VISITAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DURANTE A PANDEMIA

Resumo

Após a Organização Mundial da Saúde – OMS ter declarado a existência de uma pandemia de coronavírus (Covid-19), os órgãos competentes passaram a recomendar medidas para reduzir o contágio da doença, dentre elas o distanciamento social. Essa orientação alterou a convivência familiar, em especial a visitação de crianças e adolescentes que não residem com um dos genitores. O objetivo do presente trabalho é analisar se as visitas devem continuar ocorrendo durante a pandemia, quais requisitos devem ser observados para permitir que as visitas ocorram e apresentar medidas alternativas para os casos em que a visitação precise ser temporariamente descontinuada. A pesquisa analisou decisões judiciais sobre o tema, bem como apresentou os princípios e conceitos norteadores da matéria. Buscou-se verificar que as decisões judiciais precisam avaliar casuisticamente a possibilidade de manutenção da convivência familiar, atendendo ao melhor interesse do menor e ao direito à saúde.

Artigo

VISITAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DURANTE A PANDEMIA

 

Manoela Augusta Martins Rodrigues Dourado[1]

Cláudia Leareno Monteiro[2]

 Resumo: Após a Organização Mundial da Saúde – OMS ter declarado a existência de uma pandemia de coronavírus (Covid-19), os órgãos competentes passaram a recomendar medidas para reduzir o contágio da doença, dentre elas o distanciamento social. Essa orientação alterou a convivência familiar, em especial a visitação de crianças e adolescentes que não residem com um dos genitores. O objetivo do presente trabalho é analisar se as visitas devem continuar ocorrendo durante a pandemia, quais requisitos devem ser observados para permitir que as visitas ocorram e apresentar medidas alternativas para os casos em que a visitação precise ser temporariamente descontinuada. A pesquisa analisou decisões judiciais sobre o tema, bem como apresentou os princípios e conceitos norteadores da matéria. Buscou-se verificar que as decisões judiciais precisam avaliar casuisticamente a possibilidade de manutenção da convivência familiar, atendendo ao melhor interesse do menor e ao direito à saúde.

 

Palavras-chave: Pandemia; Visitação de crianças e adolescentes; Convivência familiar; Direito de Família.

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, foi descoberto na China um novo coronavírus que provoca infecção respiratória[3] leve na maioria dos casos, mas excepcionalmente pode ser aguda e levar à morte.

Em 11/03/2020, a Organização Mundial da Saúde – OMS declarou a pandemia do novo coronavírus no mundo, fato que levou as autoridades de saúde a recomendar medidas de prevenção para conter o contágio da doença, dentre elas o distanciamento social.

Entende-se por distanciamento social:

“A diminuição de interação entre as pessoas de uma comunidade para diminuir a velocidade de transmissão do vírus. É uma estratégia importante adotada quando há indivíduos já infectados, mas ainda assintomáticos ou oligossintomáticos, que não se sabem portadores da doença e não estão em isolamento.

Esta medida deve ser aplicada especialmente em locais onde existe transmissão comunitária, como é o caso do Brasil, quando a ligação entre os casos já não pode ser rastreada e o isolamento das pessoas expostas é insuficiente para frear a transmissão”[4].

A recomendação se deu pelo fato do contágio do COVID-19, doença ocasionada pelo novo coronavírus, ocorrer, de forma geral, através do contato com pessoas infectadas. As principais formas de contágio se dão através de tosse, espirro, catarro, gotículas de saliva e superfícies contaminadas[5].

Além da referida medida, foram recomendados também o isolamento (alternativa que visa separar as pessoas doentes) e a quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas que foram presumivelmente expostas a uma doença contagiosa, mas que estão saudáveis)[6].

Estudos mostraram que as medidas de distanciamento social, isolamento e quarentena reduzem de 31 (trinta e um) a 63% (sessenta e três por cento) o número de mortes pelo vírus (Sars-CoV-2)[7], dados que demonstram a importância de se manter as medidas para evitar a contaminação.

Essas medidas impactaram diretamente na convivência familiar de crianças e adolescentes cujos pais ou responsáveis não residam sob suas guardas, tema que iremos discorrer brevemente no próximo capítulo.

