Peça Anistia – Retrotivos – Amicus Curiae

Artigo

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI – EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Referência: Recurso Extraordinário 553.710

 

 

                                    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANISTIADOS POLÍTICOS (ABAP), pessoa jurídica de direito privado, constituída sob a forma de associação civil nacional sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 00.937.483/0001-55 (doc. 1), com sede no SHIN CA 2, Bloco F, Salas 217 e 221, Edifício Millenium, Lago Norte, Brasília/DF, CEP 71.503-502, representada por seu Presidente, SAULO GOMES, brasileiro, casado, anistiado político, portador do CPF nº 000.289.988-47 e do RG nº 5.899.772-6 SSP/SP, residente e domiciliado Rua Lafaiete, 1182, Apto 91, Centro, Ribeirão Preto/SP, CEP 14015-080, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por meio de seus advogados (doc. 2), com base no artigo 543-A, § 6º, do Código de Processo Civil, e no artigo 323, § 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, manifestar-se, na qualidade de

A M I C U S   C U R I A E

em favor do Recorrido, Gilson de Azevedo Souto, com as razões expostas a seguir.

  1. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL

                                    A Associação Brasileira de Anistiados Políticos (ABAP) é uma entidade associativa nacional criada na década de 90 com a finalidade de proporcionar a proteção aos direitos decorrentes da anistia política (doc. 3).

                                   A associação representa milhares de anistiados em todo o país. Entres os representados, encontram-se inúmeros anistiados que impetraram mandados de segurança para terem assegurado o direito ao cumprimento integral das respectivas portarias de anistia, inclusive quanto ao recebimento dos valores retroativos. Essa é justamente a matéria objeto do presente recurso extraordinário.

                                   A ABAP realizou minucioso estudo para verificar a disponibilidade orçamentária dos valores destinados ao pagamento dos anistiados políticos. Esse estudo merece ser apresentado nos autos com a finalidade de auxiliar a completa convicção que será tomada pela Corte Suprema no julgamento da matéria em sede de repercussão geral.

                                   A atuação da entidade com o propósito de acrescentar informações ao julgamento do recurso extraordinário foi expressamente autorizada mediante decisão unânime colhida em Assembleia Geral Extraordinária (doc. 4).

                                   Portanto, está caracterizada a legitimidade e o interesse processual que autorizam o ingresso da associação como amicus curiae, para enriquecer e pluralizar o debate judicial, nos termo do artigo 543-A, § 6º, do Código de Processo Civil e do artigo 323, § 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

  1. DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA

                                   O recurso extraordinário interposto pela União limita-se a sustentar uma suposta ausência de disponibilidade orçamentária para o pagamento dos valores retroativos decorrentes da portaria de anistia política. A seguir, cumpre demonstrar: 1) a existência de previsão orçamentária específica; 2) a ausência de esgotamento do orçamento previsto; e 3) o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a questão orçamentária.

                                   2.1. Existência de Disponibilidade Orçamentária Específica

                                   A existência de recursos financeiros para o pagamento de anistiados civis e militares encontra-se comprovada nas respectivas leis orçamentárias anuais e suplementares, que trazem previsão normativa expressa para a indenização aos anistiados políticos. Essas leis destinam valores específicos ao cumprimento de ação governamental direta referente à indenização de anistiados políticos civis e militares, por meio de rubricas próprias, decorrentes de superávit orçamentário.

                                   Com efeito, a Lei 10.640/03 (doc. 5), que dispôs sobre as receitas e despesas da União no exercício financeiro de 2003, previu expressamente a dotação orçamentária destinada ao Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão para o pagamento de indenização a anistiados políticos na esfera civil.

                                   Conforme se verifica dessa lei, existe previsão específica no Programa de Direitos Humanos, que destinou ao Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão o valor total de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), com receita obtida mediante recursos de todas as fontes[1] (doc. 5).

