ACORDO MARCO GLOBAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA: UMA ANÁLISE DO ACORDO ENTRE A INDUSTRIALL E A ENEL

Resumo

O presente artigo pretende analisar a temática dos Acordos Marco Globais (AMG) ou Acordos Marco Internacionais (AMI), por meio de estudo de caso do acordo negociado entre a IndustriALL e a Enel em 2013, como uma forma de internacionalizar os direitos humanos e laborais, observando-se sua existência, validade e eficácia.

Abstract

The present article intents to analyze a topic of enormous relevance today: the Global Framework Agreements (GFA) or International Framework Agreements (IFA), through a case study of the agreement negotiated between IndustriALL and Enel in 2013, as a way of internationalizing human and labor rights, observing their existence, validity and effectiveness.

Artigo

ACORDO MARCO GLOBAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA: UMA ANÁLISE DO ACORDO ENTRE A INDUSTRIALL E A ENEL

JESUS, Ana Beatriz Bueno de.[1]

CUNHA, Giulia Valente de Lacerda.[2]

COELHO, Ludmila [3]

RISCAROLLI, Paola Bruno.[4]

TOCANTINS, Vanessa Magalhães.[5]

Resumo: O presente artigo pretende analisar a temática dos Acordos Marco Globais (AMG) ou Acordos Marco Internacionais (AMI), por meio de estudo de caso do acordo negociado entre a IndustriALL e a Enel em 2013, como uma forma de internacionalizar os direitos humanos e laborais, observando-se sua existência, validade e eficácia.

Palavras-Chave: Direitos Trabalhistas. Dumping Social. Acordo Marco Global. Cadeia Produtiva. Negociação Coletiva.

Abstract: The present article intents to analyze a topic of enormous relevance today: the Global Framework Agreements (GFA) or International Framework Agreements (IFA), through a case study of the agreement negotiated between IndustriALL and Enel in 2013, as a way of internationalizing human and labor rights, observing their existence, validity and effectiveness.

Keywords: Labor rights. Social Dumping. Global Framework Agreement. Productive chain. Collective Bargaining.

  1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é, com base no estudo do Acordo Marco Global firmado em 14 de junho de 2013, em Roma, entre a Enel e a IndustiALL Global Union, analisar a possibilidade desse tipo de acordo ser considerado um recurso para as organizações de trabalhadores na conquista direitos sociais e na buscar para a redução do dumping social no mercado globalizado. Assim, observar-se-á questões referentes a validade, efetividade e eficácia desse acordo, como uma base para a melhor compreensão dos Acordos Marco Globais de forma geral, utilizando-se o método sócio-jurídico crítico.

Nessa perspectiva, percebe-se que em países periféricos, de frágil democracia, o direito interno não tem sido suficiente para responder as estratégias empresariais de dumping social[6], nome dado à uma prática de gestão empresarial antijurídica, moldada pela concorrência desleal e ausência de boa-fé objetiva, que busca primacialmente a conquista de fatias de mercado para produtos e serviços, seja no mercado nacional ou internacional, provocando prejuízos não apenas aos trabalhadores hipossuficientes contratados em condições irregulares, com sonegação a direitos trabalhistas e previdenciários, bem como às demais empresas do setor.

A ocorrência desse fenômeno em escala global tem fragilizado o movimento sindical inclusive nos países centrais, dada a concorrência a eles imposta.

 As empresas transnacionais e as cadeias de produção globais trazem grandes desafios para os sindicatos quanto à mobilização de trabalhadores e estratégias de ação coletiva, realização de negociações coletivas, organização de greves, manifestações, protestos, e mesmo de identificar e/ ou criar instrumentos jurídicos que possam ser utilizados para o enfrentamento de problemas que transcendem os limites Estado-Nação.

Nesse sentido, os Acordos Marco Internacionais foram negociados pela necessidade – advinda da globalização – de organizar a relação entre a gerência das multinacionais e a mão de obra global. Por meio dessa ferramenta, os indivíduos dessa relação criam seu próprio “arcabouço jurídico” que pode coexistir com outras ordens jurídicas de nível nacional, setorial ou advindas de organizações internacionais.

