A REGULA(MENTA)ÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS VIRTUAIS POR ENTES PRIVADOS NO BRASIL E A GARANTIA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS CIDADÃOS DIGITAIS

Resumo

No presente artigo abordou-se a transformação dos espaços de convivência social em decorrência da virtualização das sociedades, que flexibilizou os limites tradicionais delimitadores entre os espaços públicos e privados com o advento das novas tecnologias de socialização, passando a exigir avanços no campo da regulamentação sobre a construção e convivência nestes novos espaços sociais virtuais. Numa sociedade cada vez mais digital, abordou-se a existência e convivência social tradicional, baseada nos espaços físicos, daquelas estabelecidas por intermédio das plataformas sociais digitais, o que torna necessário e urgente uma regulação que garanta o exercício de todos os direitos constitucionais dos novos cidadãos digitais em sua existência e convivência no mundo virtual. Nesta reflexão, reafirmou-se as características dos novos espaços públicos criados com as redes sociais e trata-se do debate entre o limiar da regulação pública e privada de tais espaços, e sua relevância para a defesa do exercício das garantias fundamentais constitucionais dos cidadãos brasileiros.

Abstract

En este artículo se abordó la transformación de los espacios de convivencia social a raíz de la virtualización de las sociedades, que flexibiliza los límites tradicionales entre los espacios públicos y privados con el advenimiento de las nuevas tecnologías de socialización, exigiendo avances en el campo de la regulación sobre la construcción y convivencia en estos nuevos espacios sociales virtuales. En una sociedad cada vez más digital, se abordó la existencia y convivencia social tradicional, basada en espacios físicos, de los establecidos a través de las plataformas sociales digitales, lo que necessária y urgente una regulación que garantice el ejercício de todos los derechos constitucionales de los nuevos ciudadanos digitales en su existencia y convivencia en el mundo digital. En esta reflexión, se reafirmaron las características de los nuevos espacios públicos creados como las redes sociales y se trata del debate entre el umbral de regulación pública y privada de tales espacios, y su relevancia para la defensa del ejercicio de las garantías constitucionales fundamentales de los ciudadanos brasileños.

Palabras Clave: Ciudadanía Digital. Espacios públicos virtuales. Garantías Fundamentales. Regulación. Reglamentación.

Artigo

A REGULA(MENTA)ÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS VIRTUAIS POR ENTES PRIVADOS NO BRASIL E A GARANTIA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS CIDADÃOS DIGITAIS

Simone Saturnino Braga[1]

Resumo: No presente artigo abordou-se a transformação dos espaços de convivência social em decorrência da virtualização das sociedades, que flexibilizou os limites tradicionais delimitadores entre os espaços públicos e privados com o advento das novas tecnologias de socialização, passando a exigir avanços no campo da regulamentação sobre a construção e convivência nestes novos espaços sociais virtuais. Numa sociedade cada vez mais digital, abordou-se a existência e convivência social tradicional, baseada nos espaços físicos, daquelas estabelecidas por intermédio das plataformas sociais digitais, o que torna necessário e urgente uma regulação que garanta o exercício de todos os direitos constitucionais dos novos cidadãos digitais em sua existência e convivência no mundo virtual. Nesta reflexão, reafirmou-se as características dos novos espaços públicos criados com as redes sociais e trata-se do debate entre o limiar da regulação pública e privada de tais espaços, e sua relevância para a defesa do exercício das garantias fundamentais constitucionais dos cidadãos brasileiros.

Palavras Chave: Cidadania Digital. Espaços públicos virtuais. Garantias fundamentais. Regulação. Regulamentação.

Resumen: En este artículo se abordó la transformación de los espacios de convivencia social a raíz de la virtualización de las sociedades, que flexibiliza los límites tradicionales entre los espacios públicos y privados con el advenimiento de las nuevas tecnologías de socialización, exigiendo avances en el campo de la regulación sobre la construcción y convivencia en estos nuevos espacios sociales virtuales. En una sociedad cada vez más digital, se abordó la existencia y convivencia social tradicional, basada en espacios físicos, de los establecidos a través de las plataformas sociales digitales, lo que necessária y urgente una regulación que garantice el ejercício de todos los derechos constitucionales de los nuevos ciudadanos digitales en su existencia y convivencia en el mundo digital. En esta reflexión, se reafirmaron las características de los nuevos espacios públicos creados como las redes sociales y se trata del debate entre el umbral de regulación pública y privada de tales espacios, y su relevancia para la defensa del ejercicio de las garantías constitucionales fundamentales de los ciudadanos brasileños.

 

Palabras Clave: Ciudadanía Digital. Espacios públicos virtuales. Garantías Fundamentales. Regulación. Reglamentación.

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Os Espaços Públicos, Sua Evolução e Representação no Ambiente Virtual; 2.2 As Redes Sociais e a Existência dos Cidadãos nos Espaços Públicos Virtuais; 2.3 A Regula(menta)ção dos Ambientes Virtuais e a Garantia dos Direitos Fundamentais nos Espaços Públicos Virtuais; 3. Conclusão; Referências.