No mesmo exercício financeiro, foi editada a Lei 10.720/03 (doc. 6), que abriu crédito suplementar para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no valor de R$ 23.417.000,00 (vinte e três milhões, quatrocentos e dezessete mil reais). Esse crédito foi destinado especificamente ao pagamento de indenização a anistiados políticos, mediante rubricas próprias[2].

No que diz respeito aos anistiados militares, a Lei 10.726/03, destinou crédito suplementar ao Ministério da Defesa, com a específica finalidade de promover o pagamento de indenização aos anistiados políticos militares (doc. 7). O valor total desse crédito consiste em R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais), decorrentes de superávit orçamentário[3].

                                   O mesmo ocorreu nos anos seguintes. Foi editada a Lei 10.837/04 (doc. 8), que fixou as despesas e receitas da União para o exercício financeiro de 2004. Nos anexos dessa lei, estão especificados os valores de R$ 34.917.000,00 (trinta e quatro milhões, novecentos e dezessete mil reais) para a Unidade Orçamentária do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e de R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais) para Unidade Orçamentária do Ministério da Defesa, sob o título de pagamento a anistiados políticos[4].

Novamente, foi aberto crédito orçamentário suplementar, com a edição da Lei 11.019/04 (doc. 9). Essa lei abriu ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), por meio de rubrica própria para a específica finalidade de indenização aos anistiados políticos[5].

No ano seguinte, a Lei 11.100/05 estabeleceu as receitas e despesas do exercício de 2005 (doc. 10). Na referida lei, consta a destinação para o pagamento de indenização aos anistiados políticos da quantia de R$ 126.676.138,00 (cento e vinte e seis milhões, seiscentos e setenta e seis mil, cento e trinta e oito reais) ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e de R$ 173.323.663,00 (cento e setenta e três milhões, trezentos e vinte e três mil, seiscentos e sessenta e três reais) ao Ministério da Defesa[6].

                                   Também a Lei 11.306/06 destinou verbas específicas para o Poder Executivo realizar o pagamento de anistiados políticos civis e militares no ano de 2006 (doc. 11). Dessa vez, foram previstos valores no total de R$ 318.710.606,00 (trezentos e dezoito milhões, setecentos e dez mil, seiscentos e seis reais) e de R$ 277.840.000,00 (duzentos e setenta e sete milhões, oitocentos e quarenta mil reais), respectivamente aos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, e da Defesa no ano de 2006[7].

Com relação ao ano de 2007, também há expressa previsão de dotação orçamentária, com valores substanciais, para o pagamento das obrigações referentes aos anistiados, conforme expresso na Lei 11.451/07 (doc. 12). Tal lei prevê o pagamento para a ação governamental específica de indenização aos anistiados políticos civis e militares. Ao Ministério do Planejamento foram destinados R$ 352.556.916,00 (trezentos e cinquenta e dois milhões, quinhentos e cinquenta e seis mil, novecentos e dezesseis reais) e ao Ministério da Defesa, R$ 386.084.484,00 (trezentos e oitenta e seis milhões, oitenta e quatro mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais)[8].

                                   O mesmo vale para o Orçamento de 2008, pois a Lei 11.647/08 contém expressa previsão orçamentária para o pagamento das obrigações referente aos anistiados políticos (doc. 13). Dessa vez, foram destinados R$ 768.404.897,00 (setecentos e sessenta e oito milhões, quatrocentos e quatro mil, oitocentos e noventa e sete reais) ao Ministério do Planejamento e R$ 419.595.654,00 (quatrocentos e dezenove milhões, quinhentos e noventa e cinco mil, seiscentos e cinquenta e quatro reais) ao Ministério da Defesa[9].

