A liberdade em tempo de COVID19 e a advocacia enquanto serviço social. Criminalização e desafios da defesa técnica no cenário atual da pandemia de COVID 19

Artigo

A liberdade em tempo de COVID19 e a advocacia enquanto serviço social. Criminalização e desafios da defesa técnica no cenário atual da pandemia de COVID 19.

Participaram na elaboração do presente trabalho os mentorados com dois enfoques dentro do tema central.

Marcelo Ventura Rego, OAB-RJ 221062

Isabela Cristina Silva Araujo, OAB-RJ 227.298

 

Pautaram pela simplicidade e objetividade dentro do tema abordado, a que os parabenizo.

Mentor: Sergio Sidnei Alves Barros, OAB-RJ 082.674

 

 A LIBERDADE EM TEMPO DE QUARENTENA POR OCASIÃO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS

Este tema visa discutir a relatividade da locomoção em tempo de quarentena devido a um vírus que assola a nossa a sociedade de proporção mundial.

A história nos traz que Pandemias não são fatos novos, inclusive o Coronavírus também não é um vírus novo.

Médicos e profissionais da saúde, pesquisadores, cientistas estão perplexos e ainda tentam entender o que está acontecendo. Muito se propaga entre as autoridades no assunto, que o vírus sofreu uma mutação genética. Mas nada oficial.

Este vírus, proveniente da China e de certo veio de uma feira de animais domésticos e exóticos para consumo dos Chineses. Inclusive expostos vivos e sem condições de higiene.

Acredita-se que os principais animais que transmitiram o vírus aos seres humanos foram os morcegos e um animal chamado Pangolim, segundo estudos de cientistas chineses da Universidade Agrícola do Sul da China.

O vírus não tem um grau de letalidade, proporcionalmente falando, muito grande, se comparada a outras doenças epidemiológicas, mas a sua transmissão, por via oral e nasal (mucosa) é assustadora. Tanto é que o MUNDO todo já sofre, acumulando milhões de infectados e também milhares de mortos. Sendo característica, principalmente os idosos. Mas as estatísticas mostram controvérsias em relação a faixa etária de infectados.

No que tange ao nosso assunto, a liberdade do cidadão, começaremos aqui no Brasil e com a promulgação da lei 13.979 de 6 de fevereiro de 2020 e falaremos sobre alguns aspectos dela.

LEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020

Art. 1º  Esta Lei dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

  • 1º As medidas estabelecidas nesta Lei objetivam a proteção da coletividade.
  • 2º Ato do Ministro de Estado da Saúde disporá sobre a duração da situação de emergência de saúde pública de que trata esta Lei.
  • 3º O prazo de que trata o § 2º deste artigo não poderá ser superior ao declarado pela Organização Mundial de Saúde.

Ações adotadas:

Art. 2º. Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e

II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitas de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

Parágrafo único.  As definições estabelecidas pelo Artigo 1 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020, aplicam-se ao disposto nesta Lei, no que couber

Estas medidas foram tomadas pelo governo estadual do Estado do Rio de Janeiro e dentre elas temos:

Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:  (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

 I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização compulsória de:

  1. a) exames médicos;
  2. b) testes laboratoriais;
  3. c) coleta de amostras clínicas;
  4. d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
  5. e) tratamentos médicos específicos;

IV – estudo ou investigação epidemiológica;

V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI – restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos;

VII – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

  1. a) entrada e saída do País; e (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
  2. b) locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

Interessante destacar que, no art. 3º, INC VI, alínea “b”, é claro que as autoridades se responsabilizam em controlar a própria locomoção do direito de ir e vir, frente a pandemia.

Mas vejam:

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

E agora, o que prevalece? Nosso direito fundamental e nossa lei maior? Ou uma lei ordinária que pretende preservar a vida de seus cidadãos?

Destaca-se o Decreto do Governador do Estado do Rio de Janeiro nº:

*DECRETO Nº 46.966 DE 11 DE MARÇO DE 2020

DISPÕE SOBRE AS MEDIDAS PARA ENFRENTAMENTO DA EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL DECORRENTE DO CORONAVÍRUS, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso das atribuições constitucionais e legais, tendo em vista o que consta no Processo nº SEI-080001/005459/2020;

Decreta:

Art. 7º – Em caso de descumprimento das medidas previstas neste Decreto, as autoridades competentes devem apurar as eventuais práticas de infrações administrativas previstas no artigo 10, da Lei Federal nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, bem como do crime previsto no artigo 268 do Código Penal.