  1. INTRODUÇÃO

O conceito de espaços públicos que se conhece tradicionalmente está muito distante do que se tem como conceito destes espaços após o advento da internet e, especialmente, após a consolidação, na vida social, do uso das plataformas de convivência nos espaços virtuais – as redes sociais.

            A convivência social que antes se estabelecia em espaços físicos com conceitos claros como os de ‘Comunidade’ e ‘Sociedade’, muito bem definidos por autores como Zygmunt Bauman e Ferdinand Tönnies, atualmente se expande aos espaços virtuais advindos da criação da internet e demanda um novo delineamento de normas e limites – antes impostos e regulados unicamente pelo Estado –, que ultrapassam as barreiras físicas e esbarram na (falta de) regula(menta)ção por parte dos Entes Públicos, com a assunção de tal responsabilidade por Entes Privados, inovando nos problemas de existência e interação social no plano do ciberespaço.

            Assim, diante da necessidade de contemplar a organização da vida social nestes espaços públicos virtuais, além de necessário que a evolução da legislação contemple a efetiva atuação do Estado para garantir a satisfação dos direitos fundamentais dos novos cidadãos digitais, se faz urgente, ainda, debater sobre os limites dos poderes de regula(menta)ção (regulação e regulamentação, conceitos distintos da necessidade de intervenção estatal) privada destes novos meios de interação e convivência, de modo que se garanta o direito de existência e fruição do novo ambiente em que se estabelece o espaço público, garantindo que princípios e valores Constitucionais, como a igualdade, a livre manifestação do pensamento, expressão de atividades intelectuais, e afins, independentemente de censura ou licença, o direito de reunião em locais públicos, o direito de ir e vir em todo território, entre outros, sejam assegurados a todos sem discriminação.

            Diante desta problemática, entender a construção, exercício e gozo das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos digitais nos espaços públicos virtuais concretizados pelas redes sociais é um importante instrumento de defesa e asseguramento da cidadania, pelo que urge em ser pacificado jurídica e socialmente.

Apesar da nem tão recente existência e consolidação do uso das redes sociais pelos cidadãos brasileiros, a doutrina e a Justiça têm tardado em dar uma resposta tempestiva aos conflitos gerados neste universo. Ramos do Direito Digital tem surgido timidamente e os casos concretos que chegam ao judiciário são tratados com divergências e falta de consenso.

Em que pese o surgimento de leis como o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18), entre outras legislações que evidenciam a necessidade de garantir os direitos do cidadão na esfera virtual, nenhuma delas conseguiu abarcar, ainda, o amplo aspecto da garantia de ‘existência’ (em sentido amplo) do cidadão digital nos espaços públicos virtuais com todos os direitos que a Carta Magna garante.

Neste contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar a atual situação da regula(menta)ção da existência e convivência dos cidadãos digitais no espaço público virtual e as consequências de tal controle para o exercício da cidadania.

A metodologia utilizada baseou-se em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial para observar o objeto pesquisado, coletar dados e analisar a aplicação destes no problema desenvolvido, identificando os fatores que contribuíram para a conclusão atingida e as propostas elaboradas.

  1. DESENVOLVIMENTO

 

  • OS ESPAÇOS PÚBLICOS, SUA EVOLUÇÃO E REPRESENTAÇÃO NO AMBIENTE VIRTUAL

Antes de qualquer coisa, necessário entender um pouco o conceito do que se define como ‘espaço público’, numa concepção mais moderna do que a origem do termo, que aparece pela primeira vez em 1977, cunhado num documento administrativo municipal e agrupado em categoria similar a ‘espaços verdes’, praças  etc., significava “aquele espaço que, dentro do território urbano tradicional, sendo de uso comum e posse coletiva, pertence ao poder público..

Neste aspecto, espaço público é o espaço, por excelência, das cidades, nos quais a ocupação pela população se dá pelo uso autorizado e regulado pelo poder público, que define limites e regras de fruição e convivência nestes locais.

Num contexto menos territorial e mais social do termo, Arendth considera o espaço público como lugar de existência e ação política, de expressão e de subjetividade não identitária dos indivíduos que nele atuam, enquanto Habermas o considera como “lugar da comunicação e encontros multi-sociais, da democracia e do uso livre”, o que demonstra a multiplicidade de entendimentos e, consequentemente, a complexidade da conceituação do referido termo nos mais diversos escritos sobre o tema.

Resumindo um conceito amplo de ‘espaço público’ segundo entendimento de Arendth, Silva e Xavier definem:

 

O espaço público tem, mormente, três aspectos. É constituído primeiramente pela aparência, pela visibilidade. É, outrossim, o mundo enquanto artefato ou produto humano. E, por fim, é o espaço da palavra e da ação, atividades condicionadas pela condição humana da pluralidade. Na confluência desses três elementos, o espaço público se constitui no espaço da liberdade (política). (…) A esfera pública é o espaço do comum, isto é, “de tudo o que pode ser visto e ouvido por todos”. Ser visto e ouvido por todos é condição da realidade pública e, segundo os seus intérpretes “a realidade política”. O conceito de espaço público contém a ideia de liberdade, reconhece que em qualquer lugar, todos estão livres para se manifestar.

