DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL ESPECIFICAMENTE NAS HIPÓTESES DO ART. 135, III, DO CTN

Resumo

O presente trabalho visa enfrentar uma problemática processual nas execuções fiscais, que geram reflexos diretos no mundo do direito material. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas cobranças de tributo, apesar de aceita, não observa o procedimento previsto no Código de Processo Civil, o que ofende o devido processo legal aos responsáveis tributários previstos no art. 135, III, do CTN.

Artigo

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL ESPECIFICAMENTE NAS HIPÓTESES DO ART. 135, III, DO CTN

Rafael Palacios Martins[1]

Dezembro/2017

 RESUMO

O presente trabalho visa enfrentar uma problemática processual nas execuções fiscais, que geram reflexos diretos no mundo do direito material. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas cobranças de tributo, apesar de aceita, não observa o procedimento previsto no Código de Processo Civil, o que ofende o devido processo legal aos responsáveis tributários previstos no art. 135, III, do CTN.

Palavras-chave: Desconsideração da personalidade jurídica; execução fiscal; responsabilidade tributária.

  1. INTRODUÇÃO

O Estado possui várias formas de arrecadação, mas sem sombra de dúvida a mais rentável e invasiva é a tributação. Por isso a legislação e atuação nesta área é tão ampla, não se limitando a um código e tão pouco a um órgão público, contando com um sistema normativo complexo e uma estrutura física bem equipada[2].

O esforço no controle dos tributos é tão grande quanto na cobrança e algumas vezes institutos do direito material e processual são interpretados em desfavor do contribuinte, interpretação esta que é amparada por tribunais pra facilitar a efetivação dos créditos tributários.

O foco do presente trabalho é tratar de um instituto relacionado a cobrança do tributo, especificamente no âmbito do processo de execução fiscal, que é a desconsideração da personalidade jurídica[3].

Classicamente, a desconsideração serve para que as pessoas que estejam na administração ou sejam sócios da pessoa jurídica possam ser alcançadas pelas obrigações desta, mas apesar de contar com um procedimento para tanto, nas execuções fiscais, ele é praticamente desprezado, haja vista, àquele procedimento não ser compatível com as normas gerais previstas no Código de Processo Civil, interpretação, a nosso ver,  contrária ao devido processo legal[4].

Apesar deste posicionamento, buscaremos demonstrar nas linhas a seguir a aplicabilidade e necessidade do correto procedimento da desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais e que apesar da gana incontrolável do Estado por dinheiro, as normas fundamentais do processo não podem ser deixadas de lado.

  1. EXECUÇÃO FISCAL

Execução fiscal nada mais é do que um procedimento atinente ao Processo Civil, mais especificamente voltado para a execução previsto em lei especial.

Depois que o crédito tributário é inscrito em Dívida Ativa e não é saldado pelo contribuinte ou pelo responsável legal, cabe a Fazenda Pública instaurar este processo para ver de forma coercitiva o seu crédito satisfeito com a força substitutiva do Poder Judiciário na resolução dos conflitos.

2.1. COBRANÇA DE TRIBUTOS

Existem vários conceitos relacionados ao tema, mas para que seja possível localizar o leitor, utilizaremos uma linha do tempo para exemplificar nosso pensamento e tratarmos diretamente do assunto em foco.

Com o auxílio do material complementar constante no Livro do Professor Eduardo Sabbag, Manual de Direito Tributário, podemos visualizar que o tributo percorre um “caminho” desde o seu surgimento até o seu efetivo pagamento.

Tudo começa com a Hipótese de Incidência que é a ocorrência abstrata prevista em lei. A norma tributária traz uma situação discriminada, podendo ser um Fazer ou Ter, desta forma os futuros contribuintes já sabem de antemão os tributos que estarão sujeitos. Isso traz segurança jurídica, publicidade, clareza e previsibilidade das condutas do Estado, permitindo que as pessoas se preparem ante a inexorável obrigação.

Apesar da hipótese de incidência, o cidadão não é requerido no meio tributário até que a sua conduta o enquadre na previsão legal, tal ocorrência é denominada de Fato Gerador, que em sequência gera uma Obrigação Tributária, ou seja, surge o débito e a responsabilidade, do agora, devedor do tributo.

