RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA

Resumo

O presente trabalho trata da responsabilidade penal do psicopata, com o embasamento teórico fundamentado nos conhecimentos da área do direito, mas também da área da psicologia e da psiquiatria. Para promover a melhor compreensão do tema, a estrutura do presente trabalho foi dividida em quatro seções. A primeira visa definir o que é psicopatia e a segunda visa identificar a psicopatia, com o auxílio de especialistas da área da psicologia e da psiquiatria. A terceira seção trata da responsabilidade penal do psicopata segundo a atual legislação, enquanto a quarta e última sustenta que a medida de segurança perpétua é a sanção penal mais adequada ao psicopata de grau grave.

Abstract

This paper deals with the criminal liability of the psychopath, with a theoretical foundation based on the knowledge of the area of law, but also of psychology and psychiatry. To promote a better understanding of the theme, the structure of this paper was divided into four sections. The first aims to define what is psychopathy and the second aims to identify psychopathy, with the help of specialists in the field of psychology and psychiatry. The third section deals with the criminal responsibility of the psychopath under current legislation, while the fourth and last section argues that a life sentence is the most appropriate penal sanction for the severe psychopath.

KEYWORDS: Psychopathy; Psychopath; Criminal liability; Penalty; Safety measure.

Artigo

RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA

 Alessandro Mesquita da Costa[1]

RESUMO: O presente trabalho trata da responsabilidade penal do psicopata, com o embasamento teórico fundamentado nos conhecimentos da área do direito, mas também da área da psicologia e da psiquiatria. Para promover a melhor compreensão do tema, a estrutura do presente trabalho foi dividida em quatro seções. A primeira visa definir o que é psicopatia e a segunda visa identificar a psicopatia, com o auxílio de especialistas da área da psicologia e da psiquiatria. A terceira seção trata da responsabilidade penal do psicopata segundo a atual legislação, enquanto a quarta e última sustenta que a medida de segurança perpétua é a sanção penal mais adequada ao psicopata de grau grave.

Palavras-Chave: Psicopatia; Psicopata; Responsabilidade penal; Pena; Medida de segurança.

ABSTRACT: This paper deals with the criminal liability of the psychopath, with a theoretical foundation based on the knowledge of the area of law, but also of psychology and psychiatry. To promote a better understanding of the theme, the structure of this paper was divided into four sections. The first aims to define what is psychopathy and the second aims to identify psychopathy, with the help of specialists in the field of psychology and psychiatry. The third section deals with the criminal responsibility of the psychopath under current legislation, while the fourth and last section argues that a life sentence is the most appropriate penal sanction for the severe psychopath.

 

KEYWORDS: Psychopathy; Psychopath; Criminal liability; Penalty; Safety measure.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema “Responsabilidade penal do psicopata”, tendo como base conhecimentos interdisciplinares das áreas do direito, psicologia e psiquiatria; além disso, mostrou os principais posicionamentos que juristas e profissionais da psicologia e da psiquiatria desencadearam por esse tema.

A problemática se deu a partir da seguinte indagação: como responsabilizar penalmente o psicopata, com qual sanção penal? A escolha do referido tema se deu em decorrência da curiosidade e interesse pessoal sobre o tratamento jurídico que os psicopatas que cometem crimes recebem do sistema jurídico brasileiro, com o propósito de esclarecer que tais indivíduos devem receber do sistema jurídico um tratamento diferente e condizente com a sua periculosidade.

Para elaboração deste trabalho foi necessária uma pesquisa bibliográfica com doutrinas de renomados doutrinadores da área do direito, mas também da área da psicologia e da psiquiatria, tais como Kevin Dutton, Robert Hare, Hilda Morana, Ricardo Oliveira, Jorge Moll, Guido Arturo Palomba, Ana Beatriz Barbosa Silva, Guilherme Nucci, Eduardo Reale Ferrari, Cezar Roberto Bitencourt, entre outros, e sites jurídicos trazendo informações atuais sobre o assunto e na parte documental legislações, bem como o Decreto-Lei n° 2.848/40 conhecido como o “Código Penal”.

Para promover a melhor compreensão do tema, a estrutura do presente trabalho foi dividida em quatro seções. A primeira visa definir o que é psicopatia e a segunda visa identificar a psicopatia, com o auxílio de especialistas da área da psicologia e da psiquiatria.

A terceira seção trata da responsabilidade penal do psicopata segundo a atual legislação, enquanto a quarta e última sustenta que a medida de segurança perpétua é a sanção penal mais adequada ao psicopata de grau grave.

  1. O QUE É PSICOPATIA?

A psicopatia é moldada por uma série de características relacionadas. Portanto, não basta ter algumas características de um psicopata, é necessária a presença da maioria dessas características para o diagnóstico de psicopatia. Essas características podem estar presentes em psicopatas em maior ou menor grau, de modo que o grau presente nessas características determina o grau da psicopatia.

O psicólogo canadense Robert Hare, especializado em psicologia criminal e psicopatia, descreve essas características como sintomas necessários para o diagnóstico de psicopatia. Esses sintomas/características são divididos em dois grupos, o emocional/interpessoal e o desvio social. Os sintomas/característica emocional/interpessoal são: eloquente e superficial; egocêntrico e grandioso; ausência de remorso ou culpa; falta de empatia; enganador e manipulador; e emoções “rasas”. Já os sintomas/características de desvio social são: impulsivo; fraco controle do comportamento; necessidade de excitação; falta de responsabilidade; problemas de comportamento precoces; e comportamento adulto antissocial. Hare (2013, p. 49) defende que “o diagnóstico de psicopatia é dado apenas quando há indícios sólidos de que o indivíduo corresponde ao perfil completo, ou seja, tem a maior parte dos sintomas descritos neste capítulo e também os descritos no próximo”.