  1. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA VISITAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Independente da guarda da criança ou adolescente ser unilateral ou compartilhada, o genitor que não reside com o filho(a) tem o direito de desfrutar de sua companhia e participar de sua educação, através de avença ou por decisão judicial.

O direito de convivência dos pais que não detêm a guarda dos filhos está previsto no artigo 1.589 do Código Civil, vejamos:

“O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

Sabe-se que este direito de convivência não assiste somente aos pais, mas também aos filhos, que carecem da companhia, dos ensinamentos e do amor dos pais para garantir seu pleno desenvolvimento físico e psíquico.

Maria Berenice Dias esclarece que:

“A visitação não é somente um direito assegurado ao pai ou à mãe, é direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os vínculos paterno e materno-filial. (…) Consagrado o princípio proteção integral, em vez de regulamentar as visitas, é necessário estabelecer formas de convivência, pois não há proteção possível com a exclusão do outro genitor[8].”

A convivência com os pais, através da visitação, evita a ruptura dos laços de afetividade existentes no seio familiar, reforçando, com isso, o vínculo paterno e materno com os filhos.

Além disso, o exercício irrenunciável do poder familiar, expresso no artigo 1.631 do Código Civil, carece do contato entre pais e filhos para ser desempenhado.

O artigo 1.634 do Código Civil define em que consiste o poder familiar, vejamos:

Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:      (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;      (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Cabe ressaltar que o direito à visitação não se aplica somente aos pais, mas se estende também aos avós (artigo 1.589, § 1º do Código Civil de 2002), que podem pleitear judicialmente a convivência com os netos, desde que observados os interesses destes.

Há também decisões de tribunais no Brasil autorizando a visita de pessoas que tenham ou não parentesco com a criança ou o adolescente, desde que possuam vínculo afetivo, considerado importante à formação humana do menor.

O pano de fundo para todas as decisões relativas à visitação de infantes deve ser o Princípio Constitucional do Melhor Interesse do Menor, previsto no artigo 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, vejamos:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O legislador constituinte visava resguardar o ser humano em sua forma mais vulnerável quando editou o referido dispositivo, dando-lhe tamanha importância que impôs a todos o dever de assegurar os direitos de crianças e adolescentes.

Com isto em mente, observa-se que o melhor interesse do menor deve ser sempre observado, uma vez que se trata de uma pessoa em formação que necessita de cuidados diferenciados, os quais, como visto, são reconhecidos constitucionalmente.

No que tange à visitação de crianças e adolescentes, há que se observar também o Princípio da Proteção Integral, que está previsto no artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990, vejamos:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”.

Introduzido no ordenamento jurídico brasileiro em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Criança[9], publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1989, o mencionado dispositivo visa atender, prioritariamente, às necessidades inerentes ao desenvolvimento do menor.

Dentre essas necessidades está o direito ao convívio com os pais que, conforme visto, colabora para a saúde física e psíquica da criança e do adolescente.

  1. DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR X DIREITO À SAÚDE

Sabe-se que, em razão da pandemia que assola o mundo atualmente, a recomendação de distanciamento social para redução do contágio pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) fez com que a maioria das pessoas evitasse sair de casa para resguardar não só sua própria saúde, mas também a da coletividade.

Previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1888 como sendo um direito social, o direito à saúde deve ser resguardado a todos, conforme prevê o artigo 196 da Carta Magna, vejamos:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Visando o enfrentamento do novo coronavírus, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 926/2020. Igualmente, estados e municípios brasileiros baixaram decretos regulamentando medidas de distanciamento social, quarentena, isolamento, bem como outras determinações para minimizar o contágio.

Necessário dizer que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu[10] que é concorrente a competência dos entes federativos para baixar medidas restritivas contra o coronavírus em seus territórios.

Sendo assim, descumprir essas medidas pode ser considerado crime, previsto no artigo 268 do Código Penal, vejamos:

“Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa”.

Inegável que tanto o direito da criança e do adolescente à convivência familiar, respaldado pelos princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral, quanto o direito à saúde são preciosos e, portanto, merecem ser resguardados.

