O Projeto de Lei nº 4.257/2019 e o endosso ao inciso IV do art. 3º da lei 8.009/90 na seara tributária

Resumo

O presente artigo tem como objeto expor brevemente a controvérsia existente entre o inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009/90 e o Projeto de Lei nº 4.257/2019, no que se refere às violações aos direitos fundamentais dos contribuintes do Imposto Predial Territorial Urbano, em débito perante o Fisco, face à impenhorabilidade do bem de família. Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha pacificado o entendimento a respeito da constitucionalidade da exceção à impenhorabilidade supracitada, algumas cortes brasileiras, têm se manifestado, pela flexibilização da exceção em comento, concluindo, este trabalho por este caminho para efeito do equilíbrio social no que tange à sensibilidade que a apreciação da questão demanda, como se expõe a seguir.

Abstract

The purpose of this article is to briefly expose the controversy existing between item IV of art. 3 of Law No. 8.009/90 and Bill of Law No. 4.257/2019, with regard to violations of the fundamental rights of taxpayers of the Urban Territorial Property Tax, owed to the Tax Authorities, in view of the impunity of the family property. Even though the Federal Supreme Court has pacified the understanding regarding the constitutionality of the exception to the aforementioned non-enforceability, some Brazilian courts have manifested themselves, by making the exception in question more flexible, concluding, this work along this path for the purpose of social balance in what concerns the sensitivity that one must have to appreciate the issue, as set out below.
Keywords: Bill of Law no. 4.257/2019; Law no. 8.009/90, immobilization of the family property, IPTU.

Artigo

O Projeto de Lei nº 4.257/2019 e o endosso ao inciso IV do art. 3º da lei 8.009/90 na seara tributária

Valéria Reis Gravino

Advogada, MBA em Direito Tributário, MBA em Gestão e Business Law (FGV), certificações pela Harvard/Edx, práticas jurídicas certificadas pelo Instituto Innovare, professora e escritora. Membro da Academia de Letras do Brasil e da Comissão OAB Mulher/RJ.

RESUMO

O presente artigo tem como objeto expor brevemente a controvérsia existente entre o inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009/90 e o Projeto de Lei nº 4.257/2019, no que se refere às violações aos direitos fundamentais dos contribuintes do Imposto Predial Territorial Urbano, em débito perante o Fisco, face à impenhorabilidade do bem de família. Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha pacificado o entendimento a respeito da constitucionalidade da exceção à impenhorabilidade supracitada, algumas cortes brasileiras, têm se manifestado, pela flexibilização da exceção em comento, concluindo, este trabalho por este caminho para efeito do equilíbrio social no que tange à sensibilidade que a apreciação da questão demanda, como se expõe a seguir.

Palavras-chave: Projeto de Lei nº 4.257/2019; Lei 8.009/90, impenhorabilidade do bem de família, IPTU.

ABSTRACT

The purpose of this article is to briefly expose the controversy existing between item IV of art. 3 of Law No. 8.009/90 and Bill of Law No. 4.257/2019, with regard to violations of the fundamental rights of taxpayers of the Urban Territorial Property Tax, owed to the Tax Authorities, in view of the impunity of the family property. Even though the Federal Supreme Court has pacified the understanding regarding the constitutionality of the exception to the aforementioned non-enforceability, some Brazilian courts have manifested themselves, by making the exception in question more flexible, concluding, this work along this path for the purpose of social balance in what concerns the sensitivity that one must have to appreciate the issue, as set out below.

Keywords: Bill of Law no. 4.257/2019; Law no. 8.009/90, immobilization of the family property, IPTU.

INTRODUÇÃO

A Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) clama por modificações em diversos aspectos, dentre os quais, a necessidade da inclusão da execução fiscal administrativa e da arbitragem tributária.

A inclusão do instituto supracitado foi posta em discussão no Congresso Nacional, através do Projeto de Lei nº 4.257/2019, atualmente em trâmite, cuja ementa é a que segue: “modifica a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária, nas hipóteses que especifica.” (BRASIL, Projeto de Lei nº 4.257/2019, 2019). Este projeto trata de uma inovação na seara tributária, uma vez que no Brasil, a prática da arbitragem neste ramo, não havia sido cogitada; afinal a atuação das entidades fiscais brasileiras, de natureza majoritariamente vinculada, não abre muitas brechas por força dos dispositivos legais limitadores da atividade fiscal. Ela necessita de autorização legal para a flexibilização de seus ditames, só podendo exercer a discricionaridade quando devidamente autorizada pela lei.

