DO DIREITO AO ESQUECIMENTO TENDO-SE COMO LUME O CASO AÍDA CURI

Resumo

O artigo em questão destina-se a relativizar o direito ao esquecimento, tendo-se como exponente o caso Aída Curi, palco da coluna “Julgamentos Históricos”, bem como de a Revista “O Cruzeiro” e da sentença proferida pelo STF – Supremo Tribunal Federal sobre a inexistência deste direito no Brasil.

Artigo

DO DIREITO AO ESQUECIMENTO TENDO-SE COMO LUME O CASO AÍDA CURI

 

Gabrielle Pereira Fontainha de Carvalho[1]

RESUMO:

O artigo em questão destina-se a relativizar o direito ao esquecimento, tendo-se como exponente o caso Aída Curi, palco da coluna “Julgamentos Históricos”, bem como de a Revista “O Cruzeiro” e da sentença proferida pelo STF – Supremo Tribunal Federal sobre a inexistência deste direito no Brasil.

Palavras-chave: Direito ao esquecimento; Aída Curi; Jurisprudência; STF.

Introdução

Destaca-se que o caso Aída Curi, ou a história em tela, passa a pertencer à memória coletiva devido à tragicidade do crime e à ampla exposição realizada pelos meios de comunicação vigentes no fim da década de 50, tendo sido atualizada, em 2004, no programa Linha Direta. Nota-se, que o direito ao esquecimento ainda é matéria controversa. Ademais, as liberdades de informação, de expressão e de imprensa, que são também direitos amparados pelo Texto Constitucional de 1988, atuaram e atuam como antagonistas, nesta solicitação dos familiares de Aída Curi sobre o Direito ao Esquecimento (AGÊNCIA BRASIL, 2021).

A controvérsia coloca, de um lado, a liberdade de expressão e informação e, de outro, direitos à honra, intimidade, privacidade e ressocialização. Cabe ao Supremo, portanto, neste julgamento, avaliar se o direito deve ser reconhecido e, em caso positivo, em que termos (JUSBRASIL,2021).

Outrossim, um direito inexiste sem o outro, visto que no ordenamento jurídico brasileiro, o direito do esquecimento advém como decorrência da violação dos direitos à intimidade, à privatividade, à honra e à imagem (BINENBOJM, 2020). Destarte, Aída Curi perde o status quo de indivíduo, para figurar como um legado histórico, ainda que esta herança não seja vista de bom grado pelos seus familiares e pelas pessoas que desfrutavam de sua convivência e intimidade.

Objetiva-se, então, com esta pesquisa: ilustrar os meandros do tríplice julgamento do caso Aída Curi; destacar o papel da imprensa, preconizado pelo jornalista David Nasser; analisar a temática Direito ao Esquecimento.

Aos 14 de julho de 1958, o corpo que cai do 12º andar do Edifício Rio Nobre, à noite, na Avenida Atlântica, nº 3.888, na cidade de Rio de Janeiro, é o da jovem Aída Jacob Curi,  nascida em 15 de dezembro de 1939, terceira de cinco filhos de um casal de imigrantes sírios. Há controvérsias de como a jovem de 18 anos foi parar no apartamento do Edifício Rio Nobre, de acordo com a coluna “Julgamentos Históricos” de o Jornal “O Globo”.

Torna-se importante salientar que, em consonância, com a primeira perícia realizada, aos 15 de julho de 1958, não havia vestígio de espermatozóide na vítima, concluindo-se, então, que a mesma morrera virgem. Caso a imprensa não tivesse pressionado a Polícia e a Perícia Criminal, este caso trágico e emblemático teria sido tratado como suicídio.

Nesta ação da imprensa, além da coluna de o jornal “O Globo”, a Revista Cruzeiro exerceu um papel de singular, concentrando-se na figura de o jornalista David Nasser, o maior defensor de Aída Jacob Curi, o qual lhe dedicou uma série de reportagens. As fotos marcantes e julgadas por muitos como sensacionalistas foram obra de alguns repórteres, dentre eles Jean Manzon, que se utilizaram da exploração de momentos chocantes. Neste momento, retrata-se a vítima esvaída de vida com as vestes rasgadas e retorcidas  (FRANCISCHETT, 2008). Desta forma, a Justiça decretou a prisão preventiva dos três acusados por meio do juiz Astério Aprígio Machado de Melo.

