A ABUSIVIDADE DA COBRANÇA DA TAXA DE EMISSÃO DE BOLETO E A OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA DECISÃO PROFERIDA NO RECURSO ESPECIAL 1.439.314/RS THE ABUSE OF THE COLLECTION OF THE BANK SLIP FEE AND THE OFFENSE TO THE CONSUMER PROTECTION CODE OF THE DECISION RENDERED IN SPECIAL APPEAL 1.439.314/RS

Resumo

O artigo busca analisar a abusividade das instituições financeiras pela cobrança da taxa de emissão de boleto bancário diante do atual cenário jurisprudencial. O problema que orientar a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte pergunta: Em que medida o Recurso Especial n. 1.439.314/RS contraria a proteção prevista no Código de Defesa do Consumidor? Com base nos dados levantados a partir de um conjunto de pesquisas realizadas sobre o tema na área do Direito, refletida a partir da bibliografia que dá sustentação ao presente estudo, torna-se possível afirmar que a instituição judicial que deveria resguardar a lei infraconstitucional e proteger ao consumidor acabou por fomentar atos arbitrários com a consequente transferência de responsabilidade e um ônus exagerado aquele que busca pagar suas obrigações. Os objetivos específicos do texto, que se refletem na sua estrutura em três seções, são: a) Avaliar, os princípios inerentes ao Direito do Consumidor; b) Investigar o conceito de consumidor e fornecedor com as respectivas obrigações. O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental.

Artigo

A ABUSIVIDADE DA COBRANÇA DA TAXA DE EMISSÃO DE BOLETO E A OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA DECISÃO PROFERIDA NO RECURSO ESPECIAL 1.439.314/RS

 

THE ABUSE OF THE COLLECTION OF THE BANK SLIP FEE AND THE OFFENSE TO THE CONSUMER PROTECTION CODE OF THE DECISION RENDERED IN SPECIAL APPEAL 1.439.314/RS

Rodrigo Portão Puzine Gonçalves[1]

  

 

Resumo: O artigo busca analisar a abusividade das instituições financeiras pela cobrança da taxa de emissão de boleto bancário diante do atual cenário jurisprudencial. O problema que orientar a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte pergunta: Em que medida o Recurso Especial n. 1.439.314/RS contraria a proteção prevista no Código de Defesa do Consumidor? Com base nos dados levantados a partir de um conjunto de pesquisas realizadas sobre o tema na área do Direito, refletida a partir da bibliografia que dá sustentação ao presente estudo, torna-se possível afirmar que a instituição judicial que deveria resguardar a lei infraconstitucional e proteger ao consumidor acabou por fomentar atos arbitrários com a consequente transferência de responsabilidade e um ônus exagerado aquele que busca pagar suas obrigações. Os objetivos específicos do texto, que se refletem na sua estrutura em três seções, são: a) Avaliar, os princípios inerentes ao Direito do Consumidor; b) Investigar o conceito de consumidor e fornecedor com as respectivas obrigações. O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras chaves: Consumidor, Taxa de Emissão de Boleto,Práticas Abusivas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 estabeleceu em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana junto com a prevalência dos direitos humanos, na forma do artigo 4º, inciso II.

Na forma estabelecida pelo artigo 29, item “a” da Convenção Americana de Direitos Humanos, veda-se o suprimento de quaisquer direitos, exercícios e liberdades reconhecidas nesta ou limitá-los em maior medida do que nela prevista, ou seja, tem-se, expressamente, proibido a profanação de quaisquer direitos humanos.

Tendo tais fundamentos sido observados na Carta Magna, que arrolou a proteção ao consumidor no rol de direitos fundamentais, os quais estão previstos no artigo 5º, inciso XXXII, bem como princípio geral da atividade econômica, na forma do artigo 170, inciso V, daquela Carta.

Urge esclarecer, que apesar dos direitos fundamentais e direitos humanos serem, ontologicamente, institutos não distintos, pode ser realizada sua diferenciação quanto à utilização, pois direitos fundamentais são aqueles essenciais, haja vista encontrarem fundamento último na dignidade humana, sendo positivados nas Constituições dos Estados, enquanto os direitos humanos são aqueles positivados nos Tratados e Convenções de Direitos Humanos, ou seja, na essência não se distinguem, todavia, as expressões devem ser utilizadas de forma diversa, pois ocorre distinção sobre o plano de positivação.