Sobre a lei federal 6.437/1977:

 Art . 10 – São infrações sanitárias:

 Diversos incisos sobre o assunto….

Sobre o Código Penal:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

DECRETO Nº 46.970 DE 13 DE MARÇO DE 2020

VII – o curso do prazo recursal nos processos administrativos perante a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro, bem como, o acesso aos autos dos processos físicos.

Parágrafo Único – A visita de advogados nos presídios do Estado do Rio de Janeiro deverá ser ajustada pelo Secretário de Estado de Administração Penitenciária para possibilitar o atendimento das medidas do presente Decreto.

DECRETO Nº 47.068 DE 11 DE MAIO DE 2020

D E C R E TA:

Art. 1º – Este Decreto estabelece novas medidas temporárias de prevenção ao contágio e de enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional, decorrente do novo Coronavírus, vetor da COVID-19, bem como, reconhece a necessidade de manutenção da situação de emergência no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.

Art. 2º – Recomendo que os prefeitos do Estado do Rio de Janeiro, em seus respectivos municípios, avaliem a necessidade de adoção de alguma forma de lockdown como medida de isolamento social, com o objetivo de combater a proliferação do coronavírus.

Parágrafo Único – O Estado do Rio de Janeiro auxiliará as ações de lockdown dos municípios com a participação dos órgãos de segurança do Estado

IX – A circulação de transporte interestadual de passageiros com origem nos seguintes Estados: São Paulo, Minas Gerais, Espirito Santo, Bahia, Distrito Federal e demais estados em que a circulação do vírus for confirmada ou situação de emergência decretada. Compete à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT ratificar esta determinação até o início da vigência do presente dispositivo;

A legislação aqui elencada não está completa, pois a demonstração ficará restrita ao assunto de LIBERDADE DO CIDADÃO.

Por fim, demonstraremos a legislação pertinente ao Município de Niterói, Rio de Janeiro.

Onde a partir do dia 11/05/2020, foi devidamente aprovado pela Câmara dos vereadores e sancionado pelo prefeito a medida “Lockdown”, a ser iniciada nesta data, o que significa Confinamento, uma medida mais drástica do isolamento e da quarentena.

Segue a lei:

A CÂMARA MUNICIPAL DE NITERÓI DECRETA E EU SANCIONO A SEGUINTE LEI:

Art. 1º É vedado a qualquer indivíduo a permanência e o trânsito em vias, praias, equipamentos, locais e praças públicas, dentro do Município de Niterói, a partir de 11 de maio até o dia 15 de maio de 2020, podendo ser prorrogado até o dia 22 de maio de 2020, em descompasso com as medidas temporárias de isolamento social estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal em razão da epidemia de COVID-19.

  • Ficam excetuadas da vedação prevista no caput do presente artigo as hipóteses de deslocamento por força de trabalho, para ida a serviços de saúde ou farmácias, para compra de insumos alimentícios e congêneres essenciais à subsistência, bem como para ida a estabelecimentos autorizados a funcionar.
  • O descumprimento do disposto no caput implicará sanção de multa administrativa no valor de R$ 180,00 (cento e oitenta reais), que poderá ser dobrada, na hipótese de reincidência, sem prejuízo da responsabilização penal correlata.

Art. 2º Ficam autorizadas à Guarda Municipal de Niterói, no exercício do seu poder de polícia, a fiscalização e a aplicação das referidas sanções.

  • O procedimento de autuação e aplicação de sanção observará prazos e procedimentos específicos a serem fixados em decreto municipal.

Sobre a liberdade de locomoção, em um primeiro momento, não se refere a procedimento para atuação dos guardas municipais para a aplicação das multas. O que ficou de ser fixado em decreto municipal ainda não exposto.

Além do mais, e exceção para pessoas que precisam trabalhar, em seu art. 1º, § 1º, não se referiu a qualquer profissão essencial, ficando claro em uma resolução conjunta da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Emprego, energia e Relações Internacionais de nº 11 de 29/04/2020, em seu art. 2, INC IV (https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=394503)

O Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais e o Secretário de Estado de Transporte, no uso de suas atribuições legais, de acordo com o Estado de Calamidade Pública decretado na forma do Decreto nº 46.984, de 29 de março de 2020,

Resolvem:

Art. 1º Esta Resolução Conjunta disciplina as restrições de circulação de pessoas no transporte intermunicipal de passageiros no estado do Rio de Janeiro, para atendimento a serviços essenciais, conforme previsto no Decreto nº 47.027 , de 13 de abril de 2020 e suas alterações.