Além disso, segundo o investigador e membro honorário do Calleva Research Center for Evolution and Human Sciences, Magdalen College, University of Oxford, o psicólogo Kevin Dutton, o conjunto de características relacionadas que formam a psicopatia são: a inclemência, o charme, o foco, a resiliência mental, a ausência de medo, a atenção plena e a ação.

Descobrimos que os psicopatas são moldados por uma série de características relacionadas, mas não investigamos as origens dessas características. Conforme este estudo, estas características se originam de fatores biopsicossociais ou como diz Robert Hare, natureza e criação. Essas características podem estar presentes em psicopatas em maior ou menor grau, dependendo dos fatores biopsicossociais.

Os psicólogos Kevin Dutton e Robert Hare concordam com a ideia desse estudo de que tais características surgem de fatores biopsicossociais e podem estar presentes em psicopatas em maior ou menor grau, dependendo destes fatores. Vale ressaltar o que diz Robert Hare:

Eu defendo a posição de que a psicopatia emerge a partir de uma interação complexa – e mal compreendida – entre fatores biológicos e forças sociais. Minha opinião baseia-se em indícios de que fatores genéticos contribuem para as bases biológicas do funcionamento do cérebro e para a estrutura básica da personalidade, que, por sua vez, influenciam o modo como o indivíduo responde às experiências da vida e ao ambiente social e o modo como interage com ambos. De fato, os elementos necessários ao desenvolvimento da psicopatia, incluindo a profunda incapacidade de experimentar a empatia e uma gama completa de emoções, inclusive o medo, são fornecidos em parte pela natureza e, possivelmente, por algumas influências biológicas desconhecidas sobre o desenvolvimento do feto e do neonato. Em resultado disso, fica muito reduzida a capacidade de desenvolver os controles internos e a consciência e de estabelecer “conexões” emocionais com outras pessoas. No entanto, isso não significa que os psicopatas estão destinados a seguir por um caminho predeterminado, que eles nascem para desempenhar um papel socialmente desviado na vida. Mas, sim, que o seu dote biológico – o material bruto que as experiências ambientais, sociais e de aprendizado combinam em um indivíduo único – fornece uma base fraca para a socialização e a formação da consciência. Para usar uma analogia simples, o oleiro é o instrumento que molda a cerâmica a partir da argila (criação), mas as características da cerâmica produzida dependem não só dele, mas também do tipo de argila disponível (natureza).18 Embora a psicopatia não seja, primariamente, o resultado de uma criação problemática ou de experiências infantis adversas, eu acho que esses fatores desempenham papel importante na modelagem daquilo que a natureza forneceu. Os fatores sociais e a criação afetam o modo como o transtorno evolui e o modo como se manifesta no comportamento (HARE, 2013, p. 180-181).

Assim como neste estudo, o psicólogo Kevin Dutton entende que, quando tais características estão presentes levemente ou moderadamente em psicopatas, elas podem ser controladas para levar a um comportamento bem-sucedido ou desviante, isso dependerá de como estas características em grau leve ou moderado serão canalizadas. Neste caso, o psicopata possui capacidade de controlar a sua vontade e canalizar as características referidas (psicopatia) de acordo com a sua vontade, seja em um comportamento bem-sucedido ou desviante.

Entretanto, se tais características estiverem presentes em grau grave e elevado no psicopata, elas não podem ser controladas e, consequentemente, o psicopata não consegue evitar a exteriorização dessas características psicopáticas para o comportamento desviante, até mesmo criminoso. Já neste caso, o psicopata não possui capacidade de controlar a sua vontade, em razão das mencionadas características (psicopatia) estarem em grau elevado, de modo que não consegue evitar a exteriorização dessas características psicopáticas para o comportamento desviante, até mesmo criminoso. Nessa perspectiva, é necessário destacar as palavras do psicólogo Kevin Dutton:

Ligo o laptop e começo a escrever algumas ideias. Mais ou menos uma hora depois, quando entramos na estação, tenho o modelo do que chamo de mentalidade SOS: as habilidades psicológicas necessárias para lutar, superar e ter sucesso (Strive, Overcome, Succeed, SOS). Chamei esse conjunto de habilidades de Sete Sucessos Capitais — sete princípios centrais da psicopatia que, em judiciosas porções e aplicados com o devido cuidado e atenção, podem nos ajudar a conseguir exatamente o que queremos; podem nos ajudar a responder, em vez de reagir, aos desafios da vida moderna; podem nos transfigurar de vítimas em vitoriosos, sem nos transformar em vilões:

