BIFURCAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL – RISCOS E BENEFÍCIOS DA SENTENÇA ARBITRAL PARCIAL

Artigo

BIFURCAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL

– RISCOS E BENEFÍCIOS DA SENTENÇA ARBITRAL PARCIAL –

 

Peter Ch. Sester

 

  1. INTRODUÇÃO

Em 2020 e 2021 o Judiciário brasileiro anulou, entre outras, sentenças arbitrais parciais.[1] Os casos são raros, mas alguns tiverem grande visibilidade porque foram relatados na mídia.[2] Em consequência dessas anulatórias, que estão ainda pendentes na segunda instância ou até no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alguns processos arbitrais sofreram um tumulto processual. Portanto, achamos interessante pensar em que circunstância a bifurcação do processo arbitral realmente agrega valor e se o risco processual por esta opção é maior que o possível benefício.

Talvez a prática e doutrina brasileira tenha focado demais na literatura internacional, muitas vezes eufórica a respeito da bifurcação[3], sem dar suficientemente conta do fato de que o nosso processo anulatório é diferente do padrão internacional, em termos de instâncias e duração.[4] Na nossa visão, deveríamos analisar a questão sob o ponto de vista da economia processual, não somente na perspectiva ex ante, mas especialmente da perspectiva ex post, o que quer dizer, do risco de um pedido de anulação da sentença parcial e das consequências para o andamento do procedimento arbitral. Na Alemanha, existe uma frase segundo a qual ‘algumas coisas precisam ser pensadas a partir do final’.[5] Assim prosseguiremos.

Organizaremos o artigo da seguinte forma. Primeiro, compararemos rapidamente a estrutura da nossa ação anulatória com as respectivas ações em países, basicamente do Civil Law, que têm uma certa relevância no mundo da arbitragem (Franca, Suíça, Áustria, Alemanha e Suécia). Em segundo lugar, abordaremos a questão do que é uma sentença arbitral, no sentido da nossa ação anulatória, e quais são os possíveis dispositivos das sentenças dos nossos tribunais que julgam uma ação anulatória procedente ou improcedente. Em seguida, analisaremos diferentes situações processuais nas quais a questão da bifurcação tipicamente surge. Tentaremos uma ponderação dos pros e cons da bifurcação.

  1. COMPARAÇÃO DAS AÇÕES ANULATÓRIAS À LUZ DAS SENTENÇAS PARCIAIS

De acordo com o artigo 33, §1o da Lei de Arbitragem, a demanda de declaração de nulidade da sentença arbitral segue as regras do procedimento comum (artigos 318–512 do CPC). Essa opção do legislador é provavelmente o único ponto fraco da Lei de Arbitragem, em comparação com outras jurisdições que têm como objetivo fortalecer o instituto da arbitragem.[6] O procedimento comum costuma ser relativamente lento e tem, como primeiro grau de jurisdição, o juiz de direito, com a possibilidade de levar a causa até o Superior Tribunal de Justiça, por meio de Recurso Especial.

Países como a Suíça e a Áustria, importantes sedes de arbitragens internacionais, adotaram procedimentos específicos para a demanda de anulação, decidida por uma única instância do Judiciário. A competência para seu julgamento é dos respectivos tribunais superiores – na Suíça, o Bundesgericht, em Berna (artigo 191 da Lei Internacional Privada Suíça), e, na Áustria, o Oberster Gerichtshof, em Viena (§ 615 do Código do Processo Civil da Áustria “ZPO”). Tais tribunais, em regra, decidem demandas anulatórias dentro de poucos meses e a taxa de acolhimento dos pedidos de anulação é muito baixa. O que realmente importa é o fato de que esses Tribunais julgam definitivamente, sobre o acolhimento ou não de um pedido de anulação, em única instância e dentro de um prazo de quatro a seis meses.

A concentração da ação anulatória numa única instância corresponde melhor à ideia da arbitragem, como mecanismo “one stop” de resolução de disputas. Na realidade, são “two stops”: primeiro, o Tribunal Arbitral e, eventualmente, uma instância no juízo estatal. No Brasil são, na pior das hipóteses, “four stops”: o Tribunal Arbitral e três instâncias do Poder Judiciário.

O legislador alemão adotou uma solução intermedia. As demandas de anulação têm início na segunda instância, o Oberlandesgericht, que corresponde ao Tribunal de Justiça Estadual brasileiro (§ 1062 do Código do Processo Civil da Alemanha – “ZPO”). Os Oberlandesgerichte julgam um pedido de anulação, em regra, dentro de um prazo de quatro a seis meses. Raramente tais processos chegam ao nível do Tribunal Superior para questões de direito civil, o Bundesgerichtshof in Zivilsachen (§ 1065 do Código do Processo Civil da Alemanha – “ZPO”). Em geral, o acesso ao Bundesgerichtshof é muito mais restrito do que o acesso ao Superior Tribunal de Justiça. Para dar um exemplo, numa arbitragem pós-M&A, administrada pelo Instituto Alemão de Arbitragem (DIS), o Tribunal Arbitral proferiu a sua sentença, no dia 15 de setembro 2006. No dia 20 de dezembro de 2006, a parte vencida ajuizou uma ação anulatória perante o Oberlandesgericht (OLG) Frankfurt am Main que rejeitou o pedido, apenas quatro meses e vinte dias depois, no dia 10 de maio de 2007.[7] A sentença do OLG transitou em julgado e a arbitragem continuou com a máxima segurança jurídica.

