o de 2002. A sociedade paternalista não incluía o homem neste dever, de forma que a sua vontade era imperativa; ele detinha o controle sobre a esposa e, quando bem desejasse, poderia desrespeitá-la.  A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, estabeleceu que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Do ponto de vista processual, a partir do casamento os cônjuges adquirem uma série de responsabilidades. A primeira delas a se destacar é a patrimonial, regida pelo artigo 790, IV do  Código de Processo Civil. O mesmo dispositivo já existia no Código anterior de 1973, porém o Novo CPC incluiu a expressão “companheiro”, em seguimento à Constituição Federal.

É certo que a responsabilidade patrimonial do cônjuge ou do companheiro se dará de acordo com o regime de bens firmado pelos nubentes no momento do registro, embora as dívidas concernentes à economia doméstica obriguem solidariamente os cônjuges.

Sobre o litisconsórcio conjugal, o CPC deixa clara a necessidade do consentimento do outro cônjuge ou do companheiro para a propositura de ação sobre direito real imobiliário – exceto quando se tratar de regime de separação absoluta de bens. Alexandre Câmara[15] defende a inexistência da figura do litisconsórcio ativo necessário, pois ninguém é obrigado a demandar; isso atentaria contra o direito de acesso ao judiciário e a garantia da liberdade de litigar. Logo, só existiria a possibilidade de um litisconsórcio ativo facultativo entre os cônjuges – exigindo, para tanto, a autorização de um quando o outro pretender ingressar sozinho na ação. Todavia, o artigo 1.643 do Código Civil especificou os atos que podem ser praticados sem a vênia conjugal. Segundo Fredie Didier Jr[16]:

Trata-se de atos relacionados à administração da economia doméstica. Essa permissão aplica-se a qualquer regime de bens. Trata-se de presunção legal iure et de iure de que o cônjuge está, nesses casos, autorizado pelo outro cônjuge a contrair dívidas.

Portanto, um cônjuge não pode pleitear a anulação do negócio jurídico quando a causa for relativa à economia doméstica e manutenção da família, bem como dívidas contraídas para essas situações. O Código de Processo Civil corrobora com o entendimento. O cônjuge prejudicado com a ausência de sua autorização poderá, a depender do caso, ajuizar ação anulatória, ingressar na lide e pleitear a anulação dos atos praticados, ajuizar ação rescisória – caso transitada em julgado a decisão -, ou ajuizar ação de nulidade, se não for citado em processo que verse sobre direitos reais imobiliários[17].

2.2.1. Litisconsórcio necessário e solidariedade passiva: a aparente contradição entre os artigos 73 do CPC, 1.643 e 1.644 do CC.

Frise-se a importante contradição no que diz respeito ao litisconsórcio passivo facultativo entre cônjuges. O artigo 1.643 do Código Civil, não exige a autorização de um cônjuge para que o outro pratique atos inerentes à economia doméstica e manutenção familiar, não importando o regime de bens, uma vez que se entende que há presunção da autorização tácita. Já o artigo 1.644 nos diz que as dívidas contraídas para os fins do artigo 1.643 obrigam solidariamente ambos os cônjuges – justamente se relacionando às dívidas e atos necessários no contexto da economia doméstica, por existir presunção relativa de que os atos foram praticados visando o benefício familiar. Logo, quando houver alguma cobrança oriunda desses atos, é preciso que se forme a figura litisconsorcial necessária entre os cônjuges no polo passivo[18]. Caso esta solidariedade legal seja empregada de forma injusta, o ônus de prova cabe ao cônjuge prejudicado, devendo demonstrar que a dívida não fora revertida em proveito da família.

Ressalta-se, porém, que tal presunção cede em certos casos, como na responsabilização por atos ilícitos. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 251 sobre o assunto: “A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal”.