Art. 2º O transporte intermunicipal de passageiros entre as regiões do Rio de Janeiro deverá obedecer às restrições previstas no Decreto nº 47.027 , de 13 de abril de 2020 e suas alterações, sendo permitido o acesso dos empregados nas atividades econômicas essenciais e situações específicas abaixo elencadas:

I – servidores públicos em serviço, inclusive aqueles relacionados às forças armadas, bombeiro militar e agentes de segurança pública;

II – profissionais do setor de saúde em geral, inclusive individuais que prestem serviços de atendimento domiciliar, excetuando-se os serviços de natureza estética;

III – profissionais do setor de comércio relacionados aos gêneros alimentícios, tais quais mercados, supermercados, armazéns, hortifrútis, padarias e congêneres, farmácias drogarias e pet shops, revendedores de água e gás;

 IV – profissionais do setor de serviços tais quais transporte e logística em geral, como transportadoras, portos e aeroportos, motoristas de transporte público, correios, e congêneres, serviços de entregas, distribuidoras, fornecimento de catering, bufê e outros serviços de comida preparada, asseio e conservação, manutenção predial, empregados em edifícios e condomínios, vigilância e segurança privada, lavanderias hospitalares, veterinárias, funerárias, imprensa, serviços de telecomunicação, postos de gasolina, bancário, internet, call center e serviços relacionados à tecnologia da informação e de processamento de dados (data center) para suporte de outras atividades previstas nesta Resolução, advogados e serviços de advocacia, certificadoras;

Sobre a circulação de pessoas na rua ficou claro que fica permitido, mesmo no momento de quarentena e do lockdown, ao acesso a serviços essenciais, como Pet Shop, para levar animais a veterinários e comprar comida e remédios de uso veterinário. Acesso a mercados para compra de alimento e acesso a farmácias para compra de remédios.

Aos que precisam usar veículos, acesso à postos de gasolina e obviamente a postos de saúde e hospitais em casos de graves doenças.

Fica permitido também a circulação de profissionais para serviços essenciais como os de, saúde, serviços públicos para manter o funcionamento de energia, água, sistema de esgoto, telefonia, limpeza e conservação e etc…

Na justiça, a circulação de advogados, defensores e membros do Ministério Públicos e servidores para serviços essenciais a administração da Justiça.

O ponto central nesta pesquisa, mais precisamente dentro da fiscalização do Lockdown para que se faça uma análise das autoridades públicas no tocante as penalidades administrativas e criminais, é necessariamente o tipo de fiscalização, a forma de proceder e de analisar. Fica a discricionariedade do agente público para decidir, sendo cidadão comum ou cidadãos que detém prerrogativas profissionais.

Na abordagem a um advogado, trajado formalmente, e estando em serviço, será exigido dele comprovação do exercício de sua profissão ou simplesmente bastará a sua palavra e a demonstração de sua identidade através da carteira da OAB?

A exemplo disso, temos a de um colega, advogado, que dias que antecederam o lockdown em Niterói, foi parado em uma blitz, cujo trabalho era de simular os serviços de bloqueio que seriam realizados na data oficial, isto é, dia 15/05/2020. O guarda Municipal, ao abordar o advogado, pediu sua identificação e perguntou para onde estava indo. O advogado se identificou, mostrou a carteira da Ordem e ainda informou ao agente público que estava em uma diligência à um presídio. O guarda, o indagou da seguinte maneira, que entendia da profissão de advogado, mas que perguntou se o advogado teria como provar que estava indo ao presídio para exercer sua profissão, isto é, se tinha como provar, além estar com a carteira da Ordem dos Advogados.

E sobre o cidadão que se dirige a um supermercado, como vai provar que está indo ao supermercado, ou a uma farmácia? Voltar dele é fácil, pois haverá a nota fiscal e os produtos comprados. E na ida?

O que se percebe é um despreparo das autoridades e agentes públicos para realizar um trabalho dentro da razoabilidade.

O que se espera é que diante de toda essa nova situação, MUNDIAL, INÉDITA, as autoridades e agentes públicos façam seu papel, que é a de preservar vidas, orientar a população e não cometer injustiças, multando quem realmente deva ser multado e orientando quem realmente deva ser orientado.