Assim, o que se percebe nas mais diversas tentativas de definição de um conceito para o termo ‘espaço público’ é, de forma geral, a ideia de que este espaço representa a principal fonte simbólica de constituição das representações pessoais, culturais, políticas, religiosas e sociais de uma sociedade, com papel preponderante de visibilizar as aparências e materializar a existência dos sujeitos que o habitam.

Estes sujeitos, em um espaço dotado de regras e limites e regulado pelo Poder Público, passam a se constituir cidadãos quando, neste espaço público, se tornam destinatários não apenas de deveres, mas de direitos, e recebem não apenas direitos pessoais e individuais, mas também o direito de ocupar o que é público, ainda que sob a condicionante de atender às exigências impostas pelo Estado para tal. Logo, são imprescindíveis ao exercício da cidadania.

Nas sociedades modernas, com todas as transformações advindas pós revolução industrial e que levou à consolidação do ‘mercado’ como um novo poder, uma força irresistível que rege as relações privadas, a relação dos indivíduos e da sociedade com o espaço público também foi transformada.

Enquanto o que regula as relações entre Estado e indivíduos/sociedade na simbiótica convivência no espaço público são as leis, normas com abrangência igualitária sobre todos e consequências comuns, o que regula as relações entre indivíduos/sociedade e mercado são os contratos, que se estabelecem nos espaços privados que, de outra forma, reinterpretam o uso do espaço público para seu gozo e domínio.

Como consequência, o espaço público deixa de ser a arena onde se dão as relações entre iguais, como na pólis grega, em que representantes da própria sociedade regulam sua ocupação e fruição, e passa a ser o espaço onde ocorrem as relações entre desiguais, aqueles que podem reivindicar participação no uso do espaço público agora dominado pelas conexões privadas que se estabelecem em decorrência de relações contratuais.

Ora, se as relações privadas passam a dominar o espaço público para seu gozo de acordo com as relações desiguais que estabelecem entre os indivíduos, ocupando o espaço que antes era comum e igualitário de forma desigual e segregada, isso significa assumir que uns serão incluídos enquanto outros excluídos do proveito de tais espaços, desequilibrando o pêndulo da cidadania.

Sendo o espaço público o universo natural onde se estabelecem as relações políticas – no sentido existencial – de uma sociedade, resta claro que é onde, de fato, também se garante a materialização dos sistemas políticos – no sentido governamental – destas mesmas sociedades.

É neste cenário, no qual Marilena Chauí constata a indissociabilidade entre democracia – sistema político vigente em grande parte das sociedades mundiais atuais – e espaço público e o quanto as políticas neoliberais e mercantilizadas caracterizadas pela valorização do espaço privado o corroem, que surgem as sociedades virtuais, que ocuparam o espaço público na esfera virtual, excluindo muitos atores sociais de forma antidemocrática, mas em perfeita sintonia com o objetivo de capitalizar o espaço público de forma privada.

É na seara da internet que as sociedades digitais se estabelecem, que a virtualização dos espaços públicos acontece, e onde é ainda mais fácil capitalizar, para usufruto privado, os espaços de materialização da existência e convivência. Agora, estes espaços conseguem agregar um número ainda maior de pessoas, diluindo aos poucos o conceito clássico de comunidade e ampliando ainda mais o conceito de sociedade que se estabelece para além dos limites do físico, do local e dos comuns.

Na sociedade digital o mundo parece maior, os comuns não se identificam mais apenas por sua proximidade física, cultural ou social, mas se aglutinam por ideologias e interesses comuns. Os valores não se estabelecem mais por histórico social, mas por realidades subjetivas e atuais, que não estão necessariamente vinculadas ao espaço territorial e ao que está próximo. A sociedade digital passa a servir para reforçar grupos étnicos, ideológicos, políticos, religiosos, e afins, não apenas ligados por uma mesma cultura ou um mesmo território.

A Internet e os espaços públicos que lá se estabelecem dão a esses grupos a possibilidade de superar fronteiras geográficas, barreiras normativas e limites legais que, até agora, eram ‘monopólio’ de um Estado – do Estado.

Se antes, nas sociedades democráticas mundiais, quem determinava previamente as bases nas quais os usos do espaço público se legitimam era a própria sociedade, através de seus representantes democraticamente eleitos, agora, com os espaços públicos virtualizados e inseridos num cenário onde o mercado define as relações entre os sujeitos digitais e se apropria de seus espaços de convivência, quem determina as regras? E mais: quem determina quem dita as regras?

Eis as questões relevantes trazidas com a virtualização da sociedade e seus espaços, e para a qual se faz necessário uma resposta legislativa e jurídica, propostas às quais o presente estudo pretende contribuir.

 

  • AS REDES SOCIAIS E A EXISTÊNCIA DOS CIDADÃOS NOS ESPAÇOS PÚBLICOS VIRTUAIS

Na era da internet as redes sociais surgiram em 1997, com o Six Degrees, e expandiram seu uso em 1998, com o IRC, basicamente mais como um novo meio de comunicação, como o telefone, o e-mail ou as cartas. Entretanto, rapidamente evoluíram para a característica que mantém até hoje, como redes de socialização virtual, com a criação do mIRC e os instant messengers de diversas plataformas de internet discada, que tão rapidamente evoluíram para o ICQ, e tão logo o Orkut, até chegarmos às redes que se mantém ativas até os dias atuais.