Discute-se igualmente acerca da validade das regras acima em todos os regimes matrimoniais. No artigo 1.643, impõe-se a desnecessidade da vênia conjugal em qualquer regime, enquanto no artigo 1.644 não há menção a possíveis limitações desse amplo leque. Comparando-se os supracitados dispositivos e o artigo 73 do CPC, poderíamos indagar o por quê de também não existir uma limitação aos regimes de bens e a outorga conjugal; nota-se a desnecessidade da mesma nos casamentos regidos pela separação total de bens. Se não há a obrigatoriedade da vênia na autorização para atos relativos aos direitos reais imobiliários na forma separatista de bens – o que, sem dúvida, é de grande relevância para o cotidiano do casal -, o mais lógico seria que o legislador também impusesse a exceção aos artigos 1.643 e 1.644 do Código Civil.  O artigo 1.643, ao tornar livre o exercício de práticas concernentes à economia doméstica, em qualquer regime de bens, inclusive com vistas à presunção já debatida, proporciona maior autonomia e até mesmo celeridade nas decisões cotidianas do lar. Todavia, o artigo 1.644 coloca em xeque-mate tal “independência” do cônjuge: mesmo que não tenha conhecimento ou envolvimento, ele responderá solidariamente pelas dívidas contraídas por seu consorte[19].

 Há de se citar também que o direito processual, em seu artigo 73, modifica o regime do direito material, já que este último, em regra, não exige a formação de litisconsórcio nos casos de solidariedade. Diante da ausência legislativa sobre o tema, a jurisprudência tem aplicado a analogia por omissão, uma vez que o segundo artigo regula, de certa forma, os negócios jurídicos previamente delimitados no primeiro – apenas aprofundando e estabelecendo responsabilidades[20]

Embora a jurisprudência já esteja pacificada, a doutrina sobre o tema ainda é omissa, contando apenas com poucas opiniões como a de Humberto Theodoro Jr[21], que defende que a não observância do litisconsórcio necessário geraria a prejudicialidade da solidariedade passiva instituída pelo direito material, impedindo que o credor execute a meação ou os bens particulares do cônjuge não incluído.

2.3. Alteração de regime de bens no casamento.

O CPC de 2015 influenciou o matrimônio em dois aspectos fundamentais: na alteração de regime de bens e no procedimento do divórcio. O artigo 734 do Código de Processo Civil permite que seja alterado o regime de bens, requerido por ambos os cônjuges por uma petição assinada que deve conter justos motivos para tanto, respeitando possíveis direitos de terceiros, seguindo a linha do artigo 1.639, § 2º do Código Civil. A definição de o que seriam “justos motivos” encontra-se em aberto, apesar de a jurisprudência já tecer diversos entendimentos. Tem-se como exemplo a hipótese de um casamento celebrado no passado, de forma que as causas suspensivas já foram superadas. A alteração de regime de bens, nesse caso, será válida – a causa suspensiva, que exigia certo regime, por não existir mais, não obriga os nubentes. Os acontecimentos passados permanecerão sob a lei antiga, enquanto os que virão serão regidos pelo Código de 2002[22]. Em outro giro, há também decisões que entendem pela irrelevância do requisito do justo motivo. O casamento, por ser um ato de vontade, privado, não deveria sofrer interferências estatais e depender de aprovação magistral, desde que não burlasse a lei. Ressalte-se que, ainda que a alteração possua intuito fraudulento ou de má-fé para com terceiros, o legislador os protegeu. É necessária a comprovação de ausência de prejuízos a demais pessoas. Todavia, mesmo que seja obscuro o prejuízo, a alteração, nesses casos, não será eficaz com relação aos terceiros – e somente a eles[23].

As decisões enfrentam certa polêmica sobre o tema, visto que alguns juízes defendem a desnecessidade de demonstração de justo motivo pelos cônjuges, enquanto outros, marcados por um maior conservadorismo, exigem a justificativa para a idoneidade da alteração do regime. O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 734 supracitado, segue esta última concepção, provendo atenção para com intuitos fraudulentos – trata-se de uma inovação perante o Código antigo. Quanto à publicidade, o diploma prevê a possibilidade de o casal propor ao Magistrado meios alternativos de divulgação da alteração do regime de bens, para que se resguardem os direitos de terceiros, como pela internet.[24]

