DESERÇÃO NAS FORÇAS ARMADAS: conceito, classificações e especificidades à luz do Código Penal Militar

Resumo

O artigo versa sobre o tema da deserção nas Forças Armadas e tem como objetivo expor os aspectos gerais acerca do procedimento da deserção, no âmbito militar, a partir do artigo 187 do Código Penal Militar. O conceito, as classificações e especificidades da deserção são apresentadas de forma processual e descritiva, tendo como base metodológica a pesquisa bibliográfica em fontes doutrinárias e jurisprudenciais.

Artigo

DESERÇÃO NAS FORÇAS ARMADAS:

conceito, classificações e especificidades à luz do Código Penal Militar

Raquel Andrade[1]

 

Resumo: O artigo versa sobre o tema da deserção nas Forças Armadas e tem como objetivo expor os aspectos gerais acerca do procedimento da deserção, no âmbito militar, a partir do artigo 187 do Código Penal Militar. O conceito, as classificações e especificidades da deserção são apresentadas de forma processual e descritiva, tendo como base metodológica a pesquisa bibliográfica em fontes doutrinárias e jurisprudenciais.

Palavras-chave: Direito Penal Militar. Crime Militar. Deserção. Forças Armadas.

 

Sumário – Introdução. 1. Deserção na esfera militar: conceito e classificações. 2. Deserção e algumas especificidades. Conclusão. Referências.

 

 

Introdução

Diferentemente de outras profissões, a atividade militar cultua valores próprios inerentes a cada Força Armada, com fundamento em princípios, estatuto, ética, regulamentos e doutrinas próprios, sob a égide de princípios da disciplina e hierarquia.

O presente artigo tem como propósito esquadrinhar os tipos de deserção – como a classificação, a parte de ausência, a contagem do dia de graça, os crimes propriamente e impropriamente militares, a reapresentação ou captura do desertor, a deserção de praça com e sem estabilidade e oficial, a prisão do desertor /capturado, a deserção especial e a condição de desertor que o militar assume a partir de então – o que impõe o estudo do Direito Penal Militar.

O Direito Penal castrense é um ramo do Direito Penal, que tem sua história diretamente ligada ao Direito comum, tendo como principal influência as atividades bélicas em tempo de guerra. Por tal razão, surgiu a necessidade de análise dos delitos cometidos nos campos de guerra, sendo indispensável uma justiça especializada e com um olhar oposto ao observado pelo Direito Penal Comum.

Compreende-se o Direito Penal Militar como o conjunto de regras jurídicas que, vinculadas à proteção das instituições militares e ao cumprimento de sua destinação constitucional, definem as transgressões penais e suas consequentes medidas coercitivas diante de sua violação. Assim como a garantia dos bens tutelados juridicamente, principalmente a regularidade de ação das forças militares, com o escopo de assegurar a ordem jurídica militar, incentivando o desenvolvimento das missões elementares apregoadas às Forças Armadas e às Forças Auxiliares. Podemos considerar, ainda, como “um ramo do direito penal destinado a proteção das instituições militares e que tem na Constituição Federal as bases para o seu funcionamento”[2]. Logo, “possui um conjunto de normas jurídicas que visa garantir os bens juridicamente tutelados relacionados, principalmente às forças armadas e as suas forças auxiliares”[3].

Neste diapasão, temos o conceito de crime sob a égide material, que constitui a essência da infração, sob o ponto de vista social. Consiste em toda a conduta prejudicial a um bem juridicamente tutelado, que dispõe na imputação de uma pena. Já na concepção formal, positivistas consideram ser uma conduta lesiva a um bem juridicamente tutelado, merecedora de pena, conforme estabelecida em lei.

O Código Penal Militar surgiu através do Decreto-lei n. 1.001[4], de 21 de outubro de 1969, enumerando taxativamente diversas situações e definindo esse delito dentre outros, substituindo o Código Penal Militar para a  Armada dos Estados Unidos do Brazil[5], de 1891,  pouco alterado até dos dias de hoje.