Deve-se ter atenção, para o fato de ser atécnico atarantar os direitos fundamentais com as garantias fundamentais, apesar de serem dotados da mesma hierarquia e imperatividade. Nos dizeres de Luís Henrique Linhares Zouein, no Curso Intensivo de Direito Constitucional da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro[2], pode distinguir-se da seguinte maneira:

  1. Direitos fundamentais são os bens da vida reconhecidos e promovidos pela Constituição ou pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, sendo, por exemplo, direito à vida, à liberdade de locomoção entre outros;

  1. Garantias Fundamentais são instrumentos/normas assecuratórias que buscam proteger, promover ou reverter uma violação aos bens da vida protegidos pelos direitos;

  1. Garantia Fundamental é um gênero que abarca diversas espécies, inclusive os remédios constitucionais, sendo estas garantias de estruturas procedimentais de ações judiciais: Habeas Corpus, Habeas Data, Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Ação Popular e Mandado de Injunção;

  1. As garantias, em sentido amplo ou institucional, são instituições que tem função primordial de promoção da tutela dos direitos fundamentais, tais como: Ministério Público e Defensoria Pública.

Desta feita, tem-se devidamente justificado a razão pelo qual o artigo 5º encontra-se situado no Título II, que aborda os direitos e garantias fundamentais, sendo explicitada a diferenciação sobre os significados de ambas as expressões.

Cabe menção da natureza da norma constitucional, prevista no inciso XXXII do retro mencionado artigo, pois sua classificação é de eficácia limitada de princípio institutivo, que segundo a classificação de José Afonso da Silva, que ordena a criação de um regulamento, o qual não afronte direitos e limites impostos pelo poder constituinte originário, haja vista, que ficou determinado preliminarmente à criação de determinada obrigação.

Logo, o constituinte originário deixou de forma clara a necessidade de criação de uma norma, que conferisse proteção ao consumidor, sendo corroborado pela determinação do artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, no qual consta um prazo de 120 (cento e vinte) dias para elaboração do Código de Defesa do Consumidor – CDC, tendo como início da contagem à promulgação da Constituição.

Diante desse contexto, em 11 de setembro de 1990, surgiu a Lei 8.078, que institui o CDC, no qual o artigo 1º repetiu o constante da Carta Política e nos artigos 2º e 3º ficaram estabelecido as definições sobre consumidor e fornecedor, sendo estes elementos essenciais para a compreensão de todas as demais normas consumeristas.

  • PRINCIPIOLOGIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

Para melhor compreensão do tema se faz imperioso a análise dos princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, sendo estes: vulnerabilidade, hipossuficiência, intervenção estatal, boa-fé objetiva, informação, transparência, função social do contrato, adequação, proteção às práticas abusivas, reparação integral, acesso à justiça.

Preliminarmente, é de vital importância que se compreenda o conceito de princípio para o direito, sendo este a base da norma, a razão de seu existir, o norte a ser seguido pelo ordenamento jurídico.

Tal posicionamento é sustentado por Mello (2004), que através de sua doutrina estabelece que

O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido harmônico.

Apesar da importância de todos os princípios, retro mencionados ao presente tópico, serão analisados os princípios da vulnerabilidade, boa-fé e proteção às práticas abusivas.

1.1 – PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE

Tipicamente nas relações de consumo ocorre a clara e manifesta desproporção entre fornecedor e consumidor, por tal razão surge este princípio, pois visa reequilibrar essa relação jurídica, embora, possa ser criticado tal posicionamento de reequilíbrio, pois sequer houve efetivamente o equilíbrio, tendo em vista a desproporção entre as partes.

Dessa forma, a explicação para a criação de todo um sistema de proteção ao consumidor é a sua evidente vulnerabilidade em relação ao fornecedor, sendo uma característica intrínseca à condição de consumidor, seja a vulnerabilidade técnica, jurídica, política, biológica, social ou ambiental.

 Assim, é possível afirmar que todo consumidor (destinatário final de produto ou serviço – conforme definição do art. 2º, do CDC) é vulnerável, encontrando previsão legal junto ao artigo 4º, inciso I, da Lei 8.078/90.

Sintetizando o exposto neste título, tem-se os ensinamentos de Antônio Herman V. e Benjamin ao prefaciar o livro de Moraes (1999):

O princípio da vulnerabilidade representa a peça fundamental no mosaico jurídico que denominamos Direito do Consumidor. É lícito até dizer que a vulnerabilidade é o ponto de partida de toda a Teoria Geral dessa nova disciplina jurídica (…) A compreensão do princípio, assim, é pressuposto para o correto conhecimento do Direito do consumidor e para a aplicação da lei, de qualquer lei, que se ponha a salvaguardar o consumidor.

 

1.2- PRINCÍPIO DA BOA

O princípio da boa-fé teve seu nascimento com o direito romano, pautado pela equidade, norteando, atualmente, todas as relações jurídicas, constante nos mais importantes sistemas legislativos ocidentais.