No que diz respeito aos efeitos da sentença constitutiva da alteração, doutrina e jurisprudência não encontram pacificidade. A defesa dos efeitos ex nunc, como no caso de Tartuce[25], se pauta na flexibilidade da própria alteração de regime de bens, que pode ocorrer de acordo com a vontade do casal. Não haveria, pois, que se provar a ausência de prejuízos a terceiros, uma vez que os atos realizados no passado, antes do trânsito em julgado da decisão, seriam geridos automaticamente pelo regime de bens da época. A alteração certamente não afetaria aos terceiros, que já é protegida por lei, conferindo-lhes maior segurança jurídica. O Superior Tribunal de Justiça tem decidido a favor dos efeitos ex nunc.[26]

2.4. Procedimento de divórcio.

Sobre o divórcio, o CPC de 2015 implementou mudanças às regras de distribuição e processamento da ação. A audiência de conciliação, inicialmente dispensada pela vontade das partes conforme o artigo 334, §5º, torna-se obrigatória nos casos do divórcio – e com número ilimitado de tentativas. Objetivamente, almeja-se a resolução consensual do litígio, de forma que o desfecho venha a ser mais justo e de acordo com a realidade do casal, como dita os artigos 694 e 696[27]. A fim de preservar a intimidade dos cônjuges, a citação não conterá qualquer tipo de informação sobre a ação, além do dia e horário da audiência a ser realizada, excluindo-se a cópia da petição inicial. O réu poderá, por certo, buscar informações acerca do processo, mas estas não virão expostas na citação. Do mesmo modo como fez em outros tipos de ação, o Código de 2015 unificou os prazos para o oferecimento de contestação e reconvenção. Pelo artigo 697, o réu terá o prazo de quinze dias úteis contados a partir da última audiência conciliatória, sob pena de perecer o direito[28]. A participação do Ministério Público também passou a ser facultativa nos divórcios, contrariando o Código anterior.

2.5. Conversão da união estável em casamento.

Como já exposto, o artigo 226 da Constituição Federal equiparou as entidades familiares, de forma que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Todavia, o artigo 1.726 impõe certa dificuldade no trâmite, ao estipular que o casal deve requerer ao juiz a conversão e, posteriormente, realizar o registro; o citado artigo não determina, por exemplo, qual o juízo a ser procurado, o que também prejudica o interesse dos cônjuges. Em alguns Estados, a competência é da Vara de Família, porém em outros, é da Vara de Registros Públicos, como ocorre no Rio Grande do Sul.[29] Diante de tais formalidades exacerbadas, muitos casais optam por registrar diretamente o casamento no cartório, ignorando a existência de vínculo convivencial anterior. O mais correto seria, no caso, que procurassem o cartório para extinguirem a união estável, justificando-a pela realização do casamento posterior, a afim de garantir seus direitos adquiridos por ora.[30] Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em ação que tramita em segredo judicial, que a conversão deve ser iniciada administrativamente, nos cartórios; somente se não obtivesse êxito, o casal deveria procurar a via judicial[31].

No que tange aos efeitos da conversão, os tribunais têm decidido pela retroatividade; a data de casamento será a do início da união estável anteriormente registrada. Dessa forma, conserva-se a autonomia da vontade do casal, além de reforçar a equiparação aos institutos familiares, como determina a Carta Magna.

3. UNIÃO ESTÁVEL.

3.1. Conceito, impedimentos e inovações.

O uso da expressão “união estável” se deu com a evolução do direito brasileiro e, principalmente, com o reconhecimento do instituto pela Constituição Federal em 1988, que cita “companheiro” como definição dos indivíduos que a constituem (utilizando a mesma denominação, há a Lei no 8.971/1994 e o Código Civil de 2002). Outros dispositivos, como a lei nº 9.278/1996, tratam de “conviventes”. Assim, as expressões pejorativas “concubinato” e “concubinos” caíram em desuso na legislação, uma vez que propagavam uma conotação de desonestidade, de impureza, de exterminação de famílias. Anteriormente, quando a legislação não conferia proteção ao concubinato, o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de minimizar o enriquecimento sem causa[32], criou, na década de 60, as súmulas 380 e 382, reconhecendo o vínculo entre os concubinos:

Súmula 380 – Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

Súmula 382 – A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.