Ainda no ano de 2008, foi aberto crédito suplementar aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, por meio de dois decretos, para o pagamento de anistiados militares. O Decreto de 4 de setembro de 2008, contém expressamente a previsão orçamentária específica referente à indenização a anistiados políticos militares no total de R$ 19.500.000,00 (dezenove milhões e quinhentos mil reais) (doc. 14)[10]. O Decreto de 26 de setembro de 2008 abriu crédito suplementar no valor de R$ 57.525.788,00 (cinquenta e sete milhões, quinhentos e vinte e cinco mil, setecentos e oitenta e oito reais) destinado ao Ministério da Defesa para o pagamento dos anistiados políticos militares (doc. 15)[11].

No orçamento do ano de 2009, a Lei 11.897/08 (doc. 16) trouxe a previsão de R$ 629.700.000,00 (seiscentos e vinte e nove milhões e setecentos mil reais), para o pagamento das indenizações aos anistiados políticos civis e de R$ 439.417.749,00 (quatrocentos e trinta e nove milhões quatrocentos e dezessete mil setecentos e quarenta e nove reais) para o pagamento de indenizações aos anistiados militares[12].

Em 2010, o orçamento anual encontra-se regulamento na Lei 12.214/10 (doc. 17). Nesse ano, foram destinados com R$ 648.840.393,00 (seiscentos e quarenta e oito milhões, oitocentos e quarenta mil, trezentos e noventa e três reais) ao Ministério do Planejamento para o pagamento dos anistiados civis e R$ 202.666.534,00 (duzentos e dois milhões, seiscentos e sessenta e seis mil, quinhentos e trinta e quatro reais) ao Ministério da Defesa para o pagamento de anistiados militares[13].

No orçamento de 2011, por meio da Lei 12.381/11, foram transferidos R$ 757.964.735,00 (setecentos e cinquenta e sete milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, setecentos e trinta e cinco reais) e R$ 380.345.369,00 (trezentos e oitenta milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, trezentos e sessenta e nove reais) ao Ministério do Planejamento e ao Ministério da Defesa, nessa ordem, para a indenização aos anistiados políticos civis e militares (doc. 18)[14].

Em continuidade, a Lei 12.595/12, que trata do orçamento de 2012, previu R$ 572.319.200,00 (quinhentos e setenta e dois milhões, trezentos e dezenove mil e duzentos reais) aos anistiados civis (MPOG) e R$ 426.753.189,00 (quatrocentos e vinte e seis milhões, setecentos e cinquenta e três mil, cento e oitenta e nove reais) aos anistiados militares (MD) (doc. 19)[15].

No último ano, as receitas e despesas de 2013 foram previstas na Lei 12.798/13. Essa norma trouxe o valor de R$ 608.097.230,00 (seiscentos e oito milhões, noventa e sete mil e duzentos e trinta reais) ao Ministério do Planejamento, destinado ao pagamento dos anistiados civis, e R$ 415.983.324,00 (quatrocentos e quinze milhões, novecentos e oitenta e três mil, trezentos e vinte quatro reais) ao Ministério da Defesa, destinado ao pagamento anistiados políticos militares (doc. 20)[16].

As leis orçamentárias anuais acima expostas somam, desde 2003 até 2013, um valor total de R$ 8.118.639.869,00 (oito bilhões, cento e dezoito milhões, seiscentos e trinta e nove mil, oitocentos e sessenta e nove reais). A tabela abaixo consolida as informações anteriormente expostas:

Lei Orçamento Ano Órgão Espécie Valor Previsto
Lei 10.640/03 Anual 2003 MPOG civil R$ 10.000.000,00
Lei 10.720/03 Especial 2003 MPOG civil R$ 23.417.000,00
Lei 10.726/03 Especial 2003 MD militar R$ 24.000.000,00
Lei 10.837/04 Anual 2004 MPOG civil R$ 34.917.000,00
Lei 10.837/04 Anual 2004 MD militar R$ 24.000.000,00
Lei 11.019/04 Especial 2004 MPOG civil R$ 20.000.000,00
Lei 11.100/05 Anual 2005 MPOG civil R$ 126.676.138,00
Lei 11.100/05 Anual 2005 MD militar R$ 173.323.663,00
Lei 11.306/06 Anual 2006 MPOG civil R$ 318.710.606,00
Lei 11.306/06 Anual 2006 MD militar R$ 277.840.000,00
Lei 11.451/07 Anual 2007 MPOG civil R$ 352.556.916,00
Lei 11.451/07 Anual 2007 MD militar R$ 386.084.484,00
Lei 11.647/08 Anual 2008 MD militar R$ 419.595.654,00
Lei 11.647/08 Anual 2008 MPOG civil R$ 768.404.897,00
Dec. 04/09/2008 Especial 2008 MD militar R$ 19.500.000,00
Dec. 26 /09/2008 Especial 2008 MD militar R$ 57.525.788,00
Lei 11.897/08 Anual 2009 MPOG civil R$ 629.700.000,00
Lei 11.897/08 Anual 2009 MD militar R$ 439.417.749,00
Lei 12.214/10 Anual 2010 MPOG civil R$ 648.840.393,00
Lei 12.214/10 Anual 2010 MD militar R$ 202.666.534,00
Lei 12.381/11 Anual 2011 MPOG civil R$ 757.964.735,00
Lei 12.381/11 Anual 2011 MD militar R$ 380.345.369,00
Lei 12.595/12 Anual 2012 MPOG civil R$ 572.319.200,00
Lei 12.595/12 Anual 2012 MD militar R$ 426.753.189,00
Lei 12.798/13 Anual 2013 MPOG civil R$ 608.097.230,00
Lei 12.798/13 Anual 2013 MD militar R$ 415.983.324,00
Somatório R$ 8.118.639.869,00

Portanto, não resta dúvida de que a comprovação de orçamento se encontra nas próprias leis orçamentárias anuais. A previsão orçamentária para o pagamento dos anistiados civis e militares é específica, prevista em rubrica expressamente identificada, decorrente de ação governamental própria e direcionada às indenizações de anistia política.

                                   2.2. Ausência de Esgotamento Orçamentário

A comprovação da existência de orçamento específico para o pagamento dos anistiados políticos encontra-se registrada nas leis orçamentárias anuais. As leis orçamentárias que disponibilizam as verbas para o cumprimento da específica ação governamental de indenização aos anistiados políticos representam a prova inequívoca do direito líquido e certo defendido pelos anistiados.

No recurso extraordinário, a União não conseguiu demonstrar que os valores previstos nas leis orçamentárias anuais foram integralmente gastos. A razão para essa omissão é simples: os valores previstos nas leis orçamentárias não foram esgotados.

Para colaborar com a formação do juízo que será tomado por esse colendo Supremo Tribunal Federal, vale juntar aos autos os comprovantes do quanto foi gasto com a ação governamental de indenização aos anistiados políticos ao longo dos últimos anos.

Essa informação é extraída do Portal da Transparência do Governo Federal (doc. 21). Esse sítio contém as informações oficiais dos gastos governamentais, lançados pelos próprios órgãos públicos, sob fiscalização da Controladoria Geral da União[17].

Portanto, o Portal da Transparência traz informações imparciais e confiáveis, para aferir o quanto foi gasto em cada orçamento anual com o pagamento de anistiados políticos desde o ano de 2004 até o último ano de 2013[18]. As informações abaixo resumem o quanto foi gasto com a ação governamental específica de indenização aos anistiados políticos a cada ano (doc. 21):

Ano Valor Gasto
2004 R$ 10.096.042,83
2005 R$ 9.904.707,18
2006 R$ 20.927.953,26
2007 R$ 55.473.499,05
2008 R$ 4.463.826,78
2009 R$ 8.727.653,36
2010 R$ 10.501.779,87
2011 R$ 17.434.128,34
2012 R$ 5.688.954,11
2013 R$ 25.063.324,84
Somatório R$ 168.281.869,60

Conforme demonstrado no tópico anterior, as Leis Orçamentárias Anuais de 2004 até 2013 (docs. 8 a 20) previram R$ 8.061.222.869,00 (oito bilhões, sessenta e um milhões, duzentos e vinte e dois mil, oitocentos e sessenta e nove reais) para o pagamento de anistiados políticos[19].

