DOAÇÃO DE SANGUE POR “HOMENS QUE FAZEM SEXO COM HOMENS” (HSHS): Entre a proibição discriminatória para o suposto grupo de risco e a necessidade de proteção da saúde pública por meio da enumeração de condutas de risco, uma análise do julgamento proferido na ADI 5543 do Supremo Tribunal Federal.

Resumo

O presente estudo objetiva a análise do julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5543, em que se discute a inaptidão temporária, por um período de 12 (doze) meses, após a prática sexual, de indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes. Demonstra-se, inicialmente, a adequação da jurisdição constitucional para o trato do tema, considerando a centralidade da Constituição e seus valores erigidos à norma jurídica de efetividade pelo Constituinte originário num Estado Democrático de Direito. É o Tribunal Constitucional Superior quem detém os meios para reconhecer a impossibilidade de discriminação de grupos estigmatizados e vulneráveis, dignos de ampla tutela, ainda que em controle abstrato de normas. O debate enseja a ponderação dos interesses em jogo, de um lado encontra-se a busca por uma adequada prestação de serviços, por meio da entrega de sangue de qualidade, com o menor risco de contaminações, em última análise a tutela à integridade física e da própria vida dos receptores do material coletado (saúde pública), e, de outro, a liberdade dos homossexuais de exercer a sua cidadania com a prática de ato de solidariedade e benevolência, afastando-se a violação à intimidade do determinado grupo e à sua dignidade humana. Por meio de uma análise detida dos votos dos Ministros do Tribunal Superior até o momento, pretende-se avaliar que aqueles que propugnam pela defesa da primeira das teses, adequada prestação do serviço de coleta do sangue, na defesa de que os homens na situação tipificada praticam sexo com risco acrescido bem como que, em função da denominada janela imunológica, não há como garantir a efetividade dos testes realizados em laboratório, o que impossibilita a total qualidade do material coletado, não é a melhor a ser adotada. Com efeito, a
normativa é clara e objetiva ao desigualar um grupo de pessoas por sua orientação sexual ao invés de tomar como base a idéia ontológica de conduta de risco puramente. Diz-se que a restrição, de cunho discriminatório (considera a orientação sexual, um grupo de risco e não a conduta de risco), não deve permanecer no mundo jurídico, até mesmo porque o período citado de 12 meses é excessivo (os estudos no processo indicam que a janela imunológica é de 10 a 12 dias, e, portanto, seria possível uma norma menos restritiva) e impede o desfrute de uma vida sexual normal (desnecessidade, subprincípio da proporcionalidade). A orientação sexual não deve ser critério para seleção de doadores por não constituir risco em si. Conclui-se, assim, que há inconstitucionalidade material nas normas impugnadas, a qual deve ser declarada a fim de se restaurar a dignidade da pessoa humana e atingir um dos objetivos fundamentais da República: constituir uma sociedade justa e solidária (artigo 3º, I da CF/88).

Palavras Chaves

Jurisdição constitucional – Doação de Sangue –Hipóteses discriminatórias – Impossibilidade - Dignidade da Pessoa Humana.