A ação anulatória francesa corresponde ao sistema alemão. O processo começa na segunda instância, no Cour d’Appel (artigo 1.494 do Code de Procedure Civil no caso da arbitragem nacional e o artigo 1.519 do Code de Procedure Civil, no caso da arbitragem internacional). Raramente, uma anulatória será julgada em seguida pela Cour de Cassation.

No Reino Unido, a ação anulatória começa no High Court e, em regra, termina no Court of Appeal. Raramente, o Supremo (UK Supreme Court) julgará uma ação anulatória porque o Supremo só julga cerca de 80 casos por ano, no total, o que quer dizer respectivo a todas matérias de direito. O caso Halliburton é uma grande exceção.[8]

Na Alemanha, também é praticamente impossível levar algum assunto que se refere à arbitragem para a Corte Constitucional (Bundesverfassungsgericht). Não existe nenhum caso que se refira à arbitragem.

No Brasil, entre o início da demanda anulatória e o julgamento do respectivo Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça, podem transcorrer facilmente 5 ou 6 anos. O cronograma do Caso Paranapanema é um exemplo[9]: (i) o pedido de instauração da arbitragem foi submetido no primeiro semestre de 2010 e a sentença arbitral foi proferida ao fim de 2012; (ii) a demanda anulatória da sentença foi julgada, em primeira instância, em julho de 2013; (iii) em segunda instância, a decisão foi proferida em julho de 2014; e (iv) por fim, o Recurso Especial foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em setembro de 2018.

É mais que óbvio que a mera duração do nosso processo anulatório muda completamente os riscos e a utilidade da sentença parcial, em comparação com um laudo arbitral parcial proferido em Paris, Londres, Genebra, Viena ou Berlim. Enquanto uma ação anulatória, relativa a uma sentença parcial está pendente, uma espada de Dâmocles pende sobre a cabeça do Tribunal Arbitral. Dependendo da razão da anulação, em primeira ou segunda instância, a situação pode se complicar ainda mais. Caso o fundamento da ação anulatória se refira ao impedimento ou a suspeição de um ou vários árbitros, a sentença anulatória afastará aquele(s) árbitro(s).[10] Se a razão da anulação se refere a outros assuntos, como por exemplo a violação do devido processo, o Judiciário não tem essa competência. Nesse caso o Judiciário obrigará o Tribunal Arbitral a proferir nova sentença parcial.[11]

Evidentemente, nessa situação já bem tensa, nada impede que uma das partes entre na câmara de arbitragem, que administra o caso, com um pedido de impugnação, especialmente se há fatos supervenientes à sentença anulatória em primeira ou segunda instância. Assim, está criado um tumulto processual e podendo complicar-se ainda mais se houver liminares cruzadas (e.g., suspensão do processo ou continuação do processo). O Tribunal Arbitral e as suas sentenças (final e parcial) ficarão eventualmente anos no ‘limbo’. Custos enormes podem surgir, sem que a decisão de mérito avance um centímetro.

Antes de analisar o possível conteúdo de uma sentença anulatória, a respeito de uma sentença arbitral parcial, gostaríamos de apresentar uma solução da Lei de Arbitragem sueca, que nos parece pragmática:

Article 35 Swedish Arbitration Act of 1996.

A court may stay proceedings concerning the invalidity or setting aside of an award for a certain period of time in order to provide the arbitrators with an opportunity to resume the arbitral proceedings or to take some other measure which, in the opinion of the arbitrators, will eliminate the ground for the invalidity or setting aside:

  1. Provided the court holds that the claim in the case shall be accepted and either of the parties requests a stay; or
  2. Both parties request a stay.

Where the arbitrators make a new award, a party may, within the period of time determined by the court and without issuing a writ of summons, challenge the award insofar as it was based upon the resumed arbitral proceedings or an amendment to the first award.

Notwithstanding Chapter 43, section 11, second paragraph of the Code of Judicial Procedure, a trial may continue even where the period of the stay exceeds fifteen days.

  1. SENTENÇA ARBITRAL PARCIAL E AÇÃO ANULATÓRIA

As sentenças parciais, decisões interlocutórias e ordens processuais fazem parte do conjunto clássico de institutos da arbitragem comercial internacional. Apesar disso, nem a Convenção de Nova York, nem a Lei Modelo da UNCITRAL incluem definições dessas expressões.[12]

A nossa Lei de Arbitragem tampouco os define. Por ocasião da sua primeira reforma, o legislador incluiu o novo §1o ao artigo 23, que expressamente estabelece a possibilidade de os árbitros proferirem sentença arbitral parcial. Ainda assim, nada dispõe sobre os critérios que caracterizam uma decisão como sentença parcial ou como ordem processual.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que uma sentença parcial é o ato dos árbitros que, em definitivo (ou seja, finalizando a arbitragem na extensão do que restou decidido), resolve parte da causa, com fundamento na existência ou não do direito material alegado pelas partes, ou na ausência dos pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional pleiteada.[13]

Apesar desse entendimento amplo do STJ, o ilustre colega Rafael Alves defende a tese de que uma sentença arbitral “é o ato processual por meio do qual o árbitro decide definitivamente o mérito ou parte do mérito de arbitragem”. Segundo ele[14]:

“A definitiva (sentença) é característica fundamental da sentença arbitral do mérito, seu traço distintivo. O árbitro também pode julgar o mérito da arbitragem de forma provisória, podendo rever o seu entendimento no curso do processo arbitral. Nesse caso, haverá simples ordem processual e não propriamente uma sentença.”

