OBRIGAÇÃO DE MEIOS E ASSUNÇÃO DE RISCOS PELO CONSUMIDOR

Resumo

O presente artigo examina a assunção de riscos pelo consumidor nas obrigações de meios, buscando identificar os pressupostos para que essa alocação de riscos seja legítima e não configure abuso ou extrema vantagem por parte do fornecedor. Para tanto, o texto qualifica as obrigações de meios e de resultado, indicando quando é possível se configurar a obrigação de meios, notadamente à luz das legítimas expectativas do consumidor. O artigo analisa alguns exemplos de obrigações de meios nas relações de consumo, com especial destaque para os serviços prestados no mercado de consumo pelos gestores de recursos de terceiros.

Abstract

The present article examines consumer’s risk-taking in obligations of best efforts, seeking to identify the requirements so that this risk allocation is legitimate and doesn’t create abuse or extreme advantage for the supplier. In this regard, the text qualifies the obligations of best efforts and of specific performance, indicating when it is possible to constitute an obligation of best efforts, notably in light of consumers’ legitimate expectations. The article analyzes some examples of obligations of best efforts in consumerist relationships, with especial focus on services provided by asset managers.

Artigo

OBRIGAÇÃO DE MEIOS E ASSUNÇÃO DE RISCOS PELO CONSUMIDOR·

Milena Donato Oliva* e Pablo Renteria··

Resumo: O presente artigo examina a assunção de riscos pelo consumidor nas obrigações de meios, buscando identificar os pressupostos para que essa alocação de riscos seja legítima e não configure abuso ou extrema vantagem por parte do fornecedor. Para tanto, o texto qualifica as obrigações de meios e de resultado, indicando quando é possível se configurar a obrigação de meios, notadamente à luz das legítimas expectativas do consumidor. O artigo analisa alguns exemplos de obrigações de meios nas relações de consumo, com especial destaque para os serviços prestados no mercado de consumo pelos gestores de recursos de terceiros.

Palavras-chave: obrigação de meios; obrigação de resultado; legítima expectativa; vício do serviço; fundos de investimento.

Abstract: The present article examines consumer’s risk-taking in obligations of best efforts, seeking to identify the requirements so that this risk allocation is legitimate and doesn’t create abuse or extreme advantage for the supplier. In this regard, the text qualifies the obligations of best efforts and of specific performance, indicating when it is possible to constitute an obligation of best efforts, notably in light of consumers’ legitimate expectations. The article analyzes some examples of obligations of best efforts in consumerist relationships, with especial focus on services provided by asset managers.

Keywords: obligation of best efforts; obligation of specific performance; legitimate expectation; service defect; investment fund.

 Sumário: 1 – Introdução. 2 – Obrigações de meios e de resultado. 3 – Legítima expectativa do consumidor e a qualificação do vínculo obrigacional. 4 – O exemplo do gestor profissional de recursos de terceiros. 5 – Conclusão. 6 – Referências.

  1. Introdução.

            O fornecedor não pode repassar ao consumidor riscos que são próprios da sua atividade, por se entender que isso configuraria extrema desvantagem ao consumidor, ao arrepio do art. 51, IV e § 1o, do CDC.[1] Nas obrigações de meios, por outro lado, o consumidor assume o risco de não ver atingido o resultado esperado com o vínculo obrigacional, já que não integra a prestação do fornecedor o alcance desse resultado. Daí a importância de se identificarem os parâmetros pelos quais a assunção de riscos, pelo consumidor, quanto à frustração do escopo pretendido, não se revele abusiva e se ajuste às suas legítimas expectativas.

            Para tanto, afigura-se necessário qualificar as obrigações de meios e de resultado, bem como analisar, notadamente nas obrigações de meios, o impacto da boa-fé objetiva no comportamento esperado do fornecedor, que não pode ser indiferente à obtenção do resultado pretendido pelo consumidor, embora este, tecnicamente, não integre sua prestação para fins de verificação do adimplemento.

            Além disso, examinam-se importantes exemplos de obrigações de meios no mercado de consumo, como a relação do médico com o paciente e a do corretor com as partes que almejam o negócio. Especial destaque é conferido às atividades desenvolvidas pelos gestores de recursos,[2] na medida em que ganha cada vez maior relevância no mercado de consumo a administração profissional de recursos de terceiros com vistas a proporcionar-lhes rentabilidade financeira. Cuida-se de qualificar a obrigação do gestor, bem como aferir a legítima expectativa do consumidor por ocasião da contratação do serviço, a fim de verificar se a obrigação é de meios e quais seriam os riscos legitimamente alocados ao consumidor.

            Consoante se verificará no decorrer do artigo, a assunção de riscos pelo consumidor deve ser compatível com a legítima expectativa decorrente da utilidade que se espera com o produto ou serviço. A obrigação de meios, com efeito, não pode servir para o repasse de riscos próprios da atividade do fornecedor ao consumidor, travestindo o fortuito interno, por exemplo, de álea alocada ao consumidor. Para que haja legítima obrigação de meios, não basta que o fornecedor assim designe sua prestação, ainda que devidamente informe ao consumidor as consequências de tal ajuste. Mostra-se essencial que a utilidade que objetivamente se pretende com o produto ou serviço efetivamente se restrinja aos melhores esforços a cargo do fornecedor.

  1. Obrigações de meios e de resultado.

            Nada obstante as críticas doutrinárias que vem recebendo, a distinção entre obrigações de meios e de resultado ainda guarda relevância na determinação do conteúdo da prestação obrigacional: na obrigação de resultado, o devedor promete realizar o resultado prático almejado pelo credor, enquanto na obrigação de meios o devedor empenha-se, com todo o seu conhecimento, expertise e esforço, a obter o resultado, sem, todavia, assegurá-lo.

