O PROCESSO E A VERDADE

Artigo

O PROCESSO E A VERDADE

 Ana Tereza Basílio

Vice-Presidente da OAB/RJ

Advogada

 

Paula Menna Barreto

Mestre em Direito Processual pela UERJ

Advogada

Sumário: 1. Introdução. 2. O processo justo: Ponderação entre a celeridade e as demais garantias do processo. 3. Breves linhas sobre a verdade no processo. 4. A ligação entre a verdade e a prova. 5. As limitações probatórias: Análise crítica. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.

  1. Introdução

A verdade é um tema que há tempos assombra a doutrina processual. A verdade pura, na busca dos fatos que circundam a demanda, mostra-se, por vezes, impossível de ser conquistada, ou, se possível, os seus custos podem não representar o ideal de processo e justiça que se almeja.

O mestre italiano Enrico Tullio Liebman, sobre as provas, afirmava que são “meios que servem para dar o conhecimento de um fato, e por isso a fornecer a demonstração e a formar a convicção da verdade do próprio fato[1].

O presente trabalho tratará do conceito de verdade, buscando sistematizar a questão da produção de prova para a sua busca, como forma de garantir-se uma decisão justa. Faremos, assim, uma análise crítica das limitações probatórias, apontando critérios para a sua utilização.

O que se pretende demonstrar é que há de haver uma ponderação entre a busca da verdade e os demais valores que circundam o processo, permitindo-se às partes a produção de provas de suas alegações, de forma ampla e dentro dos limites disponíveis.

A questão é: somente através de um processo que garanta às partes a possibilidade de se obter a verdade é que será preservado o direito ao processo justo[2].

Deve-se, assim, haver sérias reflexões acerca da criação dos diversos óbices probatórios, travestidos de garantias a um processo ágil e célere, que, apesar de merecerem inegável reconhecimento, encontram obstáculo nas garantias fundamentais do processo.

  1. O processo justo: Ponderação entre a celeridade e as demais garantias do processo

             A efetividade do processo, no sentido de buscar garantir o maior alcance prático da medida jurisdicional aos direitos dos cidadãos, com o menor custo possível, é não só uma garantia, mas um direito fundamental.

            A tutela efetiva dos direitos foi sintetizada pelo professor José Carlos Barbosa Moreira cinco itens[3]:

  1. O processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, quer se possam inferir do sistema;
  2. Esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reitegração se cogita, inclusive quando indeterminados ou indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos;
  • Impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade;
  1. Em toda extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento;
  2. Cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo de dispêndio de tempo e energias.

Entretanto, o ideário de efetividade traz consigo um risco de torna-la um valor absoluto. De fato, “nem o valor celeridade deve primar, pura e simplesmente, sobre o valor verdade, nem este sobrepor-se, em quaisquer circunstâncias, àqueles[4].

Como se sabe, a crise do Estado como um todo e, ainda, o crescimento vertiginoso das demandas seriadas, decorrentes da sociedade massificada, ocasionou a adoção e criação de novos institutos, os quais nem sempre se preocupam com a qualidade das decisões ou respeito às garantias do processo.

Esses novos procedimentos, assim como os critérios de sumarização, também devem se confrontar com os valores contrapostos, a ser analisado sob a égide das garantias processuais do devido processo legal.

A chamada análise econômica do processo, por exemplo, procura visualizar a problemática de maneira unicamente gerencial, apresentando dados numéricos e estatísticos que nem sempre se relacionam com a realidade.

Essa concepção unicamente quantitativa da justiça, com a utilização de metas em busca de uma celeridade e efetividade da atividade jurisdicional, deve ser analisada de maneira parcimoniosa.

Por óbvio, uma visão unicamente quantitativa da questão deixa de observar os padrões mínimos necessários à garantia de uma decisão qualitativamente justa. O problema não está somente no número de processos que hoje tramita no Poder Judiciário. A crise da instituição também advém da ausência e confiança do cidadão no resultado do processo.

Assim, a simples apreciação da questão pelo viés da quantidade não é o remédio para o problema da perda de credibilidade da população com Poder Judiciário.

