Quais as providências no caso de militares estaduais suspeitos de COVID-19 e os impactos para a tropa e para a população?

Artigo

Quais as providências no caso de militares estaduais suspeitos de COVID-19 e os impactos para a tropa e para a população?

Leila Leiva Guardado

INTRODUÇÃO

                        No contexto atual da pandemia do coronavírus – COVID-19, a União, os Estados, Municípios e a Organização Mundial de Saúde são uníssonos no sentido de considerar o isolamento social no momento a única forma de evitar a propagação do vírus entre as pessoas e consequentemente a contaminação das mesmas.

                        Com isso, medidas foram editadas para diminuição da circulação da população nas ruas, determinando por exemplo o fechamento de comércios, estabelecendo que somente serviços considerados essenciais poderiam funcionar.

                        Dentre os serviços essenciais encontra-se a atividade policial militar, atividade essa que não pode parar, não pode ser interrompida, que é compreendida como sendo uma atividade essencial, assim como é vedado ao policial militar fazer greve, conforme preceitua o artigo 42, § 1º, da Constituição Federal. Reforçado o entendimento pela edição do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020 que definiu os serviços públicos e as atividades essenciais e incluiu as atividades de segurança pública.

                        De acordo com o Decreto nº 10.282/2020 são serviços públicos e atividades essenciais, aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

                        Mormente, o policial militar tem por missão constitucional prevista no artigo 144, da CRFB/88, o policiamento ostensivo. Isto quer dizer que policiais militares estão nas ruas a todo dia e a toda hora expostos, atendendo às inúmeras solicitações da população. Não há dúvidas que a atividade policial militar é essencial e inexoravelmente uma atividade feita a partir da interação com as pessoas. Desse modo, o contato físico é um aspecto comum da rotina policial militar.

                        Na impossibilidade desses profissionais da segurança pública se isolarem, conforme recomendação da OMS, fazem parte do grupo de risco, eis que estão em contato direto com cidadãos, ao exercer sua atividade fim em prol da preservação da ordem pública, muitas vezes diante da necessidade efetiva de contenção, prisão, que demandam contato físico. Esses mesmos profissionais, retornarão para suas residências e terão contato com seus familiares (esposas, maridos, filhos, pais, mães etc), vivenciando assim um ciclo contínuo de contatos interpessoais. A polícia militar é uma instituição com grande rotatividade de profissionais e de grande fluxo de contatos físicos e de bens compartilhados, ou seja, uma cadeia de contatos incontáveis e sem fim.

                        Diante deste quadro fático, os policiais militares também estão vulneráveis e expostos, sujeitos à contraírem o vírus do COVID-19, o que causa imensa preocupação, eis que além de disseminarem a doença entre a própria tropa, também podem fazer propagar o vírus perante a população já que atualmente o profissional mais exposto e em contato com a população é o policial militar, que pode ser veículo assintomático.

                        O avanço do coronavírus e a declaração de pandemia global em março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) determinou a necessidade de adoção de medidas estratégicas para contenção dos inevitáveis danos gerados pela rápida transmissão do vírus.

                        Desta forma, qual seria a solução para esse impasse?

                        Desde 2015 foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Estado do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Rio de Janeiro com o fito de estabelecer medidas, prazos e condições para o aprimoramento institucional da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, regulamentação da jornada de trabalho do policial militar, da saúde e segurança do policial militar onde deverá ser propiciado um ambiente digno de trabalho, a observância aos aspectos relativos à segurança e saúde dos policiais militares, disponibilização de equipamentos de proteção individual, dentre outros.

                        Em virtude da pandemia que nos assolou, a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital solicitou informação técnica para análise da adequação do Plano de Saúde e das ações relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19/SARS-COV-2), visando dentre outros a saúde dos policiais militares e de todos que porventura venham a ter contato com os mesmos (família e a população em si).

                        As ações devem ser imediatas, em caráter de urgência, pois a morosidade na tomada de decisões e adoção de providências de prevenção para a saúde e segurança da tropa pode significar a diferença entre a vida e a morte não só dos policiais militares, como de seus familiares e de parcela significativa da população fluminense.