Segundo o Portal da Transparência, o valor total gasto de 2004 até 2013 com anistiados políticos corresponde a R$ 168.281.869,60 (cento e sessenta e oito milhões, duzentos e oitenta e um mil, oitocentos e sessenta e nove reais e sessenta centavos) (doc. 21).

Em outras palavras, 2,1% do total do total previsto nas leis orçamentárias anuais para a indenização de anistiados políticos foram efetivamente gastos, segundo as informações oficiais do próprio governo federal. Portanto, os outros 97,9% restantes representam valores disponibilizados e não pagos.

As leis orçamentárias anuais disponibilizam valores para o pagamento da específica ação governamental de indenização aos anistiados políticos, identificados em rubrica própria. O Portal da Transparência traz os gastos específicos com a ação governamental de indenização aos anistiados políticos, identificada com a exata mesma rubrica[20].

A disponibilidade financeira salta aos olhos. Os valores gastos correspondem a pouco mais de 2% do total previsto nas leis orçamentárias. Os demais 97,9% representam justamente os valores previstos e não gastos, ou seja, verbas que ficaram disponíveis para o pagamento da ação governamental de indenização aos anistiados políticos.

Para afastar qualquer dúvida quanto à exatidão dos valores informados no Portal da Transparência, foi realizada consulta à Controladoria Geral da União sobre os dados contidos no sistema e forma de pesquisa. Em resposta, a CGU informou que as informações referentes aos gastos com os anistiados políticos encontram-se corretas, exatas (doc. 22).

Portanto, a previsão financeira encontra-se nas leis orçamentárias anuais. Os valores previstos em lei não foram esgotados, segundo informações imparciais e oficiais. Dessa forma, a única conclusão possível é que existe sim disponibilidade financeira para o total cumprimento das indenizações.

2.3. Jurisprudência

                                    O Supremo Tribunal Federal já apreciou questão idêntica à dos presentes autos no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 24.953, julgado pela Segunda Turma, e do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 26.947, julgado pela Primeira Turma.

No julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 24.953-0/DF, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal afirmou o cabimento de mandado de segurança para garantir o cumprimento integral das portarias de anistia e a existência de recursos orçamentários suficientes para o pagamento dos valores retroativos:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR: ANISTIA. MANDADO DE SEGURANÇA.

  1. A hipótese não consubstancia ação de cobrança, mas tem por finalidade sanar omissão da autoridade coatora, que não deu cumprimento integral às Portarias do Ministro de Estado da Justiça. Cabimento do mandado de segurança. Liquidez e certeza do direito dos impetrantes, que se apoiam em fatos incontroversos.
  2. Recurso provido.” (RMS 24.953, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 01/10/2004).

O voto condutor acolheu os seguintes termos:

“Verifica-se, de pronto, a liquidez e certeza do direito dos impetrantes, apoiado em fatos incontroversos e incontestáveis.

Outrossim, conforme salientado no acórdão recorrido, todas as etapas administrativas foram devidamente observadas, existindo, inclusive, recursos orçamentários para a satisfação das Portarias […]

Com efeito, a obrigação que diretamente decorre do pedido é uma obrigação de fazer, consubstanciada na efetivação de um direito já reconhecido, não se assemelhando a uma ação de cobrança”.

Esse entendimento também foi adotado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 26.947:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. PORTARIA QUE DECLAROU O RECORRENTE ANISTIADO POLÍTICO E DETERMINOU O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO.