Com sua rápida evolução, o que se viu foi a transformação de redes que, inicialmente, se prestavam a servir como um canal de comunicação à distância, mas foram se moldando aos desejos de seus usuários para que tais ferramentas representassem seu agrupamento por interesses em comum, criando salas temáticas de debates, grupos que replicavam as comunidades locais – como as escolas, igrejas, bairros, etc. –, e até réplicas virtuais perfeitas dos espaços físicos tradicionais onde a socialização dos usuários se dava por intermédio de seus ‘avatares’.

Neste contexto sociogeográfico de mudança de convívio entre os espaços públicos tradicionais e aqueles replicados para o ambiente virtual é que surgem estas redes sociais, espaços de existência e convivência dos cidadãos digitais que coabitam o universo virtual da internet, cuja regulamentação de acesso e uso fica a cargo das grandes empresas de tecnologia mundiais que detém a propriedade das plataformas nas quais estas redes se materializam.

Apesar de estas redes se concretizarem através de plataformas privadas, são elas, atualmente, a materialidade de todo o espaço público disponível na camada acessível da internet, dada sua essência de conectar pessoas, sendo espaço de convivência, visibilidade, relacionamento, interação e produção na internet.

Assim, tomando como base o conceito de espaço público dado por Arendth (2016), estas redes se enquadram em todos os aspectos que o definem, seja pela aglutinação de pessoas em um mesmo ‘espaço’, seja pela característica de proporcionar interação, comunicação e convivência social, pela condição de possibilitar produção cultural e intelectual, a livre manifestação de expressões, valores e ideias, ou mesmo por permitir a virtualização das relações territoriais, atributos que conferem às redes sociais a qualidade de espaços públicos virtuais, os quais, assim como os espaços públicos tradicionais, impõem aos seus frequentadores limites e normas de convivência.

Na era da internet, o acesso a ela é praticamente uma condição sine qua non de existência dos sujeitos numa sociedade global virtual, sem o que os indivíduos estão impedidos de participar plenamente da vida pública, além de limitados em sua expressão individual, o que, por consequência, lhes retira o direito de exercerem sua cidadania, agora também digital.

Se na sociedade tradicional a ausência de um documento de identificação e um Cadastro Nacional de Pessoas Físicas – CPF fazem com que uma pessoa ‘não exista’ – no sentido material, e não formal, do termo –, impedindo-a de frequentar espaços públicos tradicionais (escolas, hospitais, etc.) e exercer de forma plena seus direitos, na sociedade virtual é, na devida proporção, a ausência de uma conta em rede social que inflige tal invisibilidade.

Participação política, social, cultural, estabelecimento e manutenção de relações familiares, afetivas, profissionais, atividades intelectuais, visibilidade pessoal uma rede social para cada propósito, mas todas possuem em comum a capacidade de proporcionar a efetivação de todos estes importantes vínculos de existência social no ciberespaço: Whatsapp, Facebook, Instagram, Tik Tok, Snapchat, Telegram, Tinder, Linkedin, e tantas outras. Cada uma com suas regras específicas de acesso, participação e exclusão.

Assim como nos espaços públicos tradicionais a existência de regras, normas e limites para acesso, usufruto e participação não podem impedir a entrada e a permanência dos indivíduos nestes locais, nos espaços públicos virtuais igualmente não se pode impedir ingresso e participação, nos mesmos moldes, sob pena de se estar violando direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Neste aspecto, Estrela Serrano traduz a conclusão de Feintuck sobre o acesso às mídias sociais no ambiente virtual da internet:

Se efectivamente a cidadania implica participação na sociedade, pode dizer-se que, numa era em que a participação efectiva está, cada vez mais, relacionada com o acesso aos media como primeiro fórum para a comunicação política e cultural, então o acesso aos media tornou-se, ele próprio, um pré-requisito para a efectiva soberania.

            Da mesma forma, o acesso aos meios de interação e participação social na internet, na sociedade atual, reflete um pré-requisito para a própria soberania popular, à medida que um dos elementos para a autodeterminação dos povos – um dos elementos fundamentais da soberania – é a visibilidade de seus indivíduos e a defesa de sua própria existência na sociedade em que vivem e, numa sociedade global virtual, para Existir (visibilidade) é necessário participar dos espaços públicos virtuais – aqueles onde os sujeitos exprimem suas ideias, interagem com seus pares, reivindicam sua posição de ser político e cultural, e compartilham do mesmo espaço convivendo pacificamente com as diferenças e divergências.

É pelas mídias digitais que os atores do universo digital adquirem sua existência no mundo virtual, mas é através das redes sociais que estes indivíduos materializam esta existência no ciberespaço, logo, são necessárias para o exercício da vida na coletividade virtual. Já dizia Aristóteles que o homem é um ser social, pois necessita pertencer a uma coletividade para viver, e não é diferente no mundo virtual. Se a coletividade é uma necessidade humana, existir nas redes sociais é um direito de cada indivíduo, que deve poder ser exercido de acordo com a vontade subjetiva de cada um.