Mesmo que a obrigação tenha surgido, ela precisa ser formalizada, necessita de um ato estatal para determinar os elementos básicos da relação jurídica, estamos diante do Lançamento. Normalmente, o próprio cidadão recolhe seus tributos, independente do tipo de Lançamento[5] (de ofício, por declaração ou por homologação), o pagamento na maioria das vezes é feito espontaneamente, todavia, quando isso não acontece, o Estado precisa agir para obter os valores devidos.

A lei 6.830/80 estabelece que para ser cobrado, o crédito deve ser inscrito em Dívida Ativa[6] e para que isso ocorre deve ser emitida uma Certidão contendo as informações básicas da relação jurídico-tributária, ora sendo, credor, devedor e objeto da obrigação (certa, líquida e exigível).

Esta certidão tem natureza de titulo executivo extrajudicial[7] que desencadeia o processo de execução fiscal, podendo, inclusive, ser usada como peça inicial[8], facilitando sobremaneira a atuação do Fisco.

2.2 – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

Ao tratar do devedor nos deparamos com dois sujeitos passivos[9] da obrigação tributária: o Contribuinte e o Responsável, que devem, a depender das hipóteses legais[10], pagar o tributo.

O contribuinte é àquele relacionado diretamente com o fato gerador, ou seja, ele exerce no plano fático a hipótese de incidência prevista em lei, enquanto que o responsável é um terceiro que possui sua obrigação decorrente da lei, mesmo não tendo relação direta com o fato gerador.

Importante destacar que ao tratar deste tema, nos deparamos com uma classificação determinada pela doutrina e amparada por alguns artigos do Código Tributário Nacional, organização esta que é indispensável para abordamos o assunto principal do nosso trabalho.

A responsabilidade tributária pode ser especificada tendo como parâmetro a obrigação do contribuinte. Neste aspecto temos a responsabilidade pessoal do terceiro, hipótese em que este responde com exclusividade (art. 131 e 135, do CTN), logo o contribuinte não é devedor do tributo e não pode ser alcançado por uma execução fiscal.

Temos ainda a responsabilidade solidária que prevê hipótese em que terceiro e o contribuinte possuem solidariedade, sem uma ordem e preferência a ser seguida (art. 134), assim, o fisco pode buscar perante qualquer um deles o crédito pretendido.

E, ainda, o terceiro pode responder por subsidiariedade, com uma ordem de preferência (art. 133, II), nesta situação o terceiro é responsável, mas primeiro o contribuinte deve ser perquirido na obrigação e, posteriormente àquele poderá responder pelos valores devidos, caso não sejam pagos.

Para esclarecer ainda mais o assunto, outra classificação aborda a responsabilidade nos casos de sucessão, primeiro pode ser escolhido o terceiro em razão de um evento sucessório ocorrido (art. 130, 131, 132 e 133), observa-se que nesta situação ocorreu verdadeira sucessão no sentido de mudança da titularidade do direito, o que leva a modificação também na responsabilidade de quem deva pagar os tributos, sendo que o fato gerador ocorreu antes mesmo da determinação da nova titulação.

Quando não há evento sucessório, escolhe-se o responsável em razão do dever de zelo que compete a este com relação ao patrimônio do contribuinte (art. 134 e 135), são terceiros que possuem relação jurídica com os devedores diretos do tributo, sendo que tal vínculo decorre de outros ramos do direito, como o civil, família, sucessão, empresarial etc.

Uma última classificação que vale ser destacada refere-se ao momento que é determinada a responsabilidade do terceiro tendo como parâmetro o fato gerador. O terceiro pode ter responsabilidade por transferência , quando ocupa o lugar do devedor principal após a ocorrência do fato gerador (arts. 130, 131, 132, 133 e 134, CTN), por outro lado, quando terceiro é devedor desde a ocorrência do fato gerador, diz-se em responsabilidade por substituição (art. 135, CTN).

A digressão acima foi necessária para localizarmos o leitor, pois o presente estudo aborda uma categoria específica de responsável tributário, ora sendo a pessoa natural que controla/direciona/comanda de alguma forma a pessoa jurídica[11], sendo que por determinação legal, tal indivíduo responde com exclusividade, sem um evento sucessório, decorrente do fenômeno da substituição, ou seja, a lei impõe a ele a responsabilidade total do pagamento dos tributos devidos, independentemente da atuação do contribuinte (que no caso é uma pessoa jurídica), sendo que a titularidade do patrimônio não foi transferida a ele (por ato inter vivos ou causa mortis) e tão pouco praticou a conduta tipificada à exação, desde o momento da ocorrência do fato gerador, não havendo necessidade de ato posterior reconhecendo sua obrigação de pagar.

