TRISTE REALIDADE DA DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS NO PÓS-ADOÇÃO

Resumo

A adoção visa precipuamente o melhor interesse da criança e do adolescente. Assim, durante o processo de adoção precede um período denominado por estágio de convivência, objetivando a criação de vínculo afetivo. No entanto, não raro ocorrem casos de devolução de menores, quando estes se encontram sob guarda provisória. A lei civil permite a devolução crianças nessa fase, tendo em vista a busca por um ambiente favorável ao menor. No entanto, ocorrem devoluções de menores após o processo de adoção encerrado, o que revela um duplo abandono. Diante disso, os Tribunais Brasileiros têm se posicionado sob a questão da devolução, tendo por fim evitar a violação da dignidade da pessoa humana.

Abstract

Adoption is primarialy aimed at the best interests of children and teenagers. Thus during the adoption there is a period called stage of coexistence, aiming the creation of affective bond. However, the are often cases of return of minors when they are under provisional custody. Civil law allows children to be returned at this stage in order to seek a child-friendly environment. However, child returns occur after the adoption process is over, which shows a double dropout. Nowadays, the Brazilian Courts have positioned themselves on the issue of devolution, aiming to avoid violation of the dignity of the human being.

Keywords: Adoption, return of children, civil liability.

Artigo

TRISTE REALIDADE DA Devolução de Crianças No PÓS-ADOÇÃO.

                                                                                                        Aline da S. Vieira Chaves[1]

 

Resumo

A adoção visa precipuamente o melhor interesse da criança e do adolescente. Assim, durante o processo de adoção precede um período denominado por estágio de convivência, objetivando a criação de vínculo afetivo. No entanto, não raro ocorrem casos de devolução de menores, quando estes se encontram sob guarda provisória. A lei civil permite a devolução crianças nessa fase, tendo em vista a busca por um ambiente favorável ao menor. No entanto, ocorrem devoluções de menores após o processo de adoção encerrado, o que revela um duplo abandono. Diante disso, os Tribunais Brasileiros têm se posicionado sob a questão da devolução, tendo por fim evitar a violação da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Adoção, devolução de crianças, responsabilidade civil.

 Abstratct

Adoption is primarialy aimed at the best interests of children and teenagers. Thus during the adoption there is a period called stage of coexistence, aiming the creation of affective bond. However, the are often cases of return of minors when they are under provisional custody. Civil law allows children to be returned at this stage in order to seek a child-friendly environment. However, child returns occur after the adoption process is over, which shows a double dropout. Nowadays, the Brazilian Courts have positioned themselves on the issue of devolution, aiming to avoid violation of the dignity of the human being.

Keywords: Adoption, return of children, civil liability.

 

         TRISTE REALIDADE DA Devolução de Crianças No PÓS-ADOÇÃO.

 Introdução

O presente artigo aborda tema sensível, trazendo reflexões acerca do instituto da adoção no Brasil, tendo por base a preservação do melhor interesse da criança que está insculpido na Constituição, assim sendo, o referido instituto é regulamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual assegura que “é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”.

Nesse sentido, apresentar informações básicas sobre o quantitativo de pretendentes à adoção versus quantidade de crianças disponíveis, de acordo com as estatísticas do Conselho Nacional de Justiça que coordena o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, demonstra a desproporcionalidade de pretendentes por crianças e adolescentes disponíveis para adoção no estado do Rio de Janeiro.

Insta salientar a importância do preparo dos pretendentes à adoção para que os motivos não sejam fantasiados, mas reais. Portanto, devem buscar orientação e informação que possam ser obtidas voluntariamente nos grupos de apoio à adoção e da equipe interprofissional, evitando a devolução.

Assim, o processo de adoção precede de um período de estágio de convivência para adaptação entre adotantes e adotados, tendo em vista que neste momento podem surgir vários fatores de dificuldades os quais precisam ser superados.

No entanto, quando ocorre a devolução, o sentimento de abandono é mais uma vez sofrido pela criança. Os traumas sofridos por esta dupla devolução podem ser de caráter irreversível, sendo necessário amparo emocional e ajuda profissional.