Essa tese está em sintonia com as ponderações do Gary B. Born.[15]

 De acordo com Born, uma sentença parcial que não decide definitivamente ao menos em relação a um claim específico (por exemplo, pedido de perdas e danos, por inadimplemento do contrato) não é uma sentença arbitral no sentido técnico e, portanto, não sujeita a um processo de anulação:

Interim award in a narrow sense are understood as a decision that does not dispose finally of a particular claim (e.g., one of several claims for damages arising from several alleged breaches of contract), but instead only decides a preliminary issue relevant to disposing of such a claim in the future (e.g., choice of law, liability, construction of a particular contractual provision), without granting (or denying) relief on that claim. Used in this sense, a decision is “interim” because it is a step towards disposing of a portion of the parties’ claims but does not itself make a final decision either granting or rejecting any of those claims.[16] (…) As such, the better view is that these so-called “interim-awards” do not dispose, finally or otherwise, of any claim for relief, and should be subject neither to annulment nor recognition and enforcement.[17]

Born reconhece que essa posição não é amplamente aceita no mundo e cita apenas dois exemplos: uma sentença do Judiciário alemão e uma austríaca. Todavia, a situação na Áustria mudou, o que Born reconhece, por causa da alteração da Lei que entrou em vigor depois daquela decisão. Hoje em dia, os comentaristas da Lei de Arbitragem austríaca (que se encontra dentro do Código do Processo Civil) sustentam a tese de que as sentenças interlocutórias, incluídas as parciais estrito sensu, são sujeitas à ação anulatória.[18]

Já a referida sentença, do Oberlandesgericht Frankfurt am Main, segundo exemplo do Born, negou o cabimento da ação anulatória contra uma decisão de um Tribunal Arbitral, por falta de ser tecnicamente uma sentença arbitral. Tratava-se de uma arbitragem pós M&A. O Tribunal Arbitral tinha proferido a decisão, como se fosse uma sentença parcial. Em outras palavras, sob a nomenclatura de sentença arbitral parcial (embora sendo ordem processual), com a típica roupagem de uma sentença arbitral. A requerida pediu danos por suposta violação do contrato de compra e venda de ações (Share Purchase Agreement, SPA). Os principais dispositivos da sentença arbitral parcial, em questão, determinaram o seguinte[19]:

  • A Requerida é responsável pelos danos que a Requerente sofreu, porque a Requerente não cumpriu as obrigações de efetuar as transações, enumeradas no SPA, datada no dia 31 de julho de 2004, que eram necessárias para o adimplemento desse instrumento.
  • O Tribunal Arbitral reserva a decisão sobre a quantificação do dano. Tal decisão não faz parte dessa sentença arbitral parcial e será tomada pelo Tribunal Arbitral separadamente, numa outra sentença arbitral, que será proferida depois da fase de quantificação, a ser realizada no curso desse procedimento arbitral.

Inicialmente, tivemos uma certa simpatia pela abordagem de Alves e Born, que gostaria de chamar de qualificação material da sentença arbitral parcial. Depois de pensar mais e de analisar casos já julgados pelo Judiciário brasileiro, chegamos, porém, à conclusão de que essa abordagem é pouco pragmática, do ponto de vista dos Tribunais Estatais e arriscado para as partes. Em primeiro lugar, duvidamos que os nossos Tribunais Estatais rejeitariam um pedido de anulação com o seguinte argumento: “A presente decisão arbitral foi vestida com uma roupagem equivocada. Não é uma sentença arbitral parcial, na verdade se trata de uma ordem processual. Tudo bem, falsa demonstratio non nocet (a nomenclatura equivocada é irrelevante), tratarei a decisão como ordem processual e, consequentemente, julgarei incabível a ação anulatória. É o meu voto.” Tal posicionamento poderia ser qualificado como negação de acesso à justiça. O próprio Born fornece o argumento contrário à sua posição:

A partial award finally decides the matters it addresses. As a consequence, the partial award has reclusive effect, which bars the parties from relitigating, and the arbitral tribunal from revisiting, the matters decided in the award. This resembles the arbitral tribunal becoming functus officio as to matters decided in the partial award, although the better characterization is that the tribunal continues to be constituted but is bound (like other tribunals and courts) by principles of res judicata and other preclusion rules.[20]

O último entendimento corresponde à doutrina brasileira. De acordo com Pedro Batista Martins, as sentenças parciais gozam, a princípio, da mesma qualidade jurídica que as sentenças finais.[21] Na mesma linha, Gilberto Giusti e Douglas Depieri Catarucci ressaltam que a sentença parcial pode fazer coisa julgada (artigo 502, CPC) e ser executada antes da sentença final.[22]

Se uma sentença arbitral parcial poderá transitar em julgado, um juiz estatal brasileiro negará o cabimento da ação anulatória fundamentado no argumento de que a decisão arbitral chegou numa roupagem equivocada? Duvidamos. Na verdade, há precedentes no sentido contrário. Os nossos Tribunais não aplicam a qualificação material da sentença arbitral parcial, mas sim uma qualificação formal.[23]

Quais são os possíveis dispositivos das sentenças judiciais que julgam um pedido de anulação?

(i)      Improcedente:

          Julgo improcedente a ação anulatória proposta por (…) contra (…), mantendo a sentença arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral (…).