Assumindo a necessidade de Existência neste universo social das redes virtuais para consolidação de uma sociedade digital fortalecida, não só os indivíduos precisam de visibilidade e participação, mas também as Instituições, motivo pelo qual se constata a forte presença das Instituições nacionais nas mais diversas redes sociais.

Assim, ao contrário dos indivíduos, que no âmbito da vida física podem escolher se isolar do convívio social e viverem alijados da vida pública, ou no âmbito virtual podem optar por não participar da coletividade e dos espaços públicos das redes, as Instituições não têm opção pela não existência na sociedade, vez que são elas um dos pressupostos de existência da própria sociedade em si.

Com perfis nas mais relevantes redes com participação no Brasil estão presentes o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, além de todas as Instituições da Sociedade Civil Organizada, e não apenas por mera presença formal neste ambiente, mas pelo reconhecimento que tais espaços são fundamentais na representação do poder que estas exercem no território físico e precisam continuar exercendo no território virtual, sem o que a constituição da sociedade ficaria fragilizada.

Deste modo, percebe-se que apesar de constituídas num ambiente virtual, a essência das redes sociais continua sendo as conexões que estas possibilitam num contexto social – as conexões humanas. Logo, independentemente do suporte tecnológico privado em que as redes sociais se estabelecem, são nas interrelações humanas e institucionais que estão a essência de sua existência, porquanto estas são a essência da coletividade.

Por este motivo, da mesma forma que indivíduos e Organizações privadas no espaço público tradicional devem submeter-se às regulações públicas de suas atividades, igualmente no espaço público virtual tal submissão deve ocorrer, e o Estado deve estar preparado e disposto para exercer seu papel de Órgão regulador das relações coletivas também no ciberespaço, garantindo que os direitos fundamentais dos cidadãos e entidades sejam exercidos nos moldes dos ditames legais e constitucionais.

Atualmente, as empresas de tecnologia possuem irrestrita liberdade para estipular as políticas de acesso aos espaços públicos virtuais que administram em suas plataformas privadas, especialmente no que tange às regras de participação e exclusão por descumprimento de seus códigos de conduta. Contudo, tal regulamentação não pode ser estritamente privada e a fiscalização da regulação destes espaços deve passar pelo crivo do Estado, sob pena de privatização de atribuições de competência exclusiva do Poder Público, como o poder de polícia, por exemplo.

Para garantir a satisfação dos direitos digitais, especialmente o direito de existência – primazia da Dignidade da Pessoa Humana –, é necessário que se assegure aos cidadãos e entidades digitais a visibilidade, a liberdade de expressão e locomoção (aqui compreendido como o direito de transitar no espaço público), os direitos políticos, a livre associação, o direito de reunião, o contraditório, a ampla defesa, ou seja, direitos estes que, no ciberespaço, somente são amplamente assegurados com a participação nos espaços coletivos virtuais, nos quais se inserem as redes sociais.

Deve o Estado atuar para que as políticas destas plataformas se adequem ao direito dos cidadãos digitais de existirem e participarem dos espaços públicos virtuais, coibindo as desconformidades entre as políticas privadas das administradoras das redes sociais e a legislação brasileira, impondo limites ao poder regulatório dos entes privados que detém a propriedade destes meios virtuais, bem como evitando a sub-rogação ilimitada da liberdade regulatória nestes ambientes a terceiros particulares, evitando uma assimetria de poder e direitos entre os usuários destas plataformas e entre os cidadãos e as administradoras dos serviços.

 

  • A REGULA(MENTA)ÇÃO DOS AMBIENTES VIRTUAIS E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NOS ESPAÇOS PÚBLICOS VIRTUAIS

A legislação existente no Brasil sobre os direitos do cidadão no universo virtual ainda é tímida frente à importância da vida virtual para a sociedade digital em que vivemos, e está mais assentada na aplicação prática de valores e princípios, do que sobre normas objetivas de conduta.

Exceto a chamada Lei Carolina Dieckman (lei 12.737/2012) e a Lei 13.718/18, que especializaram tipos penais já previstos no códex penal, adequando-os especificamente ao universo da internet, o pouco que se tem de regulamentação sobre a existência e convivência no ambiente virtual se assemelha mais a uma ‘carta de valores’ à luz dos princípios Constitucionais do que propriamente dito a normas ordinárias de ação, conduta e controle.

Neste sentido são o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (lei 13.709/18), que cuidam muito mais de espelhar para o ambiente virtual o escopo das garantias constitucionais já previstas na Carta Magna brasileira, atribuindo-lhes valores um pouco mais direcionados para a convivência virtual e reforçando o papel regulatório e fiscalizador do Estado nas relações estabelecidas na seara virtual, do que de tratar precisamente de ações, meios, métodos, ferramentas e controles a serem implementados junto aos agentes virtuais para a garantia dos direitos dos cidadãos digitais no ciberespaço.