Marcelo Ventura Rego, OAB-RJ 221062

ADVOCACIA ENQUANTO SERVIÇO ESSENCIAL: CRIMINALIZAÇÃO E DESAFIOS DA DEFESA TÉCNICA NO CENÁRIO ATUAL DE PANDEMIA.

 O termo advogado possui origem etimológica no Latim, ad-vocatus, ou seja, aquele que é chamado em defesa. Apenas observando tal conceito, podemos concluir que advogar é a profissão daqueles que clamam em defesa de um direito que é concretizado através de uma sentença.

Não é novidade que o Direito acondiciona suas raízes no Império Romano, o que consequentemente faz com que as origens da advocacia advenham também dessa civilização.

A figura do jurisconsulto consistia no indivíduo que era procurado para aconselhar a melhor forma de solução de um determinado conflito.

A título de exemplo, na Grécia, surgiram figuras que ficaram conhecidas como grandes advogados por sua persuasão, como Demóstenes, que teria sido o primogênito.

Em princípio, o mesmo combatia a ambição oriunda do rei Filipe da Macedônia (de 385 a 336 a.C), em um compilado de discursos chamados Filípicas.

Em Roma, a importância de homens dotados de profundo saber jurídico não foi diferente, principalmente na defesa daqueles que não possuíam cidadania romana mesmo residindo lá, denominados de gentios.

Com isso, foi em Roma que a advocacia se configurou como profissão organizada, incluindo, inclusive, mulheres na busca de justiça, como por exemplo, as advogadas Amásia e Hortência. Nesse sentido destaca Paulo Lôbo (2011, p. 18):

Em Roma, inicialmente, a advocacia forense era tarefa cometida     apenas aos patrícios, que a desempenhavam como patronus. Após a leitura das XII Tábuas, em mais ou menos 450 antes de Cristo, com a vitória política da plebe, cessou tal monopólio do direito, aumentando o número de advogados leigos e plebeus postulando em juízo (advocatus).

Importante neste momento trazer essa contextualização histórica para o prisma do Direito brasileiro, com enfoque em dois principais acontecimentos: a criação dos dois primeiros cursos de Direito do Brasil, com o advento da Lei de 11 de agosto de 1827 e a fundação do Instituto dos Advogados Brasileiros, em 1843.

Já a criação da Ordem dos Advogados do Brasil ocorreu após a revolução de 30, em um cenário de aspirações de renovação e modernização do país1 , tendo como personagem central a figura do então Procurador Geral do Distrito Federal, André de Faria Pereira, que incluiu o artigo 17 através do Decreto número 19.408, em 18 de novembro de 1930.

A criação desse órgão proporcionou uma notável e significativa evolução na regulamentação da advocacia brasileira, à medida que concedeu garantia de direitos dos advogados, enquanto profissionais liberais, que mais tarde foram positivados no Estatuto da Advocacia, em 1994.

Em consonância com o que preceitua o artigo 133 da Constituição Federal de 1988, o advogado “indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Sendo assim, a advocacia é “um serviço público, um múnus público e não simples atividade de garantia de interesses particulares” (Paulo Lépore. 2019, p. 24).

Com o entendimento da função do advogado, em lato sensu, como fundamental à concretização da Justiça e estando o mesmo dotado de função pública ao postular em nome de qualquer cidadão, é cristalina a compreensão que a advocacia jamais deve ser mitigada dentro do Estado Democrático de Direito, tampouco sofrer qualquer tipo de impedimento.

Nesta seara, é importante destacar a criminalização dos advogados criminalistas, através da manipulação do ius puniendi estatal, com o objetivo de sancionar e/ou impedir o exercício do direito de defesa. De acordo com o relatório da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, realizado em 2016:

A manipulação do direito penal em detrimento das defensoras e defensores transformou-se num obstáculo que merece a atenção prioritária dos Estados, pois tem o efeito de atemorizar o trabalho de defesa e proteção dos direitos humanos, e paralisar o trabalho das defensoras e defensores, visto que o seu tempo, seus recursos (financeiros e de outra índole) e energia terminam dedicados à sua própria defesa.

Ademais, a manutenção do direito penal no poder punitivo do Estado não é a única forma de criminalização da advocacia. Está em tramitação o Projeto de Lei 442 de 2019, de autoria de Rubens Bueno, a criminalização do recebimento dos honorários advocatícios.