(ii)     Procedente:

  • Julgo procedente a ação anulatória proposta por (…) contra (…), a fim de anular a sentença arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral (…) com fundamento no artigo 32, inciso, VII da Lei 9.307/1996 combinado com a artigo 487, inciso, I do Código de Processo Civil, determinando ao Tribunal Arbitral competente a prolação de nova sentença arbitral parcial.
  • Julgo procedente a ação anulatória proposta por (…) contra (…), a fim de anular a sentença arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral (…) com fundamento no artigo 32, inciso, II da Lei 9.307/1996 combinado com artigo 14, caput da Lei 9.307/1996 e o artigo 487, inciso, I do Código de Processo Civil, determinando-se o afastamento do árbitro X (que era impedido ou suspeito), com a consequente nomeação de um novo árbitro, no prazo de 30 (trinta) dias, para integrar o tribunal arbitral, o qual proferirá nova sentença arbitral parcial.
  • Julgo procedente a ação anulatória proposta por (…) contra (…), a fim de anular a sentença arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral (…) com fundamento no artigo 32, inciso, II da Lei 9.307/1996 combinado com artigo 14, caput da Lei 9.307/1996 e o artigo 487, inciso, I do Código de Processo Civil, determinando-se a desconstituição do Tribunal Arbitral (se todos os árbitros eram impedidos ou suspeitos), com a consequente constituição de um novo tribunal arbitral, no prazo de 30 (trinta) dias, que proferirá nova sentença arbitral parcial.

Nota-se que o artigo 33, §2°, da Lei 9.307/1996, em princípio segue a lógica processual estabelecida no Código de Processo Civil (CPC). Segundo o CPC, havendo anulação do processo judicial em sede de Apelação, por exemplo, o órgão julgador determina que o mesmo Juiz de Direito, responsável pela decisão anulada, profira nova sentença, em conformidade com o determinado acordão.[24] No entanto, caso o órgão chegue à conclusão de que havia impedimento ou suspeição do Juiz de Direito, que primeiro julgou o caso, decretará a nulidade dos seus atos (artigo 146, § 5º, CPC/2015), e remeterá os autos ao substituto legal daquele (artigo 146, § 6º, CPC/2015).

Todavia, a “divisão de trabalho” entre a primeira e segunda instâncias do Poder Judiciário não se aplica à interação entre o Poder Judiciário e o Tribunal Arbitral. Vale dizer, o Judiciário não tem competência para afastar um Tribunal Arbitral incompetente, impedido ou suspeito antes que o tribunal profira uma sentença arbitral contaminada com tais vícios (artigo 32, item I e VII, da Lei 9.307/1996). Ministro Sidnei Beneti fundamentou o seu voto proferido em sede de Recurso Especial da seguinte forma[25]:

“A alegação de nulidade de cláusula arbitral deve ser submetida, em princípio, à decisão arbitral, sendo inviável a pretensão de ver declarada a nulidade da convenção de arbitragem antes de sua instituição – Judicialização estatal prematura – art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.307/1996.”

Portanto, o Judiciário deverá precisamente identificar as razões da anulação de uma sentença parcial, porque o dispositivo da sentença anulatória tem que dar um comando claro sobre o futuro do procedimento arbitral. Somente se o Judiciário julga procedente a ação anulatória, com fundamento no impedimento ou na suspeição do árbitro, tem o juízo estatal a competência para afastar os árbitros, como o TJSP já fez com o seguinte dispositivo[26]:

“Tudo somado, reforma-se a sentença apelada, julgada procedente a presente ação para declarar a nulidade da sentença arbitral, bem como de todos os demais atos e decisões pertinentes à enfocada arbitragem, para que o conflito seja submetido a um novo procedimento arbitral e decidido por novos julgadores, invertidos os ônus da sucumbência.”

Portanto, a bifurcação poderá facilmente criar dois riscos: (i) enquanto um Tribunal Arbitral, que proferiu uma sentença arbitral parcial, avança com a segunda etapa do processo arbitral, os tribunais estatais anulam a sentença parcial; (si) ou Poder Judiciário anulará, eventualmente, a sentença final por suspeição ou impedimento superveniente à sentença parcial.

Segundo o artigo 33, § 2°, da Lei de Arbitragem, a sentença anulatória que julgar procedente o pedido declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos no artigo 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o Tribunal profira nova sentença arbitral. O texto da norma nada diz a respeito da manutenção ou desconstituição do Tribunal Arbitral, que proferiu a sentença anulada. Esse silêncio do legislador não é uma omissão, mas sim uma consequência do princípio da interferência mínima do Poder Judiciário nos procedimentos arbitrais. Tal princípio foi positivado na Lei Modelo da UNCITRAL sobre a Arbitragem Comercial de 1985, principal fonte da nossa Lei de Arbitragem.[27] Segue a redação do artigo 5º, da Lei Modelo[28]: “em matérias sujeitas a essa Lei, nenhum Tribunal Estatal deverá intervir, a não ser que a Lei assim determine”.

O princípio da interferência mínima do Poder Judiciário nos procedimentos arbitrais, reconhecido na doutrina da arbitragem nacional[29] e internacional[30], materializa-se em nossa Lei de Arbitragem, sob a forma de diferentes normas. Podemos citar como decorrências mais importantes: (i) o artigo 8º, da Lei de Arbitragem, que consolida o princípio da Kompetenz-Kompetenz; (ii) o artigo 22-B da Lei de Arbitragem, que determina a competência dos árbitros para decidir sobre medida cautelar ou de urgência, anteriormente concedida pelo Judiciário; e (iii) o artigo 15 da Lei de Arbitragem, segundo o qual a competência para decidir sobre um pedido de impugnação dos árbitros é do próprio Tribunal Arbitral, não do Judiciário. Nas arbitragens institucionais, os regulamentos determinam, em regra, que essa competência passa a ser de um comitê de impugnação.