Conceitualmente, união estável é a convivência marcada pela informalidade, não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não[33], constituindo, assim, sua família de fato – com a intenção imprescindível de constituir família.

Uma vez estabelecida ou reconhecida a união estável, o artigo 1.724 do Código Civil prevê direitos e deveres aos companheiros. Mas a lei permite ainda que o casal estabeleça as suas regras no que tange aos efeitos da relação, o que difere do contrato matrimonial, marcado pelo formalismo e solenidade. Pode-se atribuir efeitos retroativos, alteração posterior, atualização de relacionamento para o caso de realizarem um matrimônio e até mesmo registrar bens que lhe sejam comuns, para que não ocorram futuras alienações unilaterais indesejáveis – o ordenamento somente protege as alienações, exigindo a anuência da outra pessoa do casal, no caso do casamento. É uma ampla autonomia privada, na qual não cabe ao Estado impor formalidades e vontades.

Quanto aos efeitos retroativos, o Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando contrariamente, apesar de a ideia ser majoritariamente apoiada pela doutrina civilista[34]. O STJ entendeu que o legislador não colocou a união estável e o casamento no mesmo patamar, portanto os benefícios não podem ser igualitários para os dois institutos; deve vigorar o regime da comunhão parcial de bens, enquanto a união estável não for registrada[35].

A inovação basilar no que tange à união estável se deu com a possiblidade da união homoafetiva. As mudanças ideológicas sociais, seguindo entendimentos contemporâneos da doutrina civilista, proporcionaram e influenciaram o judiciário a aceitar, provocando efeitos jurídicos, as relações entre indivíduos do mesmo sexo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana vislumbra a livre escolha sexual, a liberdade de pensamento para convicções pessoais – o que reforça o descabimento da interferência do legislativo e do judiciário em impor limites às relações afetivas dos cidadãos.

Conforme abordado anteriormente, no ano de 2011 ocorreu o grande marco definitivo para as relações homoafetivas. Nos julgamentos da ADI nº 4.277/DF[36] e da ADPF 132/RJ[37], o Supremo Tribunal Federal decidiu por estender à união estável homoafetiva todos os direitos inerentes à união heteroafetiva. Além disso, passou-se a acolher a possibilidade da conversão da união estável homoafetiva em casamento, o que originou o Enunciado nº 526 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça[38], no mesmo ano. No mesmo caminho, embora tenha sido alvo de críticas de ordem jurídica, por afronta à sua competência determinada pelo poder constituinte reformador, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 175/2013, que impôs a celebração matrimonial homoafetiva em todo o país, seguindo as regras aplicáveis à união e ao casamento heteroafetivos[39].

3.2. O tratamento da união estável no Código de Processo Civil de 2015.

 Baseando-se nos novos preceitos trazidos pela Constituição de 1988, como já visto anteriormente, o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao afinar as características da união estável com as do casamento em diversos aspectos, o que influenciou o direito no plano material. Enquanto este sempre exigiu a outorga do cônjuge para atos da vida matrimonial, polemizando se o mesmo valeria nos casos de união estável, o novo diploma processual pôs fim à discussão. O  CPC, em seu artigo 73, §3º, instituiu que também é necessária a outorga entre os conviventes, desde que a união estável reste comprovada. Posteriormente, como já era esperado com o advento, o Código Civil acabou por exigir a outorga do companheiro nos casos do artigo 1.647, II – referentes a bens ou direitos reais imobiliários. Muito embora se trate de uma mudança significativa no âmbito material, resta a incerteza da necessidade ou não da outorga convivencial nos demais casos do artigo, como na fiança e doação de bens que sejam comuns aos companheiros, tema este que desperta antagonismos doutrinários.

A corrente minoritária[40] entende que o supracitado artigo é aplicável integralmente também à união estável, pois o regime de bens, em regra, é o igual ao do casamento: a comunhão parcial de bens, o que legalmente força pela importância da autorização do cônjuge para os atos. A partir disso, equiparando-se os regimes e suas características, temos a igualdade dos patamares entre os dois tipos de relação – salvo, evidentemente, se o regime escolhido for o da separação absoluta de bens, hipótese na qual é dispensável a outorga convivencial.

