LIDERANÇA DE MULHERES NEGRAS EM AMBIENTES DE TRABALHO

Resumo

Este artigo examina a trajetória das mulheres negras na liderança, desde figuras históricas como a princesa Aqualtune até líderes contemporâneas como Mãe Stella de Oxossi. Destaca-se a persistência das desigualdades de gênero e raciais no ambiente de trabalho, refletindo sobre desafios como a disparidade salarial e a sub-representação em cargos de liderança. Propõe-se uma reflexão sobre estratégias de inclusão e empoderamento, enfatizando a importância da representatividade e políticas que promovam a equidade nas organizações.

Artigo

LIDERANÇA DE MULHERES NEGRAS EM AMBIENTES DE TRABALHO

 

Mônica Alexandre

 

Resumo: Este artigo examina a trajetória das mulheres negras na liderança, desde figuras históricas como a princesa Aqualtune até líderes contemporâneas como Mãe Stella de Oxossi. Destaca-se a persistência das desigualdades de gênero e raciais no ambiente de trabalho, refletindo sobre desafios como a disparidade salarial e a sub-representação em cargos de liderança. Propõe-se uma reflexão sobre estratégias de inclusão e empoderamento, enfatizando a importância da representatividade e políticas que promovam a equidade nas organizações.

Palavras-chave: Mulheres negras; Liderança; Desigualdade de gênero; Racismo estrutural; Ambiente de trabalho.

1. Introdução

Mulheres negras, ao longo da história, enfrentamos uma série de desafios em busca por igualdade. Encontramos obstáculos oriundos da discriminação de gênero e do racismo. Este compilado de dificuldades reverbera em ambientes de trabalho, seja com a desigualdade salarial, impasses no acesso a determinadas carreiras ou a falta de representação em cargos de liderança.

Em relação ao último tema supracitado, é importante ressaltar que, quando se fala da história do continente africano, destaca-se o fato de que funções diretivas eram comumente atribuídas a mulheres. Isso porque, em muitas nações africanas, havia o estabelecimento de realezas, como

[é] caso da princesa Aqualtune, filha do rei Mani-Kongo, respeitada por seu papel nas terras congolesas, [que] veio ao Brasil após ver seu pai e seu reino derrotados na Batalha de Ambuíla, contra as forças angolanas e portuguesas pelo controle do território de Dembos, que separava Angola e Congo […]. (DE OLIVEIRA, 2021, p. 323).

Aqui no Brasil, no contexto da era colonial, a figura da liderança feminina negra se faz presente na conjuntura das religiões de matriz africana. Muitas mulheres negras eram consideradas

[c]omo lideranças legítimas e respeitadas de toda uma comunidade; aqui destacando-se um grande nome do candomblé baiano, ‘Mãe Stella de Oxossi’, uma notável líder que seguiu notáveis líderes mulheres que a antecederam a frente dos terreiros de candomblé sendo referências religiosas e por vezes também políticas de seus filhos de santo e de toda a comunidade candomblecista. (DE OLIVEIRA, 2021).

2. Liderança feminina

A liderança das mulheres desempenha um papel crucial na promoção da igualdade de gênero e na transformação da sociedade. A presença feminina em cargos de chefia não só reforça nossa aptidão para exercemos papéis de autoridades, mas também serve como modelo e inspiração para as futuras gerações de mulheres. Isso porque este cenário mostra que é possível que alcancemos o sucesso em qualquer campo.

Em uma interessante reportagem do jornal Folha de São Paulo, Rosa (2023) diz que

[m]mulheres em cargos de liderança política tendem a investir até 7% a mais do que os homens em bens públicos como saúde e educação, diminuir em até 24% a mortalidade infantil, além de reduzir em até 32% o déficit de gênero na educação entre adolescentes e, em 25%, entre adultos. […] Já pessoas negras eleitas tendem a propor o triplo de leis e políticas públicas dedicadas à inclusão do que lideranças não negras.