Por óbvio, tendo o responsável a obrigação legal de pagar o tributo, ele figurará no pólo passivo do processo fiscal.

2.3 – PROCESSO FISCAL

A ação fiscal é ajuizada pelo Poder Público que intenta execução de uma determinada pessoa que é devedora de uma obrigação inadimplida, visando o início de um processo tendo como base um título executivo extrajudicial.

Nesta demanda não será debatida a existência da obrigação, mas sim a busca de meios para efetivar o direito do Fisco que pode ser especificado sob dois prismas, o primeiro utilizado com base num crédito tributário e o segundo baseado em outros tipos de créditos não decorrente da relação jurídico-tributária. Por óbvio, focaremos no primeiro.

Estamos diante de um procedimento especial, previsto em lei própria (Lei 6.830/80) criado para que o credor, ora Fazenda Pública, tenha um tratamento diferenciado tendo em vista as prerrogativas e interesse público protegido pelo Estado. Apesar de ser uma norma especial, aplica-se o Código de Processo Civil subsidiariamente quando houver omissão e compatibilidade com o sistema.

Como se já não bastasse as prerrogativas garantidas pelo direito material, a persecução processual também leva algumas a vantagens desproporcionais. Começando justamente na petição inicial que é dispensada pelo lei[12], bastando a apresentação da Certidão de Dívida Ativa ao juízo competente para iniciar o procedimento.

Alem disso, junto com a citação já é determinada ordem de penhora e avaliação dos bens do devedor, bem como medidas cautelares para ver garantido o pagamento[13], depois, com apenas 5 (cinco) dias o executado deve constituir advogado e elaborar sua defesa[14], prazo muito aquém dos comuns 15 (quinze) dias do procedimento ordinário, sendo que ela só pode ser apresentada se houver garantia por parte do devedor[15]. Ademais, as dívidas não estão sujeitas aos concursos de credores[16].

As partes do processo são definidos pela relação obrigacional retratada na certidão de dívida ativa, sendo que a Fazenda Pública sempre ocupará o polo ativo, enquanto o contribuinte e/ou o responsável tributário constará no polo passivo.

Tratando especificamente do caso analisado neste trabalho, tendo como base o art. 135, do CTN, o exeqüente da execução fiscal como foi falado é a Fazenda e o executado seria uma pessoa jurídica na figura do contribuinte, sendo que os responsáveis são àqueles que praticam atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos daqueles entes.

Na prática o contribuinte é citado para figurar no processo, o debate se perfaz e as medidas executivas são tomadas, não sendo encontrados bens para sanar a obrigação, a Fazenda pede o redirecionamento da execução para os responsáveis legais (sendo que o juiz também pode determinar de ofício), que se descobrem envolvidos num processo que já se iniciou há tempos, recebendo-o no estado em que se encontra, apresentando suas alegações contra uma presunção relativa de culpa depois de já sofrerem uma constrição judicial de seus bens.

Observe que o redirecionamento não respeita uma formalidade que garanta o devido processo legal, bastando o requerimento e a intimação, trata-se de mais uma das desigualdades presentes neste procedimento que são legitimadas pela lei e pela jurisprudência[17]. 

3 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Quando o debate é levado para a esfera processual, em regra, nos deparamos com três sujeitos: o juiz, o autor e o réu[18]. Os três indivíduos participam do debate sobre um objeto jurídico que interessa a cada um, sendo que os interesses são distintos.

O juiz possui interesse funcional na discussão para ver sanado o debate, visando a pacificação social. O autor e réu possuem interesse parcial sobre a coisa, sendo que sua atuação está direcionada a obtenção do bem.

Fora dessa relação processual há o terceiro, àquele que não faz parte da relação jurídico processual original, mas que por algum motivo tem interesse na causa que está sendo discutida e relação com o objeto da demanda.

Desta forma, para que o terceiro seja alcançado pela decisão judicial, possa ser abrangido pela coisa julgada e responder perante o Poder Judiciário, ele precisa ser incluído no processo. Para tanto a lei prevê algumas hipóteses em que isso pode ocorrer, bem como o procedimento que deve ser seguido.