Todavia, quando há um conflito entre estes direitos faz-se necessário aplicar o princípio da concordância prática, entendendo a Constituição como uma unidade, além de harmonizar os preceitos buscando não priorizar um direito em detrimento de outro, mas mitigá-los em prol da coesão.

Além de observar a unicidade da carta magna, faz-se necessário observar elementos do caso concreto para sopesar os princípios e avaliar concretamente se a visitação deve ocorrer ou não durante a pandemia.

Entende-se que há indagações que são essenciais à análise casuística da visitação de crianças e adolescentes durante a pandemia, são elas:

  1. O (A) genitor (a) ou o filho (a) apresenta algum sintoma da Covid-19 ou teve contato com algum caso confirmado da doença?

Esse questionamento é imprescindível, pois caso o genitor (a) ou filho (a) esteja com sintomas ou tenha tido contato com alguém que esteja comprovadamente infectado, as chances dele (a) infectar outras pessoas são altas. O (A) genitor (a) reside com alguém com sintomas da Covid-19?

Caso o genitor (a) resida com alguém que esteja com sintomas do novo coronavírus, o mais recomendado é que o menor não esteja em sua companhia até que esse risco seja afastado.

  1. O (A) genitor (a) reside com alguém que integre o grupo de risco (idosos, portadores de diabetes, pressão alta, doenças cardíacas, doenças pulmonares ou câncer)?

Tendo em mente que a saúde da coletividade deve ser assegurada por todos, caso o genitor (a) resida com alguém que integre o grupo de risco da Covid-19, é recomendado que seja reduzido o fluxo de pessoas na residência para evitar a contaminação.

  1. O (A) genitor (a) está trabalhando externamente durante a pandemia?

Há profissionais que continuam trabalhando durante a pandemia, tais como profissionais das áreas de saúde, segurança, comércio de alimentos, entre outras, denominados serviços essenciais.  Esses profissionais estão, em tese, mais expostos à doença, fato que poderá influenciar na decisão de visitação de crianças e adolescentes .

  1. Como será feito o transporte da criança ou adolescente na visitação?

Inegável que o transporte público é um dos meios mais propensos à contaminação pelo coronavírus. Assim, o ideal seria que a locomoção da criança ou adolescente para a visitação durante a pandemia fosse feita por carro particular. No entanto, não se pode exigir essa medida do genitor (a), uma vez que sua condição financeira pode não permitir a adoção dessa medida.

Ademais, há formas de se minimizar as chances de contágio em transportes públicos, tais como manter uma distância segura de outras pessoas, passar álcool em gel nas mãos e superfícies tocadas por terceiros, usar máscaras, etc.[11]

Negar a visitação a todos os genitores que necessitam fazer uso de transporte público sem analisar outros fatores significaria ignorar a isonomia e a situação econômico-financeira da grande maioria dos brasileiros.

            Ao analisar os referidos requisitos, somados a outros fatores que o caso concreto possa apresentar, o julgador será capaz de decidir sobre o cabimento ou não da manutenção das visitas ao infante.

            Importante ressaltar que, em 25 de março de 2020, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda se manifestou em defesa da proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes.

Denominado de Recomendações do Conanda para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia do COVID-19[12], o documento aconselha, dentre outras providências, a seguinte:

  1. Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações:
  2. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida;
  3. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável;
  4. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado;
  5. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado;
  6. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas;
  7. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo.

O Conanda, dentre outras atribuições, é o órgão responsável pela fiscalização das políticas públicas implementadas para resguardar os direitos das crianças e dos adolescentes em nível municipal, estadual e federal, portanto, a referida recomendação tem grande valor e deve ser observada.

  1. O USO DA TECNOLOGIA EM PROL DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR DURANTE A RECOMENDAÇÃO DE DISTANCIAMENTO SOCIAL

Segundo Pontes de Miranda[13], nem sempre a legislação é suficiente para solucionar as demandas apresentadas aos magistrados, ocasião em que a função criativa do juiz é necessária à prestação jurisdicional.

Situações adversas exigem do Poder Judiciário decisões criativas, e não poderia ser diferente nesse momento de pandemia que enfrentamos.