Desta forma, devemos avançar no sentido de normas que possam criar critérios e responsabilidade civil para aqueles que, injustificadamente, devolvem crianças as quais poderiam estar felizes em lares de outras famílias, mas que com a devolução, sofrem mais uma frustração por não se sentirem amadas.

  • Breves Noções sobre a Adoção no Brasil

A Constituição Federal assegura que em seu art. 227, § 6º que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Com efeito, a Constituição Cidadã adotou o princípio da dignidade humana como regra, portanto, descabida qualquer forma de distinção no tocante à pessoa dos filhos, sejam estes por consanguinidade ou adotados.

Logo a igualdade entre os filhos é imposta pelos efeitos do ordenamento jurídico, especialmente, no direito sucessório. Isto é, os filhos adotados e consanguíneos possuem os mesmos direitos e obrigações nos termos da lei civil, podendo exigir alimentos, o direito ao uso do nome de família pelo que não seja consanguíneo, o exercício do poder familiar pelo adotante, do exercício da tutela e da curatela.

Toda criança tem direito a um lar e uma família e quando a família não tem condições de criá-la, não possui recursos materiais e muito menos psicológicos, o Estado intervém e encaminha a criança a uma Instituição para posterior adoção. Essa é a finalidade da adoção: oferecer um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma criança que, por algum motivo, ficou privada de sua família biológica.[2]

Posteriormente, a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, denominada o Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurou tratamento jurídico no tocante à ADOÇÃO, nos artigos 39 a 51, em consonância com a Constituição Federal, destacando os direitos fundamentais da criança e do adolescente, bem como, o direito ao convívio familiar.

Insta salientar que, assegura no ordenamento jurídico pátrio o princípio do melhor interesse da criança, a partir da promulgação do Decreto nº 99.710/90, após a ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo art. 3.1, em sua tradução oficial estabelece que: “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.

Desta feita, forçoso concluir que o princípio do melhor interesse da criança está inserido e integrado ao direito positivo brasileiro, originário de norma internacional, com status interno de lei federal, e obrigatório por força da Constituição Federal.

A alteração trazida pela Lei nº 12.010, de 03.08.09, que acrescentou, entre os princípios que regem a aplicação das medidas de proteção, o “interesse superior da criança e do adolescente”, assegurado nos termos do art. 100, parágrafo único, IV do ECA, demonstra a relevância e aplicabilidade expressa do princípio nessa norma.

Dispõe o art. 39 § 1º: “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 dessa Lei”.

  • Adoção: Pretendentes versus Crianças Disponíveis

Atualmente, o cadastro nacional de adoção é coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que é uma ferramenta digital com a função de auxiliar aos juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção de crianças e adolescentes que aguardam por uma família em instituições de acolhimento de todo o país.

Atualmente, pode ser verificado através da análise do número de pretendentes à adoção e do número de crianças cadastradas e disponíveis para adoção que há uma enorme desproporção, tendo em vista que existem muito mais pretendentes à adoção do que crianças disponíveis.

Vejamos abaixo os dados estatísticos de fonte do Conselho Nacional de Justiça:

CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO
Relatório de Dados Estatístico Nacional, Regional e do Estado do Rio de Janeiro
Total Pretendentes Disponíveis Total Pretendentes habilitados Região Sudeste Total Pretendentes

Rio de Janeiro

42.495 20.689 4.220
Total Crianças/adolescentes disponíveis Total Crianças/adolescentes Região Sudeste Total Crianças/adolescentes

Rio de Janeiro

4.928 2.249 391

Há de se considerar que, das crianças disponíveis à adoção muitas já passaram por período de aproximação com pretendentes e foram devolvidas, daí, mais uma vez, retornam à disponibilidade da adoção, porém, cada vez mais distante do sonho de ter uma família, além, de várias consequências emocionais e psicológicas.