Dessa forma, para uma melhor compreensão do presente estudo, abordar-se-á, em primeiro lugar, o que é um acordo marco global e o que se entende por dumping social. Ainda, abordar-se-á qual é a importância da IndustriALL dentro desses acordos e, por fim, tratar-se-á sobre o acordo firmado com a Enel.

  1. ACORDO MARGO GLOBAL: CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Acordos Marco Globais (AMG) ou Internacionais (AMI) ou ainda Mundiais são acordos firmados entre uma ou mais corporações transnacionais e uma ou mais entidades sindicais globais que estabelecem marcos para as relações industriais ou empresarias para toda a corporação e, às vezes, para toda a cadeia produtiva. “A primeira experiência deste tipo de negociação ocorreu entre a Danone e a IUF (International Union of Food and Allied Workers) em 1988 e, desde então inúmeros AMGs foram firmados em diferentes setores de atividades”[7].

É importante salientar que a ideia de “marco” está ligada ao fato de se organizar um padrão normativo comum de relações de trabalho no mundo, ou seja, um patamar mínimo de humanidade no trabalho no mundo todo, tendo como base as balizas internacionais, como declarações e convenções da ONU e da OIT.

A necessidade de tal forma de convenção pode ser extraída da combinação dos estudos realizados por Konstantinos Papadakis e Antonio Baylos sobre o tema. Na explicação do primeiro autor, no mundo globalizado, para atrair as multinacionais, os países em desenvolvimento competem por investidores reduzindo regulações, taxas, proteções ao meio ambiente e garantias dos trabalhadores[8].

Nesse sentido, Antonio Baylos observa que nem mesmo as declarações de direitos humanos firmadas pelos Estados se mostram capazes de barrar o avanço do desmantelamento das garantias do Estado Social. Isto porque as multinacionais, são capazes de criar um campo de regulação próprio, partindo de sua esfera particular de atuação, na medida em que podem facilmente mudar suas unidades de produção de um país para o outro, buscando menores custos de produção[9].

Devido a essa característica a qual Baylos identifica como “desterritorialização” ou “deslocalização”, ele e os demais pesquisadores do tema chamam esses sujeitos de “empresas transnacionais”.

Fazendo frente a este fenômeno, o Direito do Trabalho é um importante meio de distribuição de riqueza e poder, e é fundamental para que a humanidade dos trabalhadores seja respeitada.

Mas Konstantinos Papadakis observa um desequilíbrio de forças nesse embate: enquanto os sindicatos, movimentos sociais, ONGs e organizações de consumidores que atuam na defesa das garantias trabalhistas e ambientais, continuam concentrados em nível nacional, contando com menos ferramentas de ação e poder, visto que não possuem fins lucrativos, as transnacionais são protagonistas da globalização, campeãs em contratação de mão de obra e obtenção de lucro, contando com uma produção fragmentada e quase sempre terceirizada, podendo ainda escolher a qual regime jurídico irão se submeter.

Todavia, vale lembrar que as transnacionais também competem entre si para conquistar mercado, e escândalos, como uso de trabalho escravo e infantil e desastres ambientais, como menciona a autora Maria Vidal, afastam os consumidores, geram boicotes nos grupos mais preocupados com o consumo responsável e mancham a imagem da empresa.

Nesse contexto, Papadakis observa que um dos diversos mecanismos que as empresas utilizam atualmente para gerar lucro é o investimento em reputação e credibilidade, por meio da responsabilidade social corporativa, onde se inserem os Códigos de Conduta e também os Acordos Marcos Globais.

Sendo os Acordos Marcos Globais instrumentos negociados entre multinacionais e federações internacionais representantes de um setor de atividade. Segundo Vidal, eles são compromissos de responsabilidade social, assumidos pelas próprias empresas, voluntariamente (como códigos de conduta), por pressão das organizações sindicais internacionais, porém, de forma bilateral, co-regulada e global.