A intervenção de terceiro é expressão genérica que engloba diversas maneiras de u terceiro ingressar na discussão, podendo ser por provocação, quando o juiz ou as partes vêem a necessidade de sua participação e demandam um requerimento ou espontaneamente, quando o próprio terceiro se manifesta pelo interesse de participar.

Destaca-se que em regra, o interesse que se faz referência é jurídico e não meramente econômico ou emocional[19], isso quer dizer que a intervenção somente será aceita na hipótese em que o debate tenha aptidão de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações do terceiro, legitimando sua participação.

Tendo isso como base, nos deparamos com a Desconsideração da Personalidade Jurídica como forma de intervenção prevista no Código de Processo Civil[20].

Explica Fredie Didier que

Há situações em que a utilização da pessoa jurídica é feita ao arrepio da sua função. Não raras vezes, surgem notícias de utilização indevida do ente moral para fins de locupletamento pessoal dos sócios, ocultos pela aparente licitude da conduta da sociedade empresária.

É forçoso admitir que, nesses casos, assim como o direito reconhece a autonomia da pessoa jurídica e a conseqüente limitação da responsabilidade que ela invoca, a própria ordem jurídica deve encarregar-se de cercear os possíveis abusos, restringindo, de um lado, a autonomia e, do outro, a limitação. É nesse cenário, portanto, que desponta a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, visando corrigir essa eventual falha do direito positivo. Trata-se, pois, de uma sanção à prática de um ato ilícito.”

Por ser uma sanção, ao menos no aspecto processual, para que a desconsideração seja determinada o contraditório deve ser observado, assim o Código de Processo Civil prevê algumas formalidades a serem seguidas, como requerimento da parte (não pode ser determinada de ofício) com a devida fundamentação do plano material de que ocorreu as hipóteses legais que sujeitam a inclusão do terceiro, a suspensão do processo, haja vista, estarmos tratando de incidente processual prejudicial ao julgamento do mérito, a citação para inclusão neste debate e decisão devidamente fundamentada reconhecendo a aplicabilidade do instituto. 

3.1 – ARGUMENTOS CONTRA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A Fazenda Pública sustenta pela não aplicabilidade desta intervenção de terceiro aos processos de execução fiscal sob o fundamento de incompatibilidade, pois não coaduna com as prerrogativas o Estado em juízo e a celeridade inerentes ao procedimento, além de que não há omissão de tratamento na sistemática tributária (CTN e LEF).

Destaca-se os argumentos mais comuns ao enfrentar o tema[21]:

– o incidente de desconsideração da personalidade jurídica permite a suspensão do processo sem que o juízo esteja garantido, o que é conflitante com a lei de execução fiscal;

– o incidente do novo CPC pode ser em desfavor que qualquer sócio com responsabilidade limitada, mesmo aqueles que não têm poderes de gerência ou administração, destoando da norma do CTN;

– a indicação legal do responsável tributário é feita pelo CTN no art. 121, II e, especificamente no que se refere ao sócio com poder de gerência, o CTN no art. 135, III, determina que diretor, gerente, ou representante legal, responde pessoalmente por atos da empresa praticados com excesso de poder, ou infração à lei, contrato social ou estatuto;

– a lei de execução fiscal autoriza no art. 4º,V,  que a execução poderá ser promovida desde o início contra o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;

– a própria lei de execução fiscal, no § 3º do art. 4º, prevê que os bens do responsável tributário no caso, sócio com poder de gerência, estão sujeitos à execução fiscal, sem mencionar a necessidade de instauração de incidente de desconsideração de pessoa jurídica;

– o incidente do novo CPC impõe a ocorrência de desvio de finalidade e confusão patrimonial;

– o incidente do novo CPC não pode se instaurado de ofício.

Os magistrados federais aprovaram, por unanimidade, no II Fórum Nacional de Execução Fiscal a orientação segundo a qual:

“o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 133 do NCPC, não se aplica aos casos em que há pedido de inclusão de terceiros no polo passivo da execução fiscal de créditos tributários, com fundamento no art. 135 do CTN, desde que configurada a dissolução irregular da executada, nos termos da súmula 435 do STJ.”

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) havia se posicionado da mesma forma, quando foi aprovado o Enunciado 53, segundo o qual “ o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica”.