As infrações penais militares estão previstas na Carta Maior de 1988, nos artigos 124 e 125 e, por serem norma penal “em branco”, são complementadas pelos artigos 9º e 10º do Código Penal Militar. Portanto, a competência para processar e julgar são dos órgãos do Poder Judiciário, que exercem a jurisdição especial militar, estadual ou federal.

 

 

  1. Deserção na esfera militar: conceito e classificações

No sentido denotativo, deserção seria a extinção de habitantes, despovoação ou abandono de lugar que se frequentava por compromisso ou afinidade. Já na termologia militar, conceitua-se pelo abandono do serviço ou posto de um militar sem permissão de superior, e é feito com o intuito de não regressar à sua posição ou função e, até mesmo, ato contrário ao dever militar.

A deserção conceitua-se como mera conduta (em relação ao seu resultado) e instantâneo de efeitos permanentes (quanto ao momento de sua consumação e seus efeitos danosos no tempo), de acordo com a doutrina.

A deserção consiste, basicamente, quando o militar se desliga da Organização Militar (OM) para a qual serve, de forma irregular e unilateral. O caráter irregular caracteriza-se por ser em razão de um ato ilícito, contrário às normas jurídicas. Enquanto o caráter unilateral advém de prática de ato de única e exclusiva vontade do desertor. Pelo que, o Supremo Tribunal Militar (STM) e a Doutrina majoritária entendem como um crime que cessa quando o próprio agente deseja, por ser um ato voluntário e unilateral

Insta salientar, que o estudo acerca dos tipos de deserção é de suma importância para evitar equívocos procedimentais e vícios de legalidade. Nesse sentido, é tratado o assunto no Código Penal Militar, no Título III, Dos Crimes Contra o Serviço Militar e o Dever Militar, Capítulo II, Da Deserção, nos seguintes termos:

“Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.”

Assim, a ausência é conhecida como “crime de deserção” e a punição prevista é de 6 meses a 2 anos de detenção. A deserção é crime grave, previsto no Código Penal Militar, sendo o autor deste crime considerado foragido – não obstante, ao se reapresentar na sua OM, ou ser capturado – passa à condição de réu para, enfim, responder o crime perante a justiça militar.

Necessário esclarecer que o ausente é aquele militar que deixa de comparecer a sua OM sem comunicação prévia à autoridade competente do motivo do impedimento, ou que ausenta do serviço militar, sem licença da OM na qual sirva ou local onde deva permanecer por mais de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, conforme artigo 89 do Estatuto dos Militares.

Consumado o crime, será imediatamente lavrado o termo de deserção pelo comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, que exercem atribuições de polícia judiciária da União. O termo poderá ser impresso ou datilografado, contendo todas as informações sobre o ocorrido para a instauração do processo, devendo ser assinado por duas testemunhas idôneas, de preferência oficiais e o militar desertor.

A parte de deserção deverá conter a qualificação completa (nome, nacionalidade, estado civil, data de nascimento, naturalidade, filiação, domicílio e residência, local em que serve) do desertor e seu posto ou graduação; o fato ocorrido (consumou a deserção, depois de haver se ausentado sem licença e sem motivo justificado etc.); datas do início da contagem da ausência e da consumação da deserção; outros dados que a autoridade competente julgar pertinentes para o processo.

Apesar de não expresso no Código de Processo Penal Militar[6] (CPPM) , mas considerando que a Parte de Deserção será um dos documentos que servirá de base à lavratura do Termo de Deserção, convém que nela a autoridade competente anexe os documentos comprobatórios da ausência que dispuser, tais como Pernoite, Parte do oficial-de-dia, aditamento da subunidade ao boletim interno da organização militar etc.