A doutrina busca conceituar o princípio da boa-fé, entretanto, diante da subjetividade inerente a tarefa encontra alguns percalços, haja vista envolver elementos morais, ou seja, intrínsecos à pessoa humana e inexistindo meios de prova direta.

Para superar tal dificuldade os doutrinadores passaram a analisar sob o prisma positivo e negativo, naquele se revela no momento em que o indivíduo age na crença de que procedem com lealdade, sinceridade e convicto da existência do próprio direito, enquanto neste a boa-fé se resume na falta de consciência do agente, de que seu ato poderá acarretar prejuízos a outrem, ou seja, a ausência de vontade de prejudicar, contrapondo-se, assim, à má-fé.

Sobre o tema Costa (2015) faz alusões diferentes da boa-fé objetiva: cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos, então vejamos:

A boa-fé objetiva, por fim, implica na limitação de direitos subjetivos. Evidentemente, a função de criação de deveres para uma das partes, ou para ambas, pode ter, correlativamente, a função de limitação ou restrição de direitos, inclusive de direitos formativos. Por essa razão é alargadíssimo esse campo funcional, abrangendo, por exemplo, relações com a teoria do abuso do direito, com a exceptio doli, a inalegabilidade de nulidades formais, a vedação a direitos por carência de seu exercício em certo tempo para além das hipóteses conhecidas da prescrição e da decadência etc. Nesse panorama privilegiarei, porém, a invocação de três hipóteses, quais sejam a teoria do adimplemento substancial, em matéria de resolução de contrato, a invocação de regra do tu quoque, em matéria de oposição da exceção de contrato não cumprido, e o venire contra factum proprium, todas possíveis de ser englobadas na ampla categoria da inadmissibilidade da adoção de condutas contrárias à boa-fé.

1.3 – PROTEÇÃO ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS

O objetivo principal do presente princípio é reprimir abusos em geral no mercado de consumo, pois na maior parte das vezes os fornecedores culpam a economia, competitividade do mercado, entre outras alegações das quais camuflam tais práticas levando o consumidor a erro e, na maior parte das vezes acarretam prejuízos ao seu patrimônio.

Conforme os ensinamentos de Efing (2004) conceitua-se prática abusiva como: “comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor.” Na mesma linha temos o apontamento de Benjamin (2004): “É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor”.

Assim, esta diante das práticas comerciais abusivas quando todas as condutas tendem a ampliar a vulnerabilidade do consumidor.

 

II- CONSUMIDOR E FORNECEDOR UMA DIFERENCIAÇÃO NECESSÁRIA

 

O artigo 2º do CDC elenca o conceito de consumidor, enquanto que na doutrina será conhecido como stricto senso ou standard, e através da reprodução ipsis litteris tem-se que:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Diante da leitura do conceito fornecido pela lei, cabe dedução em relação ao elemento teleológico da relação de consumo, pois obriga que o produto ou serviço, ao ser utilizado pelo consumidor, seja necessariamente utilizado de maneira definitiva para satisfação de sua necessidade própria.

Ocorre que a norma não especificou e nem trouxe clareza necessária de entendimento, do que efetivamente, seria o conceito aberto de destinação final de um serviço ou produto, assim, obrigou a doutrina a se posicionar, apresentando duas teorias distintas, as quais fizeram diferenciações, ou seja, deverá ser analisada a teoria finalista/subjetiva e a maximalista/objetiva.

Ao dissertar sobre a teoria finalista, na qual a destinação final seria dar destino fático (retirando o produto de circulação) ou destinando-o à economia, sendo esta compreendida como não utilização do respectivo produto ou serviço como insumo na atividade produtiva, visando auferir lucro.

Neste sentido SILVA (2008) explicita:

Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é , ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático)

A teoria finalista “alberga o entendimento de que se deve proceder in casu a uma interpretação restrita do que se tem por consumidor, diminuindo sobremaneira a protetiva incidência do Código, afeta, apenas, os casos de existência de um polo hipossuficiente, inferior” ( JUNIOR, 2008).

A respectiva contraposição a esta teoria seria a maximalista, no qual entende que a ratio legis trouxe ao ordenamento normas de regência de tudo que se refere a consumo, ou seja, não servirá apenas para consumidores não profissionais, mas para todo o mercado.

Sobre o tema, podem-se citar as lições de Marques (2000) que em sua obra sustenta:

A definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para sua família.

Por fim, quanto ao conceito de destinatário final, o Superior Tribunal de Justiça- STJ criou a Teoria Finalista Mitigada ou Finalista Aprofundada, ao qual além de observar a destinação do produto ou serviço adquirido, levará em consideração de igual maneira o porte econômico do consumidor.