Por fim, o Fórum de Execuções Fiscais da 2ª Região (Forexec) firmou a orientação de que “a responsabilidade tributária regulada no artigo 135 do Código Tributário Nacional não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica”.

Ao que parece, a impossibilidade de aplicar a desconsideração tem praticamente um consenso.

3.2 – POSSIBILIDADE DE APLICAR O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO

Apesar, de haver um forte posicionamento sobre a impossibilidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica às execuções fiscais, há pensamentos que discordam, tanto advogados quanto magistrados[22] militam pela compatibilidade do instituto para com este procedimento específico.

Podemos iniciar abordando o aspecto formal das omissões legais. O incidente de desconsideração não encontra amparo expresso na Lei de Execuções Fiscais, permitindo sua aplicação ou tão pouco vedando-o, contudo a própria lei em seu art. 1º[23] prevê a possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, ademais, este mesmo código em seu art. 15[24], que demanda uma interpretação extensiva, coaduna com este pensamento. A especialidade da lei não é argumento suficiente para afastar a intervenção de terceiro.

Como se não bastasse o argumento exegético do direito processual, o devido processo legal[25], norma fundamental[26], garante a qualquer litigante um processo justo, sendo considerado àquele que observa o ordenamento jurídico, conferindo o direito ao contraditório, ampla defesa, produção de provas, regular ciência dos atos processuais e possibilidade de influenciar o juiz em suas decisões, em regra, antes mesmo delas serem tomadas[27].

O argumento da especialidade ou do direito perquirido pela Fazenda Pública não podem ser fundamento para renegar a própria Constituição Federal.

Outro ponto que gera confusão na aplicação do instituto e possivelmente acarreta repulsa de sua aplicação no âmbito tributário é a confusão entre direito material e processual, pois, por ser um incidente processual, o CPC apenas descreve o procedimento a ser observado e não as hipóteses de cabimento, sendo estas previstas na lei material.

Comumente, sustentam a desconsideração pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial (Teoria Maior), todavia, este fundamento é aplicado para as relações paritárias embasadas no Código Civil, nada impede que a depender da relação jurídica as hipóteses sejam distintas e demandem análises próprias, vide por exemplo, os negócios consumeristas onde a aplicação da desconsideração é perfeitamente cabível, tendo como fundamento exclusivamente a insolvência patrimonial da Pessoa Jurídica diante de uma obrigação (Teoria Menor)[28].

Importante destacar, que independentemente da Teoria aplicada, o procedimento para determinar a desconsideração vigente pelo CPC deve ser respeitado

Ressalta-se que não se está buscando imunizar o responsável tributário, seu patrimônio está sujeito a execução nos limites da lei, estando sujeito até mesmo sofrer constrições cautelares no caso de possível locupletamento ilícito, sendo que tais medidas podem ser tomada de ofício[29].

Por mais patente que seja a responsabilidade do terceiro no âmbito tributário, ela não pode ser objetiva[30] e aferida por um processo sumário, o debate deve ser aberto impondo-se o devido ônus ao exequente na busca de seu crédito e o debate coerente com o atua ordenamento jurídico.

4 – CONCLUSÃO

Neste trabalho, enfrentamos a aplicabilidade da Desconsideração da Personalidade Jurídica às execuções fiscais especificamente no que tange à responsabilidade tributária de terceiros determinada pelo art. 135, III, do CTN.

Aprofundamos o instituto e as principais criticas no que tange a sua compatibilidade com o processo fiscal, bem como tentamos apresentar argumentos condizentes com a Constituição Federal e com a hermenêutica que viabilizariam a aplicação do procedimento previsto no Código de Processo Civil.

Podemos concluir que as intervenções de terceiro podem ser aplicadas à maioria dos procedimentos, desde coadune com o sistema e a Desconsideração não é diferente, havendo expressa previsão legal neste sentido.

Destaca-se, por fim, que o Fisco promove uma importante tarefa no que tange a cobrança dos tributos, principal fonte de renda para manutenção das instituições públicas, todavia, apesar da nobre função, as garantias fundamentais não podem ser rechaçadas, sendo que o devido processo legal é um super princípio que deve ser observado sempre que os direitos individuais estejam sub judicie e ameaçados de constrição.