 Assim, na visão da autora, os Acordos Marco Internacionais dão base para uma mínima regulação do mercado de trabalho em escala global, contendo um embrião de negociação coletiva transnacional.

Por isso, os acordos marco representam certa evolução do processo de auto-regulamentação das empresas transnacionais. Na medida em que garantem a participação dos sindicatos e não se limitam a repetir standards mínimos fixados pela OIT,  ao passo que, como observa Baylos, têm tratado de questões relacionadas a direitos trabalhistas básicos,  salários e jornadas, saúde e segurança dos trabalhadores, podendo até mesmo tratar da segurança das pessoas que habitam nas imediações das atividades da empresa.

Na classificação da autora María del Mar Maira Vidal, os Acordos Marco Globais podem ser analisados em dois grupos: os “simples acordos de direitos”, que abordam apenas os direitos fundamentais de trabalho estabelecidos pela OIT, por exemplo, respeito à liberdade sindical, direito à negociação coletiva, eliminação do trabalho forçado e do trabalho infantil, e eliminação da descriminação no emprego; e os que “se aproximam de um acordo coletivo”, pois vão além da mera reprodução de direitos fundamentais e estabelecem outros direitos e obrigações a serem respeitados[10].

Neste segundo grupo, podemos identificar alguns AMGs que mencionam, mesmo genericamente, redução de acidentes de trabalho, treinamento dos trabalhadores, conscientização para prevenção da infecção por HIV, combate à corrupção, responsabilidade com residentes próximos áreas de exploração (principalmente para empresas que utilizam produtos químicos ou metais pesados), compromisso com a diversidade dos empregados, cobertura em caso de falecimento do empregado, respeito ao meio ambiente e redução de impactos ambientais.

Além disso, os acordos podem abranger toda a corporação das empresas participantes e, às vezes, toda a cadeia de produção, incluindo fornecedoras e prestadoras de serviços.

É possível verificar nesses acordos, o engajamento em estratégias que podem ser denominadas “estruturação atitudinal”, que engloba sentimentos de confiança e legitimidade. Os AMGs não têm caráter normativo e não tratam de determinações específicas do cotidiano laboral. Trazem sim disposições gerais acerca da seguridade do ambiente de trabalho e do respeito à dignidade do trabalhador, considerados, por isso, “principiológicos”. (Papadakins) Muitos AMGs, inclusive, trazem a previsão de que os termos do acordo não valem como base para reivindicações perante a empresa.

Por essa razão, María del Mar Maira Vidal analisa que um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos AMGs é a efetividade. Já que, muitas vezes, esses acordos não preveem medidas concretas para sua aplicação e nem sanções para o caso de seu descumprimento, colocando em xeque a aplicação prática dos compromissos assumidos nesses acordos.

Como bem assinala a autora:

[..] existen importantes deficiencias en este tipo de acuerdos, puesto que una proporción importante no establece protocolos de actuación o planes de acción concretos. Esto tiene como consecuencia en ocasiones que no se materialicen en prácticas reales y efectivas.[11]

Devido a todas essas características os AMGs não correspondem às formas tradicionais de negociação. E são vistos como uma “novidade” que pode ser uma “esperança” na proteção de direitos trabalhistas a nível global. Isto porque tais acordos são ferramentas para reforçar o reconhecimento e a implantação de padrões trabalhistas e garantir que as corporações transnacionais repitam e respeitem as mesmas normas fundamentais de trabalho em todas as nações em que operar.

José Ricardo Ramalho e Rodrigo Salles Pereira dos Santos destacam quatro objetivos que podem ser alcançados pelos AMGs:

(1) assegurar a concordância com os padrões mínimos de trabalho da OIT; (2) o reconhecimento da federação sindical mundial como parceiro de negociação; (3) a institucionalização de mecanismos coletivos globais de resolução de conflitos; e (4) a organização da solidariedade transnacional.[12]

Para esse artigo, foi analisado o acordo com a Enel, firmado em 14 de junho de 2013, em Roma, entre a S.p.A e a IndustiALL Global Union. Antes de analisar o acordo firmado com a Enel S.p.A, faz-se necessário, em um primeiro momento, compreender a relevância jurídica do AMG frente ao dumping social, bem como o contexto em que se insere a Industriall Global Union.