            Nesse sentido, nem sempre o adimplemento ocorre com a satisfação do interesse que o credor, em última análise, quer ver realizado com a constituição do vínculo obrigacional, podendo configurar-se com o atendimento de interesse conexo àquele. Nas obrigações de resultado, há plena coincidência entre o interesse a ser satisfeito com a prestação e o interesse que motivou a contratação. Tome-se o exemplo do contrato de transporte: o passageiro tem interesse em ser conduzido até determinado local e, para tanto, adquire um bilhete de ônibus. O transportador tem o dever de conduzi-lo ao local desejado e no tempo ajustado, com segurança e conforto, de maneira que aquele interesse do credor que fez surgir a relação contratual restará plenamente satisfeito com o adimplemento do transportador. Neste caso, o adimplemento produz resultado útil que realiza o interesse do credor almejado com a constituição da obrigação.[3]

Por sua vez, nas obrigações de meios, não há coincidência entre o interesse primário que deu origem à relação e o interesse (in obligatione) a ser satisfeito com o adimplemento.[4] O credor almeja que o devedor produza certo resultado em seu favor, mas este resultado não se encontra contemplado na prestação. O interesse do credor atendido com o adimplemento consiste na atuação diligente do devedor, que, quando bem sucedida, pode realizar o interesse primário do credor, como também pode revelar-se infrutífera. Por isso, considera-se que o interesse do credor no cumprimento da prestação é instrumental em relação ao interesse preliminar, que, embora pretendido com a constituição da obrigação, não se encontra in obligatione, não sendo determinante, por isso mesmo, à configuração do adimplemento.[5]

Veja-se o exemplo do contrato de serviço médico: o paciente que contrata os serviços do médico o faz porque precisa ser curado (interesse primário); no entanto, recebe deste último a promessa de que irá envidar seus melhores esforços para que a cura seja alcançada (interesse in obligatione). Da mesma forma, o corretor procura aproximar pessoas interessadas na celebração de negócio jurídico de qualquer espécie, sem se comprometer com o desfecho positivo da negociação. Independentemente da conclusão do negócio, há adimplemento da obrigação do corretor pela aproximação das partes, haja vista se tratar de obrigação de meios. De toda sorte, usualmente a remuneração do corretor vincula-se ao sucesso das negociações, o que significa que a contraprestação que lhe é devida tem caráter aleatório, não já que se obrigou ao resultado positivo das negociações, o que tornaria o corretor inadimplente sempre que este não fosse alcançado.[6]

Como se depreende de tais exemplos,[7] nas obrigações de meios, sendo a remuneração estipulada em bases comutativas, e não aleatórias, o credor corre o risco de pagar ao devedor a contraprestação devida sem obter o resultado prático que esperava conseguir ao final. Com efeito, nessas obrigações, a frustração do resultado esperado pelo credor não significa necessariamente que o devedor tenha descumprido sua obrigação. Muito pelo contrário, tendo o devedor empenhado todos os seus esforços com vistas a alcançar o resultado almejado, a sua obrigação de meios reputa-se adimplida e o credor não pode se furtar ao pagamento da contraprestação ajustada.

De maneira geral, a qualificação de determinada obrigação como sendo de meios traduz questão afeta à interpretação do programa contratual entabulado entre as partes, a qual deve ser efetuada tendo em vista as finalidades comuns que elas esperam legitimamente realizar.[8] Essas finalidades são determinadas com base nas declarações de vontade, nas demais circunstâncias do caso concreto e a partir das práticas sociais recorrentes no tipo de relação contratual em questão, as quais, antes mesmo da formação do vínculo contratual, já concorrem para a expectativa que se quer ver realizada com o contrato. Vale dizer, as práticas sociais contribuem para a construção de ideias preconcebidas que se encontram disseminadas no tecido social, as quais, por integrarem as expectativas que motivam a avença, compõem, via de regra, o programa contratual. É em vista de tais finalidades que se torna possível determinar o conteúdo das prestações contratuais e, consequentemente, a que categoria – obrigações de meios ou de resultado – pertencem.

Importante advertir que, à luz do princípio da boa-fé objetiva, mesmo nas obrigações de meios o devedor não pode ser indiferente ao resultado pretendido pelo credor, ainda que este não integre a prestação e não seja determinante para aferição do adimplemento.[9] Vale dizer, sendo a obtenção de certo resultado o fim último almejado pelo credor, razão pela qual este celebrou o contrato, o devedor encontra-se obrigado a direcionar todos os seus esforços para a concretização deste resultado, ainda que este não componha, tecnicamente, sua prestação. Nessa direção, cumpre-lhe adotar postura colaborativa que tenha como norte o comprometimento com o escopo almejado, em observância ao princípio da boa-fé objetiva.

  1. Legítima expectativa do consumidor e a qualificação do vínculo obrigacional

O fornecedor não pode repassar ao consumidor riscos que são próprios da sua atividade, por se entender que isso configuraria extrema desvantagem ao consumidor, em afronta ao art. 51, IV e § 1o, do CDC.[10] Por outro lado, tal não infirma a legítima assunção de riscos pelo consumidor nas obrigações de meios a cargo do fornecedor. O risco de não se lograr o resultado almejado é inerente a essas obrigações, devendo o fornecedor envidar seus melhores esforços para a obtenção do resultado pretendido, mas cujo risco de não implementação é assumido pelo consumidor.

Para que tal ajuste não seja abusivo, deve-se adotar a legítima expectativa do consumidor como a medida da extensão do conteúdo da obrigação do fornecedor, a qual será de meios ou de resultado, conforme a utilidade que o consumidor possa razoavelmente contar com sua execução.[11] Por outras palavras, a qualificação da obrigação como de meios ou de resultado deve atentar para a utilidade que o consumidor legitimamente espera obter com o ajuste, independentemente de ressalvas do fornecedor ou de cláusulas contratuais em sentido diverso que este disponha.