 

5 – BIBLIOGRAFIA

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6 – SITES

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NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Graduado pela Universidade Salgado de Oliveira, Pós graduado em Direito Público, Direito Civil e Processo, Direito Penal e Processo, todas pela Universidade Cândido Mendes, Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Estácio de Sá e Mestrando em Humanidades da Universidade Unigranrio.

[2] Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir Administração Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”.

[3] Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

[4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[5] Nos termos do art. 142, do CTN, um procedimento administrativo, privativo da autoridade administrativa, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação, determinando a base de cálculo, alíquota e o sujeito passivo da obrigação.

[6] Qualquer valor, tributário ou não tributário cuja cobrança seja atribuída à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e respectivas autarquias.

[7] Art. 784, CPC.  São títulos executivos extrajudiciais:

IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

[8] Art. 6º, Lei 6830/80 – A petição inicial indicará apenas:

I – o Juiz a quem é dirigida;

II – o pedido; e

III – o requerimento para a citação.

  • 1º – A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita.
  • 2º – A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.

[9] Art. 121, CTN. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

[10] Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

[11] Art. 135 do CTN. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[…]

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

[12] Art. 6º – A petição inicial indicará apenas:

[…]

  • 2º – A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.

[13] Art. 7º – O despacho do Juiz que deferir a inicial importa em ordem para:

I – citação, pelas sucessivas modalidades previstas no artigo 8º;

II – penhora, se não for paga a dívida, nem garantida a execução, por meio de depósito, fiança ou seguro garantia;

III – arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar;

IV – registro da penhora ou do arresto, independentemente do pagamento de custas ou outras despesas, observado o disposto no artigo 14; e

V – avaliação dos bens penhorados ou arrestados.

[14] Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas.

[15] Superior Tribunal de Justiça STJ – AgRg no RECURSO ESPECIAL : AgRg no REsp 1522078 RS 2015/0056374-7 – Decisão Monocrática

[16] Art. 29 – A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento

[17] AGI 20150020141879 – 24/11/2015.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCIDENTE PROCESSUAL. CITAÇÃO DOS SÓCIOS. DESNECESSIDADE.

  1. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica do devedor, de acordo com o Art. 50 do Código Civil, possui natureza de incidente processual, não sendo necessária a citação dos sócios da pessoa jurídica desconstituída, bastando a mera intimação para assegurar o contraditório e a ampla defesa.
  2. Recurso provido.

[18] A nomenclatura das partes pode variar a depender do procedimento, desta forma, na execução vemos exequente e executado, no procedimento trabalhista, encontramos o Reclamante e Reclamado, nos remédios constitucionais, temos Impetrante e Impetrado e, até mesmo, na esfera penal, onde são designados como acusação e autor do fato.

Mas é certo que encontraremos uma pessoa pedindo e outra contra quem se pede.

[19] Deixo consignado que nem toda intervenção de terceiro depende do interesse jurídico é o que se depreende da Assistência Anômala promovida pela Fazenda Pública prevista no art. 5º, da Lei 9469/97 e do Amicus Curiae.

[20] Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

  • 1oO pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
  • 2oAplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

  • 1oA instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
  • 2oDispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
  • 3oA instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
  • 4oO requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

[21] TRF3 no agravo de instrumento nº 0012087-07.2016.4.03.0000/SP, em  07 de julho de 2016.

[22] Proc. Nº 0000123-84.2011.4.03.6113 – Decisão Interlocutória, Disponibilização D.Eletrônico de decisão em 07/04/2016 ,pag 173/202 – Bela Vista – SP.

[23] Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

[24] Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

[25] Com status de superprincípio ela tem a finalidade de reprimir os abusos do Estado, que até hoje se fazem reluzentes em praticamente todas as constituições liberais do mundo.

[26] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[27] Destacam-se os artigos do Livro I, Titulo Único, Capítulo I do CPC/15 que prevê normas fundamentais do processo.

[28] A Teoria Menor da Desconsideração aplica-se também às relações trabalhistas e direitos ambientais.

[29] O poder geral de cautela implica autorização para que o juízo atue, inclusive de ofício, para garantia de todas as posições processuais. Pode, portanto, deferir a medida liminar de ofício; e pode revogá-la do mesmo modo. (REsp 1020785/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 06/05/2010).

[30] Posicionamento que contraria a Súmula 435, do STJ – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. (Súmula 435, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 13/05/2010).

Palavras Chaves

Desconsideração da personalidade jurídica; execução fiscal; responsabilidade tributária.