Na parte de ausência, que deve ser registrada no protocolo da organização militar, o comandante, chefe ou diretor deve exarar Despacho, onde:

  1. a) nomeia inventariante e assistentes (se o ausente é oficial, sê-lo-ão também o inventariante e os assistentes, sempre que possível) para realizar inventário do material deixado (ou que deveria ter sido deixado) pelo ausente;
  2. b) determina à seção ou à subunidade responsável que inicie ou prossiga a lavratura dos Assentamentos ou das Folhas de Alterações, de modo que as mesmas estejam prontas para serem juntadas e remetidas à autoridade judicial competente, no máximo no primeiro dia útil subsequente àquele que (se for o caso) vier a marcar a consumação da deserção; e

    c) determina que a Parte de Ausência e o Despacho sejam publicados no Boletim Interno.[7]

Não dispondo a OM de Boletim Interno, a publicação é feita, a pedido do respectivo Comandante, através de Boletim Interno do Comando enquadrante.

A contagem do prazo da consumação da deserção, deve seguir a regra do art. 451, do CCPM, com o novo texto que lhe deu a Lei n. 8.236/1991, dispondo o seguinte: “A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que foi verificada a falta injustificada do militar”. Por exemplo, se a ausência injustificada ocorreu no dia 2, inicia-se a contagem do prazo dos dias de ausência à zero hora do dia 3 (1º dia do prazo de graça), e consumar-se-á a deserção a partir da zero hora do dia 11. Diante desse comando legal, decorre o seguinte.

Há de se observar a contagem dos dias de ausência para a consumação da deserção. Para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte, e não no primeiro dia de expediente ou dia útil, completando no nono dia, quando for verificada a falta injustificada do desertor. Assim, a consumação do crime ocorre pelo transcurso do prazo de mais de oito dias, por ser crime formal, ou seja, quando transcorrido o prazo de graça. Caso o militar seja capturado ou apresente-se voluntariamente antes de consumar a deserção, será considerado como ato de transgressão disciplinar.

O artigo 456 do CPPM determina que:

Vinte e quatro horas depois de iniciada a contagem dos dias de ausência o comandante da respectiva subunidade, ou autoridade competente, encaminhará parte de ausência ao comandante ou chefe da respectiva organização, que mandará inventariar o material permanente da Fazenda Nacional, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas.

Neste sentido, o § 4º do mesmo artigo impõe que, “consumada a deserção da praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo”.

Quando há erro na contagem do prazo de graça, o mesmo gera prejuízo à Administração Militar pois, a depender do caso concreto, acarretará no trancamento ou, até mesmo, no arquivamento da ação penal. Por este motivo, o militar, após a consumação da deserção, passa à condição de foragido, somente mudando esse status criminal caso se reapresente à OM a qual servia ou seja capturado, sendo passível, inclusive, sua prisão nesse momento.

  1. Deserção e algumas especificidades

Os crimes militares podem ser crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares. De forma bem objetiva e didática, o crime propriamente militar é aquele que só pode ser cometido por militar, enquanto os crimes impropriamente militares podem ser cometidos por qualquer pessoa, seja ela militar ou civil, cujos bens jurídicos tutelados não são próprios da instituição militar.

A deserção é crime propriamente militar. O objetivo jurídico do tipo penal é tutelar o serviço militar, tendo o militar em situação de atividade. O marco que habilita a pessoa a cometer a deserção é o ato de incorporação da Força Militar ou ato equiparado, que inicie seu vínculo de ligação com a Instituição.

Primeiramente, cumpre salientar que não pode o militar, assim como uma pessoa na esfera civil, não comparecer ao trabalho por mais de uma semana sem motivo justificado e comunicado ao seu superior, sob pena de consequências. O elemento objetivo da conduta criminosa aqui em tela é “ausentar-se sem autorização”, e o elemento objetivo é o dolo da conduta. No âmbito civil, ocorre uma advertência, bem como desconto no salário e, muito provavelmente, será configurada uma demissão por justa causa. Contudo, no âmbito das Forças Armadas, é bem distinto, como veremos a seguir.

A ausência do militar ao serviço ativo na OM em que serve, sem motivação, por um lapso temporal superior a oito dias, será considerado deserção na esfera criminal, ensejando sua prisão, conforme legislação, diante inexistência de motivação e comprovação que justifique sua ausência, nos termos do art. 187 do CPM. Tal ausência, indevida e injustificável, contraria os princípios basilares das Forças Armada e afeta a estrutura da corporação, comprometendo, inclusive, a atuação da OM, assim como, afronta diretamente o respeito, a disciplina, a ética e a hierarquia às autoridades. Portanto, é um crime grave, ensejador de ação penal.