A ministra do STJ, Nancy Andrighi, descreve as características da teoria finalista mitigada da seguinte maneira:

(…) a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art.4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil, econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas na doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidor (…).

Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1195642. Relatora: Nancy Andrighi. Brasília. 25 de outubro de 2012

Ainda podemos encontrar no parágrafo único do artigo 2, bem como nos artigos 17 e 29 a presença dos consumidores equiparados, naquele seria a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis que venha a sobrevir na relação de consumo, quanto a estes, tem-se, respectivamente, o consumidor bystanders e o equiparado.

Os consumidores bystanders são todos aqueles que são vítimas do produto ou fato defeituoso, sendo na prática aquele que não interveio diretamente na relação de consumo, mas acabou tornando-se vítima, enquanto o consumidor equiparado do artigo 29, são pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais nas situações nele contidas. Assim, mesmo não sendo consumidores stricto sensu, poderão fazer uso das normas especiais do CDC, seus princípios, ética de responsabilidade social no mercado, sua ordem pública nova, para combater praticas comerciais abusivas.

Insta salientar, que a legislação consumerista em seu artigo 3º, igualmente, elencou o conceito de fornecedor de serviço, neste sentido se estabeleceu o seguinte:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O conceito fornecido no artigo 3º, através de uma análise e leitura criteriosa pode-se vislumbrar a subdivisão em três grupos distintos de fornecedor, sendo eles:

  1. Fornecedor real seria o fabricante, construtor ou produtor;
  2. Fornecedor aparente não participa do processo de fabricação ou produção, mas em virtude seu nome ou marca constar no produto, passa a ser entendido como formatador deste, aplicando-se a teoria da aparência;
  3. Fornecedor presumido seria o importador.

O fornecedor pode ser entendido como aquele que distribui os riscos da relação de consumo, cabendo ao que Mendonça (2013) menciona como movimento – Law and Economics – que teve seu início com Guido Calabresi e Ronald Coase, ajudando a compreender as abordagens econômicas na elaboração de normas jurídicas.

Carnaúba (2013) doutrina no sentido que todo fornecedor tem custos com a produção ou fornecimento, englobando custos de acidente e segurança que serão diluídos e repassados ao preço final disponibilizado ao consumidor, não sendo vedado integralmente tal prática pelo CDC, pois se assim fizesse estaria impedindo o comércio, todavia, aquele veio a delimitar até que momento pode ser feito sem caracterizar um ilícito, uma prática abusiva levando ao consumidor a ponto de desvantagem excessiva.

2.1 –  CLÁUSULAS ABUSIVAS

 

O CDC na seção IV estabeleceu o que seriam as práticas abusivas no artigo 39 e seus incisos, tendo o rol elencado caráter exemplificativo.

Tendo sob a perspectiva exata compreensão sobre o conceito aqui explicitado, inicialmente tem por mandatório observar a relação com o abuso de direito. A constatação que o titular de um direito poderia utilizar deste e para coibir levou o legislador a tipificar certas ações como abusivas.

De acordo com a renomada doutrina de Nunes (2019), o conceito de abuso de direito poderia se dar como: “o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular”.

 Ao denominar práticas abusivas fala-se em ações e/ou condutas que caso existam naquela relação jurídica, fica demonstrada a ilicitude, ainda que não exista algum dano real.

Neste exato sentido comporta observação mais aprofundada a despeito dos artigos 39, em seu inciso V combinado com 51, inciso IV, pois as empresas jurídicas na simples interpretação desses artigos não poderiam repassar aos consumidores a denominada taxa de emissão de boleto, pois estariam cobrando para emitir quitação da dívida, ainda que de forma parcial, transferindo onerosamente obrigação a aquelas atribuídas na forma do artigo 319 do Código Civil.

A abusividade na conduta denota-se, pois o custo deveria ser suportado pela instituição bancária ou pessoa jurídica emitente do boleto bancário, na medida em que estas são devidamente remuneradas pelos respectivos preços de produtos e/ou serviços previamente desejados pelo consumidor, tendo por violado os princípios da boa-fé, transparência e vulnerabilidade deste grupo.

Deve-se acrescer ainda que o Banco Central por meio de sua Resolução 3.693/2009, que modificou o artigo 1º da Resolução 3.518/2007,vedou expressamente a cobrança de tarifa de emissão de boleto de cobrança, carnês e assemelhados.