  1. ANÁLISE DOS BENEFÍCIOS E DOS RISCOS DA BIFURCAÇÃO EM SITUAÇÕES CONCRETAS

À luz dos conhecimentos desenvolvidos, analisamos agora os pros e cons da bifurcação arbitral na prática. Começamos com a situação clássica. O requerente ajuíza vários pedidos que não estão diretamente relacionados, nem juridicamente, nem quanto aos fatos. Born descreve essa situação da seguinte maneira:

Partial awards are typically used for separate determination of special claims, with other claims reserve for further proceedings in the arbitration. For example, a tribunal might render a partial award rejecting the claimant’s contractual claim, or instead, upholding such claims and awarding damages, while leaving for subsequent proceedings the parties’ non-commercial claims. Alternatively, a tribunal might deal with some of the parties’ contractual claims in a partial award, while leaving other contractual claims for later proceedings.[31]

         Achamos problemática a última frase a. Apenas se os “contractual claims” são baseados em contratos diferentes e, importantes no âmbito do nosso Código Civil, evidentemente não coligados, uma bifurcação não traz riscos processuais adicionais.

Separar o julgamento da responsabilidade contratual, da responsabilidade extracontratual também poderá trazer riscos. Se o requerente alega, por exemplo, que um pedido de indenização se fundamenta em ambos os tipos de responsabilidade, uma interligação de questões de direito material pode ocorrer (e.g. nexo causal, cálculo do dano, culpa, responsabilidade solidária). Já nos casos de prescrição, por exemplo, a possível interligação não interfere no resultado.

No entanto, mesmo na situação acima, do ponto de vista da economia processual não enxergamos benefícios da bifurcação, mas sim um atraso desnecessário. Vale lembrar que a bifurcação do processo implica duas sentenças arbitrais, consequentemente duas trocas de alegações finais e dois prazos para proferir as sentenças (parcial e final), e ainda dois prazos para pedidos de esclarecimento. Assim, passam facilmente seis meses sem necessidade. Se uma das duas responsabilidades é evidentemente prescrita, o Tribunal pode abordar esse tema (rapidamente) na audiência, e excluir a responsabilidade prescrita num parágrafo na fundamentação da única sentença.

Vamos agora avançar para o tema mais complicado, as chamadas decisões interlocutórias de mérito (interim award, ás vezes também chamada interlocutory ou preliminary award).[32] Diferentemente da sentença parcial, que decide definitivamente sobre um direito pleiteado – por exemplo, o direito à indenização –, já a decisão interlocutória decide apenas sobre um aspecto relevante que precisa ser resolvido ao longo do processo, para que, posteriormente, o direito pleiteado possa ser julgado definitivamente. Por exemplo, a decisão interlocutória decide sobre o direito nacional aplicável ao contrato, o inadimplemento de uma obrigação contratual, ou a violação de uma cláusula contratual (sem definir desde já́ as consequências). A Lei de Arbitragem menciona expressamente apenas as sentenças parciais. A maioria dos autores, entretanto, entende que o instituto deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir as decisões interlocutórias.[33] Concordamos com essa interpretação, como já esclarecido acima.

            Um tipo de decisão interlocutória de mérito bastante comum na prática brasileira são sentenças parciais, que decidem apenas sobre a existência do direito de pedir, e não sobre as consequências de forma executável. Por exemplo, a sentença parcial aborda apenas os três elementos do artigo 186, do CC-2002, ato ilícito, (existência de algum) dano, e nexo causal; e deixa a quantificação do dano e a questão da culpa concorrente da vítima (artigo 945 Código Civil) para a sentença final. Á luz da liquidação zero, doutrina que achamos problemática, mas que vamos aceitar, isto significa que, o resultado do processo, num sentido econômico-financeiro, está ainda em aberto. Eis que o resultado final poderia ser que a requerida não precise indenizar nada. Todavia ela não pode correr o risco de perder a chance de impugnar a sentença parcial, se havia violação do devido processo.

Por quê? Como abordamos no início do artigo, em concordância com a maioria da doutrina brasileira, uma sentença parcial de mérito transita em julgado. O que transita em julgado depende da redação do dispositivo! Se, por exemplo, o tribunal usa a palavra “condeno a requerida a indenizar o requerente por perdas e danos, com fundamento no artigo 186, do CC-2002”, o Tribunal Arbitral não pode mais reapreciar, na segunda etapa do processo, os três elementos desse artigo. Consequentemente, se o Tribunal Arbitral chegou ao livre convencimento motivado à conclusão de que o nexo causal existe, acabou a discussão sobre esse assunto. Por isso, a parte vencida na sentença parcial precisa impugnar a sentença, caso esse livre convencimento seja fruto de uma grave violação do devido processo. Se ela espera mais que três meses, acabou! O problema é que nem sempre a visão da parte vencida é correta e, até o Judiciário decidir a questão definitivamente, passarão, na pior das hipóteses, vários anos.

Vale realmente a pena correr esse risco? Achamos que no âmbito da arbitragem, com sede no Brasil, não vale a pena, pelo menos não em regra. Como já foi dito, a bifurcação implica duas sentenças arbitrais, consequentemente duas trocas de alegações finais e dois prazos para proferir as sentenças (parcial e final), e ainda dois prazos para pedidos de esclarecimento. A separação de questões de mérito, especialmente o julgamento dos requisitos da mesma norma ou do mesmo conjunto de normas (artigos 187 e 927 CC-2002) é cognitivamente muito difícil e, portanto, perigoso. Para saber se há nexo causal, precisamos primeiro se houve dano. Porque sem saber qual é o ato ilícito e qual é o dano decorrente, não há como verificar o nexo causal. Isto é lógico, porque o nexo causal conecta o ato ao dano. Pois bem, não precisamos conhecer a quantidade do dano. Todavia, a separação dos dois assuntos traz uma complicação, sem acrescentar valor. Pelo contrário, custa tempo adicional e cria uma assimetria com as sentenças do Poder Judiciário, que não costuma proferir muitas sentenças parciais.