  1. A RELEVÂNCIA JURÍDICA FRENTE AO “DUMPING SOCIAL” NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

Dentre os fatores preponderantes para o objeto de nossa pesquisa, vale ressaltar os efeitos danosos causados pelo chamado “dumping social”. Os fatores ligados a essa prática, merecem destaque para que então entendamos de fato no que se constitui o “dumping social”.

Marcos Antonio Cesar Villatore, discorre que vislumbramos o “dumping”, quando uma empresa apresenta algumas características, como: I) ao possuir poder de estabelecer o valor do seu produto no mercado local; e II) ao possuir perspectiva de aumentar o lucro através de comércio no mercado internacional, por vezes vendendo no mercado externo o seu produto a valor inferior ao vendido no mercado local, por vezes impossibilitando que os cidadãos nacionais tenham acesso ao produto com o referido preço mais baixo[13].

Destaca ainda, o autor que o “dumping social”, pode ser verificado através do desrespeito com as normas trabalhistas, com o intento de diminuir os custos advindos da mão de obra, o aumento de exportação e a captação de investimentos estrangeiros.

 Historicamente, vemos que as primeiras denúncias de dumping social partiram de Estados denominados desenvolvidos contra aqueles em desenvolvimento, sendo que tal preocupação se deu, infelizmente, não em favor dos trabalhadores, mas sim em razão da perda da competitividade dos primeiros em detrimento dos segundos[14].

Ainda, nesse sentido aduz Mauricio Godinho delgado que o “dumping social” configurado pela informalidade laborativa ou pelo implemento de fórmulas relacionais de acentuada desproteção e despojamento de direitos, a depredação do meio ambiente, todas são condutas ilícitas para a ordem constitucional do Brasil – embora muitas vezes, toleradas oficialmente, quando não mesmo instigadas por normas ou práticas oriundas do próprio Estado[15].

  Corrobora José Augusto Rodrigues Pinto, no entendimento que a extensão conceitual rotulada de dumping social trabalhista, na verdade, corresponde à deterioração do contrato individual de emprego em benefício do lucro do empregador com sacrifício das obrigações e encargos sociais tutelares do empregado. É óbvio que, indiretamente, isso atinge as empresas concorrentes, mas fica longíssimo do propósito de extermínio empresarial, este, sim, caracterizador do dumping[16].

Nesse sentido, o AMG busca ser uma forma de evitar e combater práticas trabalhistas voltadas para o dumping social.

  1. A INDUSTRIALL GLOBAL UNION

Em um cenário de empresas transnacionais, ganhou destaque a participação das organizações sindicais internacionais. Tais organizações possuem papel fundamental na luta pela manutenção e globalização dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais em um mercado de trabalho cada vez mais globalizado, como é visto, no caso analisado, com a presença da IndustriALL.

  A IndustriALL Global Union é uma federação que representa 50 milhões de trabalhadores em 140 países, em uma ampla gama de setores de extração de petróleo e gás, mineração, geração e distribuição de energia elétrica, para a fabricação de metais e produtos de metal, construção naval, automotivo, aeroespacial, engenharia mecânica, eletrônica, produtos químicos, borracha, celulose e papel, materiais de construção, têxteis, vestuário, couro e calçados e serviços ambientais, levando a luta por melhores condições de trabalho e direitos sindicais em todo o mundo.