Seguindo tal orientação, os tribunais firmaram o entendimento de que, na cirurgia estética meramente embelezadora, diferentemente das demais, a obrigação do médico não é de meios, mas de resultado.[12] Os argumentos apresentados em favor dessa solução se baseiam justamente na finalidade específica deste tipo de intervenção cirúrgica e na expectativa do paciente.[13] Como ressalta Caio Mário da Silva Pereira, “o cliente tem em vista corrigir uma imperfeição ou melhorar a aparência. Ele não é um doente, que procura tratamento, e o médico não se engaja na sua cura”.[14] Na mesma linha, pondera José de Aguiar Dias: “nenhum paciente se submeteria a uma intervenção estética se imaginasse que dela sairia em condições piores. Daí, proclamar-se, como preceito geral, que a obrigação do cirurgião plástico é uma obrigação de resultado”.[15] Ou seja, a expectativa do paciente é que o médico obtenha o resultado pretendido, o qual, por isso mesmo, integra a prestação.

De mais a mais, a solução adotada pelos tribunais mostra-se em plena consonância com a definição de vício do serviço estabelecida no art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, que rege as relações entre médicos e pacientes. O vício do serviço consubstancia o cumprimento imperfeito da obrigação do prestador de serviço, com base na expectativa do consumidor quanto à sua utilidade. De acordo com o art. 20, o serviço impróprio é aquele que não atende à finalidade que razoavelmente dele se espera.[16]

Esse dispositivo determina que o descumprimento da prestação seja averiguado à luz da expectativa do consumidor quanto à finalidade que o serviço prestado deveria atender. Veja-se que a expectativa do consumidor não é apreendida apenas com base nas cláusulas contratuais e nas informações prestadas pelo fornecedor, integrando o programa negocial, conforme ressaltado, a percepção social da utilidade que se espera com o produto ou serviço. Nessa direção, exemplificativamente, entende-se que a faca apresenta periculosidade no seu manuseio, de maneira que o corte acidental por ela provocado não frustra a legítima expectativa do consumidor e, por isso, não configura acidente de consumo.[17]

Transpondo-se a regra ao exemplo da cirurgia plástica estética, tem-se que o vício que configura o descumprimento contratual do profissional deve ser examinado com base na expectativa gerada no paciente quanto à finalidade que seria alcançada pela intervenção médica. Dessa forma, mostra-se correto o entendimento que, em respeito à expectativa do paciente de que obteria o resultado estético almejado, identifica a obrigação do cirurgião plástico como sendo de resultado.

Cabe advertir que a qualificação da obrigação como de resultado não transmuda a natureza da responsabilidade médica de subjetiva para objetiva.[18] O que se altera é o conteúdo da prestação. Assim, se o resultado é frustrado sem culpa do médico, há descumprimento contratual e, consequentemente, perda da contraprestação avençada; mas como tal descumprimento não lhe é imputável, não responde pelas perdas e danos sofridos pelo consumidor. De outra parte, se o médico não logra obter o resultado porque agiu culposamente, encontra-se inadimplente e deve ressarcir o consumidor de todos os danos incorridos, além de não fazer jus à contraprestação.

Desse modo, é a legítima expectativa do consumidor que vai nortear a qualificação da obrigação como de meios ou de resultado, a qual será aferida a partir da utilidade que objetivamente se espera daquele produto ou serviço. Nesse sentido, mostra-se relevante o exame das informações que foram (ou deixaram de ser) prestadas pelo fornecedor. Com efeito, a obrigação que, a princípio, poderia ser de meios torna-se de resultado se o fornecedor transmite determinadas informações que tenham por efeito suscitar no consumidor legítima expectativa acerca da obtenção do resultado.

Vale repisar que não bastam a prestação de informações claras e precisas, ao lado de inequívoca disposição contratual, para que haja obrigação de meios nas relações de consumo. Mostra-se necessário, ainda, que a obrigação de meios coadune-se com o que razoavelmente se espera daquele produto ou serviço, sob pena de o fornecedor, mediante fixação contratual, repassar ao consumidor riscos próprios da sua atividade. A título ilustrativo, não pode o fornecedor se comprometer a envidar os melhores esforços para transportar os passageiros sem assegurar o resultado de locomovê-los com segurança e conforto, sob alegação de que não consegue garantir que não haverá, por exemplo, mau súbito que acometa o motorista, já que tal evento fugiria completamente ao seu controle.[19] Ora, a segurança no transporte integra a legítima expectativa dos consumidores e o que razoavelmente se espera com aquela prestação de serviços, de maneira que a obrigação do fornecedor de transportar com segurança é de resultado. Nesse sentido, eventos que escapem do controle do fornecedor inserem-se no risco da sua atividade, a configurar fortuito interno, e não podem ser repassados ao consumidor.

Em uma palavra, para a qualificação da obrigação como de meios ou de resultado deve-se identificar a legítima expectativa do consumidor, a ser aferida com base nas disposições contratuais, nas informações prestadas e, principalmente, a partir das práticas sociais que informam o que razoavelmente se espera daquele produto ou serviço. Desse modo, quando, em razão das práticas sociais recorrentes naquele tipo de relação contratual, a legítima expectativa for pela obtenção do resultado, mostram-se inócuas as tentativas do fornecedor de configuração de obrigação de meios, uma vez que resultariam na frustração do fim que razoavelmente se espera do serviço ou do produto. As cláusulas contratuais estipuladas nessa direção traduziriam tentativas ilegais de repassar aos consumidores riscos próprios da atividade desenvolvida pelo fornecedor (fortuito interno). Ademais, a legítima obrigação de meios se transmudará em resultado sempre que o fornecedor prestar informações que suscitem no consumidor a legítima expectativa de que o resultado será alcançado.