Alguns exemplos problemáticos da simplificação dos procedimentos, apresentados por Leonardo Greco, são: (a) a preponderância do Poder Judiciário sobre os demais Poderes, com interferência direta daquele sobre estes; (b) o afastamento dos juízes das regras e normas processuais, em abandono ao devido processo legal; (c) a tendência a uma hipertrofia da jurisprudência, pela utilização inadequada do sistema de precedentes da commum law; (d) a questão da definitividade da tutela antecipatória; (e) a monocratização das decisões dos Tribunais, em prejuízo à colegialidade; (f) a redução do efeito devolutivo da apelação[5].

                Essas técnicas de simplificação das formas processuais, apesar de reduzirem o tempo do processo, acabam por violar as garantias do processo justo, limitando indevidamente o direito das partes.

            A desvinculação às formas e aos ritos não pode ser feita de maneira arbitrária, tendo em vista que a previsibilidade de procedimento e a observância aos direitos fundamentais do processo constituem um formalismo indispensável.

            Jhering já defendia que “a forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gêmea da liberdade”.

Essa questão, quando levada para o âmbito do direito probatório tem reflexos gravíssimos.

            De fato, como apontaremos na sequência, as provas têm relação direta com a busca da verdade no processo. As chamadas limitações probatórias, se utilizadas de forma desenfreada para obter a celeridade a qualquer custo, acabam por gerar novas crises.

            Como dito, a descrença no processo e no Poder Judiciário como um todo vem não só da demora da resposta judicial, mas também no fato de que as decisões carecem de credibilidade. Uma decisão que não reflete a verdade é uma decisão injusta em si e esta não pode ter o “selo” do Estado e da justiça.

            Imprescindível, assim, a ponderação entre os princípios e garantias processuais, de modo a criar uma situação mais justa e equânime, sempre em atenção ao processo justo.

            Barbosa Moreira, em seus Temas, já demonstrava preocupação com busca da celeridade a todo e qualquer custo. Já defendida o mestre que “a simplicidade do procedimento, em linha de princípio, varia na razão inversa da extensão das garantas[6].       

            Na verdade, a cognição exauriente, com observância em especial à garantia do contraditório participativo e do direito de influência, é a única capaz de gerar a segurança oriunda da coisa julgada material[7].

            As exigências dos novos tempos, no entanto, obrigam a doutrina e a jurisprudência a se defrontar todo o tempo com valores contrapostos, como o da celeridade e justiça, urgência e devido processo, tempo de satisfação e tempo que o processo consome[8].

            O chamado procedimento ordinário, através do qual se obtém a cognição plena e exauriente, garante às partes que o caso será conduzido de forma estabelecida previamente por normas gerais, podendo estas atuar em igualdade de condições, perante um juiz imparcial, exercendo plenamente todas as suas faculdades defensivas.

            As decisões rápidas e de má qualidade, longe de pacificarem as partes, eternizam a litigiosidade. Todavia, a garantia da observância de todas as oportunidades processuais, com a possibilidade ampla de demonstração de suas alegações, sem dúvidas, aumenta a crença no Estado de Direito, tornando-se mais fácil para as partes a aceitação da decisão proferida, ainda que essa venha a rejeitar as alegações sustentadas..

Fairén Guillèn afirmava que somente “el juicio ordinário se basa y se há basado siempre em el deseo de acabar para siempre con el litigio entre las partes de maneira judicial[9].

            Como será defendido a seguir, a construção de um provimento legitimo tem que ser precedida de uma atividade cognitiva que observe a efetiva igualdade entre as partes, através da paridade de armas, possibilitando que os próprios destinatários da sentença a construam conjuntamente com o julgador.

O processo, nessa concepção, tem como função garantir a irrestrita participação igualitária e efetiva de todos os sujeitos do procedimento na construção do provimento final. Para tanto, apresenta-se como imprescindível a observância do devido processo, que pressupõe o exercício de uma atividade jurisdicional em respeito aos princípios do contraditório, ampla defesa, isonomia, acesso ao direito, dever de fundamentação das decisões e direito ao advogado.

Nesse diapasão, impõe-se a verificação do problema também à luz do tempo processual e da necessidade de maturação da decisão. A celeridade e a efetividade não podem ser um fim em si mesmas. Ambas só tem sentido se a tutela jurisdicional entregue for efetivamente àquela oriunda de um processo justo, com observância de das garantidas fundamentais.