Como ensina a Magistrada Andréa Galhardo Palma, tal assimetria é arriscada porque o juiz estatal, que julga um pedido de anulação ou que auxilia na execução de uma sentença arbitral, sempre olhará para a construção formal do laudo arbitral com um olhar treinado diariamente pelos padrões de construção da Justiça Estatal, especialmente quanto ao dispositivo.[34] Portanto, faz todo sentido facilitar não somente a leitura, mas também a execução das sentenças arbitrais para os juízes estatais.

Gostaríamos de ilustrar os mecanismos psicológicos (unconscious bias) por meio de um exemplo simples. Antes disso, a fim de evitar mal-entendidos, queremos deixar claro que a relação entre juiz estatal e juiz arbitral não se equipara aquela do exemplo, o que é a relação entre doutorando e orientador. Segue o mecanismo: Quem não quer ter problemas com o seu orientador de doutorado, tem que seguir as regras formais dele! Se o orientador não gosta do gerúndio, evita o gerúndio! Se ele não gosta de longas citações diretas, como nós não gostamos, evita “copy-paste” de emendas inteiras! Qual é o problema? O que importa é o conteúdo da decisão de mérito, e no mérito da sentença arbitral o juiz brasileiro não interfere. Não há razão, nem incentivo para um juiz estatal dar mais atenção à arbitragem, do que à recuperação judicial ou outra matéria. Pelo contrário, segundo o artigo 79, da Lei 11.101/2005 os processos de falência gozam de prioridade.

Para nós, os integrantes da comunidade da arbitragem, esta e as ações anulatórias são importantes, para o Judiciário é um processo qualquer entre milhares. Portanto, é sábio facilitar a vida do juiz respeitando o princípio da simetria formal das sentenças, seja judicial ou arbitral; e escrever os dispositivos de acordo com a prática do Tribunal Estatal competente para julgar uma eventual ação anulatória ou comprimento de execução.

            Os tipos de decisões interlocutórias de mérito que fazem, na nossa visão, muito sentido são sentenças sobre o direito nacional aplicável e sobre a exclusão de uma parte do processo. No primeiro caso, as partes podem reavaliar as suas chances, com base numa informação muito importante, o direito aplicável. Tal reavaliação do direito pleiteado pode levar à desistência ou facilitar um acordo. Isto é, na nossa visão, a principal vantagem da sentença parcial. Dar às partes a chance de reavaliar o direito pleiteado numa base sólida, que não existia no início do procedimento arbitral. No caso da exclusão de uma parte existe um argumento adicional. Na maioria dos processos arbitrais prevalece a confidencialidade. Manter uma parte no processo apesar, do fato de faltar a legitimidade ativa ou passiva, afronta as cláusulas sobre o sigilo da arbitragem.

            De qualquer forma, nem sempre a decisão sobre a inclusão ou exclusão de uma parte é evidente, e não vai interferir no mérito. Pelo contrário, especialmente a solução do problema dos non-signatories depende, muitas vezes, da profunda análise de questões de mérito (e.g., desconsideração da pessoa jurídica, artigo 50, do Código Civil, e a estipulação em favor de terceiro, artigo 436, do Código Civil[35]). Portanto, não somos muito favoráveis a esse tipo de sentença parcial, muitas vezes chamado de jurisdictional awards[36], ao menos enquanto a nossa ação anulatória continua sendo um processo comum, que começa nas Varas dos Tribunais e acaba, muitas vezes, só depois de vários anos no STJ. Enquanto isto não mudar, os requisitos para bifurcação estabelecidos pelos Professores Gabrielle Kaufmann-Kohler e Antonio Ragozzi seriam raramente preenchidos.[37]

Whether the issue is clearly separable from the other issues in dispute; whether the request for bifurcation is serious and does not appear frivolous; whether, if accepted, it may terminate arbitration or significantly narrow down the issues in dispute; and whether the bifurcation is efficient in terms of potential gains or losses in time and costs.”

  1. CONCLUSÃO

A bifurcação do processo arbitral é uma decisão complexa, com implicações que vão muito além da eficiente organização do processo. Já a eficiência pode até piorar por causa da bifurcação (e.g. dupla troca de alegações finais e duas vezes o prazo para proferir as sentenças). Também, existe o risco de as próprias partes criarem ‘incentivos inversos ou contra produtivos’ no contexto da sentença parcial.[38] Além disso, surge o risco da dupla ação anulatória, contra a sentença parcial e a final, e uma impugnação do(s) árbitro(s) no meio do caminho. O risco de causar um tumulto processual é, no Brasil, mais alto do que em outras grandes sedes de arbitragem, porque a nossa ação anulatória (três instâncias e processo comum) é demorada. Todavia, não queremos descartar a utilidade da sentença parcial no Brasil, apenas alertar que a escolha da bifurcação deverá ser pensada com cuidado redobrado. Mesmo com toda devida diligência, não dá para afastar todos os riscos de impugnação ou anulação. Isto faz parte da vida dos árbitros, especialmente em culturas com alta litigiosidade.