  Essa federação tem compromisso com a solidariedade global para a proteção das melhores condições de trabalho e com os direitos sindicais do mundo inteiro. Dessa maneira, luta por um outro modelo de globalização e de um novo modelo econômico e social que coloca as pessoas em primeiro lugar, com base na democracia e justiça social e, nesse contexto, os Acordos Marco Globais têm sido uma forma de buscar efetivar e globalizar direitos humanos e laborais. Nesse sentido:

IndustriALL trabaja con los sindicatos para determinar un enfoque estratégico sostenible para cada sector industrial y buscar sinergias entre los sectores. Es preciso que contemos con políticas energéticas dinámicas que garanticen seguridad y sostenibilidad, y sirvan de base para la producción industrial en todo el mundo.[17]

O Estatuto da IndustriALL, no seu artigo 5º, traz as 2 condições para se tornar filiado, mostrando sua preocupação com sindicatos verdadeiramente preocupados com o bem-estar dos trabalhadores:

  1. Que o sindicato tenha aderido aos princípios democráticos em suas estruturas internas e suas relações externas, e que sejam independentes da influência do governo e dos empregadores;
  2. Que o sindicato se comprometa a acatar os estatutos e decisões da IndustriALL, observe sua política, aceite trabalhar para o sucesso de sua políticas e seus objetivos e mantenha informado seus órgãos estatutários informados de suas atividades e ações.[18]

  É possível verificar que a industriALL é signatária de diversos Acordos Marco Globais, dentre eles, podemos destacar o firmado com a Asker, realizado na Noruega, em 2012 e o acordo com a Electrolux, realizado na Suécia, em 2012, entre outros, totalizando-se mais de 40 acordos. Nesse sentido, percebe-se uma verdadeira luta para buscar a internacionalização dos direitos humanos e laborais.

  1. O ACORDO NEGOCIADO ENTRE A INDUSTRIAL E A EMPRESA ENEL

A Enel SpA é uma transnacional italiana, com sede em Roma, que atua na geração e distribuição de energia elétrica e na distribuição de gás natural. A Enel, em seu sítio eletrônico, informa que está presente em 34 países e conta com mais de 70 mil trabalhadores. A empresa afirma ainda ter como valores e princípios a responsabilidade, a inovação, a confiança, a proatividade e a sustentabilidade.

O acordo firmado entre a Enel e a IndustriALL em 2013 aproxima-se de um acordo coletivo, na classificação da Vidal, indo além dos princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1988 da OIT, como será observado.

As partes do acordo são: ENEL S.p.A e IndustriALL, PSI, Filctem CGIL, Flaei CISL e Uiltec UIL.

As referidas partes, no acordo, “reconhecem que a geração, transmissão e distribuição de energia são essenciais para o desenvolvimento humano e econômico, mas que esses serviços devem estar atrelados a Responsabilidade Social e a proteção ambiental”[19].

Nesse sentido, o AMG foi firmado com o “objetivo de estabelecer uma relação duradoura entre as partes em nível internacional”[20]. Aqui, vemos a IndustriALL cumprindo um de seus principais objetivos, qual seja: a internacionalização de direitos humanos, o que fica claro no seguinte trecho no tópico número 9 das finalidades do acordo:

Las partes signatarias del acuerdo convienem en dar um paso más hacia adelante, compartiendo una serie de principios fundamentales, en coherencia con la ‘Declaración Universal de los Derechos Humanos’ de Las Naciones Unidas […].[21]

Ao tratar dos “princípios internacionais do direito do trabalho e das relações industriais”[22] se nota os seguintes tópicos: “trabalho de menores e trabalho forçado; saúde e segurança; violência e moléstias; horas de trabalho; remuneração; formação e competência; liberdade de organização e negociação coletiva; proteção ao meio ambiente; ética nos negócios e conflitos de interesse; trabalho decente; compartilhar com subsidiárias, contratadas e a cadeira produtiva”.

Ao logo desses tópicos são reconhecidos os direitos presentes na Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais do trabalho, como a proibição do trabalho infantil, a preocupação com a saúde dos trabalhadores, a limitação da jornada de trabalho, o repúdio a toda forma de discriminação e assédio no ambiente de trabalho. Além disso, assegura-se o direito a negociação coletiva e a proteção ao meio ambiente.

Esses princípios são primordiais na busca de condições dignas de trabalho, no combate ao trabalho escravo e a toda forma de discriminação, bem como a possibilidade dos trabalhadores reivindicares seus direito em nível internacional.