Com a epidemia, a tecnologia se tornou fundamental para o trabalho, a educação e diversas outras atividades atualmente exercidas em home office[14].

Da mesma forma, a conectividade pode ser utilizada como ferramenta para aproximar pais e filhos que estão temporariamente impedidos de realizar a visitação. Na era digital, é possível driblar o distanciamento social através de videochamadas, por exemplo.

Em processo que tramita em segredo de justiça no Tribunal de Justiça do Paraná, um magistrado proferiu decisão liminar alterando a convivência presencial para virtual por entender que a locomoção da criança não era recomendada nesse momento. Vejamos trecho da decisão:

“Não se mostra prudente, quando até mesmo as instituições de ensino suspenderam as aulas para evitar a circulação das crianças e adolescentes, permitir que a criança se locomova livremente entre as residências materna e paterna, colocando em risco sua própria integridade física e da avó materna, com quem reside[15].”

A referida decisão foi objeto de agravo de instrumento que alterou o julgado e aplicou o revezamento a cada quinze dias entre os genitores, mas sem afastar a possibilidade de contato com aquele que não estiver na companhia da criança[16].

Apesar de ter sido revertido, o decisum serve para exemplificar que os magistrados estão buscando soluções inovadoras na tecnologia para viabilizar as visitações durante a recomendação de distanciamento social.

Especialmente em casos que os genitores residem em cidades diferentes, em razão do fechamento de diversas fronteiras intermunicipais e interestaduais pelo país, a tecnologia pode ser uma alternativa para manter o contato constante entre pais e filhos.

Cabe ressaltar que é importante analisar a realidade fática de cada família antes de se aplicar uma decisão como essa no caso concreto, pois ainda é grande no Brasil o número de pessoas sem acesso à internet[17], bem como a falta de domínio por parte da população dessa área de conhecimento, fato que poderia tornar sem efeito prático a decisão.

  1. A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

Visando prevenir a transmissão do novo coronavírus a magistrados, servidores, colaboradores e jurisdicionados, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ estabeleceu, através das Resoluções 313[18] e 314[19], ambas de 2020, o regime de Plantão Extraordinário.

O artigo 4º da Resolução nº 313 garante que atos praticados contra crianças e adolescentes serão apreciados, ainda que através de processos físicos.

Assim, apesar do atendimento presencial nos Tribunais por todo o Brasil estar bastante reduzido, servidores e magistrados estão desempenhando suas funções laborativas de maneira remota. Dessa forma, diversos pedidos relativos à visitação de crianças e adolescentes durante a pandemia vêm sendo apresentados à apreciação do Poder Judiciário. Todavia, em razão dessas ações envolverem menores, em regra tramitam em segredo de justiça, o que nos impede de ter acesso ao inteiro teor das decisões.

Apesar disso, é possível localizar trechos de julgados recentes em sítios na internet, os quais serão apresentados a seguir.

No Distrito Federal, um pai formulou pedido de suspensão das visitas à filha sob o argumento de que reside com os pais, que são idosos e, portanto, integrantes do grupo de risco da Covid-19.

Entendendo que a mãe estava de acordo com o pedido e visando resguardar a saúde, a juíza, após receber a concordância do membro do parquet, deferiu o pedido de suspensão das visitas.

Ato contínuo, a genitora apresentou pedido de reconsideração da decisão, pugnando pela manutenção das visitas durante a pandemia, pedido que foi acolhido pela magistrada.

Em sede de recurso, desembargador da 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios decidiu liminarmente pela suspensão das visitas, nos seguintes termos:

“A pandemia mundial da Covid-19 é fato notório e assola a população de vários países, inclusive do Brasil. As autoridades públicas de todas as esferas de poder, cientes da inquestionável gravidade dos fatos, adotaram diversas medidas de isolamento social no intuito de diminuir a velocidade de propagação da pandemia”[20].

Nesse caso específico o desembargador entendeu que os direitos do menor estariam resguardados com a suspensão das visitas, face à excepcional situação que se enfrenta. Observou, também, o direito à saúde dos idosos, nesse caso os avós.