Ronaldo Guilherme de Souza Castro, de 19 anos, já havia sido expulso de colégios, acusado de diferenciadas agressões e de ter participado do roubo de um carro pertencente à Secretaria de Agricultura. Foi preso por indisciplina, quando servida o Exército. Cássio Murilo Ferreira, de 17 anos, tinha sido expulso do Ginásio do Alferes por comportamento indigno e de outro colégio, por tentar levantar a saia das garotas. Vale ressaltar que Cássio era enteado de um coronel do DPPS, o qual era síndico do prédio locus do assassinato da jovem Aída.

De acordo com o artigo 64, I, do Código Penal, diversamente da reincidência, os maus antecedentes não caducam. Entretanto, tais fatos não serviram para majorar a pena/sentença de Ronaldo Guilherme de Souza Castro. Destaca-se, destarte, que os maus antecedentes não foram contemplados nos julgamentos.

O caso de Aída Curi, o qual ficou simbolizado como a perda da inocência, teve 3 (três) julgamentos. No primeiro, realizado em fevereiro de 1959, Ronaldo Guilherme foi considerado inocente de todas as acusações.

Neste cenário, David Nasser – expoente da imprensa – realizou essencial função: contestou esta decisão, reiteradamente. No segundo julgamento, realizando em idêntico mês e ano, nomeado pela imprensa “um dos mais dramáticos da história do Tribunal do Júri”, saiu a sentença: 37 anos para Ronaldo e 30 anos para o porteiro Antônio João.

No terceiro julgamento, em razão da brilhante defesa do grande criminalista Romeiro Neto, Ronaldo Guilherme foi absolvido por seis votos a um, sendo a sentença proferida pelo juiz Talavera Bruce.  Ronaldo saiu da sala de julgamento sob aplausos do público jovem.

O porteiro Antônio João de Sousa foi absolvido, no segundo julgamento, e não participou do terceiro. O seu desaparecimento, ou ocultamento traduziu-se em mistério e o caso Aída Curi perdura até a atualidade, no imaginário popular, com um dos crimes mais brutais da história do Brasil.

Desenvolvimento e demontração de resultados

O conceito de direito ao esquecimento foi formulado na Europa, sendo utilizado desde 2014. Para Zalcberg,

O direito ao esquecimento diz respeito às pessoas que buscam, por meio da Justiça, terem seus nomes ou imagens apagadas de páginas, sites ou mecanismos de busca na internet, alegando constrangimento ou sofrimento, sendo concedido para evitar que uma notícia, mesmo sendo verídica, ocorrida em um dado momento da vida de uma pessoa seja exposta ao público geral perpetuamente, causando-lhe desconfortos, transtornos ou sofrimentos. (ZALCBERG, 2018, p.05)

Sobre o direito ao esquecimento, no ordenamento jurídico brasileiro, há que se destacar que se torna imperioso remeter-se às liberdades de informação e expressão, que encontra acolhimento no Art. 1º, inciso III, da CF/88, tendo-se como lume a dignidade da pesssoa humana, bem como o art. 5º de idêntico ordenamento, incisos:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (…)

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

Art. 220 – CF/88: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição:

1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

O Código Civil, em vigor, também contempla esta temática, a qual está sublinhada no

Art. 21: a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir, ou fazer cessar ato contrário a esta norma, aliado ao Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, que pontua que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento..

Nesta seara, os familiares de Aída Curi, uma adolescente que, em 1958 foi espancada, vítima de conjunção carnal e assassinada, sentiram-se incomodados e com o sentimento de intimidade violada, pelo fato desta história ser rememorada e ser veiculada, em 2004, no programa Linha Direta.

Idem Neto,

Em 2004, o programa “Linha Direta Justiça”, da TV Globo, dramatizou este caso e exibiu imagens reais da vítima ensanguentada. Em 2013, o STJ – Superior Tribunal de Justiça – aplicou pela primeira vez o direito ao esquecimento, acolhendo o pedido da família de Aída que sublinhou que não havia necessidade de resgatar sua história, já que esta ocorreu há muitos anos e não fazia mais parte do conhecimento comum da população  (NETO, 2020).