O raciocínio mostra-se aplicável, de modo geral, para qualificar a obrigação de qualquer prestador de serviço. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao examinar caso em que se discutia a responsabilidade do médico na cirurgia oftalmológica, considerou que a qualificação da obrigação deste depende fundamentalmente do modo pelo qual desempenhou o seu dever de informação. Caso tenha prestado informações incompletas, gerando no paciente a expectativa de que a cura é certa, a sua obrigação deixa de ser de meios, passando a ser de resultado.[20]

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que o cirurgião dentista, por omitir os riscos da operação, comprometeu-se a obter o resultado positivo almejado pelo paciente. Nesse caso, merece destaque a relevância conferida pelo relator às “peculiaridades do caso concreto”, em vistas das quais reconheceu que a obrigação assumida pelo profissional não era a obrigação de meios, comumente estipulada no contrato de prestação de serviços médicos, já que o profissional se comprometeu na obtenção de determinado resultado.[21]

O mesmo raciocínio prevaleceu no julgamento da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em que se apreciou pedido de indenização formulado pelo paciente por danos corporais decorrentes de escleroseterapia realizada para a eliminação de varizes nos membros inferiores do seu corpo. Conforme ressaltou em seu voto o relator Des. Ênio Santarelli Zuliani, “o médico deve informar o cliente sobre todas as hipóteses, porque, de acordo com a falta de esclarecimentos, a obrigação de meios poderá ser transformada em obrigação de resultado”.[22]

Observe-se, a propósito, que a falha no dever de informar pode não apenas transmudar a obrigação de meios em resultado, como também tornar o fornecedor responsável por ressarcir o consumidor pelo implemento do risco ao qual este não anuiu. No exemplo da relação entre médico e paciente, se o consumidor não consente, de maneira livre e esclarecida, com os riscos de certa intervenção, uma vez que eles se verifiquem, o médico deve ressarcir o paciente pelos danos experimentados, independentemente do seu agir culposo ou da natureza da sua obrigação, se de meios ou de resultado. Isso porque a falha no dever de indenizar obriga o fornecedor a reparar plenamente todos os danos sofridos pelo consumidor, independentemente do tipo de prestação ao qual se obrigou.

            Ressalte-se, por derradeiro, que, por força da boa-fé objetiva, o fornecedor não pode ser indiferente ao resultado pretendido pelo consumidor, a despeito de, nas obrigações de meios, esse resultado não integrar a prestação do fornecedor. Deve o fornecedor orientar o cumprimento de sua prestação à satisfação do interesse primário do credor, ainda que este interesse não integre o vínculo obrigacional para fins de aferição do adimplemento. O médico pode adimplir seu contrato com o paciente sem lograr curá-lo, o advogado pode prestar um serviço de excelência sem obter êxito na causa, o administrador de carteiras pode adotar as melhores decisões e ainda assim gerar prejuízo ao investidor. Nada obstante, em todos esses casos a conduta de cada um deles será rigorosamente avaliada, com vistas a determinar se de fato os melhores esforços foram empreendidos na busca da realização do interesse primário do consumidor.

            Portanto, nas obrigações de meios é inerente a assunção de risco pelo consumidor, sob pena de se desnaturalizarem certas atividades e se desvirtuarem determinadas funções. O que cumpre observar é se o fornecedor agiu com a diligência esperada para obter o resultado almejado pelo consumidor e se o consumidor estava devidamente informado dos riscos inerentes à atividade desenvolvida pelo fornecedor. Em uma palavra, trata-se de verificar se não houve vício na prestação do serviço, decorrente seja da desconformidade objetiva entre a conduta do fornecedor e o comportamento esperado, seja da desconformidade subjetiva, consistente na desinformação do consumidor.

  1. O exemplo do gestor profissional de recursos de terceiros.

Nos termos da Instrução CVM nº 558/2015, que disciplina o disposto no art. 23 da Lei nº 6.385/1976, o gestor de recursos de terceiros é o profissional encarregado de aplicar os recursos do cliente nos mercados financeiros, com autorização para comprar e vender títulos e valores mobiliários, com vistas a proporcionar rendimento a partir do capital investido.[23] Tal atividade pode ser prestada por intermédio de diferentes arranjos contratuais, tais como o mandato, o negócio fiduciário para fins de gestão patrimonial e, notadamente, a constituição de fundo de investimento.[24]

Este último traduz importante mecanismo de captação de recursos do público, os quais, ao serem direcionados às atividades relativas ao objeto do fundo, fomentam diversos setores da economia.[25] Possibilita, ainda, que o investidor tenha acesso, na proporção de sua participação, a instrumentos financeiros em condições que dificilmente lograria obter sozinho.[26] Dessa forma, o fundo de investimento consubstancia, em geral, veículo voltado para a aplicação de recursos captados por meio da oferta pública de quotas,[27] viabilizando a gestão coletiva de capitais angariados junto ao público, com vistas a proporcionar aos investidores ganhos decorrentes dessa administração profissional.[28]

Precisamente em razão de sua importância para a poupança e para o financiamento das atividades econômicas, os gestores sujeitam-se, nos termos da Lei nº. 6.385/1976, à regulação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM,[29] sem prejuízo das atividades de normatização e supervisão desempenhadas pelos profissionais de mercado por meio da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA). Em termos gerais, a atuação da CVM tem por finalidade proteger os investidores que confiam seus recursos aos gestores, estimular o investimento e assegurar o funcionamento eficiente do mercado de valores mobiliários.