Assim, a celeridade, entendida como aquela capaz de garantir aos jurisdicionados uma tutela efetiva de seus direitos, em tempo razoável, deve sempre ser contraposta e ponderada com os demais princípios constitucionais, em especial os da ampla defesa e contraditório, de forma a garantir uma decisão que represente a verdade.

 3. Breves linhas sobre a verdade no processo

A verdade é a correspondência com a realidade. Esta independe dos sujeitos envolvidos e relaciona-se, diretamente, com mundo externo. A verdade, assim, é objetiva e existe independentemente de seu conhecimento[10].

            Para o direito, é imprescindível que a verdade seja buscada como correspondência e não somente como uma verdade mecânica e imaginária[11]. De fato, a busca da verdade é teoricamente possível, ideologicamente oportuna e até necessária, para que o processo seja o meio de produzir decisões justas[12].

            Leonardo Greco, com brilhantismo, destaca que “Se a verdade no processo tem essa relevância humanitária e política, ela não pode ser uma outra verdade senão aquela que resulta do mais qualificado método de investigação acessível ao conhecimento humano, em qualquer área do saber.”[13]

            Assim, tem-se que a verdade no processo deve, sim, ser perseguida. A pergunta é: quais seriam os meios para obtê-la ?

            Para se chegar à verdade, é imprescindível que verifiquemos a sua relação direta com o direito probatório, como meio de alcança-la.

            O professor Flávio Mirza[14] disserta que “O convencimento do juiz precisa ter ligação umbilical com a demonstração desses fatos. Ou seja, a prova, que deve retratar o mais fielmente possível a realidade, busca convencer o juiz, para que o mesmo profira uma decisão racional. Assim, há um encadeamento entre a afirmação dos fatos, a verdade (e sua vinculação ao convencimento do magistrado) e a demonstração da afirmação acerca dos fatos. Sem dúvida alguma, tal relação entre a verdade, a existência dos fatos e a prova acerca dos mesmos, dará base a um provimento meritório justo.”.

            A prova, portanto, é o elemento direto para se obter a verdade. Trata-se de método investigativo ou resultado desse método.

            A relação estabelecida entre a prova e a verdade é, assim, teleológica[15]. A prova tem função verdadeiramente instrumental com relação a apuração da verdade dos fatos[16].

            Contudo, essa busca pela verdade nem sempre é possível ou mesmo preferível. Em determinados casos, opta-se por uma verdade comumente denominada de meramente processual.

            Já se sustentou, inclusive, que “o resultado de que o juiz poderá chegar conservará, ainda assim, um valor essencialmente relativo: estamos no terreno da convicção subjetiva, da certeza meramente psicológica”[17].

Entretanto, essa concepção subjetiva, oriunda de crenças pessoais, merece e deve ser deixada de lado. O convencimento de um juiz (ou de qualquer outra pessoa) não pode embasar convicções pessoais, sob pena, inclusive, de ferir a sua imparcialidade.

Superada, então, essa visão subjetivista da prova, deve-se analisar a questão dos chamados “elementos suficientes” para formar a convicção, através dos chamados standards de prova.

De fato, considerando-se que nem sempre em Direito é possível se obter uma prova irrefutável (como, por exemplo, o exame de DNA), é esperado que as decisões sejam embasadas pelo uma analise racional da prova. As decisões devem ser justificadas, sempre com base nas questões postas e na verificação objetiva do material probatório.

Os critérios, portanto, para a formação da convicção do julgador, que, como dito, deve ser embasada nas provas dos autos, será a análise racional das mesmas, com o esclarecimento e obtenção da tão almejada verdade.

  1. A ligação entre a verdade e a prova

             Feita essa breve introdução sobre o conceito de verdade no processo, passa-se, então, a uma análise mais atenta da sua aplicabilidade para o direito probatório.

            Como visto, a prova visa criar um padrão de correção da decisão judicial, tornando-a justa e verossímil. Tem-se que “Como instrumento da verdade é que a prova vai cumprir aquela função social apontada por Devís Echandia: dar segurança às relações sociais e comerciais prevenir e evitar litígios e delitos, servir de garantia dos direitos subjetivos e dos diversos status jurídicos.”[18].

            Para que a prova seja, portanto, reflexo direto da verdade, é necessária a criação de meios formais e materiais que viabilizem a sua produção, além de ritos que procedimentos legais que amparem e prevejam o seu regular funcionamento.