  1. DA PREPARAÇÃO PARA ADOÇÃO

Quando surge o desejo de adotar? São diversas as situações e os momentos, razão pela qual no processo de adoção é feito um estudo do perfil dos adotantes. Portanto a preparação no processo de adoção é questão fundamental que poderá evitar a devolução de uma criança ou adolescente, assim como, o insucesso e consequente desistência da adoção, pois, caso essa decisão tenha sido motivada por impulso resultará em oposição à verdadeira relação adotiva.

Para tanto, é de suma importância conhecer o perfil dos adotantes. A preparação para essa missão pode evitar uma futura devolução de criança ou adolescentes. Entre outras atividades, essas pessoas podem participação dos grupos de apoio à adoção e leitura de livros.

Nesse momento, é de vital importância a participação da equipe interprofissional, para uma adoção bem-sucedida, logo, a exigência profissional tem previsão no art. 15 do ECA. Vejamos:

Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.

A adoção não é um ideal no imaginário de um pretendente, portanto, se deve ter cuidado em não fantasiar a adoção e nem sonhar um filho adotivo e perfeito. Criar e educar filhos biológicos ou por adoção exige a mesma disponibilidade de amor e paciência. Todo relacionamento é fruto de uma construção de sentimentos sinceros para que se torne duradoura.

  1. DAS RAZÕES APONTADAS PARA A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS
  • As principais dificuldades pós-adoção

O período pós-adoção é momento de transformação na vida dos adotantes e adotados, pois se tornam uma família e a mudança de rotina na vida de todos é sentida com muita dificuldade para algumas famílias.

Segundo a psicóloga Tatiany Schiavinato[3], após a efetiva conclusão do processo de adoção , existem muitas dificuldades a serem superadas no pós-adoção, especialmente, quanto à adaptação, desobediência e curiosidade sobre a família biológica. Vejamos:

Adaptação: a rotina de pais e crianças normalmente divergem, pois, as crianças oriundas de instituições de acolhimento possuem um cotidiano e contato com pessoas as quais estão acostumadas, bem como, os pais possuem suas rotinas de vida e trabalho. Assim, necessário se faz convergir estes costumes e há de se considerar que tudo é novo para todos.

Desobediência: deve-se estabelecer os limites do que se pode e não ser feito, para que daí, possa ocorrer o início da construção de uma educação dos pais à criança.

Curiosidade sobre a família biológica: para algumas crianças, cientes da adoção buscam por sua “identidade”. A verdade é o melhor caminho, a criança deve saber sua história. Alguns precisarão de ajuda profissional neste momento, sejam as crianças ou pais. Grupos de apoio pós-adoção auxiliam na troca de experiências.

Não obstante, todas as orientações fornecidas durante o processo de adoção e o período de estágio de convívio, no momento pós-adoção, deparamo-nos com a devolução de crianças e em diversos casos os motivos elencados são as dificuldades mencionadas acima.

 A adoção é irrevogável?

 A Constituição Federal de 1988 assegura o direito daqueles que pretendem adotar, logo, com o advento do ECA de 1990, insere a adoção como medida protetiva à criança e ao adolescente. Portanto, preenchidos os requisitos necessários para adoção e após a sentença transitada em julgado, o instituto da adoção é protegido pelo fenômeno da irrevogabilidade, ou seja, torna-se legítimo o vínculo entre adotante e adotado.

O nascimento de um filho e a adoção de uma criança ou adolescente traz mudança radical à vida dos pais, por isso, o ECA impõe convívio denominado estágio de convivência pelo período de 90 (noventa) dias para adaptação e compatibilidade entre todos, com acompanhamento de equipe interprofissional visando o melhor interesse da criança. Senão, vejamos:

“Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso.

  • 1º  O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.
  • 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.  § 2 -A.  O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
  • 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
  • 4º Ao final do prazo previsto no § 3 deste artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no § 4 deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária.
  • 5º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.
  • 6º O estágio de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança.”