                        Há que se atentar para o surgimento de um risco sanitário iminente e de imensa gravidade para todo o efetivo policial, devido a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), e consequentemente acometimento da COVID-19.

                        Assim, se faz premente medidas que minimizem significativamente o risco de contaminação e transmissão entre os policiais militares e com a própria população, assegurando condições adequadas de trabalho aos policiais militares no exercício de suas funções ordinárias, bem como daquelas excepcionais de policiamento no cumprimento das normas legais e infralegais que regem a vida em sociedade nesse momento atípico de situação de pandemia, tais como a fiscalização do uso obrigatório de máscaras pela população, da proibição de funcionamento de estabelecimentos comerciais, do impedimento de aglomeração de pessoas etc, no qual, ao desempenharem tais funções, os policiais estarão expostos à contaminação, razão pela qual o poder público deve proporcionar-lhes condições adequadas de trabalho.

                        Dentre os desafios de determinar quais ações devem ser adotadas, deve-se iniciar primeiramente no interior dos próprios batalhões e quartéis, vejamos:

1 – Distribuição de EPI (equipamentos de proteção individual) para todos os policiais militares;

2 – Higienização dos quartéis, onde há espaços compartilhados, como por exemplo refeitórios (rancho), salas, alojamentos, RUMB, pátios etc;

3 – Higienização de bens compartilhados (telefones, computadores, pranchetas, impressoras etc)

4 – Higienização das viaturas (volante, alavanca de marchas, módulo do rádio de despacho, alavancas e bordas das portas etc e armamentos após o uso;

5 – Fornecimento de material de papelaria individual;

6 – Fornecimento de álcool gel 70 para espalhar por todos os setores dos batalhões;

7 – Horário diferenciado para refeições nos refeitórios das organizações policiais militares;

8 – Distribuição da comida somente pelo efetivo do rancho com o uso de máscara, touca e luva, sendo vedada os policiais militares da tropa se servirem, onde inclusive, o efetivo do rancho deverá entregar a cada policial o talher a ser usado pelo mesmo;

9 – Escala diferenciada para o pessoal da administração, com redução na escala de serviço;

10 – Salas com janelas e portas abertas e proibição no uso do ar condicionado;

11 – O policial com escala de 24 horas deverá levar seu lençol, travesseiro e edredom de uso próprio;

12 – Imediata interdição das instalações físicas conhecidas do tipo “containers”, onde foram instaladas as UPPs, devido elevada insalubridade e periculosidade;

13 – Fechamento das academias nas organizações militares policiais que tenham;

14 – A ampliação da estrutura dos Hospitais da Polícia Militar com equipamentos imprescindíveis e alas específicas para atender os pacientes (policiais militares e seus familiares);

15 – O fornecimento de todo material, sobretudo EPIs e EPCs necessários e determinados pelos órgãos públicos à todos os médicos e servidores da área de saúde da PMERJ;

16 – A realização de testagem à todo o efetivo da PMERJ;

17 – Elaboração de protocolo com orientações para: abordagens, incursões e operações, uso de viaturas, funcionamento do rancho, uso de material compartilhado (armas, coletes e rádios comunicadores), e outros que por ventura sejam identificados no mapeamento de risco para o novo coronavírus, devendo tal protocolo ser submetido previamente à Vigilância Sanitária Estadual da Secretaria Estadual de Saúde.