Já Flávio Tartuce[41] prima pela diferenciação da união estável e do casamento, destacando a segurança jurídica. Os autores que o seguem possuem a concepção de que a norma do artigo 1.647 impõe limitações aos direitos do cônjuge, visando proteger o outro; logo, não comportaria uma interpretação extensiva. Para estes, somente detém validade jurídica a regra do artigo 73, § 3º do CPC – que originou a regra do artigo 1.647, II do Código Civil –, não sendo aplicáveis todas as regras do casamento à união estável no tocante à necessidade da outorga do cônjuge em todo o rol do artigo civilista. Pelo mesmo pensamento decidiu o Superior Tribunal de Justiça[42].

Em seu artigo 144, o CPC incluiu o termo “companheiro” no rol de impedimentos do juiz, exemplificando casos em que o Magistrado houver estabelecido união estável com uma das partes interessadas, bem como para as situações em que figure como parte um cliente do escritório de advocacia do companheiro do juiz. Além disso, o depoimento da parte não deve conter fatos que gerem a desonra de seu companheiro, conforme versa o art. 388, III da lei processual; novamente o termo “companheiro” constitui uma inovação processual e material. A confissão, nas ações sobre bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis alheios, não terá validade sem a anuência do companheiro ou cônjuge, excetuando-se os casos de separação absoluta de bens, como afirma o art. 391, parágrafo único do CPC. Quanto ao rol de testemunhas, o companheiro também entrou na lista de impedimentos (art. 447, § 2º, II).

O companheiro teve a sua legitimidade ampliada. No inventário, foi reconhecido como possível autor para a sua abertura e para ser inventariante (arts. 616, I e 617, I), prosseguindo com os avanços da doutrina e jurisprudência mais modernas. Com o intuito de evitar que o companheiro sobrevivente seja excluído por má-fé de terceiro, no seu art. 620, II, a lei processual estabelece que, em caso de partilha por inventário, é obrigatório que o administrador dos bens informe ao juiz se o falecido vivia em união estável, bem como o seu respectivo regime de bens. No que tange aos embargos de terceiro, o companheiro conquistou a sua legitimação para a interposição, uma vez que possua interesses em sua meação, pelo artigo 674, § 2º, I, do CPC[43].

O Código de Processo Civil de 2015, em suma, trouxe garantias jurídicas aos companheiros, assegurando os seus direitos patrimoniais e sucessórios. Não obstante, reconheceu a pluralidade das formas familiares, pois os indivíduos têm liberdade para definir o tipo de relação que almejam, averbá-la, estipular direitos e deveres – tudo isso faz com que a solenidade seja posta de lado, prevalecendo as evoluções sociais e tornando o direito acessível.

3.3. Aspectos sucessórios: direitos do companheiro e equiparação ao regime do casamento.

O convivente não logrou êxito no reconhecimento de seus direitos sucessórios e jurídicos rapidamente. Anos se passaram, diversas alterações legislativas foram editadas. Somente a partir da Lei nº 8.971/1994 os companheiros começaram a ter alguma perspectiva de avanço. Até a edição da mesma, embora a Carta Magna já houvesse entendido pela legalidade da união estável, pela Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, os companheiros eram meramente meeiros, pois possuíam direitos exclusivamente quanto aos bens adquiridos por esforço comum[44]. A nova lei determinou que o companheiro era legítimo para participar da sucessão do outro, havendo ou não filhos comuns, a depender do caso. Para isso, fazia uso de requisitos hoje não mais válidos no ordenamento brasileiro: os cincos anos mínimos de convivência, a existência de filhos e que os conviventes fossem solteiros, divorciados, separados judicialmente ou viúvos.

Em 1996, a Lei nº 9.278, que prevê o direito real de habitação aos companheiros, foi criada. Durante muito tempo, discutiu-se se esta lei era incompatível com a anterior, uma vez que não abordou a questão quanto ao prazo mínimo de cinco anos para a evidenciação da união estável. Verificou-se, então, que não se trata de incompatibilidade entre os diplomas, mas que um complementa e especifica o assunto do outro; simplesmente a lei de 1996 atualizou a de 1994, favorecendo os conviventes através da regulamentação do direito real de habitação. Com o Código Civil de 2002, as leis supracitadas foram revogadas, visto que o tema da sucessão na união estável fora completamente reformado.