Encerrado o processo de adoção, ocorre a ruptura do vínculo jurídico entre a criança ou adolescente e à família de pais biológicos, com perda dos direitos e deveres, nos termos do art. 39 §1º do ECA. O registro de nascimento civil é cancelado, para elaboração de um novo, onde irá constar o(s) nome(s) do(s) adotante(s), em certos casos poderá ser alterado o prenome também. Assegura o art. 47 do ECA que o vínculo da adoção se constitui por sentença judicial, como se pode ver abaixo:

“Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

  • 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.
  • 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.
  • 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência
  • 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro.
  • 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome.
  • 6º Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1 e 2 do art. 28 desta Lei.
  • 7º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6 do art. 42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito.
  • 8º O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo.
  • 9º Terão prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica.
  • 10º O prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.”.

Isto é, a adoção tem caráter irrevogável, pois o vínculo jurídico com a família biológica jamais será restabelecido, mesmo que os adotantes venham a falecer.

Todavia, pode ocorrer a devolução de criança ou adolescente de duas formas, seja durante o período de convívio quando o adotante detém a guarda provisória, mas o processo ainda não está concluído e após a conclusão do processo de adoção, a qual gera em ambas as partes muito sofrimento e tristeza. Ademais, os danos ocasionados decorrentes da ruptura brusca resultam em mais um abandono de ordem física, moral e material que podem ser de caráter irreparável aos menores.

Durante o período da guarda provisória, o processo de adoção pode ser revogado com o fim de evitar que a criança ou adolescente esteja em um convívio familiar que não lhe seja favorável, daí, visa atender o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Entretanto, essa revogação não confere direito ao adotante para realizar devolução de criança, injustificadamente; pois tal ato fere a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio do melhor interesse da criança.

Insta salientar que, o CNJ através da Nota de Esclarecimento[4] datada de 26 de março de 2018, afirma que o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), não indica, de fato, o número de crianças e adolescentes devolvidos pelos adotantes aos abrigos.

Para Jaime Elisabete Rede e Gina Lisa Zanardo Sartori “A devolução oficializada é uma experiência que reproduz o estado de duplo abandono, com consequência de difícil reparação, por isso a necessidade da mais absoluta transparência em todos os trâmites do processo”.[5]

O que significa dizer que, os danos ocasionados à criança ou adolescentes devolvidos ao abrigo, seja durante o período de convivência, ou ainda, mesmo que raramente, após encerrado o processo de adoção, podem trazer graves abalos de ordem irreversível à criança ou adolescente.

Note-se que no dicionário de sinônimos on-line (sinonimos.com.br, 2019) a palavra devolução encontra um sentido: ato de devolver, e, nove palavras sinônimas: restituição, retorno, volta, reposição, entrega, ressarcimento, remissão, recondução, reversão. Há ainda, um exemplo: Amanhã será feita a devolução da mercadoria.

Não obstante à irrevogabilidade da adoção, a devolução de crianças é aceita, sendo devolvidas aos abrigos com muitos traumas e mais uma vez em busca de uma nova família.

  • DA RESPONSABILIDADE DOS PAIS

Nesse sentido, os tribunais de justiça do Brasil estão avançando na questão para aplicar a Responsabilidade Civil dos pais, com o fim de reparação desses danos, conforme recente decisão abaixo:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL E MORAL – ADOÇÃO – DESISTÊNCIA PELOS PAIS ADOTIVOS – PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR – INEXISTÊNCIA – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO NÃO PROVIDO.

– Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança.

– O ato de adoção somente se realiza e produz efeitos a partir da sentença judicial, conforme previsão dos arts. 47 e 199-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes da sentença, não há lei que imponha obrigação alimentar aos apelados, que não concluíram o processo de adoção da criança.

– A própria lei prevê a possibilidade de desistência, no decorrer do processo de adoção, ao criar a figura do estágio de convivência.

– Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem-estar, indefere-se o pedido de indenização por danos morais.

V.V.P. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL E MORAL – ADOÇÃO – DESISTÊNCIA DE FORMA IMPRUDENTE PELOS PAIS ADOTIVOS – PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DEFERIDA – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

– A adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se dispõe a tal ato, devendo estas ter consciência e atitude de verdadeiros “pais”, que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma incondicional como filho, a fim de seja construído e fortalecido o vínculo filial.

– Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança. Contudo, cada caso deverá ser analisado com as suas particularidades, com vistas a não se promover a “coisificação” do processo de guarda.