Tal posição fica clara numa breve análise dos caputs e alguns dos incisos dos art. 2º, 3º e 4º do Marco Civil da Internet, com os grifos necessários, que são os balizadores de todo o referido texto legal:

Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:

II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;

VI – a finalidade social da rede.

 

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;

VII – preservação da natureza participativa da rede;

VIII – liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

 

Art. 4º A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:

I – do direito de acesso à internet a todos;

Como se pode perceber na referida lei, o desenvolvimento da personalidade (existência) dos cidadãos virtuais, o caráter social do ambiente, a natureza participativa do espaço virtual, a neutralidade da rede, o direito de acesso e a necessária adequação dos modelos privados de negócio aos princípios nela estabelecidos são garantias dos usuários de todas as plataformas digitais.

Entretanto, apesar dos mais de 8 anos de vigência do referido Marco legislativo, ainda hoje a regulação prática pelo Estado dos espaços públicos virtuais é mínima. E isso é o que vemos diariamente pela forma como as empresas de tecnologia lidam livremente com a aplicação de suas regulamentações internas, muitas vezes de forma arbitrária, com decisões unilaterais que violam os direitos dos usuários, sem que o Poder Público venha atuando no sentido de coibir tais práticas.

Exemplos claros disso são verificados mais frequentemente nas plataformas do Twitter, Instagram e Facebook, redes sociais que atuam ativamente na dita ‘moderação’ dos conteúdos digitais postados pelos usuários e que, muitas vezes, não respeitam princípios constitucionais essenciais.

Nestas plataformas, conteúdos postados pelos usuários (que podem ser denunciados por outros usuários ou apenas identificados pelo algoritmo dos aplicativos) são analisados mais a fundo pela Inteligência Artificial das empresas, bem como por seus empregados (os chamados moderadores), e geram desde a invisibilidade e exclusão de conteúdos postados, passando pelo bloqueio temporário das contas e chegando até mesmo ao banimento dos usuários destas ferramentas.

Ocorre que tais penalidades são regulamentadas pelas próprias empresas administradoras de tais ferramentas e aplicadas de forma unilateral por elas mesmas, apenas conforme sua própria interpretação de seus próprios termos de serviço, que são impostos aos usuários como um contrato de adesão, sem que haja qualquer possibilidade de contraditório ou defesa (prévia ou não) por parte dos usuários, o que viola os direitos destes indivíduos nos espaços públicos virtuais.

No Twitter, por exemplo, os conteúdos denunciados por outros usuários ou identificados pela IA da empresa que firam as regras de conduta no aplicativo são sumariamente invisibilizados e a conta é temporariamente bloqueada até que o usuário exclua o conteúdo apontado como impróprio, sob a condição de confissão tácita (pela simples exclusão para a retomada da conta) da violação das regras da comunidade.

Caso confirme a exclusão do conteúdo – única forma célere de ter sua conta desbloqueada –, assumindo a suposta violação das normas, o usuário ganha uma ‘advertência’ automática em seu perfil, servindo como graduação para futuras sanções mais severas em caso de novas ocorrências. Se não confirmar a exclusão, tem sua conta permanentemente bloqueada até que um possível recurso (cujo campo para os argumentos de defesa do usuário é limitado a menos de 100 caracteres) seja unilateralmente apreciado e julgado pela própria plataforma, com base em seus próprios termos.

 A análise do recurso não tem prazo estipulado para resposta, permanecendo a conta bloqueada até sua conclusão. Se acatada a contestação, a conta é desbloqueada. Se não, permanece inativa para uso, impedindo o usuário de exercer seu direito de existência, participação e expressão acessando novamente aquele ambiente virtual. Após uma quantidade estipulada de bloqueios e suspensões, o usuário pode ser definitivamente banido da plataforma.

No Instagram e no Facebook, em outro exemplo, além de uma escalada semelhante de penalidades, conteúdos analisados por Inteligência Artificial ou denunciados podem ser deliberadamente excluídos da conta do usuário pelas próprias empresas, sem qualquer prévia comunicação ou possibilidade de defesa, e isso inclui qualquer coisa que as próprias plataformas julguem impróprias, inclusive manifestações artísticas, expressões políticas, e até mesmo grupos temáticos e comunidades virtuais inteiras, com milhares de membros, entre outras penalidades.

Ora, se no Brasil a Constituição proíbe veementemente penas perpétuas ou de banimento, por exemplo, não há que se permitir que regulamentações privadas de espaços públicos virtuais contrariem direitos tão relevantes e expressos em nossa Constituição, impondo ônus indevido aos cidadãos pela violação de seus direitos de existência, de participação, de expressão, de reunião, de liberdade, de ampla defesa, e contraditório, do devido processo legal, entre outros.

Para evitar que tais violações ocorram, é necessária atuação constante e ativa do Estado na fiscalização dos modelos de negócio no ciberespaço que estejam de acordo com o disposto no art. 3º, VIII, da lei 12.965/14.

É neste sentido que Habermas defende que a regulamentação não deve ser restrita às normas para a criação de novas ferramentas de convívio social virtual, sendo importante a regulação de suas atividades: “O que está em jogo é não apenas o surgimento de diversos espaços de manifestação da opinião pública, mas também, as formas de administrar o seu controle”.