Em outras palavras, o processo deve ser ordenado de forma a potencializara a sua capacidade de ser “truth-conductive” e “truth-oriented”. O sistema deve, imprescindivelmente, caminhar para que as provas se alinhem em busca da verdade.

Em sua dissertação apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob a orientação do professor Daniel Mitidiero, Vitor de Paula Ramos pontua que “a verdade deve, portanto, ser colocada como um dos objetivos centrais e primários do processo (sempre lembrando que a verdade é o fim da prova), já que o órgão estatal não pode colocar o selo de sua autoridade em uma decisão que foi obtida com uma averiguação incompleta dos fatos. A preocupação deve ser, pois, de, dentro de tais balizas, proceder para que seja possível maximizar a acuidade de determinação dos fatos”[19].

A determinação dos fatos não pode, assim, ser relegada. Essa premissa segue, inclusive, a ideia do direito fundamental à prova. As partes merecem e devem ter o direito de comprovar as suas alegações, produzindo provas suficientes para um julgamento correto do caso.

O processo de investigação não pode, portanto, simplesmente ignorar a existência de provas relevantes, capazes – ao menos em tese – de firmar o convencimento adequado.

Por outro lado, por vezes, existem algumas limitações de custo e tempo, que acarretam em efetivo prejuízo à produção regular das provas. Essa exclusão legal visa, também, atender outros princípios do processo, “Afinal, defender a natureza meta-jurídica da prova e sua função demonstrativa da verdade não significa impor ao juiz de buscar a verdade a qualquer preço, porque também a ciência tem limites éticos, políticos e econômicos e, nem por isso, o cientista se afasta do seu compromisso de investigar a realidade dos fatos como ela é.”[20].

Essas denominadas limitações probatórias, que, frise-se, sempre existirão, devem ser vistas, no nosso entender, como excepcionais, pois, apesar de garantirem em tese uma decisão mais célere, acabam por restringir o direito das partes de verem as suas alegações demonstradas em juízo.

Essa excepcionalidade encontra respaldo, ainda, nos direitos e garantias individuais e de terceiros, os quais, como será abaixo defendido, também detém guarida constitucional.

 As limitações probatórias: análise crítica

Como destacado, as limitações probatórias devem ser sempre justificadas, em especial em atenção ao processo justo. Tratam-se, portanto, de regras extraordinárias, as quais restringem a norma geral de aceitação de todas as provas para obtenção da verdade no caso concreto para, para atendimento a outros princípios constitucionais, garantir a justiça da decisão no caso concreto.

Gian Franco Ricci[21] divide as limitações provatórias, quanto à função que desempenham no processo, em três espécies: (a) As que visam repudiar provas supostamente suspeitas, como as incapacidades, impedimentos e suspeições para depor; (b) As que buscam garantir um ordenado desenvolvimento do processo, como as preclusões, os prazos probatórios e regras procedimentais; (c) As que preservam valores constitucionais, como a intimidade, o segredo de ofício ou o segredo profissional.

As primeiras dizem respeito diretamente as provas ilegais, chamadas fruits of a poison tree no direito anglicano. Essas provas, produzidas ou obtidas de maneira contrária ao ordenamento jurídico não podem ser aceitas e devem ser desconsideradas para o resultado do processo.

Essa limitação, portanto, visa preservar outros valores envolvidos no processo, garantindo-se as partes que a decisão não seja embasada em provas ilegais ou contaminadas.

O terceiro ponto, por sua vez, diz respeito às garantias aos demais direitos, em especial a dignidade da pessoa humana e a privacidade. Por óbvio, a verdade não pode ser obtida a qualquer preço, não se podendo pensar que a garantia do direito de uns se faça em prejuízo aos direitos fundamentais de outros.

A limitação probatória, portanto, perpassa também na preservação do direito de terceiros e da garantia dos direitos individuais dos demais cidadãos, que não podem ser afetados em sua esfera jurídica para que se preserve o direito de produção de provas.

Para o que interesse no presente trabalho, o segundo ponto diz respeito às limitações de tempo e custo do processo. Essa é a questão mais debatida hoje em sede doutrinária e jurisprudencial, acarretando modificações legislativas relevantes e, por vezes, contrárias aos demais princípios que norteiam o processo.