  1. Inclemência
  2. Charme
  3. Foco
  4. Resiliência mental
  5. Ausência de medo
  6. Atenção plena
  7. Ação

Sem sombra de dúvida, o poder desse conjunto de habilidades reside diretamente em sua aplicação. Certas situações inevitavelmente chamariam por certos traços mais que outros; enquanto estivéssemos sob essas circunstâncias, algumas substituições, voltando à nossa boa e velha analogia da mesa de som, plausivelmente exigiriam níveis mais altos ou mais baixos de quaisquer que fossem os traços selecionados. Aumentar os níveis de inclemência, resiliência mental e ação, por exemplo, pode torná-lo mais assertivo e fazer com que você conquiste mais respeito entre seus colegas de trabalho. Mas aumente-os demais e você corre o risco de se transformar em um tirano. E, é claro, há a oposta consideração sobre ser capaz de diminuí-los novamente — ser capaz de fazê-los surgir e desaparecer apropriadamente para criar o contorno da trilha sonora. Se o advogado, por exemplo, que encontramos no capítulo 4 fosse tão inclemente e destemido na vida cotidiana quanto evidentemente o era no tribunal, rapidamente ele acabaria por precisar de um advogado para si mesmo. O segredo, inquestionavelmente, é o contexto. Não é sobre ser psicopata. É antes sobre usar um método psicopata. Sobre ser capaz de entrar no personagem quando a situação exige. E então, quando a exigência não mais existe, voltar a sua persona normal. Foi aí que as coisas acabaram mal para Jamie e os outros caras. Em vez de ter problemas para girar os botões para o máximo, os deles, ao contrário, estão permanentemente presos no máximo: um erro de fábrica com consequências decididamente infelizes. Como disse Jamie quando cheguei ao Broadmoor, o problema dos psicopatas não é que eles estejam repletos de mal. Ironicamente, é o oposto. Eles possuem excesso de uma coisa boa. O carro é maravilhoso. Ele simplesmente é rápido demais para a estrada (DUTTON, 2018, p. 180-181).

Nesse ponto, é preciso ressaltar o que diz Fernandez sobre a perspectiva do psicólogo Dutton:

(…) para Dutton, a psicopatia pode ser boa, ao menos com moderação. A psicopatia é como a luz do sol. Se te expões demasiado a ela, podes apressurar teu próprio fim de uma maneira grotesca e carcinógena. Mas a exposição regulada a uns níveis controlados e ótimos pode ter um impacto significativo e positivo no bem-estar e a qualidade de vida (FERNANDES, 2015).

Acrescenta Bárbara Zago que:

O psicólogo e especialista no assunto, Kevin Dutton, reuniu diferentes estudos que explicam aos leigos um pouco mais a respeito da psicopatia em seu livro A Sabedoria dos Psicopatas. (…) Por conta das mídias, literatura e cinema, muito se associa a figura de psicopata a um assassino. No entanto, o que Dutton explica em sua obra é que a psicopatia não necessariamente inclui traços violentos; mais do que isso, ela muitas vezes pode ser extremamente vantajosa em determinados ambientes. (…) E de fato, o que separa um Hannibal Lecter de um grande CEO muitas vezes está na forma de “canalizar” essa psicopatia. Diferenças de criação ou outras experiências podem causar mudanças sutis no comportamento desse tipo de indivíduo. O destino de um psicopata depende de uma grande variedade de fatores, que incluem genes, histórico familiar, educação, inteligência e oportunidade. Enquanto ambos são destemidos, confiantes, carismáticos, frios e centrados, a maneira como tais características serão aplicadas no dia a dia farão toda a diferença (ZAGO, 2018).

  1. COMO IDENTIFICAR A PSICOPATIA?

Inicialmente, urge explanar sobre a Escala Hare PCL-R (Psycopathy Checklist Revised), um método de diagnóstico de psicopatia, criado por Robert Hare, que identifica e define o grau de psicopatia. Tal método consiste em um diagnóstico desenvolvido a partir da análise clínica e do histórico do paciente, sendo traduzida e validada no Brasil pela médica Hilda Morana, em 2000.

A citada Escala Hare diagnostica uma pessoa através de um questionário de 20 perguntas, no qual cada pergunta é pontuada por uma escala numérica de 0 a 2 pontos (0 para “não”, 1 para “talvez/ em algum aspecto” e 2 para “sim”). Além do mais, a pontuação geral varia de 0 a 40 pontos, sendo necessário que o checklist do resultado seja superior a 30 pontos para caracterizar a psicopatia.

Veja abaixo o questionário de 20 perguntas da Escala Hare:

  1. Você tem “excesso de brilho” ou charme superficial?
  2. Você tem um excesso de autoestima?
  3. Você necessita de estimulação constante, não gosta de monotonia e tem propensão ao tédio?
  4. Você é um mentiroso patológico, daqueles que sente orgulho de enganar as pessoas?
  5. Você está sempre manipulando?
  6. Você apresenta total falta de remorso ou culpa?
  7. Você possui “afeto superficial” ou “sentimentos superficiais”?
  8. Você é insensível ou possui completa falta de empatia?
  9. Você tem um “estilo de vida parasita”, está sempre tirando proveito dos outros?
  10. Você tem grande dificuldade em controlar suas atitudes?
  11. Você tem um histórico de comportamento sexual promíscuo?
  12. Você tem um histórico de problemas comportamentais na infância?
  13. Você não possui objetivos realistas de longo prazo?
  14. Você é excessivamente impulsivo?
  15. Você tem um alto nível de irresponsabilidade?
  16. Você não assume a responsabilidade por suas próprias ações, coloca sempre a culpa em outras pessoas?
  17. Você já teve muitas relações “conjugais” de curto prazo?
  18. Você tem um histórico de delinquência juvenil?
  19. Já experimentou uma “revogação de liberdade condicional”?
  20. Você exibe “versatilidade criminal”?

Nesse sentido, insta frisar a ponderação feita pela Doutora Hilda Morana sobre a Escala Hare:

A escala do Hare PCL – R – Psychopatic Checklist Revised – vem preencher essa dificuldade diagnóstica. Permite, através de um ponto de corte determinado, a identificação de características de personalidade compatíveis com o conceito de psicopatia, características essas entendidas como condições mórbidas que pressupõem comportamento anti-social destrutivo e elevada tendência à reincidência delitiva. Desta forma, a psicopatia inclui-se entre os transtornos anti-sociais da personalidade como forma mais grave de manifestação. Tal gravidade é entendida como menor possibilidade de reabilitação, dificuldade de ajuste à instituição prisional, reincidência em crime e violência (MORANA, 2003, p. 35).