Da reapresentação ou captura do desertor

Transcorrido o prazo de oito dias da ausência do desertor, este poderá se reapresentar ou ser capturado. Caso se reapresente à OM, será submetido a uma inspeção de saúde, sendo reincluído às suas atividades normais, ou será imediatamente preso, conforme as circunstâncias e autoridades militares a qual serve o desertor da respectiva Força. Havendo motivação que justifique a deserção – a título de exemplo, casos fortuitos e força maior – admite-se apresentação do militar em OM distinta a que serve, o que dever ser devidamente comprovado.

Em ambos os casos, a autoridade militar comunicará ao juiz federal, informando a data e o lugar onde o mesmo se apresentou ou foi capturado, assim como em quaisquer outras circunstâncias concernentes ao fato. O juiz procederá com o sorteio e a convocação do Conselho Especial de Justiça, expedindo o mandado de citação com a transcrição da denúncia do acusado, para ser processado e julgado conforme dispõe o art. 455 do CPM.

No momento em que o comandante, chefe ou diretor da OM ou outra autoridade correspondente – que exercem as atribuições de polícia judiciária da União em matéria de crime militar na esfera federal – iniciarem a persecução criminal, deverão providenciar a lavratura do Termo de Deserção contra o militar, devendo conter todas as informações sobre o ocorrido para que seja instaurado o processo e se realize o julgamento. Publicado o termo de deserção, o militar considerado foragido, ou seja, que não se apresentou, será capturado e a autoridade militar competente dará início à realização de diligências visando sua captura, independentemente de ordem judicial.

A prisão em flagrante de desertor capturado ou do que se apresentou voluntariamente, diante o Termo de Deserção, não necessita de mandado judicial, por expressa previsão legal e constitucional, observando o procedimento legal à luz do CPPM na ocorrência de crime de deserção em tempo de paz.

Importa destacar que a incidência da deserção ocorre com maior frequência entre cidadãos que cumprem o serviço militar obrigatório e que não possuem estabilidade, ou seja, os temporários, contrário ao militar que, por amor a Pátria, ingressa às Forças Armadas de forma voluntária, visando ascensão à carreira e estabilidade. Este raramente cometerá o referido crime.

Deserção de praça com e sem estabilidade e oficial

Temos dois efeitos da deserção, a depender da estabilidade, ou quando o militar é praça ou oficial. Importante frisar que, no Brasil, a maior incidência do crime de deserção ocorre com as praças que não possuem estabilidade e aqueles submetidos ao serviço militar obrigatório.

A praça, sem estabilidade, tem como consequência imediata a deserção, sua  exclusão do serviço ativo da Força em que servia, com interrupção de  todos os direitos, inclusive a exclusão da remuneração que possuía em razão do status militar e do cargo que ocupava, sendo o ato devidamente publicado em Boletim Interno da OM em que servia.

Diferentemente da deserção de praça com estabilidade, a agregação ocorre a contar da data da consumação do crime e de oficial, e imediatamente terá interrompido todos os direitos remuneratórios via requerimento ao Chefe ou Comandante, que analisará de acordo com as particularidades de cada caso, o que também deverá ser publicado no Boletim Interno da OM do desertor e no Diário Oficial da União, em se tratando de militares das Forças Armadas.

Inexistindo apresentação voluntária e captura do desertor no interstício de um ano, contado desde a data da agregação, deve o comandante, chefe ou diretor da organização militar providenciar, junto às autoridades competentes, a aplicação do instituto da reversão – tanto do oficial quanto da praça – e a demissão do oficial, promovendo ele próprio a exclusão da praça com estabilidade.

Ocorrida a reversão, quando o desertor se apresentar ou for capturado, será readmitido (se oficial) ou reincluído (se praça com estabilidade), sendo novamente agregado para o fim específico de se ver processado.