No ano de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou, no Recurso Extraordinário n. 878.694/MG[45], pela equiparação dos regimes sucessórios entre a união estável e o casamento, inclusive as uniões homoafetivas. O artigo 1.790 do Código Civil foi considerado inconstitucional, em razão da desigualdade propagada entre cônjuges e conviventes, de qualquer orientação sexual. A partir da decisão, as regras sucessórias presentes no artigo 1.829 passaram a ser igualmente aplicáveis a todos. Ressalta-se que, no Código Civil de 1916, o cônjuge era herdeiro facultativo, e só teria direito à herança após os descendentes e ascendentes, podendo ainda ser afastado por testamento. Em 2002, tornou-se herdeiro necessário, em concorrência com os descendentes ou ascendentes do falecido, além de ser meeiro. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça[46] também se decidiu pela equiparação dos regimes sucessórios entre a união estável e o casamento, aplicando a tese do STF quanto à inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil.

Com efeito, a união estável, que já detinha os mesmos efeitos patrimoniais do casamento, o mesmo regime legal e os mesmos deveres e direitos dos cônjuges, torna-se substancialmente igual ao casamento, agora que os direitos sucessórios também foram equiparados, embora o companheiro ainda seja herdeiro facultativo – e não necessário, como ocorre no casamento. A vacância legislativa pressupõe que os companheiros poderão dispor de todo o seu patrimônio, não necessitando reservar metade dos bens da herança.

  4 . CONCLUSÃO

Neste trabalho tentou-se apresentar uma série de obstáculos – e até preconceitos – que a União Estável e o Casamento superaram no ordenamento jurídico brasileiro. O Código de Processo Civil, com base nas legislações já existentes que visavam proteger os companheiros e os cônjuges, mostrou preocupação com as garantias destes enquanto sujeitos relacionais, quebrando paradigmas, proporcionando segurança jurídica e, principalmente, provendo maior liberdade para estipular seus relacionamentos. Indiscutivelmente, os avanços foram muito significativos – e espera-se que, jurídica e socialmente, jamais retroajam.

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NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Advogada, Graduada pela FND/UFRJ e Pós-Graduanda em Direito de Família e Direito Sucessório.

[2] Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho. Professora Adjunta de Direito Processual Civil da FND/UFRJ.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. ADI nº 4.277. Tribunal Pleno. Relato Min. Ayres Britto. DJU, Brasília, 14. Out. 2011, v. 219, p. 212.

[4] BRASIL. STF. Acórdão. ADPF nº 132. Brasília, 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em setembro de 2017.

[5] BRASIL. CNJ. Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013. Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo. Min. Joaquim Barbosa. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2504>. Acesso em setembro de 2017.

[6] GIORGIS, José Carlos Teixeira. Direito de Família contemporâneo, p. 117.

[7] CARVALHO, Dimas Messias de. Direito de Família: Direito Civil, p. 57.

[8] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família, p. 155.

[9] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias, p. 391.

[10] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família, p. 1105.

[11] MADALENO, Rolf. Op. Cit, p. 9.

[12] RIZZARDO, Arnaldo, Op. Cit, p. 155.

[13] BRASIL. STF. Acórdão. ADI nº 4.277. Tribunal Pleno. Relator Min. Ayres Britto. DJU, Brasília, 14. out. 2011, v. 219, p. 212.

[14] RIZZARDO, Arnaldo. Op. Cit., p. 158.

[15] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, p. 81. Contra: GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. 1, p. 462 (para quem é possível, em certas situações, formar-se um litisconsórcio ativo necessário).

[16] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Regras processuais no novo código civil: aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual, p. 120.

[17] DIDIER JÚNIOR, Fredie, Op. Cit., p. 117-118.

[18] DIDIER JÚNIOR, Fredie., Op. Cit., p. 120.

[19] LÔBO, Paulo. Código Civil comentado, p. 252.