 O direito ao esquecimento entrou na pauta jurisdicional com a mencionada edição do Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF). Tendo-se igualmente como elemento norteador, o Art. 19 da Lei do Marco Civil,

Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Igualmente, há que se pensar na liberdade de imprensa, sobre o qual versa o Art. 220 da Carta Magna deste país. Ao analisar-se o art. 221 da CF/88, que traz em seu cerne: a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: […] IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, pode-se entender que exibir em rede nacional, sem prévia autorização do uso do direito a imagem dos familiares de Aída Curi, bem como expor uma história que retrata a coisificação do papel feminino e do feminino, na década de 50, reitera-se em um rememorar de sofrimentos, lembranças e de um legado que a família Curi não deseja mais ser detentora.

Por outro lado, há que se pensar que Aída Jacob Curi foi destituída de personificação ao ter a sua história divulgada nos principais veículos de comunicação, como a coluna “Julgamentos Históricos” de o jornal O Globo, a Revista “O Cruzeiro” e o jornal “Cruzeiro da manhã”. Torna-se mister, igualmente, destacar que se não fosse o papel da imprensa, preconizado pelo jornalista David Nasser, o caso de Aída Curi teria sido tratado como mais um suicídio e não se teria acesso a um crime tão abjeto e covarde.

Desta forma, coube, ao Superior Tribunal de Justiça, em 2013, apreciar o Recurso Especial 1.335.153-RJ, Caso Aída Curi, Recorrente: Nelson Curi e outros, Recorrido: Globo comunicação e participações S/A, tendo-se como Relator o Ministro Luís Felipe Salomão, negando-se o uso comercial indevido da imagem da falecida, assim como o pleito da  indenização, pelo fato de o caso Aida Curi ter sido retratado através de dramatizações realizadas por atores contratados, sendo exibido, apenas uma vez, a imagem real da de cujus. Como arremate, singularizou-se que o objetivo do programa foi retratar o crime em si e não a vítima A imagem da mesma não constituiu, destarte, um chamariz de audiência, visto o fato de a utilização ter sido única. Nesta égide, negou-se provimento ao recurso especial.

Já, em 2021, coube ao STF, a incumbência de decidir este caso através do julgamento, em Recurso Extraordinário, de número 1.010.606, trazendo em seu cerne o direito ao esquecimento na esfera civil. O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 786 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, indeferindo, igualmente o pedido de reparação de danos formulado contra a recorrida, nos termos do voto do Relator. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese:

 É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, vencidos o Ministro Edson Fachin e, em parte, o Ministro Marco Aurélio. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 11.02.2021 (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF).

Frisa-se, assim, que a história de Aída Curi passa a pertencer à memória coletiva devido à tragicidade do crime e a ampla exposição realizada pelos meios de comunicação vigentes no fim da década de 50.

Há como ponderar que a reportagem atualizou o sofrimento dos familiares, o sentimento de impotência, de ausência de representatividade e até mesmo de justiça? O tempo se encarregou de minimizar este caso da memória do povo, foi revitalizado na exibição do programa Linha Direta e se torna palco dos efeitos causados sobre a honra e dignidade de Aída Curi: representada por seus irmãos, por seus familiares.

Como há muitas sinalizações de solicitações de jurisprudência, no site Jusbrasil, utilizar-se-à como delimitação, apenas, o ano de 2020, tendo-se como Grau de Jurisdição: 1º grau, e como parâmetros de busca, os Tribunais de Justiça de SP e RJ, bem como os vocábulos direito ao esquecimento.

Nesta busca refinada, encontram-se 17 (dezessete) casos. Todavia, ao analisar-se cada caso encontrado, nota-se que apensas 1 (um) refere-se, genuinamente, à aplicabilidade ou não do direito ao esquecimento (JUSBRASIL, 2021). No que concerne à Jurisprudência do TJDFT, traz-se como destaques os seguintes julgados:

Exclusão de informações disponibilizadas na internet – direito ao esquecimento – inaplicabilidade […] A retirada, de forma indiscriminada, de dados da plataforma de provedor de pesquisas na rede mundial de computadores importaria na imposição de verdadeira censura, que é expressamente vedada pelo art. 5º, inc. IX, do Texto Constitucional. (…) . A divulgação de informação relevante e contemporânea aos fatos, objeto de apuração em matérias jornalísticas disponibilizadas pelos sítios eletrônicos de busca não se enquadra em situação de direito ao esquecimento (Acórdão 1186782, 07165884220188070001, Relator: ALVARO CIARLINI, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 18/07/2019, publicado no DJe: 25/07/2019).

