INTRODUÇÃO – COLETANÊA CVENB – 57º SUBSEÇÃO OAB – BARRA – RJ COMISSÃO DA VERDADE DA ESCRAVIDÃO NEGRA NO BRASIL

INTRODUÇÃO


     A coletânea intitulada “Invisibilidades: reflexos do racismo e da escravidão no Brasil”, organizada pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, da Subseção da Barra da Tijuca, da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Seção do Rio de Janeiro, reúne artigos de pesquisadores e colaboradores da Comissão que compartilham suas perspectivas sobre a questão racial.

    Os reflexos do racismo e da escravidão permeiam cada aspecto da vida contemporânea. Desde os primórdios da colonização até os dias atuais, a herança desse legado se faz presente, moldando relações sociais, estruturas econômicas e políticas, e construindo narrativas indenitárias complexas. Esta coletânea de artigos acadêmicos busca adentrar as camadas profundas desse fenômeno multifacetado, oferecendo análises críticas, reflexões e perspectivas que ajudam a compreender a conjuntura brasileira.

     A obra promove um espaço de diálogo e de reflexão, em que pesquisadores, a partir de diferentes pontos de vista teóricos, convergem para discutir as dinâmicas complexas do racismo e da escravidão no contexto do nosso país e como tais estruturas estão presentes ainda hoje em nossa sociedade.

    Conforme leciona Silvio Almeida, há de se pensar o racismo para além de atos individuais, questões comportamentais ou eventual mau funcionamento institucional, mas como característica fundamental e estruturante da sociedade contemporânea. Nesse diapasão, os textos aqui reunidos objetivam oferecer essa visão mais abrangente e nos auxiliam a pensar em políticas de reparação e promoção da justiça social.

    O primeiro artigo, intitulado “Proteção social e o capital oportunista: a ‘inimizade’ perfeita no mundo do trabalho no Brasil” e escrito por Elisabeth Baraúna, analisa os impactos das recentes modificações legislativas no cenário trabalhista brasileiro, especialmente durante o ápice da pandemia de Covid-19, e como a agenda neoliberal tem fragilizado as garantias trabalhistas, afetando desproporcionalmente a população negra.

    O segundo artigo, “Racismo e injúria racista: a exunêutica como subversão epistemológica jus-quilombista”, de Luciano Góes, explora a interseção entre o racismo e o Direito Penal no Brasil, destacando como a abolição de 1888 perpetuou um sistema de controle racial, posteriormente legitimado pelo Código Penal de 1890 e pela Criminologia racista, ressaltando a necessidade de subverter essa lógica punitivista colonial para reconhecer e ampliar os direitos ancestrais dos negros.

     O terceiro artigo, “Aspectos da escravidão negra no Brasil e seus desdobramentos institucionais”, de autoria de James Stirling dos Santos, Anna Lila Chaves de Oliveira e Julio Cesar Costa Manoel, busca revelar as repercussões da escravidão legal na sociedade brasileira. O capítulo enfatiza os efeitos persistentes da escravidão ao longo de mais de três séculos e destaca os desafios contemporâneos enfrentados pelos negros brasileiros, além de abordar o conceito de racismo estrutural.

     “O complexo (ecossistema) Lagunar da Bacia de Jacarepaguá: justiça socioambiental e combate ao racismo ambiental”, escrito por Rodrigo Bertoli e Beth Bezerra, compõe o quarto texto da coletânea e analisa as dimensões sociais e ambientais do referido complexo, com destaque para a importância da preservação da fauna e da flora diante das pressões do adensamento populacional e da gentrificação. Discute o racismo ambiental na região, a ausência de controle e fiscalização do poder público, bem como a importância dos debates para um desenvolvimento econômico sustentável.

    O artigo “Escravidão e liberdade no Brasil Império: um breve estudo sobre Leis e abolição gradual”, quinto texto da coletânea, foi escrito por Julio Cesar Costa Manoel e aborda a relação entre escravidão e liberdade durante o período imperial, e objetiva demonstrar que as leis implementadas após a independência não tinham como principal intuito abolir a escravidão, mas sim mantê-la por um tempo prolongado.

     O sexto artigo, “Necropolítica, mulheres negras e o direito de viver”, de autoria de Juliana Vaz do Nascimento e Priscila Alcântara Martins, examina as experiências das mulheres negras na sociedade brasileira e as violências sistemáticas que sofrem em diferentes espaços, com base no conceito de necropolítica.

      O texto “Abordando o racismo ambiental: o caso das periferias do Rio de Janeiro e a importância do ambiente escolar como arena de conversação”, de Julio Cesar Costa Manoel e Camilly Goes Cardoso, é o sétimo da coletânea e busca estudar as áreas mais pobres do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense, a fim de identificar onde a população negra está mais exposta a riscos ambientais. Ainda, dá enfoque ao ambiente escolar como espaço-chave para discutir e combater o racismo ambiental.

   O oitavo artigo, “Racismo tributário: a ausência de aplicação do princípio da capacidade contributiva e seus reflexos nas vidas das mulheres negras no Brasil”, de Carolina da Silva Barboza Lima, parte do projeto PRETITUDES ONTEM e HOJE – Por um Brasil de Verdade, visa compreender o processo de tributação com recorte de gênero e raça, e propõe medidas para promover a justiça social em favor das mulheres negras.

O artigo “Existe um Brasil sem povo preto?”, nono texto da coletânea, escrito por Ana Gleice dos Santos, apresenta reflexões sobre a questão racial como parte da identidade e da construção social do Brasil, de forma a oferecer uma análise crítica acerca da presença e da integração dos afrodescendentes na sociedade brasileira.

    O décimo e último artigo da obra, “Exibir o cotidiano negro: resistências femininas, por meio do vestir, no Rio de Janeiro Oitocentista”, de autoria de Beatrice Rossotti, estuda o uso de turbantes em fotografias de mulheres negras do século XIX no Rio de Janeiro e, ao considerar as roupas elementos históricos de análise, discorre sobre as manifestações de autodeterminação e resistência.

    Ao traçar os contornos da questão racial no Brasil, é necessário contextualizar as raízes históricas que fundamentam essas estruturas. Cada capítulo oferece uma abordagem única, explorando temas que vão desde a representação cultural até as políticas públicas, destacando a urgência de enfrentar o racismo e de buscar caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

     Gostaríamos de agradecer a toda a Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, da Subseção da OAB da Barra da Tijuca, especialmente à Presidente Elisabeth Baraúna e ao Vice-Presidente Julio Cesar Costa Manoel, que tornaram esta coletânea possível por meio de seu apoio e dedicação. Agradecemos também aos autores e revisores que contribuíram para a qualidade deste trabalho.

     Por fim, um agradecimento especial à amiga Beth Baraúna, que muito me honrou com o convite para participar de tão importante obra, com a deferência de fazer esta breve introdução e a difícil tarefa de resumir os qualificados textos, cuja leitura integral certamente será de grande valia.

     Esperamos que esta coletânea seja uma fonte de inspiração e conhecimento para todos e que os debates aqui suscitados sejam fonte de memória e, ainda, viabilizem políticas de reparação. Aproveite a leitura!

Marcia Dinis

Conselheira da OAB-RJ

Presidente da Comissão de Criminologia do IAB