Outro caso concreto menos recente, com decisão proferida em 12 de março de 2020, foi analisado pela 7ª Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Um pai viajou para a Colômbia e, ao retornar ao Brasil, desejava visitar sua filha, menor, acometida de problemas respiratórios. Temendo que este pudesse ter sido infectado pelo novo cononavírus, a mãe requereu que o pai fosse impedido de visitar a filha por 15 dias, período de quarentena.

Cabe ressaltar que, quando o pedido foi formulado ainda não havia recomendação da Organização Mundial da Saúde para que viajantes assintomáticos ficassem em quarentena.

Em primeira instância, o pedido da mãe foi negado. Todavia, a decisão foi revertida, em sede de liminar, apreciada pelo Desembargador José Rubens Queiroz Gomes, que entendeu não haver prejuízo algum à menor o distanciamento do pai por um curto período de tempo para resguardar sua saúde, vejamos:

“Não haverá grande prejuízo se a criança permanecer mais nove dias sem ver o genitor”[21].

Apesar do Poder Judiciário estar aberto a apreciar todos os casos referentes à visitação de crianças e adolescentes durante a pandemia, faz-se necessário que pais e advogados busquem resolver tais contendas amigavelmente, através do diálogo e visando sempre o melhor interesse do menor.

Evitar conflitos nesse momento é especialmente importante para não abarrotar o sistema judiciário com demandas que poderiam ser resolvidas extrajudicialmente.

Necessário dizer que mesmo nos casos em que há uma decisão judicial determinando as visitas é possível que as partes, em comum acordo, façam modificações na visitação a fim de assegurar a saúde e o bem estar da criança e do adolescente.

CONCLUSÃO

            Desde a Gripe A (H1N1), mais conhecida como Gripe Suína, em 2009, que o mundo não enfrentava uma pandemia. Com cerca de 18.500 vítimas[22], esta não chegou nem perto do coronavírus (Covid-19), que em 18 de maio de 2020 já fez mais de 311.000 vítimas fatais em todo o mundo.

            Para evitar o aumento muito acelerado de pessoas infectadas pela doença e, consequentemente, um colapso no sistema nacional de saúde, o Brasil, assim como diversos outros países pelo mundo, passou a recomendar distanciamento social, isolamento social e quarentena à população.

            Essas medidas de prevenção trouxeram diversas implicações no dia a dia das famílias, tendo inclusive impactado na visitação de crianças e adolescentes.

            Apesar de, em geral, os tribunais estarem de portas fechadas, o Poder Judiciário vem analisando diversos pedidos de suspensão e manutenção de visitas a crianças e adolescentes por todo o país, os quais necessitam ser apreciados levando em consideração os princípios constitucionais basilares dos direitos da criança e do adolescente.

            Soluções inovadoras e tecnológicas vêm sendo aplicadas para manter a convivência familiar à distância, tais como as videochamadas e as mensagens eletrônicas.

            O direito da criança e do adolescente à convivência familiar está, em tempos de pandemia, em colisão com o direito à saúde, não somente deles, mas também da coletividade. Dessa forma, o desafio dos operadores do direito é possibilitar, no caso concreto, de que forma é viável observar esses dois direitos de forma equânime, de acordo com as possibilidades casuísticas.

            Apresentou-se, no presente trabalho, os requisitos que podem ser avaliados no caso concreto para se concluir pela manutenção ou descontinuação das visitas. Verificando-se que a visitação é, na medida do possível, segura para o menor e para terceiros no que diz respeito à sua saúde. Neste caso, não havendo motivos para negá-la durante o período de pandemia, visto que a convivência com os genitores é de suma importância para o desenvolvimento sadio da criança e do adolescente.

Notas de rodapé:

[1] Advogada, Conselheira da OAB/RJ, Presidente da Comissão de Processo Civil da OAB Barra da Tijuca, Mentora no Projeto de Mentoria da OAB/RJ e Vice Diretora da Diretoria de Assistência aos Advogados da Capital – OAB/RJ.

[2] Advogada, Mentorada do Projeto de Mentoria da OAB/RJ. Delegada de Prerrogativas, Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas, Membro da Comissão de Celeridade Processual e Membro da Comissão OAB Mulher de Duque de Caxias – RJ.