Havendo a reversão de praça com estabilidade, a reinclusão definitiva do desertor dependerá da decisão do Conselho de Justiça. Se este for contrário à praça sem estabilidade, esta será excluída no ato da consumação do crime. Logo, só é possível falar em reinclusão ao completar um ano do fato.

Da prisão do desertor capturado

Ao desertor capturado e preso, deve ser assegurado os direitos e garantias constitucionais pertinentes, a citar: a inviolabilidade do asilo; acesso ao Poder Judiciário; integridade física e moral; presunção de inocência; dispensa da identificação criminal do civilmente identificado; conhecimento da prisão, pela autoridade judicial competente; direito de manter-se calado e de ter assistência da família e de advogado; identificação dos responsáveis pela prisão e por eventuais interrogatórios; e assistência jurídica integral e gratuita em caso de necessidade, nos termos da Carta Magna, inciso XI do artigo 5º.

Destaca-se que qualquer pessoa em posse do Termo de Deserção, devidamente lavrado e publicado, poderá capturar o desertor em qualquer horário de qualquer dia, independente de onde ele esteja, respeitadas as garantias constitucionais da inviolabilidade da casa, da honra pessoal do desertor e de sua integridade física e psíquica.

O preso tem direito à comunicação com pessoa da família ou com outra pessoa indicada pelo preso. Caso o mesmo não tenha constituído advogado para a sua defesa, a Defensoria Pública da União emitirá ofício à autoridade militar do local da consumação da deserção, bem como, ao juiz federal que tiver instaurado a ação, ao órgão do Ministério Público Militar, constando a data, o lugar e as circunstâncias em que ocorreu a prisão e o local onde se encontra o preso à disposição da Justiça Militar. O mesmo procedimento se dará  no caso da apresentação voluntária do desertor.

A prisão processual perdura até a data do trânsito em julgado da sentença condenatória ou até a data que marca o transcurso de sessenta dias de prisão, momento em que a autoridade judicial competente deve expedir mandado de soltura em favor do preso, com exceção se ocorrido, o relaxamento por qualquer motivo ou conversão em menagem.

A apresentação voluntária do desertor influencia na pena a ser aplicada em caso de condenação, o que impõe à autoridade militar comunicar a autoridade judicial competente quando da prisão, assim como da data da consumação da deserção. Considerando que a prisão de desertor é de espécie provisória, quando capturado ou da apresentação voluntária, deve ser observado o direito às garantias da prisão especial aos oficiais das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, como, por exemplo, ser portador de diploma de curso superior.

Outrossim, quando da captura ou reapresentação voluntária do desertor, deve a autoridade militar providenciar a imediata submissão do apresentado ou capturado à inspeção de saúde. A inspeção de saúde do desertor que se apresenta ou é capturado deve ser feita por uma Junta de Inspeção de Saúde Especial (JISE), que poderá ser nomeada, excepcionalmente, pelo Comandante da Guarnição onde se realizará a inspeção. Esta terá, na sua composição, o Médico Perito da Guarnição (MPGu) ou o Médico Perito da Organização Militar (MPOM).

Como regra, dispõe o Decreto n. 63.078, de 5 de agosto de 1968 que a JISE para inspeção de desertores apresentados ou capturados deve compor-se de três médicos, podendo ser temporários em sua totalidade. Porém, não sendo possível atingir esse número, poderá funcionar com dois médicos. Em caso de absoluta impossibilidade de conseguir o número mínimo de médicos para a formação da JISE, a inspeção de saúde do desertor apresentado ou capturado será inspecionado pelo MPGu ou pelo MPOM. As atas de inspeção de saúde de desertores devem ser encaminhadas através de ofício, com urgência, à autoridade que determinou a realização da inspeção. Podendo, se necessário, ser encaminhadas no mesmo dia em que se deu a inspeção de saúde.

Tratando-se de desertor com estabilidade, são cabíveis os pareceres “apto para o serviço”, “apto para o serviço com restrições”, “incapaz temporariamente para o serviço” (sendo informado a quantidade de dias) ou “incapaz definitivamente para o serviço”. Diversamente do militar desertor sem estabilidade, não se aplica na inspeção de saúde o parecer de “apto para o serviço com restrições”. Neste caso, são cabíveis apenas os pareceres “apto para o serviço militar” ou “incapaz definitivamente para o serviço militar”.