Exclusão de conteúdo das consultas de provedor de busca – ponderação entre direitos fundamentais. 1. O artigo 5º, da Constituição Federal consagra a liberdade de manifestação e da livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. […] O chamado ‘direito ao esquecimento’ consta do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. 3. O direito fundamental à privacidade e o direito de proteção de dados pessoais constam da Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet – como princípios norteadores do uso da internet no Brasil. 4. A liberdade de informação assegurada no artigo 220, § 1º, da CF/88 deve prevalecer ante a não comprovação de ofensa aos direitos de personalidade da autora por parte da empresa ré (Acórdão 1176359, 07022422320178070001, Relator: SILVA LEMOS 5ª Turma Cível, data de julgamento: 05/06/2019, publicado no DJe: 18/06/2019)

Direito ao esquecimento – necessidade de lapso temporal longo desde os acontecimentos noticiados. […]. O transcurso de considerável quantidade de tempo é elemento essencial para aplicação do direito ao esquecimento haja vista que se baseia nos efeitos advindos do passar do tempo, ou seja, da ilegitimidade da lembrança de acontecimentos depois de determinado lapso temporal. 10.1. Inaplicável na hipótese dos autos a teoria do direito ao esquecimento, diante do lapso temporal curto entre a publicação das matérias, o ajuizamento da ação e seu julgamento […].

(Acórdão 1172754, 07302585020188070001, Relatora: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 22/05/2019, Publicado no DJe: 27/05/2019)

Exclusão do nome de vítima de crime sexual de buscador na internet – preservação da intimidade e da privacidade. Ausente interesse público na preservação da disponibilização de resultado passível de ser obtido mediante utilização de ferramenta de pesquisa na rede mundial de computadores que conduz o usuário a acessar o conteúdo de outros sites hospedeiros de informações relacionados a processo criminal que tivera por objeto ilícito penal de natureza sexual praticado contra menor de idade ocorrido há mais de uma década, necessária a eliminação e prevenção do resultado da busca mediante utilização do nome da vítima porquanto, a par de violar o segredo de justiça que acobertara o fato, enseja a perenização da atualidade do ilícito, atentando contra o direito à preservação da intimidade e privacidade da vitimada e o direito  ao esquecimento do infortúnio que a acometera (Acórdão 1147053, 07065388220178070003, Relator: TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 30/01/2019, publicado no DJe: 13/02/2019)

Direito ao esquecimento – cabimento – ofensa desproporcional a direitos da personalidade. (..) Nessa perspectiva, a Jurisprudência pátria firmou-se no sentido de, via de regra, não responsabilizar os sítios de pesquisa quanto aos conteúdos publicados por terceiros. 4. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a existência de casos excepcionalíssimos, nos quais a violação aos direitos da personalidade pode tornar-se desproporcionalmente grave, a ponto de justificar a intervenção judicial para determinar a desindexação de alguns resultados injustamente veiculados ao nome requerente, autorizando, assim, o manejo de ações contra os provedores de busca. Precedentes. 4.1 A veiculação de acusações de crimes sexuais cometidos em outro país e desprovidas de quaisquer provas deve ser reconhecida como situação excepcional.” (Acórdão 1145771, 07380854920178070001, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 24/01/2019, publicado no DJe: 04/02/2019)

Direito ao esquecimento – verificação do interesse público atual na divulgação da informação. […] 4. Ao deparar-se com o caso concreto, o magistrado deve analisar se existe o interesse público atual na divulgação daquela informação. 4.1. Persistindo o interesse público, não há que se falar em direito ao esquecimento. 4.2. Por outro lado, caso não haja interesse público atual, a pessoa poderá exercer o seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas as notícias sobre o fato que ficou no passado. […] 6. O direito ao esquecimento alcança a determinação de inativação dos links referentes à notícia, não sendo possível determinar a retirada da informação da internet por configurar obrigação impossível.” (Acórdão 1132174, 20161610095015APC, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 10/10/2018, publicado no DJe: 24/10/2018)