Merece destaque a preocupação desse AMG com a produção de efeitos em toda a cadeia produtiva, tendo um tópico com essa finalidade, onde se afirma que a “Enel se compromete a proporcionar actualizaciones a sus filiales, proveedores, contratistas y ‘cadena de suministro’ y a sus socios de negocio con respecto a las moficaciones del GFA”[23].

            Ainda, merece atenção o seguinte trecho:

Enel se compromete a garantizar los más elevados estandáres de protección de la salud y la seguridade de sus empleados, así como de filiales, contratistas y proveedores y en toda la ‘cadena de suministro’ asegurando, como mínimo, la total conformidad com las normas pertinentes de la OIT.[24]

            Percebe-se que esse acordo procura ser aplicado em toda a cadeia de produção da empresa, demonstrando-se preocupação pelo seu cumprimento desde os fornecedores até os empregados. Esse aspecto é extremamente importante, na medida em que demonstra um comprometimento real pela valorização do trabalho humano em todo o setor produtivo.

            Ainda, no tópico “Organização e Procedimentos Operativos”, que se refere à aplicação dos princípios na realidade dos trabalhadores da empresa, são previstas diferentes medidas a serem tomadas em prol do AMG, dentre elas, destaca-se a criação de três Comitês: O Comitê de Saúde e Segurança do Trabalho, para realizar campanhas de prevenção de riscos do trabalho; o Comitê Multilateral de Formação, para buscar o desenvolvimento dos profissionais e dos recursos humanos, a fim de aumentar a competitividade a nível internacional; e o Comitê Multilateral de Igualdade de Oportunidades, para, sobretudo, investigar o trabalho feminino na ENEL e eliminar possíveis obstáculos à igualdade de oportunidades.

Entretanto, mesmo com as mencionadas previsões, extremamente garantidoras de direitos laborais e humanos, e da importante vinculação da cadeia produtiva e fornecedores, os AMGs em geral (e este em específico) não trazem regras práticas e detalhadas para a aplicação dos princípios com os quais se comprometem, bem como não apresentam sanções para seu descumprimento, determinando apenas que as partes deverão alertar seu descumprimento em “recíproca comunicação”[25]. Constatação que evidencia o notório problema da efetividade dos Acordos Marco Globais.

Por fim, o que se percebe é que esse acordo existe e é válido, na medida em que gera uma obrigação entre as partes signatária, trazendo todo um arcabouço de regras e princípios que devem ser observados, bem como estipula a duração de 3 (três) anos para o acordo, sendo que após o término deste período, as partes poderão fazer modificações ou adições no seu conteúdo.

De início, pode-se reivindicar a aplicação do conteúdo negociado no referido acordo realizando analogia com os regulamentos de empresa. É possível, também, sua integração aso acordos coletivos de trabalho negociados com o sindicato de trabalhadores com representação local. No entanto, como ressaltado, a avaliação da efetividade desse acordo, carece, ainda, de pesquisa empíricas, com os trabalhadores e a entidade sindical, sendo uma agenda de pesquisa aberta.

CONCLUSÃO

 

Os AMGs têm potencial para serem importantes meios de conquista e manutenção dos direitos trabalhistas mais caros à dignidade do ser humano, uma vez que multinacionais e organizações internacionais de defesa do trabalho dialogam, por meio deles, em prol da promoção de princípios de proteção do trabalhador.

No entanto, os AMGs são desprovidos de coercibilidade estatal e sua efetividade irá depender de cada país em que a empresa possuir atividades em curso. Muitos deles não estabelecem protocolos de atuação e planos de ação concretos, não entram no tocante da supervisão e inspeção, permitindo que tal prática não exista e não impõe sanções em caso de descumprimento, como visto no acordo firmado com a Enel. Nesse sentido, os próprios sindicatos sinalizam a dificuldade de monitorar e verificar o cumprimento dos AMGs, especialmente, em países em que não há sindicatos atuantes.