            À exceção do fundo de investimento imobiliário, que conta com disciplina legal própria (Lei n. 8.668/1993), nos demais fundos de investimento os cotistas assumem os riscos associados ao desempenho financeiro da carteira, o que significa não apenas a possibilidade de perda do valor investido, como também o risco de ter que aportar mais dinheiro para fazer frente ao patrimônio líquido negativo do fundo. Eis a dicção do art. 15, ICVM 555/2014: “Os cotistas respondem por eventual patrimônio líquido negativo do fundo, sem prejuízo da responsabilidade do administrador e do gestor em caso de inobservância da política de investimento ou dos limites de concentração previstos no regulamento e nesta Instrução”.[30]

O preceito denota a natureza jurídica de obrigação de meios do gestor dos fundos, que deve envidar seus melhores esforços para a obtenção dos rendimentos esperados, sem, contudo, comprometer-se a alcançá-los. Por isso que a alocação do risco de desempenho da carteira recai sobre o investidor. O gestor apenas responde se falhar na prestação do seu serviço, isto é, se o serviço for defeituoso, seja por deficiência na informação e, conseguintemente, na obtenção do consentimento informado do consumidor,[31] seja por falha comprovada na gestão.[32] O defeito reside, insista-se, não na perda patrimonial e, conseguintemente, nos prejuízos financeiros sofridos pelo consumidor, mas na má-gestão, isto é, na gestão contrária ao regulamento (com destaque à política de investimento) e à legislação vigente, que, entre outras obrigações, impõe ao gestor o dever de agir com diligência e lealdade, buscando atender aos objetivos de investimento de seu cliente.[33]

Vale ressaltar que a certeza dos resultados financeiros e a transmutação da obrigação de meios em resultado desvirtuaria por completo a finalidade do serviço de gestão de recursos de terceiros, que está intimamente vinculada à busca de rendimento financeiro por meio da aplicação dos recursos do cliente na compra e venda de títulos e valores mobiliários. Se a sua obrigação fosse de resultado, o gestor deixaria de exercer a atividade de administração de recursos, tornando-se, em vez disso, devedor do cliente, tal como observado em uma típica operação de mútuo bancário. Nesse cenário indesejável, o consumidor correria o risco de crédito do gestor, que, desta feita, passaria a representar fonte importante de preocupação para a higidez do sistema financeiro.

Por essa razão, a CVM veda, em termos gerais, quaisquer promessas quanto a retornos futuros da carteira. Nessa mesma direção, proíbe o gestor de fazer publicidade garantindo níveis de rentabilidade, com base em desempenho histórico da carteira ou de valores mobiliários e índices do mercado de valores mobiliários.[34]

A prestação dessas informações, relativas ao desempenho histórico da carteira e comparações com índices de mercado, são relevantes para que o cliente possa escolher o profissional que melhor atenda a seus objetivos de investimento.[35] No entanto, jamais podem ser associadas a qualquer promessa de rentabilidade futura.

Por outro lado, diante das várias espécies de fundos de investimento, é absolutamente essencial que o consumidor seja informado plenamente sobre os riscos inerentes a cada fundo e que seja aconselhado a investir naquele adequado ao seu perfil. Tratando-se, por exemplo, de investidor conservador, não pode ser orientado a aplicar seus recursos em fundo de maior risco, o que pode frustrar suas legítimas expectativas de segurança no investimento, ainda que o fundo aconselhável não seja tão rentável, já que, usualmente, a maior rentabilidade se associa à maior assunção de risco.

Em definitivo, não há de se confundir resultados aquém das expectativas com má-gestão, partindo da premissa de que a boa gestão levaria necessariamente aos resultados almejados. Não se deve confundir o risco inerente ao investimento com má-gestão. Por mais escorreita que possa ser a gestão de um fundo de investimentos, este instrumento sempre envolve a assunção de riscos pelo investidor. Deve-se apartar, assim, a má-gestão, deflagradora do dever de reparar sempre que configurada, dos riscos próprios do investimento, assumidos pelo investidor e que devem ser por este exclusivamente arcados, a menos que tenha havido, consoante se ressaltou, falha no dever de informar.[36]

Note-se, por fim, que nem todos os fundos de investimento são ofertados ao mercado de consumo. Em determinados casos, por força dos riscos atinentes a certos fundos, os cotistas devem ser investidores qualificados ou profissionais,[37] podendo-se mencionar, em exemplo, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados[38] e os Fundos de Investimento em Participações.[39]

  1. Conclusão.

No direito brasileiro, não se afigura ilícita a assunção, pelo consumidor, de riscos que sejam inerentes ao conteúdo da obrigação de meios que o fornecedor se obrigou a prestar. Longe de representar vantagem excessiva (CDC, art. 51, IV e § 1o), tal assunção se afigura legítima na medida que reflete o compromisso do fornecedor de envidar os melhores esforços para a obtenção do resultado prático almejado pelo consumidor, sem, todavia, prometer o seu alcance.

A assunção de riscos pelo consumidor deve ser compatível com a legítima expectativa decorrente da utilidade que se espera com o produto ou serviço. A obrigação de meios não pode servir a repassar riscos próprios da atividade do fornecedor ao consumidor. Para que haja legítima obrigação de meios, não basta que o fornecedor assim designe sua prestação, ainda que devidamente informe ao consumidor as consequências de tal ajuste. Mostra-se essencial que a utilidade que objetivamente se pretende com o produto ou serviço efetivamente se restrinja aos melhores esforços a cargo do fornecedor.

Nas obrigações de meios, o interesse que o devedor deve satisfazer não coincide com aquele que o credor, em última instância, espera ver realizado. Assim ocorre, usualmente, nas relações entre médico e paciente, corretor e clientes, e, ainda, entre administrador profissional de recursos e investidor, nas quais se reconhece a distinção entre o interesse primário (a cura, a celebração do negócio e o rendimento financeiro) e o interesse instrumental in obligatione (o tratamento médico, a aproximação das partes e a gestão de recursos).