[20] BRASIL. STJ. REsp nº 1220369/MG. Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 01.08.2017. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/483889665/agrg-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1220369-mg-2010-0189997-1?ref=topic_feed>. Acesso em novembro de 2017.

[21] THEODORO JR., Humberto. O novo código civil e as regras heterotrópicas de direito processual. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20J%C3%BAnior(6)%20-formatado.pdf>. Acesso em novembro de 2017.

[22] TARTUCE, Flávio. Da ação de alteração de regime de bens no Novo CPC. 2015. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/318081198/da-acao-de-alteracao-de-regime-de-bens-no-novo-cpc-segunda-parte>. Acesso em novembro de 2017.

[23] BRASIL. TJRS. AI nº 70038227633. 8a CC. Rel. Des. Rui Portanova, j. em 24.08.2010. Disponível em: <http://www.civel.mppr.mp.br/arquivos/File/consulta_17_jacarezinho_alteracao_regime_bens.pdf>. Acesso em novembro de 2017.

[24] TARTUCE, Flávio, Op. Cit.

[25] TARTUCE, Flávio, Op. Cit.

[26] BRASIL. STJ. REsp nº 730.546/MG. 4a Turma. Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 03.10.2005. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7194542/recurso-especial-resp-730546-mg-2005-0036263-0-stj/relatorio-e-voto-12939610>. Acesso em novembro de 2017.

[27] ROCHA, Henrique. Do divórcio no novo CPC. 2016. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI244852,61044-Do+divorcio+no+novo+CPC>. Acesso em novembro de 2017.

[28] ROCHA, Henrique., Op. Cit.

[29] MADEIRA FILHO, Ibrahim Fleury de Camargo. Conversão da união estável em casamento, p. 156.

[30] ROSA, Conrado Paulino da. Op. Cit., p. 100.

[31] BRASIL. STJ. Notícias. Processo de conversão de união estável em casamento também pode ser iniciado na Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Not%C3%ADcias/Processo-de-conversão-de-união-estável-em-casamento-também-pode-ser-iniciado-na-Justiça>. Acesso em novembro de 2017.

[32] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família contemporâneo, p. 76.

[33] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável, p.47.

[34] ROSA, Conrado Paulino da. Op. Cit., p. 94.

[35] BRASIL. STJ. REsp nº 1383624/MG. 3a Turma. Rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 02.06.2015. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/197964514/recurso-especial-resp-1383624-mg-2013-0146258-6/relatorio-e-voto-197964532?ref=juris-tabs>. Acesso em setembro de 2017.

[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Op. Cit.

[37] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Op. Cit.

[38] BRASIL. CJF/STJ. Enunciado nº 526, da V Jornada de Direito Civil, 2011. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/595>. Acesso em setembro de 2017.

[39] BRASIL. CNJ. Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2504>. Acesso em setembro de 2017.

[40] Ver, por exemplo, SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. In: FIUZA, Ricardo, p. 1.427.

[41] TARTUCE, Flávio. Impactos do novo CPC no Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

[42] BRASIL. STJ. REsp nº 1.299.866/DF. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em em 25.02.2014. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25015878/recurso-especial-resp-1299866-df-2011-0312256-8-stj/inteiro-teor-25015879?ref=juris-tabs>. Acesso em setembro de 2017.

[43] BRASIL. STJ. REsp nº 426239. 2a Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 04.05.2004. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19560789/recurso-especial-resp-426239-rs-2002-0040200-1/inteiro-teor-19560790?ref=juris-tabs>. Acesso em setembro de 2017.

[44] ROSA, Conrado Paulino da. Op. Cit., p. 101.

[45] BRASIL. STF. RE nº 878.694. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 10.05.2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4744004&numeroProcesso=878694&classeProcesso=RE&numeroTema=809>. Acesso em setembro de 2017.

[46] BRASIL. STJ. Processo que tramitou em segredo de justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Not%C3%ADcias/Quarta-Turma-equipara-regime-sucessório-entre-cônjuges-e-companheiros>. Acesso em outubro de 2017.

Palavras Chaves

União Estável; Casamento; Código Civil; Direito de Família; Código de Processo Civil.