Informação de caráter público e coletivo – direito ao esquecimento não caracterizado. “1. O Google e o Yahoo! são ferramentas de pesquisa de conteúdo na internet […] 2. Os dados acessados dizem respeito à reprodução de informações divulgadas pela imprensa, de caráter público, encontrando-se disponíveis a qualquer interessado. (…) 3. Não há falar em incidência da teoria do direito ao esquecimento e, via de consequência, em mácula ao Enunciado n. 531 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, haja vista que a divulgação de notícias não abarcadas pelo sigilo, como é a hipótese, estão dentro do parâmetro constitucional da liberdade de informação, prevalecendo o interesse coletivo sobre o individual.” (Acórdão 1087140, 07195966120178070001, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 5/4/2018, publicado no DJe: 17/4/2018)

Referente ao STJ, há estes julgados:

Excepcionalidade da desvinculação entre nome e resultado de pesquisa na internet – decurso de longo lapso temporal desde os acontecimentos noticiados. […]5. Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas

vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca. […] 7. No caso concreto, passado mais de uma década desde o fato noticiado, ao se informar como critério de busca exclusivo o nome da parte recorrente, o primeiro resultado apresentado permanecia apontando link de notícia de seu possível envolvimento em fato desabonador, não comprovado, a despeito da existência de outras tantas informações posteriores a seu respeito disponíveis na rede mundial.” REsp 1.660.168/RJ ( data de julgamento: 8/5/2018).

Crime com grande repercussão nacional – impossibilidade de aplicação do direito ao esquecimento – censura prévia – preponderância do interesse público. […] 5. A publicação de reportagem com conteúdo exclusivamente voltado à divulgação de fatos privados da vida contemporânea de pessoa previamente condenada por crime e de seus familiares revela abuso do direito de informar, previsto pelo artigo 220, § 1º da Constituição Federal, e viola o direito à privacidade, consolidado pelo artigo 21 do Código Civil, por representar indevida interferência sobre a vida particular dos personagens retratados, dando ensejo ao pagamento de indenização. […] 6. A exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal configura violação do princípio constitucional da proibição de penas perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de retorno ao convívio social, garantidos pela legislação infraconstitucional nos artigos 41, VIII e 202 da Lei nº 7.210/1984 e 93 do Código Penal. 8. Diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para o fim de proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. (…)” REsp 1.736.803/RJ

 

Como entendimento pacificado, há que se frisar a Súmula 403 do STJ, a qual traz em seu arcabouço que independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Ademais, o STF, na temática Repercussão Geral, pauta-se no Tema 786 , salientando que:

 É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.

Nesta seara, Bochenek & Gonçalves (2022) explicitam que o sistema de precedentes judiciais, em vigor, no sistema processual deste país induz à adoção da tese paradigma. Todavia, diante dos clamores e de necessidade de atualização da temática, há que se pensar na efetivação de uma evolução deste entendimento jurisprudencial, tanto pelo crivo do legislativo, quanto pelo aprimoramento das decisões judiciais, trazendo à luz equidade para os princípios constitucionais da liberdade de expressão e privacidade, assegurando-se, outrossim, os direitos fundamentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se, que o direito ao esquecimento ainda é matéria controversa. Além do mais, as liberdades de informação, de expressão e de imprensa, que são também direitos amparados pelo Texto Constitucional de 1988, atuaram e atuam como antagonistas, nesta solicitação dos familiares de Aída Curi sobre o Direito ao Esquecimento. Outrossim, um direito inexiste sem o outro, visto que no ordenamento jurídico brasileiro, o direito do esquecimento advém como decorrência da violação dos direitos à intimidade, à privatividade, à honra e à imagem. Para Jotta,

O conceito não é previsto na legislação brasileira, mas tem sido muito discutido nas instâncias inferiores em inúmeros pedidos de remoção de conteúdo feitos à Justiça. A controvérsia coloca, de um lado, a liberdade de expressão e informação e, de outro, direitos à honra, intimidade, privacidade e ressocialização. Cabe ao Supremo, portanto, neste julgamento, avaliar se o direito deve ser reconhecido e, em caso positivo, em que termos” (JOTTA, 2021, p.29)

No equiparar da balança, destaca-se que há que se primar pela liberdade de informação e de imprensa, contudo o direito à memória deveria vir atrelado à não violação do direito à privacidade.