                        No tocante as medidas nos hospitais da PMERJ, é imprescindível que sejam adotadas medidas específicas voltadas ao atendimento dos pacientes, assim como a garantir condições de trabalho dignas e eficazes aos médicos e profissionais da área de saúde, dentre elas:

1 – A capacitação obrigatória para atendimento de pacientes com provável afecção por coronavírus e outras doenças emergentes;

2 – A movimentação dos policiais QPMP-6 (Quadro de auxiliar de saúde – Lei nº 544/82) e de policiais militares que possuírem alguma especialização na área de saúde para reforçarem o número de profissionais envolvidos no atendimento aos pacientes das Emergências e Ambulatórios;

3 – A realização de obras estruturais emergenciais para adequação de salas de atendimento aos pacientes na Unidade em referência, incluindo adequação de leitos do CTI para internação, assim como de leitos para isolamento;

4 – Distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs), saneantes, álcool gel, sabonetes líquidos, dispenser para sabonetes líquidos; refil de sabonete líquido para dispenser; desinfetantes germicidas; touca cirúrgica; máscara cirúrgica; óculos de segurança hospitalar; aventais descartáveis (capotes); lençóis de uso hospitalar descartável; medicamentos de uso humano; respirador/máscara respiratória; máscaras tipo shield para os profissionais em contato direto com doentes de COVID-19 e por fim, respiradores de ventilação mecânica suficientes para o atendimento da tropa e de seus familiares caso necessitem de internação;

5 – Viabilização para uma rotina laboratorial para testagem e diagnóstico específico;

6 – Aquisição de kits de teste para realização de testagem obrigatória de todos os integrantes da Polícia Militar, na medida em que sejam entregues os kits de teste ao Estado do Rio de Janeiro, de modo a isolar os servidores com resultado positivo para o novo corona vírus (SARSCoV-2), tudo em consonância com as orientações e recomendações do Ministério da Saúde (Governo Federal) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), de modo que adentrem a segunda posição na ordem de preferência, após os profissionais da saúde;

7 – Controle e divulgação do fluxo de dados sobre casos de policiais militares e familiares suspeitos, confirmados, internados e falecimentos de COVID19;

8 – Por fim e não menos importante, a divulgação em boletins e páginas da internet por meio de informes educativos e de acompanhamento epidemiológico da Doença pelo Coronavírus.

                        No que diz respeito a atividade policial militar operacional, deve-se:

1 – Resguardar os policiais enquadrados no grupo considerado de risco, recolocando os mesmos para as atividades internas ou para o trabalho em regime de “home office”;

2 – Evitar atuações de enfrentamento nas comunidades e territórios deflagrados, buscando mais atuação de patrulhamento nas ruas, objetivando coibir as modalidades de crimes como roubo a carros, a residências, a transeuntes;

3 – Buscar mais atuação social e não de confronto;

CONCLUSÃO:

                        Medidas preventivas devem ser adotadas com o fito de evitar baixas na tropa colocando em risco a própria segurança pública, na medida em que a disseminação ocorre de maneira rápida e silenciosa.

                        O objetivo é garantir que os policiais militares, profissionais na área de segurança pública, serviço notoriamente essencial, e que estão no front da ação de prevenção contra o coronavírus, assim como profissionais de saúde da corporação, e seus familiares, sejam devidamente protegidos, de modo que não venham a ficar doentes, nem sejam veículo de transmissão assintomática para seus pares e população.

                        Os policiais militares necessitam de todos os meios de preservação de sua saúde para a manutenção de suas atividades e de seus familiares, assegurando a proteção e o respeito à dignidade da pessoa humana como dispõe o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.

                        O Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria Estadual da Polícia Militar deve providenciar imediatamente o mapeamento de risco da atividade policial militar na atual pandemia do COVID-19, identificando todas as atividades policiais militares por setor e a respectiva progressão do risco em função dessas atividades, bem como as ações de prevenção e proteção a serem adotadas e registradas em um protocolo para cumprimento obrigatório para toda a corporação. Assim como deve ser compelido a implementar todas as medidas imprescindíveis e urgentes de prevenção contra a contaminação e de cuidados de saúde para com os policiais acometidos da COVID-19, não medindo esforços e recursos financeiros para custeio de toda essa estruturação, devendo ser fiscalizado e cobrado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

                        O Estado do Rio de Janeiro tem o dever de envidar esforços para a proteção, prevenção e cuidado para com os policiais militares que exercem atividade tão essencial, principalmente nesse momento de pandemia.