Tanto é assim que a própria lei define as limitações do Fisco não só quanto aos preceitos, regras basilares e princípios, como também em relação às exceções a estes princípios, pois nem todos os direitos fundamentais, como o direito social da moradia, são necessariamente preservados, como pretendemos discorrer a seguir.

Esse direito é flexibilizado, aparentemente, no ramo tributário, quando a lei exclui a impenhorabilidade do bem de família, face à cobrança de Imposto Predial Territorial Urbano, doravante denominado apenas IPTU. Esta é uma afirmação um tanto delicada de se expor, à medida em que seja de conhecimento geral que o escopo da lei não é ofender um direito como este, e sim aperfeiçoar a eficácia da arrecadação.

No entanto, não é bem assim que funciona na prática, à medida em que algumas situações demandam uma melhor análise da situação financeira do contribuinte, o que envolve não apenas princípios de direitos fundamentais, como também a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, por exemplo. Neste sentido, as cortes brasileiras têm flexibilizado a questão do afastamento legal da impenhorabilidade de imóveis devedores de IPTU.

Ocorre que, segundo a justificação do Projeto de Lei nº 4.257/2019, a discussão supra seria totalmente superada, se o projeto for aprovado em sede de execução fiscal administrativa e arbitragem tributária, conforme se depreende de seu texto, abaixo:

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que o bem gerador do tributo pode ser escolhido pela Fazenda para satisfazer a dívida, porquanto a execução é feita no interesse do credor de maneira a proporcionar a efetiva satisfação da obrigação (cf. STJ, REsp 1.695.032/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2017). Além disso, a Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, expressamente afasta a impenhorabilidade do bem de família nos processos de execução fiscal movidos para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar (art. 3º, IV). Da mesma maneira, exclui da natureza de bem de família os veículos de transporte. A razão pela qual esse projeto se restringe a instituir um procedimento de execução fiscal administrativa para a cobrança do IPTU, do IPVA, do ITR, da contribuição de melhoria e das taxas incidentes em razão da propriedade é justamente porque, nesses casos, não há, em virtude de previsão legal expressa, possibilidade de se invocar a garantia do bem de família. Assim, se o devedor não quitar os tributos, a solução legal, a qual não pode ser afastada pelo magistrado consoante a jurisprudência pátria à luz da legislação, é justamente a alienação dos imóveis ou veículo para quitação.”

Desta forma, como a justificação do referido Projeto de Lei ultrapassa questões fundamentais sobre a prática da cobrança do crédito tributário, aprofundaremos um pouco mais tais questões a seguir, sem, contudo, ter a pretensão de esgotá-las, posto não ser o objeto deste trabalho.

DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

 A lei 8.009/90, que trata da impenhorabilidade do bem de família assim dispõe em seu art. 1º:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.”

Assim, à primeira vista, poderíamos nos convencer de que a cobrança judicial de qualquer dívida fiscal não poderia ser suficiente para penhorar um bem de família, não fosse o que dispõe, em seguida, o inciso IV do art. 4º da supracitada lei:

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

IV – para cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;”

 

E aqui reside a problemática, pois, esta exceção em relação à impenhorabilidade do bem de família, traz uma série de questões à baila, que não podem ser desprezadas pelo Judiciário — e não tem sido — de acordo, com a flexibilização dos julgados sobre o tema como se verá seguir.

É importante destacar que não se presta este trabalho a discutir a constitucionalidade do inciso IV do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, uma vez que esta questão já foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, em que pese a discussão ainda persistir no âmbito doutrinário, pois as consequências danosas ainda permanecem.

As consequências giram em torno de direitos fundamentais, aqui, o direito fundamental da moradia, contemplado no art.  6º da Constituição Federal vigente:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Embora o direito de moradia não se confunda, necessariamente, com o direito de propriedade, é preciso antes considerar a função social da Lei nº 8.009/90. Esta lei preserva o direito de moradia, com o condão de garantir ao devedor um mínimo necessário à sua sobrevivência e a de sua família, no sentido de assegurar, sobretudo, o postulado do princípio da dignidade da pessoa humana.

No entanto, todo este entendimento do legislador, cai por terra quando se trata, no aspecto em comento, do afastamento da impenhorabilidade do bem de família; em que pese a imperiosidade do conceito do crédito fiscal, tendo em vista sua natureza pública para atendimento da coletividade; pois o devedor, é também pertencente à coletividade, é também beneficiário do crédito público e em se tratando de um momento de dificuldade financeira, também faz jus à algumas proteções como a de se considerar a menor onerosidade, quando esta cobrança viola o mínimo existencial ou digno no que tange à sua sobrevivência e a de seus familiares.