Neste sentido, ao destacar que os fatos ocorridos com Aída Curi tiveram ampla e irrestrita cobertura na década de 50, tornando-a um marco e símbolo histórico da violência contra a mulher, traduzindo-se tais acontecimentos em uma questão de domínio público, de acordo com os pressupostos de (BINENBOJM, 2021), não há nenhum prazo prescricional, já que o direito a informação, de informar ou ser informado são atemporais.

Consoante esta vertente, sublinha-se, ademais, Idem Binenbojm,

A ADI 4.814 julgou como decisão unânime que a publicação de biografias não autorizadas não fere a Constituição. Outrossim, o plenário julgou ser inconstitucional a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias, abrindo-se um precedente perigoso, em se tratando de direito à imagem e privacidade (BINENBOJM, 2021, p.02).

Além de tudo, nesta seara, Aída Curi despersonifica-se, perde a sua força singular calcada no caráter individual e personalíssimo, para figurar como um legado histórico, como uma patrimônio histórico coletivo, ainda que esta herança não seja vista de bom grado pelos seus familiares e pelas pessoas que desfrutavam de sua convivência e intimidade. Mais uma vez houve apagamento da vítima? Outra vez os familiares experimentaram a derrota?

Se os crimes prescrevem, no Brasil, seria indicado, igualmente, um lapso temporal, para estes acontecimentos históricos, uma vez que os familiares de vítimas de crimes cruéis são obrigados a conviver com memórias, alusões e citações eternas, negando-se aos mesmos a extensão ou representatividade do direito à vida privada. Deixa-se como indagações, até que ponto o direito ao esquecimento não pode se traduzir em apagamento ou ocultamento, qual o limite para o seu ajuizamento e quais os elementos são necessários para o seu acolhimento?

Em tempos de tantos casos de feminicídio, esta primeira derrota dos familiares de Aída Curi sinalizam o quanto ainda precisa ser modificado o ideário da sociedade brasileira, e precipuamente, em gradações ou instâncias mais elevadas. O sentimento de menos valia se estende a todas as mulheres que já sofreram violência sexual, que tiveram a vida ceifada, que sofreram estupros coletivos e ressalta os casos em que a impunidade reina com absolvições ou com sentenças reduzidas.

Basta pensar se todas as mulheres que sofrem ou sofreram violência sexual, bem como estupros coletivos tivessem a intimidade devassadas e suas histórias se tornassem domínio público. Além disto, pensa-se, igualmente, nos familiares, deixando-se como contributo a dúvida de qual o limiar para a vida pública e a vida privada e quais os parâmetros para a manutenção da persona e redução à coisificação. Sobre a primeira inquietação, deixa-se uma análise, a qual segue adiante.

O direito ao esquecimento atinge a memória de fatos passados que não estiverem fundados nas necessidades históricas, visto que o direito ao esquecimento se impõe a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela (TJDFT, 2020).

Por fim, destaca-se uma ideologia sobre este limiar: ao deparar-se com o caso concreto, o magistrado deve analisar se existe o interesse público atual na divulgação daquela informação. Persistindo o interesse público, não há que se falar em direito ao esquecimento. Por outro lado, caso não haja interesse público atual, a pessoa poderá exercer o seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas as notícias sobre o fato que ficou no passado.  Sobre o limite entre o eu e a objetificação, deixa-se a promessa de estudos ulteriores e de maiores amplificações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BINEMBOJM, Gustavo. LIBERDADE IGUAL: O QUE E E POR QUE. Rio de Janeiro: Editora História Real, 1ª ed., 2020.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, DF, Senado Federal, 1988, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.Acesso em: jul. 2023.

BRASIL, Decreto-lei n. 2.848, de 06 de dezembro de 1940, Código Penal, 1940, Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>, Acesso em 30 jul 2023.

BRASIL, Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, Marco Civil da Internet, 2014, Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>, Acesso em 30 jul 2023.

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Notas:

[1] Doutorado em Ciências da Educação pela UML – Universidade Martin Lutero; Especialista em Libras – Barão de Mauá; Gestão Escolar e Supervisão de Ensino – Universidade Castelo Branco; Pós-Graduanda em Gestão de Negócios com foco em Competências Comportamentais pela BBI Chicago; Graduada em Letras pela UFJF; Graduanda em Direito pela Faculdade Vértix Trirriense (Univértix).

Palavras Chaves

Direito ao esquecimento; Aída Curi; Jurisprudência; STF.