Esta colocação faz sentido, pois as propostas estão atinentes ao papel atribuído à população feminina: cuidado. Esta seria uma forma de utilizar essa particularidade a nós atribuída como ratificação de que nosso lugar é plenamente compatível com funções de gerenciamento e controle. As políticas apresentadas no trecho da reportagem supracitado são demasiadamente significativas para qualquer população e, merecidamente, devem ser supervisionadas pela categoria que mais entende do assunto.

3. Desafios enfrentados

Este panorama ideal, ainda que seja possível de ser alcançado, enfrenta muitas dificuldades para se instituir de forma concreta. A despeito de lograrmos êxito na conquista de cargos de chefia, de acordo com a tabela abaixo, entre os anos de 2019 e 2021, esse aumento ainda se restringe à função privativa e doméstica, conferidas ao público feminino. Houve um aumento na porcentagem de mulheres (neste caso, trabalhadoras domésticas) que assumiram a liderança de suas famílias. Esta não seria uma promoção, mas sim a consolidação de nosso papel, imposto em uma sociedade machista e patriarcal, com pouca mobilidade social no tocante das temáticas de gênero.

Tabela 1. Aumento da proporção de trabalhadoras domésticas chefes de família.

Outro desafio que impede que mais mulheres exerçam funções de liderança fora do ambiente doméstico é análogo às duplas e triplas jornadas que encaramos em nossos lares. Durante a pandemia, com o fomento do trabalho remoto (em algumas categorias de emprego), muitas mulheres, que já acumulavam funções, viram-se mais sobrecarregadas. Isso porque não havia mais a distinção entre os ambientes doméstico e o do trabalho: ambos se tornaram algo único. Mulheres se dividiam entre o cuidado com os filhos e as incumbências de seus empregos. Em julho de 2020, “[A] executiva Dris Wallace contou, em publicação no Instagram, que foi demitida por não conseguir manter os filhos em silêncio durante ligações de negócio.” (LOIOLA, 2020). Este seria apenas um indicativo de contrariedades de uma sociedade eminentemente machista.

No tocante às mulheres negras, mesmo antes da pandemia, as adversidades não eram diferentes nem menos numerosas. Conforme a Agenda IBGE Notícias (2023), antes da pandemia (2019), “[m]ulheres dedicavam 10,6 horas a mais do que os homens aos afazeres domésticos e/ou cuidados de pessoas.” No que diz respeito à população negra, consoante à mesma matéria, “[…] As mulheres que se declararam pretas tinham a maior taxa de realização de afazeres domésticos (92,7%).”. Esse percentual está relacionado com a escravização. Prof. Cristiano Rodrigues (apud UFMG, 2020), em uma entrevista, discorreu que No Brasil, pessoas escravizadas, principalmente mulheres, também trabalhavam dentro das casas dos senhores, com atividades relacionadas ao cuidado. Com o fim da escravidão, sem qualquer tipo de política de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, o que ficou disponível para a população negra foram as atividades informais ou a continuidade do trabalho doméstico”.

4. Avanços que mitigam dificuldades

Em pesquisa apresentada em estudo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o quadro abaixo sinaliza quais são os principais avanços na inclusão de mulheres negras em cargos de chefia, relacionando-os com práticas ESG[2]:

Tabela 3. Principais avanços na inclusão da mulher preta nos últimos anos

Esses avanços simbolizam a importância da representatividade e como é relevante que nós, mulheres negras, maior percentual da população brasileira, estejamos à frente de cargos tão importantes. Nossa presença fomenta debates que, em muitas ocasiões, são levantados meramente com o intuito de dissimular os reais objetivos de uma instituição, seja o de promoção de sua marca ou o encobrimento de algum ilícito (em detrimento da defesa das ideias os quais ela aparenta ter interesse). Políticas de inclusão, campanhas contra assédio moral e sexual no ambiente de trabalho e cuidados com a saúde mental são alguns dos temas que dizem respeito não somente ao público feminino. Contudo, por serem concernentes ao cuidado, naturalmente serão suscitados por intermédio de vozes femininas.