Veja-se, a tarifação da emissão desse tipo de cobrança seria remunerar o vendedor tanto pelo objeto ou serviço ofertado, como pelo direito do devedor de pagar, haja vista que somente seria disponibilizado tal opção de pagamento, se acrescido do valor em questão somado ao valor efetivamente anuído por este.

Por tal fato, incide o artigo 51, inciso IV, que elucida que a exigência seria cláusula abusiva, sendo nula de pleno direito, as obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade, desde que tais contratos sejam posteriores ao fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96.

No mesmo sentido se manifestou o Superior Tribunal de Justiça – STJ, através do Recurso Especial Nº 1.161.411 – RJ (2009/0197795-3), no qual a Ministra Nancy Andrighi, assim, se manifestou em determinada parte de seu voto:

(…) por derradeiro e não menos importante, há de se consignar que a cobrança de tarifa pelo pagamento de uma conta ou serviço mediante boleto bancário significa cobrar para emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por ela não pode nada solicitar, além de aceitar que o direito à quitação pode ser condicionado ao pagamento de quantia em dinheiro. Isso porque o devedor tem, conforme dispõe o art. 319 do CC/02 (art. 939 do CC/16), ‘direito a quitação regular, podendo reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada’. Dessarte, considerando-se que a expedição de boleto de pagamento é ônus da instituição financeira, não se podendo o seu custo ser transferido ao financiado, e que assim o fazendo, acarretará ‘dupla tarifação’ e, por consequência, enriquecimento sem causa do banco, conclui-se que a cláusula que estabelece a cobrança de tarifas de emissão de boleto bancário, incidente na outorga do financiamento, é nula de pleno direito, por se configurar obrigação iníqua e abusiva na medida em que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, proclamando, ainda, flagrante ofensa à boa-fé e à equidade contratual, conforme o disposto no art. 51, IV, do CDC (…).

Por fim, a referida tarifa de igual forma é vedada a sua cobrança, por diversas leis estaduais podendo citar a título de exemplificação as Leis 4.549/2005 do Estado do Rio de Janeiro e 14.463/2011 do Estado de São Paulo, que são as duas maiores metrópoles do país.

Ocorre que o STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.439.314/RS – RESP, em julgamento da Ação Civil Pública – ACP, ajuizada por órgão de defesa do consumidor contra empresa do ramo imobiliário, objetivando a declaração de ilegalidade do repasse da cobrança da tarifa de emissão de boleto para os condôminos e locatários, haja vista não ter sido a única forma de pagamento disponibilizada, além de trazer cláusula expressa informando que o locatário ou condômino podem usar outros meios para quitar as obrigações, com instruções claras e adequadas sobre o pagamento com isenção da tarifa bancária.

A decisão merece ser criticada, todavia, inicialmente porque o caso tratava-se de relações locatícias, que pelo princípio da especialidade deverá ser aplicado a Lei 8.245/91 e não o Código de Defesa do Consumidor, conforme se denota da seguinte jurisprudência do próprio STJ, conforme se colaciona abaixo:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. COBRANÇA DE ALUGUÉIS. 1. MULTA CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 83/STJ. 2. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. MORA EX RE. PRECEDENTES. 3. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REDIMENSIONAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que ‘não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de locação regido pela Lei n. 8.245/1991, porquanto, além de fazerem parte de microssistemas distintos do âmbito normativo do direito privado, as relações jurídicas não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/1990’ (AgRg no AREsp n. 101.712/RS, Relator o Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 6/11/2015). (…) 4. Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp 1.147.805/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/12/2017, DJe 19/12/2017). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. CLÁUSULA EXPRESSA DE RESPONSABILIDADE ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. REDUÇÃO DA MULTA COM BASE NO CDC. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (…)

  1. Não se aplicam ao contrato de locação as normas do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.
  2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no AREsp 508.335/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/6/2015, DJe 3/8/2015).

Apesar do precedente da Corte Cidadã da inaplicabilidade do CDC nas relações locatícias e da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, deixando a lei de ser o único paradigma a ser seguido pelo julgador, conforme se defronta na análise do artigo 489, §1º, inciso VI, que com a clareza solar dispõe da ausência de fundamentação de qualquer decisão judicial, a qual deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Vale menção que não apenas o artigo 489 elucida a nova forma de conferir maior segurança jurídica e estabilidade à sociedade, como se observa a partir da leitura dos artigos 926 e 927 do CPC:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;

II  –  os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

  • 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.
  • 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
  • 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
  • 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Os supramencionados artigos sofreram influência da doutrina de Dworkin (2014), que pondera que o juiz deve ser fiel ao seu dever de integridade, colocando-se como um autor e, ao mesmo tempo, como um crítico “de um romance em cadeia, escrito por diversos autores”, somado ao fato que o capítulo posterior necessariamente deverá guardar relação com o anterior. De acordo com o aclamado professor de Harvard e de outras universidades em Londres tem-se:

Podemos comparar o juiz que decide sobre o que é direito em alguma questão judicial, não apenas com os cidadãos da comunidade hipotética que analisa a cortesia que decidem o que essa tradição exige, mas com o crítico literário que destrinça as várias dimensões de valor em uma peça ou um poema complexo.