Independente do resultado da inspeção de saúde, deve a autoridade militar publicá-la em Boletim Interno, com remessa de cópia à autoridade judicial competente. Frisa-se que o resultado da inspeção não interfere na readmissão ou reinclusão do desertor, em se tratando de oficial ou praça com estabilidade, que foi demitido ou excluído, quando permanecido foragido por período superior a um ano, contado desde a data da agregação.

Destaca-se que desertor praça sem estabilidade, caso se apresente voluntariamente ou seja capturado, será reincluído para ser processado, caso seja considerado “apto para o serviço militar” na inspeção de saúde. Se “incapaz definitivamente para o serviço militar”, o desertor não será reincluído e não responderá ação penal por deserção.

Deserção especial

No ordenamento tem-se também a deserção nomeada de especial, conduta descrita como crime de deserção que se consuma com a ausência do militar, que deixa de se apresentar no momento da partida de navio, aeronave do qual é tripulante ou da partida ou do deslocamento da unidade ou força em que serve. O preceito criminal é assim descrito:”art. 190. Deixar o militar de apresentar-se no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante, ou do deslocamento da unidade ou força em que serve (…)”.

De acordo com Jorge César de Assis[8], existe omissões na nova redação do art. 190 do CPPM quanto ao desertor especial, que ao invés de apresentar-se, é capturado, “já que toda a alteração legal do art. 190 refere-se apenas à apresentação voluntária”. Por tal razão, o referido artigo não faz menção à captura, e se difere de todo o exposto, por ser um caso específico, razão pela qual as penas variam conforme o período de ausência até a apresentação do militar.

Como exemplo, se após a partida ou deslocamento da tropa o militar, o desertor se apresentar no período de vinte e quatro horas, a pena será de até três meses de detenção; se superior a vinte e quatro horas e não excedente a cinco dias, a pena é de dois a oito meses de detenção; se superior a cinco e não excede oito dias, a pena é de três meses a um ano de detenção; se superior a oito dias, a pena será de seis meses a dois anos de detenção.

Temos ainda, a deserção praticada em conjunto por militares que é classificada como crime de Concerto para Deserção, conforme previsto no art. 191 do CPM.

Prescrição

O instituto da prescrição é previsto no crime de deserção. O desertor deverá ser julgado dentro de sessenta dias, a contar do dia de sua apresentação voluntária ou captura. Do contrário, será posto em liberdade, salvo se tiver dado causa ao retardamento do processo, conforme preceitua o artigo 453 do CPPM.

A contagem da prescrição ocorre a partir da apresentação ou captura e prisão do desertor. Podendo ocorrer, ainda, quando o militar praça desaparecido atinge a idade de quarenta e cinco anos ou seja oficial, o que agrava a pena quando este atingir a idade de sessenta anos.

Decorrido o prazo para se configurar a deserção de praça, o comandante ou chefe competente receberá uma parte acompanhada do inventário, o que não é previsto de forma expressa para o desertor oficial. Entretanto, a parte de deserção deverá ser lavrada e encaminhada, por analogia ao art. 456§ 2º, do CPPM. Da mesma forma, deverão constar os dados e elementos que constituem a parte, apesar da não previsão legal no CPPM, conforme depreendem os artigos  454caput, e 456§ 3º, c/c art. 451caput, do CPPM.

 

Conclusão

A título de conclusão, considero importante frisar um aspecto comum à quase todas as espécies de deserção: a inexistência de licença e a falta de justificativa para a ausência. Para que haja deserção, não basta haver ausência, é necessário o concurso da inexistência de licença e a falta de justificativa adequada e aceitável.

Portanto, é de extrema relevância a correta elaboração e publicação de todos os atos e procedimentos relativos à deserção, em especial, o Termo de Deserção, bem como no relato de todos os fatos, atos e circunstâncias que envolvem o delito, como motivação,  prazos e datas, a fim evitar a ilegalidade do ato. É indispensável lembrar que, ao tratar da deserção e suas consequências, estamos tratando de um dos mais preciosos bens e direitos que o ser humano possui, sua liberdade.