O artigo 5º, inc. LXXVIII, prevê a duração razoável do processo e sua celeridade de tramitação. Antes mesmo da alteração legislativa, já era consensual na doutrina que a celeridade do processo constituía um dos componentes essenciais do direito ao acesso à justiça e da própria eficácia dos direitos reconhecidos no ordenamento jurídico.

Todavia, a rigidez do procedimento, dos prazos, das preclusões em benefício unicamente de um processo célere podem constituir obstáculos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, e, especificamente sobre o tema, ao pleno exercício do direito de produzir todas as provas relevantes ao descobrimento da verdade.

Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini ressalta que a razoabilidade prevista na Constituição refere-se a um arco temporal mínimo, delimitado, de um lado, pela exigência imposta ao Magistrado para que examine o processo corretamente, e, de outro, pela expectativa do titular do direito de ver solucionado o litígio[22].

Por outro lado, deve-se adotar critérios objetivos que assegurem a sua flexibilização, sem ultrapassar a fronteira do razoável. De fato, “Os prazos e as preclusões não podem impossibilitar novas iniciativas probatórias após os momentos legalmente previstos em cada procedimento, sob pena de violação da garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, inc. XXXV).”[23]

Giampiero Balena, citando Chiovenda, recorda o ceticismo deste com a imposição de preclusões probatórias, sustentando que na audiência deveria ser possível “modificar, retificar, abandonar qualquer declaração anunciada e fazer outras não anunciadas nos atos escritos”, pregando que o remédio para evitar procrastinações do processo não é evitar proposição e produção de provas novas, mas proibir aquelas caracterizadas pela “manifesta intenção de retardar o processo”[24].

Assim, como já destacado acima, a questão da possibilidade de produção de novas provas não pode passar simplesmente pelo poder discricionário do julgador em sua avaliação de provas.

Deste modo, não obstante o juiz ser avaliador das provas, as quais são produzidas para firmar o seu convencimento, o direito de provar é das partes. O processo não pode ser um simples meio de convicção, não bastando a afirmação “padrão” de que não são necessárias outras provas.

De fato, conforme leciona Leonardo Greco[25] “Permitir ao juiz, nesses e em outros casos, em juízo discricionário, determine ou não a produção dessas provas novas, não satisfaz à moderna concepção da prova como componente do direito de defesa, do direito de defender-se provando.”.

As limitações devem, como visto, ser tratadas como exceções e analisadas com parcimônia. O direito à prova deve ser visto de forma mais ampla possível, de modo a garantir-se às partes o direito de demonstrar as suas alegações de fato.

Ademais, como pontuado acima, o aumento da qualidade e amplitude do material probatório correspondem diretamente ao aprimoramento da corroboração das hipóteses fáticas e, consequentemente, para um processo orientado por decisões mais jutas.

            Assim, é imprescindível que se adotem critérios objetivos para impedir a produção de provas, dentro ou fora dos prazos estabelecidos, garantindo-se às partes que o processo submetido à análise do Poder Judiciário seja julgado com a maior relação possível com a verdade.

  1. Conclusão

            Muito se fala atualmente da celeridade e efetividade das decisões judiciais como norte para a criação de um processo mais justo e para uma maior credibilidade do Poder Judiciário.

            Essa tendência deixa de lado a análise da questão sob o ponto de vista da justiça das decisões e das garantias processuais.

            De fato, o processo deve dar a quem tem razão tudo aquilo que tem direito, em tempo razoável a da maneira mais efetiva possível.

            Contudo, para dar o direito a quem o detém, é preciso uma análise profunda das questões postas por ambas as partes, garantindo-se aos jurisdicionados uma decisão justa e em obediência a todas as regras procedimentais legalmente previstas.

Parafraseando o mestre dos mestres, falecido recentemente, Barbosa Moreira: “se para torna-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço!”.

            As limitações probatórias, portanto, devem ser observadas sempre com as demais garantias processuais, e nunca como um dever. A sua excepcionalidade demanda, assim, especial atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Conclui-se, então, que os julgadores devem ter em mente que a produção de provas segue a ideia de busca da verdade e, consequentemente, de justiça da decisão, motivo pelo qual merece ser priorizada e estimulada durante todo o curso do processo.