Uma outra forma de identificar e definir o grau de psicopatia, é através da Escala de Autoavaliação de Psicopatia de Levenson (LSRPS), criada pela psicóloga e PhD Hanna Levenson. A LSRPS pretende diagnosticar a psicopatia avaliando a intensidade com que o indivíduo concorda ou discorda de um total de vinte e seis itens, numa escala que vai do “discordo totalmente” ao “concordo totalmente”. Tal escala, segundo o psicólogo Kevin Dutton, foi usada para avaliar a prevalência de traços psicopáticos em toda a força de trabalho da Grã-Bretanha, conforme veremos a seguir:

Esta pesquisa é única: a primeira de seu gênero a avaliar a prevalência de traços psicopáticos em toda a força de trabalho nacional. Os participantes eram encaminhados ao meu website, no qual completavam a Escala de Autoavaliação de Psicopatia de Levenson e recebiam sua pontuação. Mas isso não era tudo. Eles também informavam seus dados empregatícios (DUTTON, 2018, p. 158/159).

No mais, vale dizer que a estrutura cerebral do psicopata é diferente, uma vez que a amígdala (neurônios responsáveis pela resposta emocional dadas pelo comportamento social, também presente no sistema límbico), o córtex dorsolateral pré-frontal (relacionadas a ações corriqueiras) e a córtex anterior cingulado (possui mais atividade quando é necessário a resolução de um problema mais difícil), não se comunicam como deveriam, com menos conexões, gerando assim um comportamento antissocial.

Esta estrutura cerebral singular do psicopata pode ser identificada através de imagens feitas com ressonância magnética funcional (fMRI) e com tensor de difusão (ou DTI, um tipo de ressonância magnética que obtém imagens de tecidos biológicos a partir da difusão da água entre as células), conforme o estudo realizado pelo neurologista Ricardo Oliveira e o neurorradiologista Jorge Moll, brasileiros. Sendo assim, através das referidas imagens é possível identificar e definir o grau de psicopatia do indivíduo. Por fim, vejamos o estudo veiculado na Revista Época, realizado pelo neurologista Ricardo Oliveira e o neurorradiologista Jorge Moll:

Os dois classificaram os principais tipos de agressividade encontrados em 279 pessoas com distúrbios neuropsiquiátricos. Por meio de um teste desenvolvido por Moll, batizado de Bateria de Emoções Morais (BEM), e com a tecnologia da ressonância magnética funcional, concluíram que o cérebro de alguns indivíduos responde de forma diferente da de uma pessoa normal quando levado a fazer julgamentos morais, que envolvem emoções sociais, como arrependimento, culpa e compaixão. Diferentes das emoções primárias, como o medo, que dividimos com os animais, as sociais são mais sofisticadas, exclusivas dos humanos – têm a ver com nossa interação com os outros. Os resultados preliminares do estudo sugerem que os psicopatas têm muito pouca pena ou culpa, dois alicerces da capacidade de cooperação humana. Mas sentem desprezo e desejo de vingança. ‘As imagens mostram que há pouca atividade nas estruturas cerebrais ligadas às emoções morais e às primárias e um aumento da atividade nos circuitos cognitivos. Ou seja: os psicopatas comunitários, assim como os clássicos, funcionam com muita razão e pouca emoção’, traduz Oliveira (MAGESTE, 2004, p. Reportagem de Capa).

  1. RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA SEGUNDO A ATUAL LEGISLAÇÃO

Com o que foi revelado até agora, deve-se perguntar se o psicopata é imputável, semi-imputável ou inimputável, já que a resposta dessa pergunta determinará a responsabilidade penal do psicopata. Dito isto, deve-se analisar a incidência dos elementos integradores consequenciais (capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento) e a incidência dos elementos integradores causais (perturbação de saúde mental, doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou desenvolvimento mental retardado).

Desse modo, quanto a incidência dos elementos integradores causais, é preciso dizer que há algum consenso entre os estudiosos de que a psicopatia, em qualquer grau, não consiste em doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, haja vista que não causa nenhuma alteração na psique, sendo a psicopatia um transtorno de personalidade, segundo diz a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva:

É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata literalmente significa doença da mente (do grego, psyche = mente; e pathos = doença). No entanto, em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo) (SILVA, 2008, p. 32-33).

Acrescenta Jorge Trindade que:

A psicopatia não é um transtorno mental como a esquizofrenia ou a depressão, mas um transtorno de personalidade e devido a forma devastadora de comportamento destes indivíduos perante a sociedade, nos levam a crer que os Psicopatas são os mais severos predadores da espécie humana, não obstante, constroem uma verdadeira carreira de crimes que se iniciam na infância até atingirem a vida adulta, desenvolvendo maior grau de perversidade a cada crime cometido (TRINDADE, BEHEGARAY e CUNEA, 2009, p. 129).

Entretanto, quanto à incidência dos elementos integradores causais, vale destacar que assim como o presente estudo, alguns especialistas entendem que a psicopatia como um transtorno de personalidade, em qualquer grau, configura uma perturbação da saúde mental, como defende Guido Arturo Palomba (2003, p. 515-516 e 522), renomado psiquiatra forense, ao dizer que esses indivíduos estariam em uma zona fronteiriça entre a normalidade mental e a doença mental, apresentando comprometimento no aspecto afetivo e de volição.