Os juízes, porém, são igualmente autores e críticos.

[…]

Portanto, podemos encontrar uma comparação ainda mais fértil entre literatura e direito ao criarmos um gênero literário artificial que podemos chamar de “romance em cadeia”.

Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade.

[…]

Em nosso exemplo, contudo, espera-se que os romancistas levem mais a sério suas responsabilidades de continuidade; devem criar em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da melhor qualidade possível.

[…]

Deve tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor, e não, como na verdade é o caso, como produto de muitas mãos diferentes. Isso exige uma avaliação geral de sua parte”.

Diante da importância que passou a dar aos precedentes, o voto Relator do presente recurso Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e que possibilitou a abertura de precedente desfavorável ao consumidor quanto ao tema, ainda que tenha justificado seu voto nos seguintes fundamentos:

(…) Relativamente a quem deve suportar o custo desse serviço, esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não veda a estipulação contratual que impõe ao consumidor o pagamento das despesas de cobrança. Apenas determina que esse direito seja uma via de mão dupla, permitindo que o consumidor também seja ressarcido por eventuais despesas de cobrança dirigida contra o fornecedor.

(…) Ressalta-se, ademais, que não há um único documento nos autos capaz de comprovar que a autora deixou de informar os seus clientes sobre a possibilidade de quitação de seus débitos com isenção da tarifa bancária, sendo certo que incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. O pagamento por meio de boleto bancário, no caso, constitui uma facilidade colocada à disposição do locatário, que pode ou não optar por essa via, como bem ressaltado no seguinte trecho da contestação apresentada pela ora recorrente: “(…) A tarifa cobrada dos locatários é uma opção destes. Tal cobrança não prejudica, ao contrário, em determinada situação facilita a vida do cliente, dando-lhe meio mais confortável e facilitado de pagar seus alugueis. (…) O prestador do serviço, como é o caso da ré, oferece oportunidade de pagamento de forma mais fácil, a um módico custo, cabendo ao cliente, por comodidade e por opção, pagar tal custo, podendo optar por efetuar o pagamento de outra forma, também disponibilizada pela imobiliária, livre de tal taxa. No âmbito do mercado imobiliário, não se cobra a ‘tarifa doc’ como necessária despesa de cobrança – como ocorre com o caso dos financiamentos bancários, onde há imposição, mas para oferecer ao locatário a possibilidade de pagar o seu aluguel onde bem entender, ou melhor, onde lhe for mais conveniente e, circunstancialmente, menos dispendioso. O cliente da ré tem e sempre teve ao seu dispor a possibilidade de pagar no caixa da imobiliária, e em determinadas agências bancárias e casas lotéricas, sem qualquer despesa a título de ‘tarifa doc’. Que fique claro: No caso em discussão, não há imposicão da cobrança sem outra alternativa ao devedor, visto que, na unanimidade dos casos, a denominada ‘tarifa doc’ só é cobrada quando o cliente, efetivamente, e por comodismo pessoal, se vale do beneficio ofertado. O cliente tem à sua disposição, e de modo expresso explicitamente no ‘doc’ que recebe (ver docs.21 e seguintes) a possibilidade de efetuar o pagamento, sem qualquer custo, em locais conveniados com a ré, ou se assim o desejar, no próprio caixa da imobiliária, o que sempre lhes foi possibilitado, como é do conhecimento de todos que estão ligados aos serviços prestados pela imobiliária, menos, pelo visto, da instituição autora!” (e-STJ fl. 39). Não se antevê, portanto, nenhuma prática ilegal ou abusiva que justifique o juízo de procedência da presente demanda coletiva.”

Tem-se por inegável que o voto proferido pelo Ministro se deu em forma de relação locatícia, apesar de ter aplicado o CDC sob a justificativa de que os locatários e condôminos, ao pagarem os aluguéis e as despesas condominiais, seriam equiparados a consumidores, como vítimas do evento de consumo, na forma do art. 17 do CDC.