O Direito do Trabalho é um importante meio de distribuição de riqueza e poder, além de fundamental para que a humanidade dos trabalhadores seja respeitada pelo mercado. Dessa maneira, um dos grandes desafios a ser enfrentado é do da efetividade, conforme a crítica de Vidal.

Percebe-se que os Acordos Marco Globais têm potencial para serem importantes meios de conquista de direitos trabalhistas e de resistência a “remercadorização” do trabalho, uma vez que multinacionais e organizações internacionais de defesa do trabalho dialogarão em prol da promoção de princípios de proteção do trabalhador, válidos e eficazes para toda a cadeia produtiva.

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[1] Graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT. E-mail: [email protected].

[2] Graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT. E-mail: [email protected].

[3] Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro (OAB n° 222.379/RJ). Graduada em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT. E-mail: [email protected]

O artigo foi desenvolvido no âmbito da disciplina ministrada pela prof. Daniele Gabrich Gueiros, em 2018 (Negociação, Mediação e Arbitragem, Ref. Trab, B, 5045). Resultou, ainda, de análise parcial do tema apresentado Jornada de Iniciação Científica da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (JICJUR 2018) e 9ª Semana de Integração Acadêmica da UFRJ (SIAC/UFRJ 2018, de 15 a 21 de out/2018), com orientação da referida professora e da prof. Ana Luisa Palmisciano.

[4] Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro (OAB nº 223.417/RJ). Graduada em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected].

[5] Graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected].

[6] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dumping social nas relações de trabalho: formas de combate. JusLaboris, 2015, p.66.

[7] GUEIROS. Daniele Gabrich ; SOUZA, Rosana Santos; SANTOS, Helena Maria Pereira.  Direito Transnacional do Trabalho e Acordos Marco Globais: estudo do caso Rana Plaza. PIICV, Programa Interuniversitario de Investigaciones sobre Cadena de Valor, 2017, p. 09.

[8] PAPADAKIS, Konstantinos. Cross-Border Social Dialogue And Agreements: An emerging global industrial relations framework? Genebra: International Labour Organization (International Institute for Labour Studies), 2008.

[9] BAYLOS, Antonio. Códigos de Conduta y Acuerdos-Marco de Empresas Globales: apuentes sobre su exigibilidad jurídica. Revista Lan Harremanak, [S.l.], 2005, [S.d.].p.103-138.

[10] VIDAL, María del Mar Maira. Los acuerdos marco internacionales: sentando las bases de La negociación colectiva de âmbito supranacional. Lan harremanak: Revista de relaciones laborales, Número 30, 2014.

[11] Ibidem, p. 18.

[12] RAMALHO, José Ricardo; SANTOS, Rodrigo Salles Pereira. Trabalho e Ação Sindical em Redes Globais de Produção. Tempo Social (online) v. 30, p. 9-29, 2018, p. 22.

[13] VILLATORE, Marco Antônio César; GOMES, Eduardo Biacchi. Aspectos sociais e econômicos da livre circulação de trabalhadores e o dumping social. In: Anais – Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Curitiba: Juruá, p. 153 – 169, 2008.

[14]  Ibidem, p. 163.

[15] DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, n. 2, p. 21, 2007.

[16] PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping social ou delinquência patronal na relação de emprego? Dumping social ou delinquência patronal na relação de emprego? JusLaboris, 2011, p. 142.

[17] INDUSTRIALL-UNION. Estatutos del IndustriALL Global Union. Versión aprobada por el Congreso de IndustriALL en Rio de Janeiro. Brasil, el 5 de Octubre de 2016.

[18] Ibidem.

[19]INDUSTRIALL-UNION. Enel Global Framework Agreement. Roma, 2013, p. 05.

[20] Ibidem.

[21] Ibidem, p. 8.

[22] Ibidem.

[23] Ibidem, p. 14.

[24] Ibidem, p.10

[25] Ibidem, p. 23.

Palavras Chaves

Direitos Trabalhistas. Dumping Social. Acordo Marco Global. Cadeia Produtiva. Negociação Coletiva.