– O ato ilícito, que gera o direito a reparação, decorre do fato de que os requeridos buscaram voluntariamente o processo de adoção do menor, deixando expressamente a vontade de adotá-lo, obtendo sua guarda durante um lapso de tempo razoável, e, simplesmente, resolveram devolver imotivadamente a criança, de forma imprudente, rompendo de forma brusca o vínculo familiar que expuseram o menor, o que implica no abandono de um ser humano. Assim, considerando o dano decorrente da assistência material ceifada do menor, defere-se o pedido de condenação dos requeridos ao pagamento de obrigação alimentar ao menor, enquanto viver, em razão da doença irreversível que o acomete.

– Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar, por não ter o menor capacidade cognitiva neurológica de perceber a situação na qual se encontra, indefere-se o pedido de indenização por danos morais.(Desª Hilda Teixeira da Costa) Ação civil pública – Ministério Público – Legitimidade ativa – Processo de adoção – Desistência – Devolução da criança após significativo lapso temporal – Indenização por dano moral – Ato ilícito configurado – Cabimento – Obrigação alimentar – Indeferimento – Nova guarda provisória – Recurso ao qual se dá parcial provimento. (Des. MR)” (TJ-MG – AC: 10481120002896002 MG, Relator: Hilda Teixeira da Costa, Data de Julgamento: 12/08/2014, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/08/2014) (grifo nosso).

Da análise do acórdão acima, se observa uma situação em que o casal adotante, após obter a guarda do menor e passado período de tempo razoável, decidiram de forma imotivada devolver a criança, com isso, rompendo de forma brusca o vínculo familiar.

O caso trata de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em que a genitora do menor fez entrega para adoção e os requeridos formalizaram pedido de adoção e obtiveram a guarda provisória. Todavia, o menor foi diagnosticado portador de doença congênita que provocou malformação do sistema nervoso central, após passados mais de dois anos em que os requeridos estavam na companhia da criança, desistiram da adoção e devolveram a criança.

Com efeito, a demanda citada busca reparação, tendo em vista a existência de violação da dignidade do menor, assim, destacamos o seguinte trecho do voto da ilustríssima Desembargadora Dra. Hilda Maria Pôrto de Paula Teixeira da Costa (RELATORA):

“Não há que se falar em “direito de devolução”, uma vez que se trata de uma criança que possui direitos fundamentais a ser resguardados, consoante preceitua o art. 15, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.

Cabe enfatizar que, a adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se dispõe a tal ato, devendo estas ter a consciência e atitude de verdadeiros “pais”, que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma incondicional como filho, a fim de seja construído e fortalecido o vínculo filial.

Dessa forma, em que pesem os requeridos afirmarem que a desistência da adoção não se deu em virtude da doença do menor, o fato é que esta contribuiu, haja vista que conforme constou do relatório psicológico, já mencionado, o processo adotivo foi marcado por eventos que parecem ter influenciado negativamente na constituição da afiliação, no que se refere ao fato da mãe biológica se opor ao pedido de adoção, e pelo fato dos requeridos ficarem inseguros quanto às consequências futuras dos cuidados que a criança necessitará e a expectativa de vida do infante.”

Não obstante ao caso citado acima, infelizmente, não é a única condenação dos nossos tribunais brasileiros acerca da devolução de crianças e adolescentes.

É de grande relevância que as decisões judiciais que condenam os adotantes a indenizar crianças e adolescentes que foram devolvidos, por aqueles que desatenderam as normas legais no processo de adoção, especialmente, quanto à violação e desrespeito à dignidade da pessoa humana das crianças e adolescentes.

  1. CONCLUSÃO

Indubitavelmente, o período de estágio de convivência é fundamental para construção de vínculos afetivos entre adotantes e adotados.

Não obstante a burocracia, a longa espera para a chegada do “filho ou filha”, somados ao preconceito e ao medo, podem ocasionar frustração e desistência à adoção. Razão pela qual, precede a adoção de um preparo emocional e psicológico dos adotantes, bem como, a frequência nos grupos de apoio à adoção, especialmente no pós-adoção, visto que são fatores que podem levar a uma adoção bem-sucedida.