Além disso, em relação à incidência dos elementos integradores consequenciais (capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento), é preciso frisar que assim como este estudo, a maioria dos especialistas sustenta que o psicopata, de qualquer grau, possui plena capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos. A respeito do exposto, Hare diz:

Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim (HARE, 2013, p. 38).

Outrossim, quanto à incidência dos elementos integradores consequenciais, é necessário destacar que quando o psicopata possui as características psicopáticas em grau grave e elevado, não é inteiramente capaz de determinar-se de acordo com o caráter ilícito dos fatos, pois não consegue controlar tais características e, consequentemente, não consegue evitar a exteriorização dessas características psicopáticas para o comportamento desviante, até mesmo criminoso. Como diz o psicólogo Dutton (2018, p. 181), os mencionados psicopatas: “Em vez de ter problemas para girar os botões para o máximo, os deles, ao contrário, estão permanentemente presos no máximo: um erro de fábrica com consequências decididamente infelizes”.

Por outro lado, ainda em relação à incidência dos elementos integradores consequenciais, é importante afirmar que o psicopata que possui as características relacionadas que lhe constitui em grau leve e moderado, é inteiramente capaz de determinar-se de acordo com o caráter ilícito dos fatos, pois, consegue controlar tais características e, consequentemente, consegue canalizar essas características psicopáticas tanto em comportamentos de sucesso quanto em comportamentos desviantes.

Então, de acordo com o exposto, o psicopata com características psicopáticas em grau grave e elevado é semi-imputável, pois, quanto a incidência dos elementos integradores causais (perturbação de saúde mental, doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou desenvolvimento mental retardado), entende-se que o psicopata é portador de perturbação de saúde mental. E quanto a incidência dos elementos integradores consequenciais (capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento), entende-se que o psicopata possui plena capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos, entretanto, não é inteiramente capaz de determinar-se de acordo com o entendimento do caráter ilícito dos fatos, pois não consegue controlar as características psicopáticas e, consequentemente, não consegue evitar a exteriorização dessas características psicopáticas para o comportamento desviante, até mesmo criminoso.

Portanto, a sanção penal aplicada na responsabilidade penal do psicopata que apresenta as características psicopáticas em grau grave e elevado, pode ser tanto a pena como a medida de segurança, a depender do teor do laudo pericial e do julgamento do juiz. Quando a sanção penal é a pena, esta pode ser reduzida de um a dois terços, nos termos do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal. Já quando a sanção penal é a medida de segurança, a pena privativa de liberdade é substituída pela internação em hospital psiquiátrico ou estabelecimento equivalente, ou tratamento ambulatorial, nos termos dos artigos 96 a 99 do Código Penal.

Segundo o presente estudo, o psicopata com características psicopáticas em grau leve e moderado é imputável, pois, possui plena capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos e de determinar-se de acordo com esse entendimento, além de não ser portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ainda que seja portador de uma perturbação da saúde mental. Então, neste caso, a sanção penal aplicada na responsabilidade penal é a pena, sendo, nos termos do artigo 32 do Código Penal, responsabilizado com penas privativas de liberdade, a serem cumpridas em regime aberto, semiaberto ou fechado, de acordo com a quantidade de pena fixada na sentença; com penas restritivas de direito, que poderão ser substituídas por prestação de serviços comunitários, conforme o artigo 44, § 2º, do Código Penal; como também com multa, paga em pecúnia, independente ou cumulada com as outras espécies de pena.

Resta, ainda, dizer que para identificar e definir o grau de psicopatia de um indivíduo, é necessário a realização do laudo pericial por profissionais como médico e psicólogo, através da ressonância magnética funcional e com tensor de difusão, da Escala Hare PCL-R, da Escala de Autoavaliação de Psicopatia de Levenson ou outro método que o médico e/ou psicólogo considere adequado. O laudo pericial pode concluir pela imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade. Então, a partir do laudo pericial e a sua conclusão pela imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade, assim como com base na legislação sobre a temática e o teor do processo judicial de um caso concreto, o juiz irá decidir qual será a responsabilidade penal mais adequada ao indivíduo identificado como psicopata.

  1. MEDIDA DE SEGURANÇA PERPÉTUA COMO SANÇÃO PENAL MAIS ADEQUADA AO PSICOPATA DE GRAU GRAVE

A medida de segurança nos moldes atuais é uma sanção ineficaz ao psicopata de grau grave e elevado, sendo o prazo limitado de sua vigência um dos motivos de tal ineficácia. Nesse sentido, vale dizer que, por lei, a medida de segurança poderia ser cumprida indefinidamente, segundo o art. 97, § 1º, do Código Penal (1940), com perícia médica de 01 a 03 anos para cessá-la caso constatada a cessação da periculosidade do agente. No caso do psicopata de grau grave, a periculosidade consiste na personalidade psicopática em grau grave e elevado, então, a periculosidade deste psicopata é exteriorizado em reiteração criminosa, com tendência para o mal. Acerca da periculosidade, vale destacar as palavras de Silva:

[…] a propensão delas para o mal, a tendência para o mal, revelada por seus atos anteriores ou pelas circunstâncias em que praticam o delito […] Os criminalistas distinguem a periculosidade em social e criminal, ou seja, a periculosidade sem delito e a após o delito (post delictum). A periculosidade social, assim, é a que se evidencia ou existe antes do crime, em virtude da condição perigosa revelada pela pessoa. É a periculosidade sem delito, a que alude FERRI, fundada no perigo do delito. A periculosidade criminal é a que se evidencia ou resulta da prática do crime, e se funda no perigo da reincidência […] (SILVA, 2007, p. 1030).