Mesmo um indivíduo condenado criminalmente, tem direitos invioláveis, apesar de na prática sabermos que estes são violados quase que por regra, por falta de nossa educação social e cultural; não se configura um bom senso que, a título ilustrativo, um trabalhador em dificuldades, tenha seu imóvel penhorado por uma dívida fiscal, ficando desalojado ele e sua família de moradia, necessitando abrigar-se por meio de favores ou mesmo ao relento. Esta não seria a lógica da função social dos tributos. Seria, no mínimo, um enorme equívoco.

Surge então, em contraponto, a necessidade da aplicação de outros princípios além do princípio do direito à moradia e da dignidade da pessoa humana, o da razoabilidade e da proporcionalidade, face a alguns casos que ensejam a flexibilização do afastamento da impenhorabilidade de que trata o inciso IV, do art. 3º da Lei 8.009/90.

FLEXIBILIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE DO INCISO IV DO ART. 3º DA LEI 8.009/90

A exposição de motivos da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) assim dispõe:

“Sobreleva, no particular, a importância da obrigação pública, com características próprias, hierarquicamente superior a qualquer outro gênero de obrigação ou privilégio de natureza privada. Predomina o interesse público – econômico, financeiro e social. Em consequência, nenhum outro crédito deve ter, em sua execução judicial, preferência, garantia ou rito processual que supere os do crédito público, à execução de alguns créditos trabalhistas.”

Desta forma, deduz-se facilmente que nada obstará a cobrança do crédito tributário, a não ser as exceções acima mencionada. Porém, merece reflexão um exemplo corriqueiro, para ilustrar o que vem ocorrendo no cotidiano da prática jurídica tributária: o caso em que a dívida relativa ao IPTU é bastante inferior em relação ao valor do imóvel.

Temos que, o proprietário de um imóvel recebe cobrança judicial referente às cotas atrasadas de IPTU, no valor total de R$10.000,00 (dez mil reais). Seu imóvel tem o valor venal de cerca de R$300.000,00 (trezentos mil reais). Em plena dificuldade financeira, o proprietário do imóvel não consegue arcar com o débito e no transcorrer do processo de execução fiscal o bem sobre o qual recai a dívida é penhorado e em seguida, leiloado.

Não se afigura arrazoado que seja realizada a alienação de um imóvel em hasta pública para quitar um débito em fragrante desproporcionalidade em termos de valores; no caso, comparando-se o valor do imóvel versus o valor do débito, há uma imensa discrepância.

No mais, poderia se considerar que com saldo remanescente da alienação, o proprietário do imóvel poderia adquirir um outro. Porém, em termos práticos, não é nada fácil encontrar um novo imóvel, muito menos realizar a transição de vida e não só a mudança de bens e objetos física que isso representaria. Afora a considerável quantia extra que o proprietário e sua família necessitariam dispender nesta transição, quando é justamente o dinheiro é o que lhe falta. E ainda, a questão interna, a moral exposta como devedor a ponto de perder o bem que guarnece seus pertences e sobretudo, a própria família.

São essas questões que devem ser suscitadas e profundamente analisadas quando se fala em afastamento da impenhorabilidade do bem de família. Existem pontos cruciais relativas aos direitos fundamentais e princípios basilares que não podem ser também afastados quando se torna penhorável o bem de família por débito de IPTU.

Este é um ponto grave e nocivo até os dias atuais, por mais que o Supremo Tribunal Federal tenha considerado o inciso IV do artigo 3º da Lei 8.009/90 constitucional, mesmo que ele continue lesando de forma extremamente cruel a vida de muitos brasileiros em estado de desemprego, por exemplo, desconsiderando que o débito deve ser executado de forma menos gravosa ao devedor, a fim de que seja permita sua subsistência, e isso é tudo o que não vislumbra nessa hipótese.

Portanto, algumas cortes vêm se sensibilizando diante de situações graves como esta e flexibilizando a malfadada norma. Diz-se malfadada, posto que, se comparada à situação de um indivíduo que é proprietário de um imóvel locado — portanto, imóvel onde não reside sua família — e que é devedor de um débito de natureza civil, as cortes têm protegido este imóvel locado como bem de família (vide julgado do Superior Tribunal de Justiça, Embargos de Divergência em REsp nº 182.223 – SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira ), o que se dizer quando uma norma como a que está em comento é aplicada friamente, sem que sejam considerados aspectos fundamentais, sociais e econômicos. Mesmo assim, este não é um entendimento pacífico ou mesmo majoritário nos tribunais.

