CONTRIBUINTE SONEGADOR OU INADIMPLENTE CONTRIBUINTE?

Resumo

A presente abordagem objetiva distinguir a diferença entre a simples inadimplência pelo não recolhimento de um tributo devido e a utilização de um meio ardil para ludibriar a Administração Pública no sentido de inexistir tributo devido por parte do sonegador.
Como é sabido, o não pagamento de um tributo, estando o débito do contribuinte regularmente lançado, sujeita o contribuinte em mora às sanções de ordem administrativa, e, em última instância, a processo judicial de execução dos bens para satisfazer o crédito tributário.
O crime de sonegação consiste, então, justamente em uma etapa mais avançada, na forma do artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990, qual seja, a omissão de informações ou a fraude na fiscalização tributária, com fins de suprimir a contribuição pecuniária devida.

Artigo

CONTRIBUINTE SONEGADOR OU INADIMPLENTE CONTRIBUINTE?

Ana Carolina F. Bessa[1]

  RESUMO

A presente abordagem objetiva distinguir a diferença entre a simples inadimplência pelo não recolhimento de um tributo devido e a utilização de um meio ardil para ludibriar a Administração Pública no sentido de inexistir tributo devido por parte do sonegador.

Como é sabido, o não pagamento de um tributo, estando o débito do contribuinte regularmente lançado, sujeita o contribuinte em mora às sanções de ordem administrativa, e, em última instância, a processo judicial de execução dos bens para satisfazer o crédito tributário.

O crime de sonegação consiste, então, justamente em uma etapa mais avançada, na forma do artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990, qual seja, a omissão de informações ou a fraude na fiscalização tributária, com fins de suprimir a contribuição pecuniária devida.

Palavras-chave: contribuinte; sonegador; crime de sonegação; inadimplência; tributo; crédito tributário; lançamento tributário.

 

SEPARANDO A SONEGAÇÃO DA INADIMPLÊNCIA

Crime tributário por excelência, a chamada sonegação fiscal significa a redução ou a supressão do pagamento de tributo ao Estado por meio ardiloso. Nos termos dos artigos 1º e 2º, da Lei n.º 8.137/1990, é possível identificar os comportamentos que configuram o tipo penal de sonegação.
Considerando um quadro em que a sonegação fiscal retira um percentual relevante dos recursos públicos, naturalmente, a Administração Pública tende a aumentar a tributação em determinadas atividades, geralmente em situações em que o tipo penal é mais difícil de efetivar-se, como no caso dos tributos incidentes sobre os salários dos funcionários públicos e empregados do setor privado.

O seu devido combate depende da discussão acerca do sistema tributário nacional, para que a fiscalização estatal, a redução dos custos das empresas e a diminuição da corrupção fossem debatidos.
Atualmente, em matéria penal tributária, o Supremo Tribunal Federal firmou a orientação no sentido de considerar os crimes previstos nos incisos I a IV do artigo 1º da referida lei: I) omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II) fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III) falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV) elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber, falso ou inexato.

Nos casos supracitados, é imperioso o término do procedimento administrativo e o consequente lançamento definitivo do crédito tributário para que haja a imputação de crime de sonegação fiscal.

Nessa mesma linha, o Colendo Tribunal firmou tal entendimento por meio da Súmula Vinculante n.º 24.

Pela lógica, a referida decisão atingiu o tema da prescrição dos crimes fiscais, pois, enquanto não terminar o procedimento administrativo, não há o que cogitar em prazo prescricional.

Na sequência da legislação e, sob outro prisma, os delitos do inciso V, do artigo 1º e os incisos do artigo 2º, da Lei n° 8.137/1990, são considerados crimes formais pela jurisprudência, não sendo, portanto, necessário o término do processo administrativo fiscal para a sua tipificação.

Isso posto, quais são: V) negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação; I) fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Obscuridades que não subsistem à Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal, que serviu como limite imposto contra possíveis excessos por parte da Administração.

FREIOS E CONTRAPESOS EM FORMA DE SÚMULA

Com esse consenso, não se configura crime material contra a ordem tributária as condutas expressas nos incisos I a IV, do artigo 1º, da Lei n.º 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Todavia, vale lembrar que em um passado não tão distante, o posicionamento era exatamente ao contrário.

Ou seja, o processo penal podia tramitar independentemente do resultado do processo administrativo de lançamento tributário no que tange às condutas elencadas nos incisos I a IV.

Imagine o seguinte exemplo: – emissão de documento inexato, réu condenado pela conduta e ao final do processo administrativo, inexistência de lançamento e ausência de crime.

Na suposição acima, o indivíduo foi colocado como réu, suportou o ônus da experiência de um processo penal e na esfera administrativa ficou comprovada a ausência de prática do ato delituoso, a não supressão, tampouco a redução de tributo.

Incontroverso o papel de importância da interpretação sumulada exaustivamente exposta.