Sobre a periculosidade do psicopata de grau grave, urge enfatizar as palavras da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva:

Em razão dessa incapacidade em considerar os sentimentos alheios, os psicopatas mais graves são capazes de cometer atos que, aos olhos de qualquer ser humano comum, não só seriam considerados horripilantes, mas também inimagináveis. Esses psicopatas graves são capazes de torturar e mutilar suas vítimas com a mesma sensação de quem fatia um suculento filé-mignon. Felizmente os psicopatas graves são a minoria entre todos os psicopatas (SILVA, 2008, p.69).

A respeito da periculosidade do psicopata de grau grave e da reiteração criminosa, urge enfatizar as palavras da renomada psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva em entrevista para o Correio Braziliense:

Você acredita que a assassina da estudante Maria Cláudia Del’Isola representa risco à sociedade?

Não tenho a menor dúvida. Existem alguns critérios que usamos para definir uma personalidade psicopática. Não consideramos o crime em si, mas a perversidade presente no crime. O assassinato dessa menina (Maria Cláudia) teve requintes de crueldade. Não é o caso de um assalto em que a vítima reage e o criminoso, em um impulso, mata. A vítima foi submetida a tortura, violência sexual e depois teve seu corpo enterrado na própria casa. Não é possível imaginar um crime dessa natureza, com esses requintes de maldade e perversidade, que não tenha sido executado e planejado por alguém com uma personalidade psicopática.

Que indícios demonstram isso?

Para o psicopata, o outro não representa nada, o outro sempre será um objeto de prazer, de diversão, de status ou poder. A condição para fazer diagnóstico de psicopatia não é ver se a pessoa cometeu um ato criminoso ou não, é ver se ela tem o poder da empatia, do sentimento de piedade pelo outro, se ela tem culpa e arrependimento. Acho pouco provável que alguém que faça alguma coisa desse tipo possa ter algum tipo de recuperação ou de arrependimento. Esse caso lembra muito o crime da Suzane (Von Richthofen), pela perversidade. No caso dela, a coisa é pior ainda, porque a Suzane matou os pais. Ela planejou tudo, viu os pais serem mortos com barras de ferro, ela planejou, esteve presente à execução e logo depois foi para um motel, em uma suíte presidencial, comemorar com o namorado. No dia da missa de sétimo dia, ela já estava fazendo churrasco em casa e os policiais perceberam que essa indiferença era no mínimo suspeita. No caso da Adriana, a atitude é muito parecida.

Os criminosos identificados como psicopatas devem ter um tratamento diferenciado?

O Brasil está muito ultrapassado em questão de Código Penal e de Código de Execução Penal. Por conta de a Constituição dizer que a lei tem que ser igual para todos, a gente não distingue o criminoso psicopata do não psicopata. Os psicopatas representam cerca de 25% da população carcerária e os outros 75% não são psicopatas. Ou seja, três quartos dos criminosos são recuperáveis. Em países como a Austrália e o Canadá, e em alguns estados americanos, há diferenciação dos criminosos psicopatas e dos não psicopatas. Nesses lugares, não importa o ato em si, mas se aquela pessoa é uma psicopata ou não. Se houver esse diagnóstico, os códigos Penal e o de Execuções Penais são totalmente diferentes. O autor de determinados crimes com certo grau de perversidade tende a repetir. Um exemplo clássico é o pedófilo. Não existe pedófilo que não seja psicopata, ele fica maquinando de forma maquiavélica o ataque ao que há de mais puro e usa a criança como objeto de poder e diversão. E ele sempre volta a cometer o mesmo crime (MADER, 2012).

Além disso, a medida de segurança perpétua já teve seu caráter restrito pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal — STF (2011), ao determinar que independentemente da periculosidade do agente, ele deve ser libertado depois de 30 anos, como ocorre na pena, nos termos do art. 75 do Código Penal (1940), sendo, atualmente, 40 anos o tempo máximo de cumprimento de pena conforme este mesmo artigo após alteração feita pela Lei 13.964/19, conhecida também por Lei Anticrime (2019).

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu na súmula 527 (2015) um outro entendimento acerca do prazo da medida de segurança, para impedir o caráter perpétuo de tal sanção em analogia ao disposto no artigo 5º, XLVII, “b”, da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), no qual, diz: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”.

Como constatado, a jurisprudência limita o prazo da medida de segurança, sendo assim, foi adotado uma “solução jurídica legítima” para que o psicopata permaneça detido, qual seja, a decretação da interdição civil do psicopata, prevista no Código Civil (2002), sendo também decretada quando cessa o tempo da medida socioeducativa aplicada ao menor psicopata. Nesse ponto, vale ressaltar as palavras de Coelho e Pereira:

No caso do indivíduo semi-imputável diagnosticado como portador de psicopatia, é evidente o risco decorrente da mera diminuição de pena, de modo que, para tais situações, o recomendável, no âmbito penal, é a aplicação concomitante de medida de segurança.

Contudo, ao término da medida de segurança aplicada, e visando evitar que o psicopata seja novamente colocado nas ruas, os Tribunais adotaram uma “solução jurídica legítima” para tal problemática, qual seja, a decretação da interdição civil do psicopata, com a consequente internação compulsória em hospital psiquiátrico adequado.

Em um caso concreto ocorrido na cidade de Cáceres/MT, o Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizou ação de interdição contra o adolescente L. M. DA S. G., tendo em vista que este, aos 16 (dezesseis) anos de idade, naquela localidade, valendo-se de uma faca, tirou a vida de seu padrasto, de sua mãe de criação e de seu irmão de três anos de idade.