[3] O que é Covid-19. Ministério da Saúde. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid . Acesso em: 18 de maio de 2020.

[4] Qual a diferença de distanciamento social, isolamento e quarentena? Telessaúde RS. Disponível em: https://www.ufrgs.br/telessauders/posts_coronavirus/qual-a-diferenca-de-distanciamento-social-isolamento-e-quarentena/ . Acesso em: 18 de maio de 2020.

[5] O que é Covid-19. Ministério da Saúde. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid . Acesso em: 18 de maio de 2020.

[6] Quarentena x Isolamento social: entenda a diferença. Unit – Universidade Tiradentes. Disponível em: https://portal.unit.br/blog/noticias/quarentena-x-isolamento-social-entenda-a-diferenca/. Acesso em: 18 de maio de 2020.

[7] Ruprecht, Theo. Coronavírus: 6 medidas antes de flexibilizar o isolamento social. Disponível em: https://saude.abril.com.br/medicina/coronavirus-medidas-flexibilizar-distanciamento-social/. Acesso em: 18 de maio de 2020.

[8] Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

[9] Convenção sobre os Direitos da Criança. Unicef. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca . Acesso em: 18 de maio de 2020.

[10] Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6341/2020 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765 . Acesso em: 13 de maio de 2020.

[11] BAZANI, Adamo. Associação Nacional de Transportes Públicos. Motoristas e cobradores de ônibus têm 70% de risco de contágio pelo novo coronavírus no Brasil, dizem pesquisadores. Disponível em:  http://www.antp.org.br/noticias/clippings/motoristas-e-cobradores-de-onibus-tem-70-de-risco-de-contagio-pelo-novo-coronavirus-no-brasil-dizem-pesquisadores.html . Acesso em: 07 de maio de 2020.

[12] Recomendações do Conanda para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia do covid-19. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/legis/covid19/recomendacoes_conanda_covid19_25032020.pdf  Acesso em: 05 de maio de 2020.

[13] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado da ação rescisória. Campinas: Bookseller, 1998, p. 274-275.

[14] Escritório em casa.

[15] Pai reverte liminar e conviverá com a filha durante pandemia. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/325669/pai-reverte-liminar-e-convivera-com-a-filha-durante-pandemia Acesso em: 13 de maio de 2020.

[16] PEREIRA, Gabriel Elias Muniz. Há possibilidade de pais separados conviverem com os filhos durante a pandemia? Disponível em:  https://gabrieleliasmuniz.jusbrasil.com.br/noticias/837276791/ha-possibilidade-de-pais-separados-conviverem-com-os-filhos-durante-a-pandemia?ref=serp Acesso em: 13 de maio de 2020.

[17] TOKARNI, Mariana. Agência Brasil. Um em cada 4 brasileiros não tem acesso à internet, mostra pesquisa. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet Acesso em: 13 de maio de 2020.

[18]  Resolução nº 313, de 19 de março de 2020 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-313-5.pdf Acesso em: 05 de maio de 2020.

[19] Resolução nº 313, de 19 de março de 2020 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/04/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-314.pdf Acesso em: 05 de maio de 2020.

[20] Justiça suspende visitas paternas temporariamente para evitar disseminação do coronavírus. Lex Magister. Disponível em: http://www.lex.com.br/noticia_28008993_JUSTICA_SUSPENDE_VISITAS_PATERNAS_TEMPORARIAMENTE_PARA_EVITAR_DISSEMINACAO_DO_CORONAVIRUS.aspx Acesso em: 04 de maio de 2020.

[21] ANGELO, Tiago. Por medo do coronavírus, pai é impedido de ver filha após voltar da Colômbia. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-13/desembargador-proibe-pai-ver-filha-risco-coronavirus Acesso em: 04 de maio de 2020.

[22] Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Organização Panamericana da saúde. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875#datas-noticificacoes Acesso em: 04 de maio de 2020.

 

Palavras Chaves

Pandemia; Visitação de crianças e adolescentes; Convivência familiar; Direito de Família.