  1. Bibliografia

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 RODAPÉ:

[1] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Editora Intelectus, p. 80.

[2] GRECO, Leonardo. “Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo”, in Os princípios da Constituição de 1988, 2ª ed., Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 369/406.

[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Notas sobre o problema da efetividade do processo”, in Temas de Direito Processual – Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 27 e s.

[4] MOREIRA, José Carlos Barbosa, “Efetividade do processo e técnica processual”, in Temas de Direito Processual – Sexta Série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 22.

[5] GRECO, Leonardo, Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual, p. 8/15.

[6] MOREIRA, José Carlos Barbosa, “Miradas sobre o processo civil contemporâneo”, in Temas de Direito Processual – Sexta Série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 45/62.

[7] Sobre o tema, Leonardo Greco disserta que “a garantia da tutela efetiva (…) impõe que as partes tenham no processo a mais ampla possibilidade de demonstrar a existência de seu direito. A certeza do direito material que a coisa julgada induz, para que não possam mais as partes discuti-la, pressupõe que a estas não tenham sido impostas restrições à alegação de certas matérias, à produção de certas provas ou ao tempo mínimo necessário para que essas atividades sejam desenvolvidas com proveito, para que a cognição do juiz efetivamente se exerça em profundidade sobre todo o material disponível e acessível” (GRECO, Leonardo, “Cognição Sumária e Coisa Julgada”, p. 5).

[8] BERIZONCE, Roberto Omar. “Bases para actualizar el Codigo Modelo Procesal Civil para Iberoamerica”, Civil Procedure Review, v. 3, may-aug., 2011 (acessível in www.civilprocedurereview.com).

[9] FARIRÉN GUILLÈN, Vitor. El juicio ordinario y los plenários rápidos, 1953.

[10] A verdade de uma questão “não depende do que resolver o juiz, o tribunal ou um jurado (…) depende exclusivamente de sua correspondência com o mundo”(FERRER BELTRÁN, Jordi. Prueba y verdad en el derecho. 2. Ed. Madrid: Marcial Pons, 2005, p. 78).

[11] Em sentido contrário, por todos remete-se ao trabalho de DAMASKA, Mirjan R. Thuth in adjudication. Hasting Law Journal, 289. 1998. p. 290/296.

[12] TARUFFO, Michele. “Idee per una teoria della decisione giusta”. In: Sui confini – scritti della giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 224.

[13] GRECO, Leonardo. Limitações probatórias no processo civil. Revista Eletrônica de Direito Processual. 4/2009.

[14] MIRZA, Flavio. Reflexões sobre a avaliação da prova pericial. In: BASTOS, Marcelo Lessa; AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho (Org.). Tributo a Afrânio Silva Jardim: escritos e estudos. 1ªed.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, v. , p. 205-223.

[15] KNUJNIK. Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 15.

[16] TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Noìoni Generali. Milano: Giuffrè, 1992. p. 29.

[17] LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di Diritto Processuale Civile. Principi. 7. Ed. (atualizada por Vittorio Colesanti, Elena Merlin e Edoardo F. Ricci). Milano: Giuffrè, 2008, p. 296.

[18] GRECO, Leonardo. Op. Cit.

[19] RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar – São Paulo  : Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 43.

[20] GRECO, Leonardo. Op. Cit.

[21] RICCI, Gian Franco. “Nuovi rilievi sul problema della ‘specificità’ della prova giuridica”. In: Revista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Ed. Giuffrè, ano LIV, p. 1148-2000.

[22] Aqui, entendemos que a expectativa é não só do titular do direito material, como, ainda, de todos os envolvidos no litígio, na medida em que a demora jurisdicional “prejudica” não só o detentor do direito, mas também cada um dos participantes do processo, que, até a solução definitiva da lide, permanecem sem segurança jurídica sobre a questão levada à apreciação do Judiciário.

[23] GRECO, Leonardo. Op. Cit.

[24] BALENA, Giampiero. “Le preclusioni instruttorie tra concentrazione del processo e ricerca della verità”. In: Le prove nel processo civile – atti del XXV Conegno Nazionale – Cagliari, 7-8 ottobre 2005. Milano: Giuffrè, 2007, p. 201-264.

[25] GRECO, Leonardo. Op. Cit.