A legítima expectativa do consumidor constitui a medida da extensão do conteúdo da obrigação do fornecedor, a qual será de meios ou de resultados conforme a utilidade que o consumidor possa razoavelmente contar com sua execução. Tal expectativa deve ser determinada à luz das informações prestadas, das demais circunstâncias do caso concreto e, notadamente, com base nas práticas sociais recorrentes no tipo de relação contratual em questão.

Sendo a obrigação de meios, não resta, necessariamente, configurado o vício na prestação do serviço se o resultado final que interessava ao consumidor não é alcançado, uma vez que a utilidade esperada consiste, precisamente, na atuação diligente do fornecedor. Cumpre observar se o fornecedor agiu com a diligência esperada para obter o resultado almejado pelo consumidor e se o consumidor estava devidamente informado dos riscos inerentes à atividade desenvolvida pelo fornecedor. Em uma palavra, trata-se de verificar se não houve vício na prestação do serviço, decorrente seja da desconformidade objetiva entre a conduta do fornecedor e o comportamento esperado, seja da desconformidade subjetiva, consistente na desinformação do consumidor.

Desta feita, o consumidor assume o risco (legítimo) de contratar o serviço sem a certeza de obter, com o adimplemento obrigacional, o resultado prático que ensejou a formação do vínculo obrigacional. Tal assunção de risco é inerente à obrigação de meios, sob pena de se desnaturalizar a finalidade da atividade profissional desempenhada pelo fornecedor.

Assim se observa em relação à responsabilidade dos gestores de recursos de terceiros, inclusive de fundos de investimento, que devem envidar seus melhores esforços para a obtenção dos rendimentos esperados, sem, contudo, se comprometer a alcançá-los. Por isso que o risco associado ao desempenho da carteira recai sobre o investidor. O gestor apenas responde se falhar na prestação do seu serviço, isto é, se o serviço for defeituoso, seja por deficiência na informação e, conseguintemente, na obtenção do consentimento informado do consumidor, seja por falha na gestão. O defeito reside não na perda patrimonial e, assim, nos prejuízos financeiros sofridos pelo consumidor, mas na má-gestão, isto é, na gestão contrária ao regulamento (com destaque à política de investimento) e à legislação vigente.

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  • Texto originalmente publicado na Revista de Direito do Consumidor, vol. 111, ano 2017, páginas 19-38.

* Professora de Direito Civil e do Consumidor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Sócia do Escritório Gustavo Tepedino Advogados.

  • · Professor de Direito Civil do Departamento de Direito da PUC-Rio. Diretor da Comissão de Valores Mobiliários.

Notas de Rodapé:

[1] Art. 51, Código de Defesa do Consumidor: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…). IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; (…). § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

[2] Este trabalho pretende examinar a atividade conduzida por espécie de administrador de carteiras de valores mobiliários que a regulamentação da CVM denomina “gestor de recursos” (Instrução CVM nº 558/2015, art. 1º, § 1º, II, e art. 2º, § 1º). Este é incumbido de aplicar os recursos do cliente nos mercados financeiros, com autorização para comprar e vender títulos e valores mobiliários, com vistas a proporcionar rendimento a partir do capital investido. Desta feita, exclui-se do escopo deste trabalho o exame das obrigações assumidas por outra espécie de administrador, a saber, o “administrador fiduciário” (Instrução CVM nº 558/2015, art. 1º, § 1º, I, e art. 2º, § 2º), a quem compete o exercício profissional de atividades relacionadas ao funcionamento e à manutenção das carteiras de valores mobiliários.

[3] “Nas assim chamadas obrigações de resultado, o resultado devido consiste em uma realização final em que se resolve, com plena satisfação, o fim econômico do credor, o interesse que determinou o surgimento do vínculo” (Luigi Mengoni, Obbligazzioni “di risultato” e obligazzioni “di mezzi”, Revista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, Milano: Dottor Francesco Vallardi, 1954, t. 1, p. 190, tradução livre).

[4] “O interesse pressuposto na obrigação é sempre orientado à mutação ou à conservação de uma situação de fato inicial. Mas nem sempre o objeto da qualificação jurídica, a saber o conteúdo da relação obrigacional, coincide com a realização desse interesse a que podemos denominar primário. Em alguns casos, a tutela jurídica, que serve de medida para a pretensão do credor, circunscreve-se a um interesse instrumental, a um interesse de segundo grau, que tem por escopo imediato uma atividade do devedor apta a promover o atingimento do interesse primário. Nessas hipóteses, o fim tutelado, isto é, o resultado devido, não é senão um meio na série teleológica que constitui o conteúdo do interesse primário do credor. Assim se explica porque Demogue, a partir de um ponto de vista empírico, fala em obrigações de meio” (Luigi Mengoni, Obbligazzioni “di risultato” e obligazzioni “di mezzi”, cit., p. 188-189, tradução livre).

[5] Pablo Renteria, Obrigações de Meios e de Resultado: Análise Crítica, São Paulo: Método, 2011, p. 62-66.

[6] Gustavo Tepedino, Comentários ao novo Código Civil, vol. X, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 386-397.

[7] Também se considera que a assessoria em recursos humanos, que objetiva a colocação no mercado de trabalho, consubstancia obrigação de meios. Cf. TJRJ, Ag. 0009448-21.2009.8.19.0052, 23ª CC, Rel. Des. Antônio Carlos Arrábida Paes, julg. 9.3.2016.

[8] Karl Larenz observa que o devedor deve “cumplir su obligación, ateniéndose no sólo a la letra, sino también al espíritu de la relación obligatoria correspondiente – en especial conforme al sentido y la idea fundamental del contrato – y en la forma que el acreedor puede razonablemente esperar” (Derecho de obligaciones, t. 1, Madrid : Revista de Derecho Privado, 1958 , p. 148).

[9] V. Gustavo Tepedino, A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea, in Temas de Direito Civil, t. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 89.