  1. O não-cumprimento de Portaria do Ministro da Justiça que reconheceu o Recorrente como anistiado político, fixando-lhe indenização de valor certo e determinado, caracteriza-se ato omissivo da Administração Pública.
  2. Configurado o direito líquido e certo do Recorrente, por se tratar de cumprimento de obrigação de fazer, e não cobrança de valores anteriores à impetração do presente writ. Não-incidência das Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal.
  3. Demonstrada a existência de prévia dotação orçamentária, não há afronta ao princípio da legalidade da despesa pública.
  4. Recurso em Mandado de Segurança conhecido e provido.”(RMS 26.947, Relatora Min. Carmen Lúcia, Primeira Turma, DJ 17/04/2009).

A Relatora, Ministra Cármen Lúcia assevera o seguinte:

“Da Prévia Dotação Orçamentária.

  1. Impetrado o presente Mandado de Segurança em 6.3.2007, tem-se que a Lei n. 11.451, de 7.2.2007, que estimou a receita e fixou a despesa da União para o exercício financeiro de 2007, previu, em seu Quadro 16, do Volume I, que trata das ‘Ações da Seguridade Social, respectivos Programas e Órgão Orçamentário’, a ação de n. 0739, denominada ‘Indenização a Anistiados Políticos’, referente ao Programa n. 154, denominado ‘Direitos Humanos, Direitos de Todos’, do Órgão n. 47000, ou seja, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no total de R$ 218.672.071,00 (duzentos e dezoito milhões, seiscentos e setenta e dois mil, e setenta e um reais).

Da mesma forma, a Lei n. 11.514, de 14.8.2001, que dispôs sobre as ‘diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2008’, seu Anexo IV, trouxe as ‘despesas que não serão objeto de limitação de empenho, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei Complementar n. 101, de 4.5.2000’, e, no contexto do seu item I, que dispôs sobre as ‘despesas que constituem obrigações constitucionais ou legais da União’, o inciso 57 relaciona: ‘indenização a anistiados políticos (Lei n. 10.559, de 13.11.2002).

Por sua vez, no Anexo V, que dispôs sobre os riscos fiscais, tem-se, em seu inc. V, que trata da ‘avaliação dos passivos contingentes’, a previsão de passivos judiciais da União, decorrentes de ‘ações sobre

pedidos de indenização de anistiados políticos’ (p. 214 fonte: http//www.planalto.gov.br).

  1. Pelo exposto, não há afronta ao principio da prévia dotação orçamentária, como quer fazer entender o Recorrido.” (sublinhas aditadas).

Esses precedentes orientaram inúmeras decisões monocráticas proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal que acolheram a pretensão dos anistiados atinente ao cumprimento integral das portarias de anistia.

Nessa linha, citem-se as decisões prolatadas no Agravo de Instrumento n.º 659.683-1 (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ 08/08/2007), no Agravo de Instrumento n.º 686.709-6 (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 13/02/2008), no Recurso Extraordinário n.º 554.948-8 (Relator Min. CEZAR PELUSO, DJ 21/08/2007), nos Recursos Ordinários n.º 26.879, 26.949 e 27.063 (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 17/06/2009 e 01/09/2009), nos Recursos Extraordinários n.º 579.061 e 579.067, no Agravo de Instrumento n.º 682.015 (Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ 30/03/2010 e 08/04/2010), assim como no Recurso Extraordinário n.º 569.466 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 17/03/2010) e no Recurso Ordinário n.º 27.094 (Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJ 30/07/2010).

Portanto, há nítida consolidação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a favor da tese do Recorrido. Os precedentes acima mencionados certamente podem ser utilizados para negar provimento imediato ao recurso extraordinário ou para determinar a remessa dos autos ao tribunal de origem, a fim de seguir a orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 543-B, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil.

  1. PEDIDO

                                   Em razão do exposto, a Associação Brasileira de Anistiados Políticos solicita que seja admitida na qualidade de amicus curiae e que seja negado provimento ao recurso extraordinário da União, mantendo-se inalterado o v. acórdão recorrido, com aplicação do entendimento jurisprudencial já consolidado para os demais recursos da mesma matéria.

Nesses termos,

Pede deferimento.