Referências

ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito administrativo militar. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2017.

ALVES-MARREIROS, Adriano. Direito penal militar: teoria crítica e prática. Rio de Janeiro: Método, 2015.

ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar – Vol. II. Curitiba: Juruá, 2004.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 25 set. 2019.

______. Decreto-lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91699/codigo-penal-militar-decreto-lei-1001-69. Acesso em: 28 maio 2022.

______. Decreto-lei n. 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91679/codigo-de-processo-penal-militar-decreto-lei-1002-69. Acesso em: 28 maio 2022.

______. Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispões sobre Estatuto dos Militares. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/103369/estatuto-dos-militares-lei-6880-80. Acesso em: 28 maio 2022.

______. Decreto n. 4.346, de 26 de agosto de 2002). Regulamento Disciplinar do Exército. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/99709/decreto-4346-02. Acesso em: 28 maio 2022.

______. Lei n. 4.435, de 17 de agosto de 1964. Lei do Serviço Militar. Brasília-DF: 1964.

______. Decreto n. 63.078, de 5 de agosto de 1968. Altera as “Instruções Gerais para a Inspeção de Saúde de Conscritos nas Fôrças Armadas”, aprovadas pelo Decreto nº 60.822, de 7 de junho de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D63078.htm#:~:text=DECRETO%20No%2063.078%2C%20DE,que%20lhe%20confere%20o%20Art. Acesso em: 28 maio 2022.

 

LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo: Atlas, 2010.

MIGUEL, Cláudio Amim. Elementos de direito penal militar. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

MINISTÉRIO DA DEFESA. Portaria Normativa n. 513/EMD/MD, de 26 de março de 2008. Manual de Abreviaturas, Siglas, Símbolos e Convenções Cartográficas das Forças Armadas. Brasília-DF: 2008.

NEVES, Cicero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NUCCI, Guilherme Souza. Código Penal Militar Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SARAIVA, Alexandre José de Barros Leal. Código Penal Militar comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2014.

Notas:

[1] Advogada Especialista em Direito Militar e Direito Previdenciário Militar. Presidente da Comissão de Direito Militar da OAB/RJ da 8ª Subseção – São Gonçalo (2019/2020/2021 e 2022/2023/2024). Membro da Comissão de Direito Militar OAB/RJ, Capital (2020/2021 e 2022/2023). Membro da Comissão de Direito Militar da 35ª Subseção da OAB, Rio de Janeiro (2021).

[2] DIREITO Penal Militar: o que é e quais suas normas. Educamundo, 11 fev. 2022. Disponível em: https://www.educamundo.com.br/blog/direito-penal-militar. Acesso em: 28 maio 2022.

[3] Ibid.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Acesso em: 28 maio 2022.

[5] Decreto n. 18, de 7 de março de 1891. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-18-7-marco-1891-526137-publicacaooriginal-1-pe.html#:~:text=Codigo%20Penal%20para%20a%20Armada%20dos%20Estados%20Unidos%20do%20Brazil,18%20desta%20data.&text=Art.,que%20n%C3%A3o%20estejam%20previamente%20estabelecidas. Acesso em: 28 maio 2022.

[6] Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91679/codigo-de-processo-penal-militar-decreto-lei-1002-69. Acesso em: 22 maio 2022.

[7] TAVARES, Carlos Henrique. Deserção: crime e procedimentos administrativos decorrentes. Noções gerais à luz do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar. Jusbrasil, 2016. Disponível em: https://carlosmilitarexercito.jusbrasil.com.br/artigos/401602775/desercao-crime-e-procedimentos-administrativos-decorrentes#:~:text=Tal%20como%20ocorre%20relativamente%20%C3%A0,451%2C%20caput%2C%20do%20CPPM. Acesso em 28 maio 2022.

[8] ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar – Vol. II. Curitiba: Juruá, 2004, p. 113.

Palavras Chaves

Direito Penal Militar. Crime Militar. Deserção. Forças Armadas.