[10] A título ilustrativo, tem-se a vedação constante no Enunciado n. 308 da Súmula do STJ. Aludido preceito impede a transmissão dos riscos financeiros da incorporadora aos consumidores, coibindo que a unidade autônoma garanta débitos que não sejam relativos às prestações devidas para sua aquisição. Sobre o tema, seja consentido remeter a Milena Donato Oliva e Pablo Renteria, Tutela do Consumidor na Perspectiva Civil-Constitucional, in Revista de Direito do Consumidor, vol. 101, set-out, 2015, p. 103-136.

[11] A esse respeito, mostram-se oportunas as palavras de Claudia Lima Marques: “o efeito do contrato é a prestação de uma obrigação de fazer, de meio ou de resultado. Este efeito, este serviço prestado, é que deve ser adequado para os fins que ‘razoavelmente deles se esperam’. (…) Nunca é demais repetir que esta concentração feita pelo sistema do CDC no ‘serviço prestado’ não significa que todas as obrigações de fazer passam a ser obrigações de resultado. Se a obrigação é de meio (por exemplo, um tratamento médico, uma cirurgia), só se pode exigir que o fornecedor preste um serviço adequado para os fins que razoavelmente dele se esperam” (Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.368-1.371).

[12] “A jurisprudência desta Corte orienta que a obrigação é de resultado em procedimentos cirúrgicos para fins estéticos” (STJ, AgRg no REsp 1468756/DF, 3a T., Rel. Min. Moura Ribeiro, julg. 19.5.2016). V. tb. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Responsabilidade civil do médico, 2010, in Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 18, 1995, p. 40; Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, in Revista dos Tribunais, v. 654, 1990, p. 57-76.

[13] Tal raciocínio é exposto no seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “o caso dos autos diz respeito claramente à obrigação de resultado, porquanto o médico se compromete na obtenção de determinado resultado, tendo em vista que a pretensão do paciente é melhorar seu aspecto estético. (…) Nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia” (TJRS, Ap. Cív. 70067651752, 9ª CC, Rel. Des. Iris Helena Medeiros Nogueira, julg. 29.1.2016).

[14] Caio Mário Pereira da Silva, Responsabilidade civil, Rio de Janeiro: GZ, 2012, p. 214-215. Na mesma direção, Teresa Ancona Lopez de Magalhães enfatiza “ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado” (O dano estético: responsabilidade civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 3ª edição, p. 62).

[15] José de Aguiar Dias, Responsabilidade dos médicos, ADV: Advocacia Dinâmica. Seleções Jurídicas, São Paulo: COAD, n. 5, maio 1994 p. 20. Confira-se ainda Silvio Rodrigues: “Já se tem proclamado que no campo da cirurgia plástica, ao contrário do que ocorre na cirurgia terapêutica, a obrigação assumida pelo cirurgião é uma obrigação de resultado e não de meio. Tal concepção advém da posição do paciente numa e noutra hipótese. Enquanto naquele caso trata-se de pessoa doente que busca uma cura, no caso da cirurgia plástica o paciente é pessoa sadia que almeja remediar uma situação desagradável, mas não doentia. Por conseguinte, o que o paciente busca é um fim em si mesmo, tal como uma nova conformação do nariz, a supressão de rugas, a remodelação de pernas, seios, queixo etc. De modo que o paciente espera do cirurgião não que ele se empenhe em conseguir o resultado, mas que obtenha o resultado em si” (Direito civil: responsabilidade civil, vol. IV, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 252).

[16] Art. 20, Código de Defesa do Consumidor: “(…) § 2º São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares da prestabilidade”.

[17] “Em matéria de proteção da saúde e segurança dos consumidores vige a noção geral da expectativa legítima. Isto é, a ideia de que os produtos e serviços colocados no mercado devem atender as expectativas de segurança que deles legitimamente se espera. As expectativas são legítimas quando, confrontadas com o estágio técnico e as condições econômicas da época, mostram-se plausíveis, justificadas e reais. É basicamente o desvio deste parâmetro que transforma a periculosidade inerente de um produto ou serviço em periculosidade adquirida. A periculosidade integra a zona da expectativa legítima (periculosidade inerente) com o preenchimento de dois requisitos, um objetivo e outro subjetivo. Em primeiro lugar, exige-se que a existência da periculosidade esteja em acordo com o tipo específico de produto ou serviço (critério objetivo). Em segundo lugar, o consumidor deve estar total e perfeitamente apto a prevê-la, ou seja, o risco não o surpreende (critério subjetivo). Presentes esses dois requisitos, a periculosidade, embora dotada de capacidade para provocar acidentes de consumo, qualifica-se como inerente e, por isso mesmo, recebe tratamento benevolente do direito. Vale dizer: inexiste vício de qualidade por insegurança” (Antonio Herman Benjamin, Fato do produto e do serviço, in Manual de Direito do Consumidor, Antonio Herman Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 156).

[18] Art. 14, § 4°, Código de Defesa do Consumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

[19] Acerca da insuficiência do critério da álea para a diferenciação entre obrigações de meios e de resultado, cf. Pablo Renteria, Obrigações de Meios e de Resultado: Análise Crítica, cit., p. 66-72.

[20] “Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia oftalmológica. Obrigação de meio que se transforma em obrigação de resultado. A obrigação médica se coloca como uma obrigação de meio em regra. Assim, a intervenção cirúrgica para cura de miopia ou outro problema na vista adere a esta ideia. Entretanto, quando o profissional induz o paciente a este tipo de intervenção, garantindo-lhe a cura, e por isso descumprindo o dever de informação adequada, acaba transmudando o tipo de obrigação, que passa a ser de resultado” (TJRJ, Ap. Cív. 2001.001.20544, 5ª C.C., Rel. Des. Ricardo Couto, julg. 11.12.2001).