Marcelo Pires Torreão

OAB/DF 19.848

Daniel Fernandes Machado

OAB/DF 16.252

Gustavo Henrique Linhares Dias

OAB/DF 18.257

Sérgio de Brito Yanagui

OAB/DF 35.105

Notas de Rodape:

[1] Informação prevista na Lei 10.640/03, Anexos, Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 82; e Volume IV – Detalhamento das Ações – Órgão do Poder Executivo – Presidência da República e Ministérios Exceto MEC – Ministério Público da União, página 666 (doc. 5).

[2] Informação prevista na Lei 10.720/03, Anexo I, página 7 (doc. 6).

[3] Informação prevista na Lei 10.726/03, Anexo I (doc. 7).

[4] Informação prevista na Lei 10.837/04, Anexos, Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 12; e Volume IV – Detalhamento das Ações – Órgão do Poder Executivo – Presidência da República e Ministérios Exceto MEC – Ministério Público da União, páginas 1221 e 1345 (doc. 8).

[5] Informação prevista na Lei 11.019/04, Anexo Único (doc. 9).

[6] Informação prevista na Lei 11.100/05, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados – Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 337 e 352; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 476; e Volume IV – Detalhamento das Ações – Órgão do Poder Executivo – Presidência da República e Ministérios Exceto MEC, páginas 1997 e 2120 (doc. 10).

[7] Informação prevista na Lei 11.306/06, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados – Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 284 e 298; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 39; e Volume IV – Detalhamento das Ações – Órgão do Poder Executivo – Presidência da República e Ministérios Exceto MEC, páginas 149 e 254 (doc. 11).

[8] Informação prevista na Lei 11.451/07, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados – Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 382, 384, 398 e 399; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 30; e Volume IV – Detalhamento das Ações – Órgão do Poder Executivo – Presidência da República Exceto MEC, páginas 1.059, 1.193, 1.203 e 1.215 (doc. 12).

[9] Informação prevista na Lei 11.647/08, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados – Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 363, 366, 380, 381 e 382; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 189 (doc. 13).

[10] Informação prevista no Anexo I do Decreto de 4 de setembro de 2008 (doc. 14).

[11] Informação prevista no Anexo I do Decreto de 26 de setembro de 2008 (doc. 15).

[12] Informação prevista na Lei 11.897/08, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados – Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 452, 455, 468 e 470; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 202 (doc. 16).

[13] Informação prevista na Lei 12.214/10, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados – Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 442, 445, 461 e 463; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 219 (doc. 17).

[14] Informação prevista na Lei 12.381/11, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados, Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 446, 449, 465 e 467; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 231; e Volume IV – Detalhamento das Ações – Órgão do Poder Executivo – Presidência da República Exceto MEC, páginas 496, 564, 573 e 578 (doc. 18).

[15] Informação prevista na Lei 12.595/12, Anexos, Volume I – Quadros Orçamentários Consolidados, Detalhamento da Receita e Legislação da Receita e da Despesa, páginas 446, 449, 465 e 467; Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, página 231; e Volume IV – Detalhamento das Ações, páginas 496, 564, 573 e 578 (doc. 19).

[16] Informação prevista na Lei 12.798/13, Anexos, Volume II – Consolidação dos Programas de Governo, páginas 195 e 241; e Volume IV – Detalhamento das Ações, páginas 382, 429, 435, 436 e 440 (doc. 20).

[17] Disponível em www.transparencia.gov.br. Vale destacar que as rubricas para pagamentos de anistia a civis e militares (0739 e 0C01) são exatamente as mesmas indexadas no portal da transparência.

[18] O portal da transparência foi criado no ano de 2004.

[19] Aqui, foram excluídas as leis orçamentárias de 2003, pois naquele ano ainda não havia sido criado o portal da transparência; portanto não seria possível fazer a comparação entre os valores orçados e os valores gastos.

[20] Como dito, as rubricas orçamentárias 0739 e 0C01, destinadas ao pagamento de anistiados civis e militares, são exatamente as mesmas identificadas no portal da transparência.