Com efeito, a análise do ementário do presente recurso causa dúvidas atualmente quanto ao atual entendimento do STJ sobre o tema conforme se extrai abaixo:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇOS PRESTADOS POR IMOBILIÁRIA. CUSTOS DE COBRANÇA. BOLETO BANCÁRIO. REPASSE. POSSIBILIDADE. ART. 51, XII, DO CDC. RECIPROCIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Ação coletiva ajuizada contra empresa do ramo imobiliário visando ao reconhecimento da ilegalidade do repasse da tarifa de emissão de boleto bancário aos condôminos e locatários em contratos de locação de imóveis celebrados com a intermediação da ré. 3. O Código de Defesa do Consumidor não veda a estipulação contratual que impõe ao consumidor o pagamento das despesas de cobrança. Apenas determina que esse direito seja uma via de mão dupla, permitindo que o consumidor também seja ressarcido por eventuais despesas de cobrança dirigida contra o fornecedor (art. 51, XII, do CDC). 4. Hipótese em que o boleto bancário não se constitui na única forma de pagamento colocada à disposição do consumidor, que pode se valer de outros meios de adimplemento das obrigações decorrentes dos contratos de locação celebrados com a empresa demandada, inclusive com instruções claras e adequadas sobre a possibilidade de pagamento com isenção da tarifa bancária. 5. Ausência de prática ilegal ou abusiva que justifique o juízo de procedência da demanda coletiva. 6. Recurso especial provido.

De todo modo, por todo o explicitado acima com a adoção do sistema de precedentes por meio do Novo Código de Processo Civil, tem-se notícias de empresas utilizando-se do precedente firmado pelo Ministro Villas Boas, em conjunto com a Lei de Liberdade Econômica para cobrar dos consumidores a taxa de emissão de boleto, apesar de fornecerem outros meios de pagamento, os quais constam juros de alta porcentagem, excetuado o pagamento à vista, se o devedor – consumidor escolher aquele método de pagamento, o qual encontra-se disciplinado pela Circular Bacen nº 3.598/2012, que prevê as seguintes espécies:

I – boleto de cobrança: utilizado para a cobrança e o pagamento de dívidas decorrentes de obrigações de qualquer natureza;

II – boleto de proposta: utilizado para possibilitar o pagamento decorrente da eventual aceitação de uma oferta de produtos e serviços, de uma proposta de contrato civil ou de um convite para associação (Inciso II com a redação dada pela Circular Bacen nº 3.656, de 2/4/2013).

Diante disso, o devedor – consumidor encontra-se desamparado de fato, pois a não ser que possua dinheiro para pagamento à vista, o que muitas vezes a maioria não possui, tendo que se sujeitar a um sistema injusto, ilícito e ilegal, amparado por esta decisão teratológica.

 

A Lei 13.455/2017, oriunda da Medida Provisória 764/16, regulamentou a diferenciação de preço dos bens e serviços ofertados ao público em função do prazo ou instrumento utilizado para pagamento, sendo exatamente isso que dispõe o artigo 1º da referida norma legal.

Pela leitura simplificada da normativa cabível e da presunção de que a taxa de emissão de boleto seria lícita, pela estrita possibilidade de diferenciação acerca dos valores cobrados sobre determinado produto ou serviço, no entanto, esta presunção não merece prosperar sob a análise que de a referida lei padece de vício de constitucionalidade.

Preambular menção de que as leis têm presunção de constitucionalidade, tendo como fundamento a segurança jurídica e o princípio democrático.

O controle de constitucionalidade para ser realizado deverá respeitar 4 (quatro) pressupostos essenciais, quais sejam:

  1. Existência de constituição escrita e marcada pela rigidez;
  2. Reconhecimento que a Constituição Federal – CF é norma superior (supremacia constitucional) e pressuposto de validade de todos os demais e pressuposto de validade para todas as demais normas;
  • Estipulação de uma relação de parâmetro, isto é, feitura de uma avaliação de compatibilidade entre a norma superior (Constituição) e o restante do ordenamento jurídico, conferindo primazia sempre a uma norma fundamental (superior);
  1. Estabelecimento de consequência jurídica ante a violação da parametricidade, como exemplo o reconhecimento da inexistência, da nulidade ou anulabilidade do ato inferior compatível com a Constituição.

Quanto à forma de inconstitucionalidade ao presente caso ocorre pela ação do Estado, em decorrência de um atuar positivo, o qual editou norma violadora a CF, seja do ponto de vista formal ou material.

O vício de inconstitucionalidade material refere-se ao conteúdo da lei ou norma. A inconstitucionalidade ocorre devido à matéria tratada contrariar os princípios ou violar os direitos e garantias fundamentais assegurados em nossa Constituição Federal.

Nas palavras de Barroso (2006)

A inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou o ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas.