Ajustadamente, nos dias atuais, somente com a constituição em definitivo do crédito pode-se atestar quanto a existência de elementos mínimos de materialidade do crime.

Desse modo, a autorregulação da Administração Pública através do ponto de vista sumulado é o que deve ser evidenciado.

 

IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE

Indubitavelmente, a pacificação da matéria não só limitou ou regulou o Poder Estatal, mas também afastou a submissão do contribuinte a um processo penal sem a certeza da prática criminosa, configurada pela constituição do crédito tributário.

Então, persistindo a insegurança quanto à existência e exigibilidade do tributo, deve ser impedido o reconhecimento da tipicidade criminosa, bem como o recebimento da denúncia.

Em uma análise prática, eventual recebimento de denúncia antes do fim da discussão jurídico-tributária, especialmente no âmbito de Embargos à Execução Fiscal, mostraria-se ainda mais inconveniente quando analisado à luz da extinção da punibilidade pelo pagamento, na forma do artigo 34, da Lei 9.249/1985 e do artigo 9º, da Lei n.º 10.684/2003:

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n.º 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”.

“Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”.

Ora, se o pagamento integral do tributo e dos seus respectivos acessórios realizado antes de recebida a denúncia extingue a punibilidade do agente, por óbvio a ação penal torna-se inócua, já que, ao final dos autos de Embargos à Execução Fiscal, ou o tributo estará pago, ou o lançamento será anulado.

Em outras palavras, de qualquer forma não haverá crédito constituído e crime.

Diante disso, ainda que recebida a denúncia, havendo processos paralelos acerca da constituição do crédito, em hipótese de dúvida, resta prudente que a punibilidade do agente fique suspensa até o fim da discussão jurídico-tributária em atenção à verdadeira proteção ao contribuinte.

 

CONCLUSÃO

 Conforme abordado, a persecução punitiva no caso Tributário como ferramenta de trabalho da Administração Pública, no caso Tributário, torna-se impensável.

Visto que, a suscitada Súmula Vinculante n.º 24, do Supremo Tribunal Federal, ao mesmo tempo que limita, protege, pelo simples fato de que não se tipifica crime material contra a ordem tributária (artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990) antes do lançamento definitivo do tributo.

Posto que, demonstrada a ausência na constituição de crédito, é igualmente clara a inexistência de crime.

Como amplamente sabido, o Direito Penal e o Processo Penal foram criados para salvaguardar os direitos e os indivíduos, similar ao que ocorre com o entendimento sumulado, pois, o réu, sem ter cometido crime, não mais terá que enfrentar o âmbito processual penal sem que tenha havido de fato o ato delituoso, bem como ficado cabalmente demonstrada a supressão ou a redução de tributo na esfera administrativa.

Retrocesso seria, por fim, se o ponto de vista anterior prevalecesse.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n.° 24. Proposta:
Ministro Sepúlveda Gilmar Mendes. Aprovada em 02 de dezembro de 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Decreto n.° 2.848, de 07 de dezembro de 1940.

BRASIL. Lei n.º 4.729, de 14 de julho de 1965.

BRASIL. Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980.

BRASIL. Lei n.° 8.137, de 27 de dezembro de 1990.

BRASIL. Lei n.° 8.383, de 30 de dezembro de 1991.

BRASIL. Lei n.° 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

BRASIL. Lei n.º 9.436, de 27 de dezembro de 1996.

BRASIL. Lei n.° 9.964, de 10 de abril de 2000.

BRASIL. Lei n.° 10.684, de 30 de maio de 2003.

CONCEIÇÃO, Antônio Carlos Lima da. “A extinção da punibilidade pelo pagamento dos crimes contra a ordem tributária”. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6213/A-extincao-da-punibilidade-
pelo-pagamento-dos-crimes-contra-a-ordem-tributária. Acesso em: 30.05.2023.

SILVA, Thiago Belisário. Crime Contra a Ordem Tributária. LL.M em Direito Societário e Mercado de Capitais Direito Penal Econômico. p. 49 a 58. Law Program. Rio de Janeiro, 2023.

 TUDISCO, Flávio. “Opinião Jurídica: Controvérsias sobre o Direito Penal
Tributário”. Disponível em: http://www.cpbs.com.br/site/Admin/upload/publicacao/pdf/Artigo_Valor.pdf. Acesso em: 09.04.2012.

 

Notas:

[1] ANA CAROLINA F. BESSA é especialista em Direito Tributário e Planejamento Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) e pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), respectivamente. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Advogada. Sócia do ACB Advogados. Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário da 16ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mentora da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assistente de Ensino da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professora de Direito Público em cursos preparatórios para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).Comunicadora Jurídica na Rádio Bandeirantes (BAND).

Palavras Chaves

contribuinte; sonegador; crime de sonegação; inadimplência; tributo; crédito tributário; lançamento tributário.