Neste sentido, defendemos neste trabalho que o crédito fiscal deve ser sim satisfeito, desde que esta satisfação esteja adequada aos princípios constitucionais que tutelam os direitos fundamentais, à profunda análise do quadro social e econômico do contribuinte e ainda à perfeita aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Daí a defesa para que seja flexibilizado o comando do inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009/90.

E analisando essa flexibilização, vislumbramos que o Projeto de Lei nº 4.257/2019, poderia servir de instrumento com o fim de auxiliar na resolução de conflitos sobre questões tão sensíveis, como as que estamos a elucidar. Contudo, não é o que ocorrerá se o referido projeto for aprovado como está.

O PROJETO DE LEI Nº 4.257/2019 COMO ENDOSSO DO INCISO 4º DO ART. 3º DA LEI 8.009/90

A justificação do projeto de Lei nº 4.257/2019, que altera a Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80) para instituir a execução fiscal administrativa e da arbitragem tributária no que tange ao inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009/90, assim dispõe:

Além disso, a Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, expressamente afasta a impenhorabilidade do bem de família nos processos de execução fiscal movidos para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar (art. 3º, IV). Da mesma maneira, exclui da natureza de bem de família os veículos de transporte.

A razão pela qual esse projeto se restringe a instituir um procedimento de execução fiscal administrativa para a cobrança do IPTU, do IPVA, do ITR, da contribuição de melhoria e das taxas incidentes em razão da propriedade é justamente porque, nesses casos, não há, em virtude de previsão legal expressa, possibilidade de se invocar a garantia do bem de família. Assim, se o devedor não quitar os tributos, a solução legal, a qual não pode ser afastada pelo magistrado consoante a jurisprudência pátria à luz da legislação, é justamente a alienação dos imóveis ou veículo para quitação.

Como se pode depreender do texto acima, ao contrário do que era esperado, o projeto em comento não possui o condão de dirimir as questões relativas aos direitos fundamentais, senão vejamos no trecho abaixo:

“Como se demonstrará abaixo, não há motivo para que a cobrança desses tributos se dê exclusivamente por meio da execução fiscal. A edição de lei autorizando a execução administrativa desses tributos não ofende ou retira qualquer direito ou garantia fundamental do cidadão e procedimento similar, previsto no Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, adotado por instituições financeiras, já foi declarado compatível com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal no RE 408224 AgR (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJe de 30.08.2007). A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, também prevê um rito executivo extrajudicial.”

Segundo o projeto de lei supracitado, se não há impedimentos por parte do Supremo Tribunal Federal e se o dispositivo em comento da Lei nº 8.009/90 autoriza a impenhorabilidade, não há ofensa a direitos fundamentais, ensejando inclusive, a limitação da intervenção judicial, por denotação da ausência destes direitos, como transcrito a seguir e acima já descrito:

A razão pela qual esse projeto se restringe a instituir um procedimento de execução fiscal administrativa para a cobrança do IPTU, do IPVA, do ITR, da contribuição de melhoria e das taxas incidentes em razão da propriedade é justamente porque, nesses casos, não há, em virtude de previsão legal expressa, possibilidade de se invocar a garantia do bem de família. Assim, se o devedor não quitar os tributos, a solução legal, a qual não pode ser afastada pelo magistrado consoante a jurisprudência pátria à luz da legislação, é justamente a alienação dos imóveis ou veículo para quitação.”

Sendo assim, é de se concluir facilmente, à primeira vista, que não haveria mais nenhuma pauta a se levar à discussão, posto que o projeto de lei em tela, endossa o afastamento da impenhorabilidade do bem de família face à cobrança judicial do IPTU.

Porém, direitos fundamentais são profundamente desrespeitados em nosso cotidiano da prática jurídica, conforme ilustramos acima. E esta discussão não pode ser enterrada.

O Projeto de Lei nº 4.257/2019 deve trazer à baila discussões para a proteção dos direitos fundamentais, para a perfeita aplicação dos princípios constitucionais; enquanto houver um ser humano atacado em seu direito à sobrevivência, não se pode passar por cima das questões ou não se aventar a possibilidade de rediscuti-las.

O próprio contribuinte devedor é também beneficiário do produto dos tributos quitados à Fazenda, posto que é parte da coletividade sustentada pelo saldo desses tributos; e ao não quitá-los, ele não receberá a assistência devida. Ou ao menos, não regularmente, como deveria, o que já se leva para a seara da gestão pública dos tributos.