Segundo, o entendimento referendado por Barroso ao confrontar o preceito constitucional de prever a proteção ao direito do consumidor como garantia fundamental e princípio da ordem econômica, se faz totalmente incompatível uma lei editada que permita a violação a tal preceito.

Insta salientar que viola a isonomia entre os consumidores, tendo em vista não serem todos os possuidores de dinheiro em espécie para realizar suas compras, sendo amplamente assegurado pela Magna Carta a igualdade, conforme denota-se da leitura do artigo 5º, caput. Nesse sentido, o parcelamento, permitido pelos cartões de crédito, é muitas vezes essencial para que indivíduos possam ter acesso a determinados bens e serviços, contribuindo para a preservação da sua dignidade.

Ademais, o precedente instaurado no RESP nº 1.439.314/RS e a Lei 13.455/17 coloca o consumidor em situação de extrema vulnerabilidade perante os fornecedores, os quais forçam os consumidores a pagarem mais, visando o acréscimo patrimônio para respectivas pessoas jurídicas, bem como aos sócios da empresa.

 

 

CONCLUSÕES FINAIS

 

Diante das explanações, reflexões elencadas no presente estudo, mas também da análise legal e jurisprudencial nota-se, patentemente, que o tema precisará de muito estudo e discussões, a fim de que se alcance, efetivamente, a proteção do consumidor em face da imposição da cobrança de taxa de emissão de boleto.

A principiologia do CDC não deixa dúvidas, que o consumidor é o elo mais fraco da relação de consumo, necessitando de especial proteção diante da sua vulnerabilidade.

Quando a Lei 13.455/17 possibilitou a cobrança de valores distintos, que dependerá do modo e tempo de pagamento, acabou por possibilitar que fornecedores estabeleçam os métodos de pagamento mais favoráveis a eles, seja à vista ou parcelado no cartão de crédito, bem como pelo boleto bancário, os quais irão se beneficiar das taxas, juros e da taxa sucessiva de emissão de boleto.

O STJ como garantidor da Lei Federal, que por meio do voto do Ministro Relator Villas Boas, o qual exarou o entendimento de que o CDC não veda a estipulação contratual, logo, impõe ao consumidor o pagamento das despesas de cobrança, assim, condenando de morte os princípios da isonomia e vulnerabilidade, previstos constitucionalmente presente neste Códex.

A Lei 8078/90 tem-se por irretorquível que as condutas tipificadas como práticas abusivas (art. 39) e cláusulas abusivas (art. 51) possuem rol meramente exemplificativo, cabendo análise caso a caso.

O entendimento previamente mencionado desconsidera o fato de que todas as cláusulas deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, veja-se, a partir do momento que se interpreta uma cláusula, na qual se possibilite a cobrança de emissão de boleto bancário está se transferindo ao consumidor – devedor mais uma obrigação, que por lógica pertence ao fornecedor – credor, pois aquele, paga custo adicional para cumprir a quitação, sendo dever deste, haja vista ser uma interpretação realizada como analogias in malam partem.

Por fim, demonstra-se mais a ilegalidade pelo fato do sistema jurídico brasileiro estabelecer como odiosa a condição do enriquecimento sem causa, o que foi amparado pela Corte da Cidadania e a Lei 13.455/17, portanto, mitigada a proteção do elo mais fraco da relação, ou seja, o consumidor.

Rousseau (1999) afirmou o seguinte: “A propriedade privada introduz a desigualdade entre os homens, a diferença entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância do mais forte. O homem é corrompido pelo poder e esmagado pela violência”.

Por outro lado, Nietzsche (2007) entendia que a desigualdade dos direitos é a primeira condição para que haja direitos.

De tal forma que ao correlacionar as citações em relação à realidade jurídica brasileiro, como também ao presente caso concreto, o qual se buscou analisar o fato, que estabeleceu a desigualdade de um registro histórico, no mínimo, desde a Idade Antiga, embora venha perpassado pelos séculos da humanidade, por causa disso,  o que se busca pelas Leis são extração ou extinção da violação ao direito consumerista ou minoração seus efeitos, enfim, a aceitação da diferenciação do preço e da cobrança da taxa de emissão de boleto, bem como a chancela do Legislativo e Judiciário, os quais perpetuam este nefando comportamento burguês.

     Referências

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BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.29.

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SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor Anotado e Legislação Complementar. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pág.8.

Notas:

[1] Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- Unijuí. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes (2021). Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2018). Integrante do grupo de pesquisa em Direitos Humanos, Justiça Social e Sustentabilidade- Unijuí. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil- Seccional Rio de Janeiro. Advogado

Palavras Chaves

Consumidor, Taxa de Emissão de Boleto,Práticas Abusivas.