Ademais, deve-se buscar ajuda profissional para as dificuldades a serem enfrentadas, a fim de que possam auxiliar a todos (pais e filhos) neste momento tão ímpar – que não ocorre na vida de todas as pessoas – para aqueles que buscam procriação de forma afetiva.

Assim sendo, na adoção o cuidado é dobrado para não criar falsas expectativas ao menor, pois ele ainda se encontra em processo de formação como ser humano e em busca de sua identidade.

Por outro lado, cabe ao adotante conceder ou não os limites desta relação, por isso os preconceitos precisam ser superados para que o amor de pais para com seus filhos seja fortalecido e se torne incondicional e duradouro.

Devolução de crianças podem criar traumas de caráter irreparável, os quais necessitam de suporte de profissional no apoio emocional e psicológico para superar esse segundo abandono, especialmente, depois de passado certo tempo de convívio. Além disso, existe a perda de expectativa de um lar, de uma família e o suporte financeiro perdido.

Cabe-nos concordar com o atual posicionamento de nossos tribunais, pois o período de estágio de convívio é para que seja avaliado se o ambiente é favorável ao menor e não se o menor atender às expectativas dos adotantes. Se tratando assim, podemos considerar o ser humano como um produto com defeito, o qual não atendeu às expectativas do consumidor, devendo por tanto ser devolvido?

A responsabilidade civil dos pais é evidente, pois o prejuízo de ordem emocional, psicológica, moral e financeira são incalculáveis.

Os adotantes devem estar cientes de todas as responsabilidades, nem tudo são só alegrias. Existem muitas dificuldades para que sejam superadas, pois, o ato de adotar é precipuamente um ato de amor!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/nota-de-esclarecimento-corregedoria-contesta-reportagem-que-abordou-tematica-da-adocao-em-sc/. Acesso em: 01.11.2019.

CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pesquisar Estatísticas. Brasil. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sna/estatisticas.jsp. Acesso em: 23.10.2019.

GHIRARDI, Maria Luiza. Devolução de crianças adotadas. Disponível em: https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-adocao/devolucao-de-criancas-adotadas.aspx. Acesso em: 28.10.2019.

PLANALTO – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei Federal nº 12.010 de 29 de julho de 2009. Brasil (2009). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm. Acesso em: 30.10.2019.

REDE, Jaime Elisabete; SARTORI, Gina Lisa Zanardo. Adoção e os Fatores de Risco: do afeto à devolução das crianças e adolescentes: perspectiva. Erechim. V.37, n.138, p. 143-154, junho/2013.

SCHIAVINATO, Tatiany. Dificuldade no Pós-Adoção. Disponível em: https://adocaoempauta.com.br/dificuldades-no-pos-adocao/. Acesso em: 23.10.19.

Notas:

[1] Advogada, pós-graduada em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes, Membro da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-RJ, Membro da Comissão Especial de Atendimento à Pessoa Idosa e foi Membro da Associação de Mulheres em Carreira Jurídica – Comissão Rio de Janeiro

[2] REDE, Jaime Elisabete; SARTORI, Gina Lisa Zanardo. Adoção e os Fatores de Risco: do afeto à devolução das crianças e adolescentes: perspectiva. Erechim. V.37, n.138, p. 145, junho/2013.

[3] SCHIAVINATO, Tatiany. Dificuldade no Pós-Adoção. A íntegra do artigo pode ser consultada na internet, em: https://adocaoempauta.com.br/dificuldades-no-pos-adocao/. Acesso em: 23.10.19

[4] CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/nota-de-esclarecimento-corregedoria-contesta-reportagem-que-abordou-tematica-da-adocao-em-sc/. Acesso em: 01.11.2019

[5] REDE, Jaime Elisabete; SARTORI, Gina Lisa Zanardo. Adoção e os Fatores de Risco: do afeto à devolução das crianças e adolescentes: perspectiva. Erechim. V.37, n.138, p. 149, junho/2013.

 

Palavras Chaves

Adoção, devolução de crianças, responsabilidade civil.