5. Conclusão

A temática da liderança de mulheres negras em ambientes de trabalho é um lembrete poderoso da importância contínua da luta pela igualdade de gênero. As mulheres temos enfrentado desafios significativos, mas também temos feito progressos notáveis. A igualdade de gênero não é apenas uma questão de justiça, mas também um meio de promover um mundo mais justo, inovador e equitativo para todes. A liderança das mulheres negras é uma peça-chave para a mitigação do preconceito racial e do machismo. Eis aí a relevância da capacitação desse segmento, fazendo com que nos tornemos, cada vez mais, agentes de transformação de nossas vidas e da sociedade como um todo. Ainda há muito a ser feito, mas é fundamental que continuemos a apoiar e promover os direitos e o poder de nós, mulheres, para construir um futuro mais igualitário e justo.

6. Referências

AGENDA IBGE NOTÍCIAS. Em 2022, mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37621-em-2022-mulheres-dedicaram-9-6-horas-por-semana-a-mais-do-que-os-homens-aos-afazeres-domesticos-ou-ao-cuidado-de-pessoas>. Acesso em: 16 set. 2023.

CHADE, J. Apenas um de cada dez países é liderado por uma mulher. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/03/08/apenas-um-de-cada-dez-paises-e-liderado-por-uma-mulher.htm>. Acesso em: 30 set. 2023.

DE OLIVEIRA, M. G. O perfil de liderança da mulher negra no pós-colonialismo. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S. l.], v. 13, n. 35, p. 321–337, 2021. Disponível em: <https://abpnrevista.org.br/site/article/view/900>. Acesso em: 16 set. 2023.

DIEESE. Trabalho doméstico no Brasil. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/infografico/2022/trabalhoDomestico.pdf>. Acesso em: 19 set. 2023.

HABITABILITY. Entenda o que é ESG e por que ele é muito mais que uma sigla. Disponível em: <https://habitability.com.br/entenda-o-que-e-esg-e-por-que-ele-e-muito-mais-que-uma-sigla/?utm_source=google_pago&utm_medium=&utm_content=&gclid=Cj0KCQjwjt-oBhDKARIsABVRB0w69rVMo7BgS9AKjtVmVEFoLPxR5SDgd-D4RRslnFGhJNBGdZyZk1UaAl1nEALw_wcB>. Acesso em: 22 set. 2023.

LOIOLA, C. Mãe é demitida por não manter filhos calados durante reuniões de trabalho. Disponível em: <https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/mae-e-demitida-por-nao-manter-filhos-calados-durante-reunioes-de-trabalho>. Acesso em: 30 set. 2023.

ROSA, P. F. Mulheres e negros na política reduzem corrupção e aumentam projetos de inclusão, diz estudo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/08/mulher-e-negro-na-politica-reduzem-corrupcao-e-aumentam-projetos-de-inclusao-diz-estudo.shtml>. Acesso em: 19 set. 2023. set. 2023.

UFMG. Trabalho doméstico no Brasil é herança escravocrata’, diz professor da UFMG. Disponível em: <https://ufmg.br/comunicacao/noticias/trabalho-domestico-no-brasil-e-heranca-do-periodo-escravocrata-diz-professor-da-ufmg>. Acesso em: 27 set. 2023.

 

[1] Formada em Direito pela Universidade Candido Mendes (1992). Pós-Graduação em Negociação, Mediação e Arbitragem na Universidade Candido Mendes; Presidente da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas – ACAT (2022/2024); Membra da Comissão de Direito Sindical Seccional Rio de Janeiro (2022/2024); Sócia do Escritório Cortez Advogados – AJS ASSESSORIA JURIDICA SINDICAL. E-mail: [email protected].

[2] Environmental, Social and Governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização (HABITABILITY, 2022).

Palavras Chaves

Palavras-chave: Mulheres negras; Liderança; Desigualdade de gênero; Racismo estrutural; Ambiente de trabalho.