            Outra forma muito comum de assimetria de poder entre os cidadãos virtuais, é a sub-rogação da regulação dos espaços públicos virtuais nas redes sociais, por meio da concessão, pelas plataformas, de poder regulatório das comunidades virtuais por particulares.

            Um claro exemplo disso é visto nos grupos do Facebook, nos quais os membros administradores estipulam suas regras de convivência e participação internas, mas detém o poder de impedir a entrada ou banir permanentemente membros independentemente do cumprimento de requisitos para admissão ou do descumprimento de quaisquer das regras estabelecidas.

            Como consequência, por exemplo, é possível que moradores de uma região sejam impedidos de participar dos grupos de seu próprio bairro, ou que estudantes sejam impedidos de ingressar em comunidades do colégio em que estudam, ou mesmo excluídos destas redes de forma arbitrária sem que tenham descumprido quaisquer das normas de convivência e participação, não havendo moderação e recursos nesse sentido.

            Numa simples comparação, é como se um cidadão fosse impedido de entrar em uma praça pública em seu bairro (ou em qualquer bairro fora de sua região), ou retirado à força de um shopping sem que tivesse cometido nenhum ato atentatório às regras de convivência naquele espaço, ou mesmo que um particular pudesse proibir a entrada e permanência de outrem em uma escola, um cinema, uma praia…

            Perceba-se: também de espaços físicos privados são compostos os espaços públicos tradicionais, entretanto, não é permitida a exclusão de indivíduos destes espaços de forma discriminatória e por deliberada vontade de seus administradores – como no caso dos shoppings centers ou das escolas privadas. Da mesma forma, os espaços públicos virtuais, que, concretizados nas redes sociais, são administrados por plataformas privadas, mas igualmente não podem tratar seus frequentadores de forma desigual ou privá-los de participação por deliberada vontade ou julgamento unilateral.

            Neste cenário, não se pode permitir que as redes sociais, enquanto espaços públicos virtuais, sejam utilizadas de modo a práticas ilegais e inconstitucionais, protegendo os direitos dos cidadãos de ingressar, existir, habitar, participar e socializar nestes ambientes de forma equânime com os demais.

            Com esta falta de regulação Estatal é comum, por exemplo a prática de políticas atentatórias aos direitos dos cidadãos digitais, como a geodiscriminação – caso do geoblocking e do geopricing, que caracterizam o bloqueio de ofertas e conteúdos ou a diferenciação de preços em função da localização geográfica dos usuários –, o ciberbullying – casos de práticas de assédio, exclusão, perseguição, humilhação, agressão e assemelhados de forma sistemática –, entre outras formas de discriminação e práticas ilícitas online que violam efetivamente normas legais e princípios constitucionais e que é papel do Estado reprimir, mesmo na ausência de regras específicas.

Muito embora o Marco Civil da Internet garanta uma série de direitos acerca da neutralidade da rede, da existência e privacidade dos usuários, da liberdade de expressão, entre outras garantias legais e constitucionais, ainda é ineficaz para a proteção dos direitos fundamentais violados pelos administradores dos espaços públicos na internet, especialmente por suas representações mundiais fora do território nacional, excluídos da incidência da legislação pátria, o que de forma alguma pode servir de fundamento para consubstanciar a falta de regulação destes espaços pelo Estado.

            Não se pode permitir que os direitos dos cidadãos digitais e as obrigações efetivas das plataformas controladoras das redes sociais estejam reguladas e limitadas unicamente por um contrato de adesão firmado entre as partes, pois tal pacto de vontades é evidentemente assimétrico e baseado na desigualdade entre seus membros.

            Em contraponto a essa permissibilidade está a ideia de Foucault sobre as obrigações dos Governos, segundo a qual o ato de governar “é estruturar o eventual campo de ação dos outros”. Logo, pressuposto de existência dos Estados a necessidade de governar os objetivos das plataformas que hospedam espaços públicos virtuais, fundamentalmente quando seus objetivos distam em muito daqueles declarados na legislação brasileira para proteção dos direitos dos cidadãos.

            Se nem os softwares, nem os algoritmos, tampouco os objetivos das empresas proprietárias das plataformas virtuais são neutros, necessário que o Governo haja para assegurar tal direito à neutralidade da rede como requisito para a garantia de todos os demais direitos dos usuários destas plataformas, conforme previsto na lei 12.965/14.

            Isso significa dizer que, para garantir tais direitos, o Estado deve zelar minimamente, entre outras coisas, pela criação de medidas que restrinjam o poder deliberativo das plataformas no que tange ao ingresso e permanência de usuários nos espaços públicos virtuais, assim como pela implementação de mecanismos de transparência nas decisões tomadas pelas plataformas, especialmente sobre os termos de serviço (penalidades, participação, exclusão, etc), que não imponham uma assimetria de poder exacerbada sobre os usuários.

            Outra necessidade, é a necessidade de zelar pela adoção de regras claras e dentro dos ditames legais e constitucionais para invisibilização e exclusão de conteúdos pelas plataformas, garantindo a liberdade e possibilidade de expressão artística, política, intelectual, científica, sociocultural, etc, além de garantir fiscalização das políticas que violem a existência dos cidadãos digitais, com atentados ao desenvolvimento de sua personalidade no ciberespaço, regulamentando normas para a suspensão e impedindo penalidades com o banimento de contas.