Em que pese a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania ter emitido parecer por sua inconstitucionalidade, o tema é preocupante pois há mais de 15 anos, existem projetos de lei relacionados ao mesmo, a exemplo o 577 de 2003, 6.413 de 2005, ambos tidos como inconstitucionais.

Restringir a prerrogativa do patrono de exercer seu múnus e receber quantia líquida e certa por sua prestação de serviço é retirar do individuo seu direito fundamental e irrenunciável à defesa técnica e, criminalizar a função da advocacia que até o presente momento é tida como essencial à justiça.

Ora, não é difícil concluir que sem advogado não há justiça, o que vai de encontro ao espírito do Estado Democrático de Direito que vivemos.

O presente artigo até então buscou elucidar a importância da advocacia e apontar os embates que essa classe vem sofrendo em situações normais. Todavia, sabe-se que atualmente o mundo enfrenta uma crise de saúde pública, por conta da pandemia do novo Covid-19.

A Organização Mundial da Saúde emitiu o primeiro alerta para a doença em 31 de dezembro de 2019 e em 11 de março do corrente ano, decretou pandemia mundial, em razão da quantidade de infectados. Com isso, cresceu ao redor do mundo as ideias de isolamento e quarentena como forma de contenção da doença, visando evitar aglomerações e contatos físicos objetivando frear o contágio.

No Brasil, o presidente da Republica editou a Lei nº 13.979, em seis de fevereiro de 2020 com algumas medidas para o enfrentamento do coronavírus.

Os Estados da República federativa brasileira, diante do crescente número de casos, e por intermédio de seus governadores, começaram a restring o direito de ir e vir da população, como forma de garantir o isolamento social.

Em 20 de março, o então presidente emitiu o Decreto nº 10.292 que determinou as atividades e serviços tidos como essenciais, ou seja, aqueles que estariam permitidos de circular livremente, já que possuidores de labor com caráter indispensável.

O rol do artigo 3º de tal decreto, na data de sua edição, não trazia a advocacia como essencial.

Por tratar-se de um rol taxativo, foi entendido que o exercício da defesa de direitos, realizado pelos advogados, sejam eles públicos ou privados, não estava abarcado pelo texto legal.

Tal fato causou profunda insegurança aos profissionais do Direito que em razão da complexidade de seu ofício, muitas vezes não possuem a possibilidade de realizar a modalidade homeoffice, como muitos outros profissionais têm feito desde o início da pandemia.

Nesse sentido, principalmente os advogados da esfera criminal sentiram-se ameaçados pela falta de amparo legal para exercer a advocacia.

Cabe ressaltar que de acordo com o artigo 136, §3º, IV do texto constitucional, até mesmo na vigência do Estado de Defesa é vedada a incomunicablidade do preso.

Neste ínterim, conclui-se que se nem durante um estado de exceção da Democracia, onde alguns direitos tidos como fundamentais são retirados, pode-se haver a incomunicabilidade do preso, em nenhum outro momento o mesmo poderá ficar sem se comunicar com seu defensor.

Além disso, é importante destacar que também é direito do advogado comunicar-se com seus clientes, de acordo com inciso III do artigo 7º do Estatuto da OAB.

Em 25 de março, o rol do decreto em questão fora aumentado e acrescentado o inciso XXXVIII que trazia a hipótese de “atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos”.

Observa-se então que com isso os advogados particulares, mais uma vez não foram abarcados pelo texto legal e continuam sem nenhum tipo de proteção Estatal para garantir a defesa de seus clientes.

Esse mal estar entre a classe de advogados  foi levado, por meio de Ofício da OAB Nacional ao Presidente da República na íntegra.

O documento solicitava o reconhecimento da advocacia privada como atividade essencial, levando em consideração suas atividades que detêm múnus público.

Os argumentos para tal afirmação tiveram sua fundamentação em diversos pontos já elucidados no presente artigo, como por exemplo, o §1º do artigo 2º do Estatuto da Advocacia que determina que:

“no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”.

Nesse sentido o Ofício (2020) preceituou que: Parte da advocacia privada está intrinsecamente vinculada às funções exercidas pela advocacia pública, ambas atuando em processos que lhes são comuns.

Portanto, e sobretudo após o encerramento do período de suspensão dos prazos judiciais, a não inclusão dos serviços da advocacia privada no elenco das atividades essenciais pode desequilibrar a relação processual nos litígios relacionados às partes adversas que representam, dela suprimida a atual prerrogativa conferida à advocacia pública pelo decreto em comento.