Provada a autoria do ato infracional, o adolescente infrator recebeu medida socioeducativa de internação definitiva por três anos, passando por diversas instituições psiquiátricas, as quais relataram sua insanidade mental e vontade de continuar matando.

Às vésperas da conclusão dos três anos da medida socioeducativa aplicada, o Ministério Público estadual requereu que o adolescente fosse interditado no âmbito civil, visto que seus atos poderiam ter desdobramentos potencialmente danosos tanto para si quanto para outrem, caso fosse libertado e deixasse de receber tratamento especializado. No entanto, o juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público, o que motivou a interposição de recurso de apelação junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), o qual, por sua vez, negou provimento à apelação ministerial.

O Ministério Público mato-grossense interpôs o REsp 1.306.687/MT, o qual foi provido pela Terceira Turma do STJ em acórdão (COELHO e PEREIRA, 2017).

Diante do exposto, se conclui que, a jurisprudência impediu o caráter perpétuo da medida de segurança em analogia à cláusula pétrea disposta no artigo 5‘, XLVII, “b”, da Constituição Federal (1988), em razão disso, foi utilizado a interdição civil para o psicopata continuar detido e se tratando, entretanto, tal medida é da seara civil (2002) e não é a mais adequada ao psicopata de grau grave, que cometeu um fato típico e ilícito, devendo ser a seara criminal a dar uma solução a esta problemática. Considerando tais colocações, é importante salientar que o presente estudo defende a medida de segurança perpétua como sendo a sanção mais adequada ao psicopata de grau grave, de modo que, consequentemente, não considera a pena, a medida de segurança nos moldes atuais ou a interdição civil como sendo a medida mais adequada a ser aplicada a estes indivíduos.

Em relação à corrente jurisprudencial e doutrinária que sustenta a inconstitucionalidade da medida de segurança perpétua com base no texto legal disposto no artigo 5º, XLVII, “b”, da Constituição Federal (1988), vale assinalar que a medida de segurança não é pena, pois as penas são privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa, nos termos do artigo 32 do Código Penal (1940). É interessante ressaltar ainda que a pena e a medida de segurança possuem finalidades diferentes, conforme vemos na explanação de Bitencourt:

  1. a) As penas têm caráter retributivo-preventivo; as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva.

O fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade.

As penas são determinadas; as medidas de segurança são por tempo indeterminado. Só findam quando cessar a periculosidade do agente.

As penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis; as medidas de segurança são aplicadas aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, quando estes necessitarem de especial tratamento curativo (BITENCOURT, 2004, p. 156).

Ainda no que concerne à medida de segurança perpétua, vale ressaltar que tal sanção deve ser aplicada somente ao psicopata de grau grave, que terá um tratamento especializado e digno com profissionais igualmente especializados, com internação ininterrupta, em um hospital psiquiátrico adequado com instalações dignas, com isolamento, com a aplicação da ressonância magnética funcional e com tensor de difusão, da Escala Hare PCL-R, da Escala de Autoavaliação de Psicopatia de Levenson ou outro método que o médico e psicólogo considere adequado, para auxiliar na identificação e classificação do grau dos psicopatas, na análise da periculosidade e na emissão de laudos técnicos.

Desse modo, a medida de segurança perpétua descrita acima, por mais que tenha um tratamento ineficaz quanto a uma cura definitiva, já que a engenharia genética ainda não desenvolveu um estímulo ao sistema límbico para que as suas emoções sejam desenvolvidas, quando ministrado constantemente e por profissionais habilitados, gera certo abrandamento do quadro, e consequentemente maior controle de seu portador, garantindo, assim, certa eficácia às funções sociais preventiva especial e curativa da medida de segurança, além de garantir mais dignidade ao psicopata em questão, como também proteger a sociedade da maldade, da periculosidade social e, principalmente, da periculosidade criminal do psicopata de grau grave. Vejamos as palavras da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva sobre a periculosidade e a vulnerabilidade da sociedade em relação ao psicopata:

É no mínimo curioso, embora dramático, pensar que os psicopatas são portadores de um grave problema, mas quem de fato sofre é a sociedade como um todo. Em função disso, pouquíssimos profissionais se arriscam a essa “empreitada”. Quando o fazem, chegam à triste constatação de que contribuíram com uma ínfima parcela ou com absolutamente nada. É importante lembrar que de uma forma geral todos nós estamos vulneráveis às ações desses predadores sociais. Assim, é mais sensato falarmos em ajuda e tratamento para as vítimas dos psicopatas do que para eles mesmos. De mais a mais, só é possível ajudar aqueles que de fato querem e procuram ajuda. Os psicopatas, além de acharem que não têm problemas, não esboçam nenhum desejo de mudanças para se ajustarem a um padrão socialmente aceito. Julgam-se autossuficientes, são egocêntricos e suas ações predatórias são absolutamente satisfatórias e recompensadoras para eles mesmos (SILVA, 2008, p. 164-165).

Outrossim, vale dizer que não há violação do princípio da dignidade da pessoa humana na aplicação da medida de segurança perpétua. Nesse ponto, necessário dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro (art. 1º, inciso III, da CF), previsto no artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal (ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante) (1988) e no artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ninguém será submetido a tortura, nem a castigo cruel, desumano ou degradante) (1948).

Diante disso, conclui-se que a medida de segurança perpétua não submete o psicopata à tortura nem a tratamento desumano e sequer lesiona a constituição físico-psíquica do psicopata carente de emoções, já que no tratamento ininterrupto, com isolamento, não há qualquer tipo de violência física e não há a possibilidade do psicopata sofrer de uma doença emocional ou psicossomática, que consiste em dores e problemas físicos causadas por desequilíbrio no seu estado emocional, considerando a sua estrutura cerebral singular.