Na função de julgador o árbitro se equipara ao juiz. Os magistrados precisam viver diariamente com derrotas, seja em sede de apelação, recurso especial ou como relator cujo voto foi derrotado. Precisamos ver o lado positivo das nossas derrotas. Gustav Stresemann (Prêmio de Nobel da Paz em 1926) ensina: “Das derrotas se aprende facilmente; aprender com vitórias é mais difícil.”

Portanto, sofrer uma derrota a cada dois ou três (melhor cinco) anos não é ruim para o árbitro, a não ser que ele ou ela leve a derrota para o lado pessoal, o não que tem se visto como regar na comunidade arbitral. Quando um Tribunal Estatal ou um comitê de impugnação chega por unanimidade à conclusão de que os árbitros se equivocaram, existe uma certa probabilidade de que realmente houve erro ou uma opinião com melhores argumentos. A ciência jurídica não é exata. Relaxemos. Apenas Deus não erra, na visão dos fiéis. Errare humanum est!

* Gostaria de agradecer colega Paula Costa e Silva pela revisão do artigo e importantes recomendações.

Notas:

[1] TJSP Apelação 1066484-54.2019.8.26.0053, Relator Desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, julgado no dia 27 de abril de 2021.

[2] GALHARDO PALMA, Andréa. “Notas sobre a cooperação judiciário-arbitragem”. FGV Blog de Arbitragem, 29 de Marco de 2020. <https://www.fgvblogarbitragem.com.br>. GALHARDO PALMA, Andréa, Um Olhar Judicial Sobre o Dispositivo das Sentenças Arbitrais. ELIAS, Carlos e GUANDALINI, Bruno (coordenadores), A Função do Árbitro no Brasil, publicação prevista para 2021.

[3] BORN, Gary B., International Commercial Arbitration – International Arbitral Awards, vol. III, 3a edição, 2021, AH Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, p. 3265: There are many circumstances where partial awards made prior to final disposition of the arbitration are important to a constructive and efficient arbitral procedure. … This can have very significant advantages in terms of efficiency and speed.’

[4] SESTER, Peter Christian. International Arbitration: Law and Practice in Brazil, Oxford: Oxford University Press, 2020, pp. 163-164; SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo: Quartier Latin, 2020, pp. 379-382.

[5] Einige Dinge muss man von hinten denken!

[6] SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante. São Paulo: Quartier Latin, 2020, pp. 379-382.

[7] Oberlandesgericht Frankfurt am Main, 26 Sch 20/06, publicado no German Journal of Arbitration (SchiedsVZ) 2007, 278.

[8] Halliburton Company v Chubb Bermuda Insurance Ltd (2020) UKSC 48.

[9] STJ, Terceira Turma, REsp n° 1.639,035, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18 setembro 2018; SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 381.

[10] TJSP, Apelação Cível 1056400-47.2019.8.26.0100, Relator Desembargador Fortes Barbosa, julgado no dia 25 de agosto de 2020.

[11] TJRJ, 5a Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, 0142001-05.2020.8.19.0001, Dra. Juíza de Direito Maria da Penha Nobre, julgado 5 de novembro de 2020.

[12] Para GAILLARD, Emmanuel e BERMAN, George A. Guide on the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (1 st edn, Brill/Nijoff 2017) pp. 16-17.

[13] STJ, Terceira Turma, REsp n° 1,519,041, Relator Marco Aurélio Bellizze, julgado no dia 1 setembro de 2015.

[14] ALVES, Rafael, ‘LEVY, Daniel and SETOGUTI J. PEREIRA, Guilherme’. Curso de Arbitragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, pp. 264, 267.

[15] No mesmo sentido KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle; RIGOZZI, Antonio. International Arbitration: Law and Practice in Brazil, Oxford: Oxford University Presse, 2015, p. 388. Kaufmann-Kohler e Ragozzi entendem que o título conferido à decisão não deve ser decisivo para a sua classificação jurídica, pois o que realmente importa são as suas características, em termos de conteúdo e finalidade. Quanto ao conteúdo, as decisões interlocutórias decidem sobre uma alegação que tem como fim a extinção do procedimento arbitral (e.g. coisa julgada, litispendência, ausência de interesse no procedimento arbitral – ver artigo 337, CPC). Caso a decisão se destine à condução do procedimento arbitral, uma ordem processual é o instituto adequado (e.g., produção de uma perícia, bifurcação do procedimento).

[16] BORN, Gary B., International Commercial Arbitration – International Arbitral Awards, vol. III, 3a edição, 2021, AH Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, p. 3269.

[17] BORN, ibid, p. 3269 (A tribunal’s decision regarding a significant legal issue (e.g., liability, choice of law), without deciding and granting (or denying) relief on one of the parties’ claims, is merely a step in the arbitral tribunal’s decision-making process. Moreover, there is virtually never any practical need to recognize or enforce such “interim award” (in contrast to awards that either grant monetary or other relief or that dismiss a claim), while application to annul such awards would significantly delay and complicate the arbitral process); in this sense Appeal Court of Frankfurt am Main (Oberlandesgericht), judgement of 10 May 2007, 278, decided 10 May 2007; Austrian Oberster Gerichtshof, Judgement of 14 June 2005, 2 Ob 136705x (“due to its non-final character, interim award may not be challenged in the absence of agreement to that effect”).

[18] BORN, Gary B., International Commercial Arbitration – International Arbitral Awards, vol. III, 3a edição, 2021, AH Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, p. 3269: “However, since the enactment of the Austrian Arbitration Act commentators have concluded that annulment is available for partial and interim awards”. RIEGLER, Stefan, “Comments on section 611”. RIEGLER, Stefan (coordenador). Arbitration Law of Austria: Procedure and Practice. New York. Juris Publishing, 2007, section 611, para 10.