Mas o que está em tela neste trabalho, é o fato de uma lei que poderia trazer por exemplo, a arbitragem tributária para sanar graves práticas como a que temos aqui demonstrado, usá-la para prejudicar ainda mais o contribuinte.

Um outro exemplo, seria o caso de a arbitragem ser escolhida pela Fazenda Pública para executar a cobrança do crédito tributário. Se o cidadão não tem como pagar os tributos, não há como pensar que ele teria a capacidade financeira para arcar com as despesas de uma arbitragem desta natureza.

Logo, é um enorme equívoco pensar que essas questões aqui levantadas podem ser tratadas de forma generalizada, sem customizá-las de acordo com cada situação, o que configura a justiça ou os meios de desjudicialização sendo utilizados para a prática de injustiça, causando danos não somente ao lesado de seus direitos, como também para a sociedade, à medida em que estes danos certamente reverberam.

A arbitragem tributária poderia, certamente, procurar equacionar as questões ora suscitadas, mas diante do quadro apresentado, seria inviável. Isto porque, tanto no manejo dela, quanto no da execução fiscal administrativa, havendo descumprimento por parte do contribuinte, os ditames utilizados para a execução do termo acordado na arbitragem ou que compõe o deslinde da execução administrativa, são os mesmos da execução fiscal, em nada modificando, em termos de proteção dos direitos fundamentais do contribuinte devedor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos benefícios não podem deixar de serem considerados com o advento do Projeto de Lei nº 4.257/2019. Apesar de o próprio texto da justificação do projeto em comento afirmar que ele não se constitui como uma novidade no ordenamento brasileiro, ao menos na seara tributária, a arbitragem tributária que ele pretende instituir é sim, uma inovação, como afirmamos no introito deste trabalho e sobre este aspecto, somos entusiastas.

Entretanto, algumas questões, como as que brevemente suscitamos merecem cautela, assim como melhor análise e ponderações; afinal, tratando-se de direitos fundamentais, a linha que perpassa o limite da violação é tênue. Mesmo com uma lei que carrega um dispositivo equivocado e mesmo que a máxima corte de uma país o declare constitucional, as consequências destes ditames continuam lesando seres humanos. E a rediscussão, em se tratando de direitos supremos, não pode ser estancada.

O Projeto de Lei nº 4.257/2019 era uma excelente oportunidade de rever as questões aventadas neste trabalho; a flexibilização do inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009/90, se faz mandatória, à medida em que a sociedade não se adequa apenas à letra fria da lei. A sociedade é feita de seres humanos e diante disso, além de mutável, é necessário uma fiel análise dos aspectos econômicos e sociais de cada um, antes de que se cometa uma grande injustiça, não apenas com um cidadão, mas também com o seu entorno, tornando a reverberação destes equívocos uma dano maior que alcance a toda a sociedade, pois alguns atos considerados constitucionais, podem gerar miseráveis; e nos dias de hoje é tudo que se deve ter como meta, evitar.

Ainda assim, com ressalvas saudamos a iniciativa, posto que, se endossa a prática de ofensas a direitos fundamentais, ainda assim, está pautada em lei, mesmo que equivocada neste ponto, o que demanda certo bom senso ao se tocar em pontos tão frágeis da nossa defeituosa educação social. Temos que fortalecer as defesas e não endossar os ataques.

Como o projeto em trâmite, apesar de algumas cortes se sensibilizarem com a questão em tela e tendo tentando remediá-la, esperamos ao fim, sejam de alguma forma sanados estes vícios contidos no Projeto de Lei nº 4.257/2019, para que seu alcance ao bem-estar social seja efetivamente pleno.

Por fim, conclui-se que a onerosidade excessiva da penhora de que trata este trabalho demanda um cuidado especial por parte do legislador, das cortes e da sociedade, mesmo que isto custe um maior esforço para provocar uma rediscussão de assuntos considerados superados, equivocadamente.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http:/http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8009.htm. Acessado em 07/08/2020.

BRASIL. Lei nº 8.009/90, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em http:/http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8009.htm. Acessado em 07/08/2020.

BRASIL. Projeto de Lei nº 4.257/2019. Modifica a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária, nas hipóteses que especifica. Disponível em http:/https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137914. Acessado em 07/08/2020.

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

Palavras Chaves

Projeto de Lei nº 4.257/2019; Lei 8.009/90, impenhorabilidade do bem de família, IPTU.