Referente à recuperação do psicopata de grau grave, à sua responsabilidade penal, ao seu isolamento e à possibilidade deste psicopata sofrer de doença emocional devido ao isolamento, insta ressaltar as palavras da renomada psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva em entrevista para o Correio Braziliense, com uma única ressalva, o presente estudo, ao invés de defender a prisão perpétua como sanção penal mais adequada ao psicopata de grau grave, defende a medida de segurança perpétua, vejamos o teor da mencionada entrevista:

É possível recuperar esses criminosos psicopatas? O que o sistema judicial deveria fazer com essas pessoas?

Hoje, não há recuperação. Na minha opinião, dependendo da gravidade da psicopatia, os criminosos psicopatas deveriam ser condenados à prisão perpétua e ao isolamento. O psicopata é uma pessoa tão desprovida de sentimentos e emoções que se você isola ele completamente, sem contato com terceiros, ele sobrevive muito bem, não tem depressão profunda na cadeia, como uma pessoa normal teria. A essência humana precisa do contato com o outro, mas o psicopata é diferente, não tem essa necessidade. A gente vê casos de criminosos que passam anos nesse sistema, como na Inglaterra, e ficam tranquilos, lendo muito e estudando (MADER, 2012).

Para terminar, veja alguns projetos de lei que não foram aprovados no Congresso Nacional sobre os psicopatas, explanados pelo Gabriel Alves Coelho:

Em 05 de fevereiro de 2007, o deputado federal Carlos Lapa do PSB/PE apresentou um projeto de lei (PL 3/2007) com a finalidade de alterar o Código Penal, instituindo a medida de segurança social perpétua para o psicopata, assim declarado por junta médica, que cometesse estupro ou atentado violento ao pudor seguido de morte contra criança ou adolescente. Estaria sujeito à mesma pena o psicopata que matasse sequencialmente, cuja ação indicasse certa constância nos procedimentos, meios e fins, ou praticasse ações que capazes de provocar terror e intranquilidade à população, causando a morte de inocentes.

(…)

Por sua vez, Marcelo Itagiba, deputado estadual, propôs uma alteração na lei 7210/1984, de execuções penais, que tem como finalidade criar uma seção distinta (isolamento) aos psicopatas que vise o seu restabelecimento sem desamparar da recuperação dos demais presos. Propõe ainda, que a concessão de livramento condicional, o indulto e a comutação de penas do preso classificado como psicopata, bem como a sua transferência para regime menos rigoroso, dependa de laudo permissivo emitido por quem tenha condição técnica de fazê-lo, com a devida segurança, a fim de evitar a reincidência (COELHO, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que os psicopatas são moldados por uma série de características relacionadas, no qual, estas características se originam de fatores biopsicossociais. Essas características podem estar presentes em psicopatas em maior ou menor grau, dependendo dos fatores biopsicossociais.

Este estudo entende que, quando tais características estão presentes levemente ou moderadamente em psicopatas, elas podem ser controladas para levar a um comportamento bem-sucedido ou desviante, isso dependerá de como estas características em grau leve ou moderado serão canalizadas. Entretanto, se tais características estiverem presentes em grau grave e elevado no psicopata, elas não podem ser controladas e, consequentemente, o psicopata não consegue evitar a exteriorização dessas características psicopáticas para o comportamento desviante, até mesmo criminoso.

Resta, ainda, dizer que para identificar e definir o grau de psicopatia de um indivíduo, é necessário a realização do laudo pericial pelo médico ou/e psicólogo, através da ressonância magnética funcional e com tensor de difusão, da Escala Hare PCL-R, da Escala de Autoavaliação de Psicopatia de Levenson ou outro método que o médico ou/e psicólogo considere adequado. O laudo pericial pode concluir pela imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade.

Além disso, conclui-se que o Brasil não se encontra pacificado quanto a sanção penal mais adequada a ser aplicada ao psicopata. Desse modo, segundo o presente estudo, o psicopata com características psicopáticas em grau leve e moderado é imputável, razão pela qual a sanção penal aplicada na responsabilidade penal é a pena. Entende-se, ainda, que o psicopata com características psicopáticas em grau grave e elevado é semi-imputável e, portanto, a sanção penal aplicada na responsabilidade penal pode ser tanto a pena como a medida de segurança, sendo, para este estudo mais adequada a aplicação da medida de segurança.

No mais, quanto a sanção penal mais adequada ao psicopata de grau grave, este artigo entende como mais adequada a aplicação da medida de segurança perpétua. Ocorre que tal medida não está dentre as atuais alternativas legais passíveis de aplicação no Brasil, sendo por enquanto a interdição civil a melhor alternativa legal para responsabilizar os psicopatas de grau grave pelos crimes que praticam, ainda que esta alternativa seja da seara civil. Assim, o presente trabalho trouxe como sugestão, a medida de segurança perpétua como sanção penal mais adequada ao psicopata de grau grave.

Desta maneira, é notório que resta ainda muito a se discutir sobre a responsabilidade penal do psicopata e a respeito de qual seria a sanção mais adequada ao psicopata de grau grave, de modo que este trabalho trouxe uma singela contribuição na difusão de conhecimento sobre a temática.

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan.

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Notas:

[1] Pós-Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade Legale. Pós-Graduado em Tribunal do Júri e Execução Criminal pela Faculdade Legale. Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro. Advogado. E-mail: [email protected].

Palavras Chaves

Psicopatia; Psicopata; Responsabilidade penal; Pena; Medida de segurança.