[19] Oberlandesgericht Frankfurt am Main, 26 Sch 20/06, publicado no German Journal of Arbitration (SchiedsVZ) 2007, 278.

[20] BORN, Gary B., International Commercial Arbitration – International Arbitral Awards, vol. III, 3a edição, 2021, AH Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, p. 3265.

[21] MARTINS, Pedro Batista. “Sentença arbitral parcial e litisconsórcio necessário”. In: CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e BATISTA, Pedro Martins (Coord.). 20 anos da Lei de Arbitragem, pp. 595, 597.

[22] GIUSTI, Gilberto e CATARUCCI, Douglas Depieri. “Sentenças arbitrais parciais: visão doutrinária e prática do tema nos últimos 20 anos”. In: CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e BATISTA, Pedro Martins (Coord.). 20 anos da Lei de Arbitragem, pp. 569-571 e pp. 571-572.

[23] TJRJ, 5a Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, 0142001-05.2020.8.19.0001, Dra. Juíza de Direito Maria da Penha Nobre, julgado 5 de novembro de 2020.

[24] Exemplo: TJSP, Apelação Cível nº 1056400-47.2019.8.26.0100, Relator Desembargador Fortes Barbosa, julgado 25 de agosto de 2020: “Tudo somado, reforma-se a sentença apelada, julgada procedente a presente ação para declarar a nulidade da sentença arbitral, bem como de todos os demais atos e decisões pertinentes à enfocada arbitragem, para que o conflito seja submetido a um novo procedimento arbitral e decidido por novos julgadores, invertidos os ônus da sucumbência.”

[25] Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp. nº 1.355.831/SP, Relator Ministro Sidnei Beneti, julgado 22 de abril de 2013.

[26] TJSP, Apelação Cível nº 1056400-47.2019.8.26.0100, Rel. Des. Fortes Barbosa, j. 25.08.2020.

[27] CARMONA Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/1996, 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 11; SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo: Quartier Latin, p. 39-43 e 89-90.

[28] Na versão original: “in matters governed by this Law, no court shall intervene except where so provided by the law”.

[29] BORN, Gary B. “International Arbitration: Law and Practice”, 2nd edition. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2016, p. 162-163; FOUCHARD, Philippe. GAILLARD, Emmanuel. GOLDMANN, Berthold. International Commercial Arbitration, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 1999, p. 105, item 189.

[30] LEVY, Daniel. “As Interações entre Poder Judiciário e Arbitragem”. In: LEVY, Daniel; SETOGUTI, Guilherme (Coord.). Curso de Arbitragem, p. 309-313; SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo: Quartier Latin, pp. 340 e 176.

[31] BORN, Gary B., International Commercial Arbitration – International Arbitral Awards, vol. III, 3a edição, 2021, AH Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, pp. 3364-3365.

[32] BORN, ibid, p. 3369: “Interim award in a narrow sense are understood as a decision that does not dispose finally of a particular claim (e.g., one of several claims for damages arising from several alleged breaches of contract), but instead only decides a preliminary issue relevant to disposing of such a claim in the future (e.g., choice of law, liability, construction of a particular contractual provision), without granting (or denying) relief on that claim. Used in this sense, a decision is “interim” because it is a step towards disposing of a portion of the parties’ claims but does not itself make a final decision either granting or rejecting any of those claims.”

[33] Por exemplo MARTINS, Pedro Batista. “Sentença arbitral parcial e litisconsórcio necessário” publicado na obra coletiva CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e BATISTA, Pedro Martins (Coord.). 20 anos da Lei de Arbitragem, pp. 594, 595 e 597; GIUSTI, Gilberto; CATARUCCI, Douglas Depieri. “Sentenças arbitrais parciais: visão doutrinária e prática do tema nos últimos 20 anos”. In: CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira e BATISTA, Pedro Martins (Coord.). 20 anos da Lei de Arbitragem, pp. 595, 569-572; SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 305.

[34] GALHARDO PALMA, Andréa. “Notas sobre a cooperação judiciário-arbitragem”. FGV Blog de Arbitragem, 29 de Marco de 2020. https://www.fgvblogarbitragem.com.br; GALHARDO PALMA, Andréa, “Um Olhar Judicial Sobre o Dispositivo das Sentenças Arbitrais.” ELIAS, Carlos e GUANDALINI, Bruno (coordenadores), A Função do Árbitro no Brasil, publicação prevista para 2021.

[35] SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo: Quartier Latin, 2020, pp. 155-156; DE CRESCENZO MARINO, Francisco Paulo. “Eficácia da convenção de arbitragem perante terceiros: o caso do terceiro beneficiário”. BENETTI, Giovana Benetti (coord.), Direito, Cultura, Método – Leitura da obra de Judith Martins-Costa (Editora G/Z 2019) pp. 859-876.

[36] BORN, Gary B., International Commercial Arbitration – International Arbitral Awards, vol. III, 3a edição, 2021, AH Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, p. 3267.

[37] KAUFMANN-KOHLER, Gabrielle; RIGOZZI, Antonio. International Arbitration: Law and Practice in Brazil, Oxford: Oxford University Presse, 2015, p. 388, para 7.107.

[38] O último tema abordei em outro artigo sobre o “Árbitro à Luz da Teoria da Agência” na obra coletiva coordenado por ELIAS, Carlos e GUANDALINI, Bruno. A Função do Árbitro no Brasil. A ser publicado em 2021.