Além disso, também se faz urgente, por exemplo, a criação e controle da aplicação prática de critérios de sub-rogação de poderes pelas plataformas aos particulares para administração dos espaços públicos virtuais, de modo a garantir a igualdade entre seus membros, e a adoção de auditorias e fiscalização ativa constante nos algoritmos das plataformas, garantindo a neutralidade da rede e lisura dos administradores no trato com as informações pessoais dos cidadãos; entre outras.

Estas são apenas algumas medidas urgentes e necessárias para assegurar existência dos cidadãos digitais e preservar seus direitos, entretanto, o desafio na definição do interesse público para a governança e regulação dos espaços públicos virtuais no Brasil vai muito além de simplesmente garantir direitos constitucionais aos seus cidadãos digitais, atingindo interesses econômicos de grandes grupos de mídia e tecnologia que controlam a sociedade da informação.

Assim, tendo por base a divisão dialética proposta por FREITAS, entre aqueles que defendem a autorregulação da internet em função de seu caráter transnacional e aqueles que defendem a governança combinada entre o direito, as normas sociais, os princípios de mercado e os próprios termos de serviço das plataformas, a falta de maturidade da normatização virtual brasileira ainda nos obriga a adotar uma postura ciberpaternalista e defender o papel regulador e fiscalizador do Estado frente às plataformas online, para assegurar uma sociedade virtual que garanta a preservação das garantias constitucionais de seus cidadãos digitais em seu direito de existência, convívio e participação nos espaços públicos virtuais representados pelas redes sociais.

 

  1. CONCLUSÃO

O que se conclui com o presente estudo é a premente e urgente necessidade de adoção de medidas de regulação dos espaços públicos virtuais pelo Estado, reduzindo a irrestrita cessão do domínio deste importante cenário de existência e convivência social à iniciativa privada, o que permitiu uma capitalização indevida de seu uso que excluiu, de forma antidemocrática, a possibilidade do exercício da cidadania plena pelos indivíduos digitais no ambiente virtual.

Sendo, na sociedade digital em que vivemos, o acesso à internet e o direito de existência e participação do cidadão no ciberespaço direitos a serem garantidos amplamente a todos, conforme previsto no Marco Civil da Internet e na Constituição Federal, deve existir a atuação efetiva do Estado com a adoção de providências que preservem a satisfação de tais direitos de forma equitativa, não discriminatória e democrática, baseado em critérios igualitários e objetivos de participação social nos meios virtuais.

É importante que, mais que apenas a existência de uma regulamentação formal – que, por si só, demanda aplicação efetiva e atualização mais célere –, existam medidas práticas de controle que reforcem a dominância do Estado enquanto regulador do espaço público virtual, visando garantir que as normas aplicáveis a estes ambientes consigam traduzir a interpretação e aplicação efetiva das garantias Constitucionais aos cidadãos que habitam o ambiente digital, assegurando o acesso, a existência, a convivência social e a participação dos indivíduos digitais de forma plena.

Mesmo com o surgimento de alguma legislação sobre o tema, a falta de atuação mais específica dos poderes legislativo e executivo no sentido de regular e fiscalizar as atividades privadas dos ‘proprietários’ das plataformas onde se hospedam os meios de convivência social digital, que representam o espaço público virtual – as redes sociais –, tem dificultado a atuação do poder judiciário em casos que envolvam a garantia de direitos fundamentais na internet, gerando decisões controversas e insegurança jurídica, o que deve ser motivo de cobrança ostensiva pela sociedade na defesa de seus direitos.

 Assim, é papel do Estado impedir que mecanismos de regulação privados determinem de forma subjetiva quem tem ou não direito de existir e participar dos espaços públicos virtuais e sob quais termos, garantindo que as normas de utilização e participação destes espaços estejam de acordo com as garantias legais e constitucionais vigentes, para que a atuação indevida dos entes privados não impeça o direito de existência dos sujeitos virtuais e, consequentemente, do pleno exercício de sua cidadania.

Pois, o que se vê é que, apesar de tamanha importância do tema, o poder público ainda não dispõe de ferramentas e legislação adequadas para fiscalizar e regular os espaços públicos virtuais, tampouco parece buscar caminhos céleres neste sentido, pelo que se faz necessária, cada vez mais, a participação social na cobrança sobre medidas que efetivamente garantam proteção de sua existência na sociedade global virtual.

 

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Notas:

[1] Advogada, Jornalista e Funcionária da Caixa Econômica Federal, Cursou Mestrado em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2007 e 2008), Pós Graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá (2022) e em Direito Digital pelo CEPED – UERJ (2023), Consultora Financeira e de Investimentos pela ANBIMA – Certificações CPA-20 e CPA-10 e Especialista em Ouvidoria – Certificação FBB-200.

Palavras Chaves

Cidadania Digital. Espaços públicos virtuais. Garantias fundamentais. Regulação. Regulamentação.