Além da defesa de direitos diante da justiça, cabe também aos advogados, assim como realizado desde os primórdios no Império Romano, responder aos anseios e incertezas que pairam sob a sociedade em razão da situação atual de pandemia, sendo assim, não há hipótese para deixar em aberto a prestação de serviço essencial que é realizada pelos operadores do Direito atualmente.

Não se pode olvidar também a importância do advogado no momento atual para auxílio na manutenção da massa carcerária, tendo em vista a superlotação dos presídios nacionais.

A julgar pelo Infopen 20192, no Brasil existem 748.009 indivíduos encarcerados, sendo 10 mil deles pessoas maiores de 60 anos, ou seja, pessoas que fazem parte do grupo de risco para o novo coronavírus.

De acordo com a OMS, esse grupo de risco compreende não só idosos como também portadores de doenças pré-existentes como diabetes, hipertensão e problemas respiratórios.

Diante de um sistema prisional superlotado, que carece de condições básicas de saúde e higiene, é utópico pensar que quase 750 mil presos estão com sua integridade física preservada, principalmente diante da atual pandemia.

Sendo assim, todos aqueles que exercem a advocacia, sem distinção de ser pública ou privada, configuram-se como potenciais sujeitos garantidores dos direitos fundamentais dessa população. Cenário que fica cada vez mais difícil para os advogados circularem livremente, sem um embasamento legal para tal.

Apenas a título de ilustração, em São Paulo, Estado com a maior população carcerária do Brasil, os presos idosos e portadores de doenças que permeiam entre a asma, câncer e tuberculose compreendem a 9% do total, sendo certo que metade dos presos mais velhos estão recolhidos em unidades prisionais que se quer fornecem sabonete, item básico e essencial de higiene para seguir o protocolo de orientação de assepsia da OMS.

Trazendo isso para números absolutos, de acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária, são 3.740 idosos e 17.274 pessoas com doenças.

Além disso, também é preciso considerar o número de grávidas e mães lactantes, que compreende 4.939.

É inevitável o contagio do vírus dentro das unidades prisionais, comprometendo não só a vida dos presos mas também de agentes carcerários e todos os agentes que atuam dentro dos presídios.

Sendo assim, estamos diante de claro risco à saúde pública, onde cabe aos advogados possuírem assegurados seus direitos fundamentais, para que assim se mantenham ativos defendendo os interesses dos custodiados.

Diante do silêncio do poder federal em relação ao ofício que pugnou pela inclusão da advocacia privada no decreto, os chefes do executivo de alguns Estados optaram por incluir a advocacia na lista de atividades essenciais, por meio de ato, garantindo aos patronos seu direito constitucional de ir e vir.

A exemplo da afirmação supra, o governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, após pedido do presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, decidiu que advogados e serviços de advocacia estão incluídos na lista de atividades econômicas, que, em razão da natureza de sua profissão, não se encaixam nas restrições de circulação de pessoas no transporte intermunicipal entre a capital e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

O governo de Pernambuco também atendeu ao pedido da Seccional OAB/PE e incluiu a advocacia no rol de atividades essenciais durante o período de enfrentamento do novo coronavírus.

O Presidente Dr. Bruno Batista explicou que “Esta é uma garantia para casos excepcionais, quando advogados e advogadas precisem cumprir algum ato urgente de forma presencial e não é possível cumpri-lo por meios eletrônicos.

A OAB continua defendendo as medidas de restrição ao convívio social.

Diante do exposto, fica claro que apesar de figurar como serviço essencial, não só à justiça, mas à sociedade em sentido amplo, a advocacia privada, apesar de significativas conquistas ao longo dos anos, como a criação da Ordem Nacional dos Advogados e o Estatuto que positiva seus direitos; ainda enfrenta diariamente uma batalha frente ao poder estatal para garantir que suas prerrogativas constituam meios eficazes para a garantia de direitos fundamentais inerentes a todos os indivíduos, tais quais, a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal e presunção de inocência.

Disponível em REFERÊNCIAS Criminalização de defensoras e defensores de direitos humanos, Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2016. CALIARI, Fábio; CARVALHO, Nathan; LÉPORE, Paulo. Manual do Advogado Criminalista. Salvador: Editora JusPodivm, 2019.

Isabela Cristina Silva Araujo, OAB-RJ 227.298