[21] “Contudo, no que tange aos procedimentos realizados pela parte autora, de ortodontia, o caso dos autos diz respeito claramente à obrigação de resultado, porquanto o profissional se compromete na obtenção de determinado resultado, tendo em vista que a pretensão do paciente é melhorar seu aspecto estético” (TJRS, Ap. Cív. 70060141462, 5ª C.C., Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, julg. 6.8.2014).

[22] TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Ap. Cív. 460.666.4/9.0, julg. 24.4.2008. Cf. também TJSP, Ap. Cív. 496.154-4/0, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, julg. 24.4.2008.

[23] V. a propósito a nota nº 2.

[24] Art. 3o, ICVM 555/2014: “O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”. Art. 4o, caput, ICVM 555/2014: “O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas conforme estabelecido em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo”.

[25] “Os fundos de investimento correspondem a uma actividade de intermediação financeira que facilita a intersecção entre a procura e a oferta de capital. (…). A criação de fundos de investimento tem em vista a subtracção de recursos económicos ao consumo imediato e a sua destinação à produção de nova riqueza” (Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Fundos de Investimento Mobiliários Abertos, Coimbra: Almedina, 1997, p. 11).

[26] V. Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, Coimbra: Almedina, 1999, p. 20.

[27] Sobre a natureza jurídica dos fundos de investimento, seja consentido remeter a Milena Donato Oliva, Indenização Devida “ao fundo de investimento”: qual quotista vai ser contemplado, o atual ou o da data do dano?, in Revista dos Tribunais, vol.904, fev/2011, p.73-96.

[28] Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Fundos de Investimento Mobiliários Abertos, Coimbra: Almedina, 1997, p. 11; Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, Coimbra: Almedina, 1999, p. 20.

[29] V., em especial, ICVM 558/2015.

[30] Cf. tb. arts. 25, II, d, 40, § 2o, 54, ICVM 555/2014.

[31] Art. 25, ICVM 555/2014: “Todo cotista ao ingressar no fundo deve atestar, mediante formalização de termo de adesão e ciência de risco, que:  I – teve acesso ao inteiro teor:  a) do regulamento;  b) da lâmina, se houver; e  c) do formulário de informações complementares;  II – tem ciência:  a) dos fatores de risco relativos ao fundo;  b) de que não há qualquer garantia contra eventuais perdas patrimoniais que possam ser incorridas pelo fundo;  c) de que a concessão de registro para a venda de cotas do fundo não implica, por parte da CVM, garantia de veracidade das informações prestadas ou de adequação do regulamento do fundo à legislação vigente ou julgamento sobre a qualidade do fundo ou de seu administrador, gestor e demais prestadores de serviços; e  d) se for o caso, de que as estratégias de investimento do fundo podem resultar em perdas superiores ao capital aplicado e a consequente obrigação do cotista de aportar recursos adicionais para cobrir o prejuízo do fundo. (…)”. V, tb. arts. 40, 49 e 54, ICVM 555/2014.

[32] Art. 92, ICVM 555/2014: “O administrador e o gestor, nas suas respectivas esferas de atuação, estão obrigados a adotar as seguintes normas de conduta: I – exercer suas atividades buscando sempre as melhores condições para o fundo, empregando o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma dispensar à administração de seus próprios negócios, atuando com lealdade em relação aos interesses dos cotistas e do fundo, evitando práticas que possam ferir a relação fiduciária com eles mantida, e respondendo por quaisquer infrações ou irregularidades que venham a ser cometidas sob sua administração ou gestão; II – exercer, ou diligenciar para que sejam exercidos, todos os direitos decorrentes do patrimônio e das atividades do fundo, ressalvado o que dispuser o formulário de informações complementares sobre a política relativa ao exercício de direito de voto do fundo; e III – empregar, na defesa dos direitos do cotista, a diligência exigida pelas circunstâncias, praticando todos os atos necessários para assegurá-los, e adotando as medidas judiciais cabíveis. §1º Sem prejuízo da remuneração que é devida ao administrador e ao gestor na qualidade de prestadores de serviços do fundo, o administrador e o gestor devem transferir ao fundo qualquer benefício ou vantagem que possam alcançar em decorrência de sua condição. § 2º É vedado ao administrador, ao gestor e ao consultor o recebimento de qualquer remuneração, benefício ou vantagem, direta ou indiretamente por meio de partes relacionadas, que potencialmente prejudique a independência na tomada de decisão de investimento pelo fundo. (…)”.

[33] V. ICVM 558/2015, art. 16.

[34] V. ICVM 558/2015, art. 17, III e IV.

[35] V. a propósito o modelo de Lâmina de Informações Essenciais do Fundo, previsto no Anexo 42 da ICVM 555/2014.

[36] “Entende-se, desse modo, que, na prestação do serviço de aconselhamento financeiro, as instituições bancárias somente respondem por eventuais prejuízos advindos de investimentos malsucedidos, sobretudo daqueles em que o elevado grau de risco é perfeitamente identificável segundo a compreensão do homem médio, se a prestação do serviço for defeituosa, justamente por se tratar de obrigação de meio, e não de resultado” (STJ, REsp 1606775/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., julg. 6.12.2016). Cf. ainda REsp 799.241/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T.,  julg. 14.8.2012.

[37] Art. 9º-A, ICVM 554/2014: “São considerados investidores profissionais: (…) IV – pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio, de acordo com o Anexo 9-A; (…)”. “Art. 9º-B, ICVM 554/2014: “São considerados investidores qualificados: I – investidores profissionais; II – pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo 9-B; III – as pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; (…)”.

[38] ICVM 444/2006, art. 4º.

[39] ICVM 578/2016, art. 4º.

Palavras Chaves

obrigação de meios; obrigação de resultado; legítima expectativa; vício do serviço; fundos de investimento.